Saturday, March 31, 2007

Proudhon: Greves e Conflitos de Classes


Mais uma vez, Proudhon espanta-nos e, para alguns, faz mesmo escândalo. O combatente de todas as lutas sociais, o solitário que queria “reconstituir o partido da revolução” e não hesitou em aceitar “o direito da força”, é também aquele que tinha as greves como forma de “chantagem” ( ele escreve a palavra ). Generalizadamente, muito depois das fluctuações do assunto do valor dos conflitos de classe, ele acabará por prognosticar a formação de uma vasta classe média no seio da qual se inscreverão as oposições entre poderosos e proletários, como o conjunto dos antagonismos inerentes a toda a sociedade.
Não está então esta “pequena burguesia” estimatizada por Marx e os seus seguidores. Cabe a cada um julgar. Ainda lhe convêm fazê-lo sobre puzzle, depois de ter substituído as posições que nós vimos evocar no se contexto histórico. É o que eu me proponho a fazer aqui, mantendo-me bem informado pelas grandes linhas de um pensamento complexo e que talvez nunca tenha encontrado a sua expressão definitiva.
Comecemos pelos julgamentos de Proudhon sobre o príncipio e a prática das greves. Muito isoladas, com efeito, ao longo da sua obra – já que ele não evocou o assunto mais que duas vezes, com vinte anos de distância – as suas condenações não terão uma grande repercurssão no seio do futuro movimento operário. Elas exigem alguma atenção, para apanhar a argumentação do autor e evitar cair no anacronismo.
Isto não vem antes das Contradicções económicas (1846), já que o tema é abordado de forma significativa. Uma primeira vez incidentemente, na página 184 do I volume (1), ao longo do desenvolvimento sobre os efeitos do machismo que ameaça a seguinte afirmação: “Hoje, a aliança e as greves dos operários parecem ter acabado sobre todos os pontos da Inglaterra e os economistas reúnem-se com razão à volta da ordem, dizendo mesmo pelo bom-senso”. Deixemos de lado o que pode ter de litigioso a constatação, para sustentar somente o acordo naquilo que ele tem de peremptório. Encontra-se a justificação – senão mesmo a demonstração – nas páginas 323 e seguintes da mesma obra, a propósito desta vez da repercurssão da fiscalidade sobre o jogo da concorrência. Tentemos resumi-la.
Acabado de descobrir os economistas clássicos, Proudhon aponta os apostulados da teoria liberal para fazer aparecer as “contradicções”. É nesta perspectiva que lhe convêm interpretar a sua explicação da passividade complacente do poder político no grave conflito que tinha tido lugar, em 1844, aos mineiros da margem-de-Gier. Terminando o trabalho para obter um aumento de salário num sistema de concorrência livre garantida pela lei, argumenta ele, os mineiros tendem a falsear o mecanismo da formação dos preços. Desde logo, não seria de espantar que as autoridades tinham estado do lado dos empreendedores. Se, com efeito, estes cedessem diante da aliança operária, eles encontrariam-se em posição de inferioridade em relação aos seus concorrentes e todo o equilibrio do sistema seria destruído. Por vezes o aumento das mercadorias anularia certamente as vantagens arrancadas. O direito social não sendo reconhecido, só o incómodo dos feitos estava disposta a regular o mercado: “Já que o trabalho não é reconhecido, ele deve ser a escravidão: a sociedade não subsiste a este preco” ( Loc. Cit., p. 323).
Certamente, pode-se estar chocado com uma tal atitude, não sendo como uma opinião estritamente proudhoniana. Mas como não ver que ele se agita num raciocínio pelo absurdo, deliberadamente provocante segundo a maneira do autor? Colocando no extremo as consequências do liberalismo, Proudhon quer demonstrar o absurdo. E, consequentemente, justificar a sua substituição por um regime contratual que, sem conhecer as leis da economia, seria conforme a Jutiça. Isso chama-se plagiar o falso para chegar ao verdadeiro.
Admitimos frequentemente que, esta última interpretação lógica, dissimulam-se outros inconstantes mais ou menos conscientes. Intimamente, Proudhon é um “homem da ordem”, como o diz o título do seu ambicioso tratado dos anos precedentes ( não terá deixado de salientar também a expressão “regresso à ordem” na citação mais eloquente ). É por amor à ordem que ele se afirma revolucionário. Mais, o seu profundo respeito pelo trabalho possuí-o institivamente a ter como anti-social o facto de interromper a produção pela violência. Ele supõe que as rebeliões isoladas não são só vaidosas, mas geradoras do mal.
Não se saberia conhecer que as condições da época corrumpiam terrivelmente esta forma de ver. No estado de desorganização onde se encontrava a classe operária, as greves só podiam ser pontuais com as reivindicações limitadas para o aumento dos salários ou a quebra das subsistências. A ameaça do desemprego e a certeza da repressão sendo quase sempre a contrapartida. Evitar estas misérias suplementares aos que oprimiam desde logo o peso da fatalidade podia portanto, compreender-se. um dia viria no qual a educação permitia-lhe associar-se para enfim uma mudança durável da sua condição.
Sem dúvida estes argumentos não deixaram de ser contraditórios, no mesmo meio histórico, por aqueles para que toda a revolta é fonte de progresso, mesmo quando ela se consulidava por um insucesso. Constatamos que isso não era o ponto de vista de Proudhon, nas condições da Monarquia de julho. Muitos só esperavam então uma mudança de regime. Outros viam mais longe e procuravam os meios de uma transformação completa da sociedade. O debate está, para certos olhares, sempre aberto.
Ainda mais curioso segundo os critérios de hoje, é a obstinação de Proudhon a comandar a greve até a toda a sua última e célebre obra, intitulada por um acréscimo de paradoxo: Da Capacidade política das Classes operárias ( 1865, póstumo ). Todo o IX capítulo, está lá consagrado, explicitamente intitulado: “As alianças operárias, questão indissolúvel no regime económico-político actual” ( pp. 372, sq. ). Antes de expôr as teses, que permanecem rigorosamente na linha dos precedentes, são necessárias algumas palavras sobre as circunstâncias que ameaçaram a redacção destas páginas. Atraindo o período “liberal” do seu reino, Napoleão III tinha sugerido no seu discurso de abertura da sessão do Corpo legislativo de 1864, uma modificação de artigo do Código Penal proibindo as alianças – quer elas sejam patronais ou operárias – como é de natureza falsear as condições do trabalho. Este texto era, sabe-se, saída da lei Le Chapelier de 1791 que, não querendo conhecer os indivíduos, tinha abolido as corporações do Antigo Regime. O desejo de imperador equivalia bem entendido a uma ordem.
Uma primeira redação, bastante prudente, dos novos artigos foi modificada com a exigência de Morny por uma comissão na qual Emille Ollivier era o repórter. Ela foi de seguida adoptada por um voto de 2 de Maio de1864. O novo texto não iria até legalizar as alianças, mas fazia uma simples contravenção em vez do delito punido de penas pesadas que elas eram primeiramente. É portanto contra o que podia ser tido como um sucesso de oposição de esquerda, que Proudhon desencadeia.
De entrada ele ataca, denunciando o risco de “colocar questões ardentes onde, algum partido que se toma, os inconvenientes balancem sempre as vantagens” ( p.372 ). E deixar entender que os autores do projecto – entre os quais figurava o seu colaborador Alfred Darimon! – estão contentes em fazer um assalto de demagogia com o poder. Os trabalhadores, que se pretende ridicularizar, foram “nesta circunstância estranhamente mistificados pelos _____” ( ibid ). E Proudhon explica porquê, referindo-se directamente às suas demonstrações de 1846.
O ponto de vista não mudou sobre “a concorrência anárquica, que desde 89 é a base do nosso sistema económico”. Mas, já que “o direito económico, então como hoje, era a mesma __ do direito”, ( loc. cit., p. 375 ), Proudhon recusa-se não menos obstinadamente que antigamente a esta contradição inerente ao sistema resolvido pelos palliatifs, que segundo ele não são definitivamente os astutos. A greve deve portanto ficar ilegal para que o sistema possa funcionar e que os trabalhadores, deixando de ser nascidos de ilusões, compreendam que é ele que é preciso mudar. Tolerando mais ou menos as greves, alargava-se ainda o domínio da selva. E a Capacidade de retomar quase palavra por palavra a fórmula das Contradições segundo a qual: “Como o trabalho não será dado a conhecer como soberano, ele deve ser tratado como servo”. Na “caverna dos ladrões”, que é a sociedade actual, “… não há mais direito de aliança como não há direito de chantagem, de burla e de roubo (…); foi isto que o Corpo legislativo reconheceu implicitamente, reservando certos casos onde este pretendido direito de aliança seria considerado como abusivo, ou seja, onde a coligação reapareceria tal como era primeiramente, mal-feita e culpada” ( pp. 382-386, passim ).
Na leitura destas páginas, nas quais a violência ainda nós citámos, pode acusar-se o autor da fúria dialéctica, do maximalismo ou outros excessos, mas certamente não tomar partido a favor dos exploradores contra os explorados. Ás vezes, sobre este assunto, Marx não a fez. Colocando-se num terreno exclusivamente económico, ele crítica na Miséria da filosofia ( § 5, Pléiade, pp. 128, sq. ) a argumentação do “tudo ou nada” de Proudhon. Segundo ele, os aumentos de salários obtidos no fim de um conflito victorioso não arrebatam fatalmente uma subida dos preços. Pelo contrário, elas podem estimular, graças ao progresso técnico, o melhoramento da produtivodade. O que, tem à luz da experiência, está exactamente revelado. Como está também marcada segundo a qual, é falso que os incómodos do mercado não possam acomodar-se numa legalização da greve, já que esta foi autorizada em Inglaterra desde 1825 pela Acta do Parlamento sem que o sistema se arruine igualmente. Na realidade, escreve Marx, “Quanto mais a indústria moderna e a concorrência se desenvolvem, mais elementos existem que provocam e auxiliam as alianças; e imediatamente as alianças tornaram-se um facto económico, tomando o dia-a-dia mais consistente, elas não podem demorar em tornarem-se num facto legal” ( op. cit., p. 132 ).
Sem nenhuma dúvida, esta forma de raciocinio aparece-nos hoje, conforme a evolução dos bens sociais que a condenação sem apelo à qual ela responde ( como, bem entendido, algum desprezo ). Para dizer a verdade, a diferença dos pontos de vista explica-se em grande parte pelas situações respectivas da época, do movimento operário relativamente ao capitalismo na França e na Grã-Bretanha. Mas não é isso também porque o pragmatismo britânico tinha desde logo optado por uma estratégia reformista, que as análises marxistas tivessem podido recusar tudo tanto quanto os proudhonianos ainda que por outras razões?
Portanto, se se examina mais perto, a atitude de Proudhon perante as greves não é – apesar de uma formulação que data – tão “reaccionária” que ela é geralmente afirmada, e menos ainda em ruptura com o conjunto do seu pensamento. É preciso dizer-lhe que o estado de desorganização da classe operária francesa era a natureza justificar as suas colocações ao olhar contra os trabalhadores. Agitando-se mais particularmente da lei de 1864, que provocou o último diatribe da Capacidade, ele não estava clarividente de a ter por um poder enfranquecido, procurando ameaçar a esquerda pelas concessões menores. Denunciando-as como uma cilada, Proudhon não tinha intenção de prejudicar.
Isso não conduz a nada, e é todo o sentido desta mesma Capacidade, que ele não chama de seus desejos o tempo onde a classe operária, constituída num poder autónomo, liberar-se-à da sujeição que a esmaga. Mas, à muito tempo que as condições não serão realizadas, as insurreições dispersas só podem agravar o mal. Esta rejeição circunstacial traduz também uma concepção, não maléfica mas progressiva, da revolução. Marcada pela trágica experiência de 48-49, aquele que nunca recusou um combate este também essencialmente exposto à violência puramente destruidora.” Aos meus olhos ele não cometeu um grande crime, escreveu ele, como a excitação da guerra civil “( Cor.VI-181 ). Eis o que pode surpreender, e portanto este foi a sua posição constante.
Nesta perspectiva, efectivamente, e apesar dos golpes de cólera que são ilusão, Proudhon não variou. O único adjectivo que lhe parece digno de ser perseguido é a realização da justiça pelos meios conforme as suas exigências intrínsecas. Toda a acção deve, tanto quanto possível, ser orientada segundo este critério. Longe de querer suprimir os antagonismos pela dominação de um campo sobre outro, ele tenta a sua tensão pelo motor do progresso. A “balança” dos opostos, segundo a sua expressão faconita, é a dinâmica das sociedades. Bem diferente de uma conciliação medíocre, ela está só e capaz de contra carregar os princípios de degradação sem deixar a obra, opondo-se-lhe uma violência criadora.
Tal é a ideia directora deste grande livro, tão mal cumprida, A Guerra e a Paz, que esclarece as presentes reflexões. Os conflitos e as fontes de conflitos existem por todo o lado, e de uma certa maneira eles são produtivos. Pretender suprimi-los pela força é em vão: é preciso resolvê-los, no pleno sentido, ou seja, submetê-los à Justiça. Assim a guerra, em vez de ser a negação do direito, pode tornar-se a parteira. Ruptura de equilíbrio, ela só será superada pela instauração de um equilíbrio superior, menos injusto que o precedente. Os antagonismos só deixarão de existir com a morte, mas não é essencialmente fatal que eles terminassem aos conflitos irresoluvéis. O direito da força é o oposto do reino da força: é a regulação permanente da força pelo direito.
A mesma dialéctica da arbitragem aplica-se aos conflitos do trabalho e, mais globalmente, aos que resultam das contradições da economia. Produtos de um desiquilíbrio entre os interesses nos quais a legitimidade pode ser equivalente, eles não serão eliminados pela predominância de um grupo sobre outro, ou seja, só pela força. Isso seria vê-los renascer na primeira ocasião. Uma transacção é necessária entre as forças organizadas, segundo o direito existente ou o seu perfeccionismo para vir. Como a guerra, argumenta Proudhon, a greve onde o lock-out são os efeitos da ausência do direito, senão dito da lei do mais forte. É preciso romper esta fatalidade e não invertê-lo. Não se fará parar um incómodo uma injusta por um incómodo oposto, pois “Uma vez sobre a costa do arbitrário a Democracia operária, não mais que o despotismo, não saberia parar-se”. ( Capacidade, p. 397 ). A pseudo-legalização de um golpe de força não faz parar a ditadura, mas consolida-a.
Visões utópicas, apologia do reformismo medíocre face às esperanças de uma irresistível victória do proletariado? Que cada um decida. Delimitamo-nos em marcar que a tendência geral das nossas sociedades é sobretudo resolver os conflitos segundo o método proudhoniano, enquanto que só uma minoria falível pregue ainda uma “grande noite”, na qual ele parecia por vezes, agravar-se , que Proudhon admitia, neste caso onde a opressão não oferecia nenhuma saída, o recurso à “resistência legal”: refúgio da conscripção, do pagamento de imposto, etc. Esta solução extrema não está bem próxima da “greve geral” que ________ proposera como arma suprema do sindicalismo revolucionário? Lá, bem como noutros domínios, duas tradições distintas podem reclamar o mesmo título do autor da Capacidade. A não violência, o que não quer dizer a mais moderada, poderia ser a mais fiel.
Sobre os bens entre as classes sociais, e mais precisamente a “luta das classes” no sentido marxista do termo, a obra proudhoniana oferece uma diversidade de apreciações susceptíveis de ser interpretadas nos sentidos opostos. Eles têm, efectivamente, variado segundo as épocas e as circunstâncias, o seu autor parecendo conter esta questão como muitos mais conjuntural do que doutrinal, e menos ainda sociológica. No conjunto, portanto, os saltos de humor colocados à parte, estes julgamentos sucessivos e por vezes quase simultâneos, inscrevem-se na perspectiva de uma confrontação aberta na qual nós temos visto a aplicação no caso particular da greve.
“Nascido e elevado no seio da classe operária, surgiam-lhe ainda no coração e nos afectos, e sobretudo pela comunidade dos sofrimentos e dos desejos”, como ele o proclama comconvicção na sua carta de candidatura à Pensão Sucral, o Proudhon dos debates é fortemente hostil aos detentores do poder no geral, e, mais particularmente aos poderosos. O que o leva a diagnosticar que “na multidão das causas secretas que agitam os povos, ele não gosta dos poderes, mais regulares, menos desconfiáveis, que as exploso~es periódicas do proletariado contra a propriedade” ( Primeira Memória, p. 315 ).
Constatação empírica, contudo, na teoria. Desde as Contradicções ( nomeadamente I, 286 ), vê-se atrair, a propósito do imposto para o qual todos devem contribuir conforme os seus meios, o projecto de uma “transação” inscrita no contrato social. Se se compreende bem, ele agitaria-se para estabelecer entre as classes uma trave, e talvez uma cooperação, benéficas para todos. A simpatia do autor e as suas proposições têm, contudo, como principal objecto assegurar aos trabalhadores o lugar preponderante que sempre lhes foi recusado. A tomada de consciência dos seus interesses colectivos, confirmado pela ciência económica, deve ser o instrumento.
Vêem então as jornadas de 48 e as seguintes funestas. Proudhon, que tinha desde o inicio, julgado esta revolução improvisada como chegar ao insucesso, está consternada pela ausência da educação do povo, que o comanda a abandonar os demagogos. De onde o surpreendente “Elogio da burguesia” que abre a Ideia geral da Revolução, para alguns o mais subversivo dos seus escritos. A tese é que o elo da classe burguesa, que fez 89, deve prosseguir. É encabeçando a revolução social que ela confirmará o seu papel dirigente. Senão, um fim irremediável está-lhe destinado.
A mesma ideia, simplificada, reencontra-se na profissão da fé para as eleições da Assembleia nacional e de outros textos contemporâneos. Poderia-se lá ver uma um pouco ingénua, mas isso seria conhecer mal a inaptidão do nosso homem ao dissimular o seu pensamento. No estado depressivo onde se deixaram os insucessos dos anos precedentes, ele remete-se para um sobressalto das elites. Durante este curto período, como o justifica uma certa privada, Proudhon que não está desprovido de uma fórmula, coloca as suas esperanças na “conciliação das classes, símbolo da síntese das doutrinas” ( a Langlois, de 18-5-50, Cor., III-263 ). Este será o tema, dando o flanco a tantos ataques, da Revolução social demonstrada pelo golpe de Estado de 2 de Dezembro.
Bem entendido o cinicmo e a corrupção do Império não deixarão de enganar estes cálculos ainda que não tenha feito o comportamento do povo, o qual pelo menos não é culpado de nada. Então, apoiar-se no quê? O vasto inventário da Justiça estabelecerá a urgente necessidade da Revolução e os meios irrisórios dos quais ela dispõe, ora aqueles da sua força interna. Nos últimos meses da sua vida, reconfortado pelas permissas da criação de uma grande associação operária, Proudhon anuncia à burguesia que o “seu papel chegou ao fim” ( Capacidade, p. 101 ). Contudo, a pena lança este anatema, ele prossegue: “A distinção actual entre as duas classes, operária e burguesa, é um simples acidente revolucionário. Os dois devem absorver-se reciprocamente numa consciência superior”. Curioso vai e vem!
É a mesma esta anticipação que parece reajuntar a última aspiração de Proudhon. Sem dúvida, é-lhe permitido utilizar incidentemente a expressão de “luta das classes” ( Príncipio, p. 296, por exemplo ), mas no sentido muito geral e mesmo com uma espécie de repugnância. Então a noção de conflito encontra-se sobretudo na sua obra, na qual é como nós tinhamos sublinhado uma das passagens essenciais. Se a oposição das classes tinha tido para ele uma importância da mesma ordem, ele não teria deixado de se explicar.
A resposta às múltiplas questões que se colocam a propósito de Proudhon, acaba sempre na conclusão que o que ele rejeita mais a dominação do homem sobre o homem, de um grupo ou de uma classe sobre os outros, de uma verdade sobre a verdade contrária. Pode-se dizer sem razão de ser desmentido, que a sua vida foi consagrada a combater todas as formas de opressão quaisquer que elas sejam e de onde elas venham, compreendendo-se aí as da origem popular. “Eu só quero o Hércules plebeu do que o Hércules governamental”, declara ele na Guerra e a Paz ( p. 28 ), que deve ler-se em relação estreita com as suas duas obras testamentárias: a Capacidade e o Príncipio federativo.
Em definitivo, a única preocupação proudhoniana é a da Igualdade, condição da Liberdade e realização da Justiça. Se a Revolução devia acabar com a ditadura do proletariado ou com a supremacia de um qualquer partidário do diálogo social, ela seria incomparavelmente mais grave que a desordem anterior. Que se faça ou não reservas sobre tal ou tal posição, ela pelo menos, não deveria causar-nos problema.
1 - Todas as citações são feitas, salvo indicação contrária, depois da edição Rivière ( Bouglé-Moysset).
2 - Ver neste assunto, a comunicação original e documentada de Rainer Riemenschneider: “Da resistência legal: o príncipio federativo proudhoniano na época da Segunda República”, in Arquivos Proudnonianos, 1996, pp. 35, sq.

Friday, March 30, 2007

PROUDHON, MARX E HEGEL



O primeiro encontro de Proudhon e de Karl Marx teve lugar em Paris em Setembro de 1844. Marx tinha vinte e cinco anos, estava em França desde 1843. Proudhon tinha trinta e cinco anos.
Nenhum documento directo foi encontrado sobre este encontro, nem sobre os meses seguintes. Nem no seu caderno de 1844, nem na sua correspondência desta época, Proudhon não lhe fez alusão. O que nós sabemos é retrospectivo. Os dois homens puderam-se ver frequentemente, durante todo o ano: Marx devia ser expulso de França em Dezembro de 1845 e retirar-se então para Bruxelas. Ele crê que ao longo deste ano parisiense eles tiveram um conjunto de longas conversações, análogas às que Proudhon tinha tido dois anos mais tarde com o russo Bakunine. “Eu conheço mais de vinte Alemães, todos doutorados em filosofia”, escrevia ele a Micaud a 7 de Novembro de 1845. Entre estes aqui, havia Karl Grün, Ewerbeck, Arnold Rüge, Fichte o jovem, e Marx. Este devia declarar o seguinte: “Ao longo dos debates que se prolongariam por vezes durante toda a noite, eu injectava, (…) um hegelianismo que ele não podia aprofundar, devido à sua ignorância de alemão “.
Portanto, segundo Marx, Proudhon, tendo conhecido Hegel por si próprio, quis aplicar o método hegeliano aos seus estudos sociais. Mas, tendo-o compreendido mal, a aplicação que ele tentou não fez nada. “Até um certo ponto, eu sou responsável pela sua “sofisticação”, palavra que se empregava pelos Ingleses para designar a falsificação de uma mercadoria . “A tese afirma-se desde 1847, na obra que Marx redige a Bruxelas e que ele publica em francês sob este título: A miséria da filosofia. “M. Proudhon, diz, não há dialéctica sem linguagem.” Ela é retomada após a morte de Proudhon, na carta ao Social-Democrata que tínhamos citado:
“Eu mostrei o pouco que Proudhon tinha penetrado no mistério da dialéctica científica; o quanto, por outro lado, ele partilha as ilusões da filosofia “especulativa”… Não tendo compreendido nunca a dialéctica científica, ele não chega só ao sofismo. (Crente no revolucionário e na dialéctica), ele não é no fundo como um pequeno burguês baleado constantemente entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo…
O pequeno burguês diz sempre: “de um lado” e “de outro”… Ele é a contradição viva. Se é demais, como Proudhon, um homem de espírito, ele saberá seguramente com as suas próprias contradições e elaborá-las segundo as circunstâncias em paradoxos impressionantes, por vezes brilhantes. (1)
A afirmação de Marx, com o julgamento de valor que o acompanha, foi retomada por muitos históricos de Proudhon e do seu pensamento, que de outro modo não entra no detalhe dos benefícios entre os dois pensadores. “Fascinado, escreve ele, pelo método hegeliano, no qual ele não entendia nem mesmo a utilidade… (2)“Sobretudo M. Armand Cuviller, no segundo tomo da obra colectiva “À luz do marxismo” (3)
Proudhon, que tinha… as pretensões a filosofia e que tinha desde logo, segundo a sua própria expressão, “entendido falar” de Hegel, deve questionar avidamente Marx… Remarquemos que é precisamente neste momento, como o marca a sua carta de 24 Outubro de 1844, que Proudhon concede a ideia das Contradições económicas, ou seja, a ideia de aplicar o método dialéctico - mais ou menos bem compreendido… - aos feitos económicos.
Mas tais julgamentos são forte sujeitos à caução. O artigo de Renouvier não parte de um objectivo a outro num panfleto, cheio de reflexões e de acusações injustas (4)
. Quanto ao capítulo de M. Cuviller, não pode defender-se ao encontrá-lo extremamente parcial. Tudo lá se volta, segundo o espírito da obra de propaganda onde ele está inserido, na grande glória, ou sobretudo na segunda glória de Marx e do marxismo. As meias assertações do meio-deus são seguidas obstinações. (5)
Resta o testemunho do próprio Marx, que foi criticado. Sente-se, efectivamente, nos seus propósitos uma hostilidade violenta aos olhos de Proudhon, com o qual ele não tinha tardado a debruçar-se.
Este debruçar explica-se acima de tudo pela “franqueza de Proudhon e a sua forte individualidade (6)”, quando Marx “tinha necessidade de reinar sozinho (7)
”. Em Maio de 1846, Marx tinha escrito de Bruxelas a Proudhon para o interessar sobre um projecto de correspondência regular que ele queria criar entre socialistas de diversos países: primeiro esboço de “Internacional”. Proudhon tinha aceite em princípio, mas recusou, delicadamente, deixar-se embriagar. Desconfiado do dogmatismo e do instinto tirânico de Marx, ele tinha-se colocado em posição contra a tentação àquela que tinha sucumbido o seu compatriota Martin Luther, falta de uma nova intolerância: “Nunca olharemos, tinha ele concluído, uma questão como enfraquecida, e quando nós tínhamos usado até ao nosso último argumento, recomeçaremos com a eloquência e a ironia; nesta condição, eu entraria com prazer na nossa associação, senão, não (8)!” Coisa mais grave, Proudhon tinha recusado ao mesmo tempo enfraquecer uma querela que Marx procurava em Karl Grün(9); ele tinha defendido aquele em termos de uma grande delicadeza, e procurava mesmo reconciliá-los num trabalho comum (10)! Enfim, ele tinha publicado um livro, a Filosofia da miséria, onde Marx podia discernir os traços da sua própria influência e daquela que o seu mestre Hegel, mas desde logo livremente assimilados (11). E muito bem. Marx era “vaidoso e invejoso (12)”, ele tinha “o dom fatal de não poder resolver uma querela sem deixar no sangue do adversário o veneno de uma brincadeira pessoal (13)”. Desde então, e até ao fim, ele não esgotará nos seus críticos a morada de Proudhon (14), a qual, de outro modo, se mostrava igualmente severa ao seu destino. (15)
Na Santa Família, que apareceu em Janeiro de 1845, Marx, em conversa com Engels, fazia ainda um grande elogio a Proudhon, que o defendia contra E. Bauer. Ele tinha a profissão de admirar as duas brochuras sobre a propriedade, este “manifesto científico do proletariado francês”, e não considerava seguramente o seu autor como o seu discípulo. Em Junho de 47, o regresso é definitivo. Na Miséria da filosofia, composta ao longo do inverno de 46-47 como uma réplica à Filosofia da Miséria, Proudhon é atacado e ridicularizado, ao ponto que esta obra mereceu ser apelidada Anti-Proudhon(16). Marx esgota “a vaga do seu disparate” e quer mostrar “como pode ele ter penetrado no mistério da dialéctica”. Mais tarde ele falará do seu”fatras” (17). A propósito da sua controvérsia com Bastiat, ele escrevera: “Isso ultrapassa o charlatanismo, a cobardia, em exagero e em fraqueza de todas as outras produções do mesmo autor”; “o nosso bom homem, acrescentava ele, faz grande exposição da dialéctica hegeliana (18). E ainda em 1866, a Kugelmann:
Senhores Parisienses… tomem o facto vulgar económico burguês, contentando-se o idealismo de Proudhon! Proudhon fez um mal enorme. O seu parecer de crítica e o seu parecer de oposição aos utopistas (ele também é um utopista da pequena burguesia, apesar que nas utopias de Fourier, de um Owen, etc., encontra-se o pressentimento e a expressão fantástica de um mundo novo) seduz-se primeiramente e corrompe-se a “juventude brilhante”, os estudantes, desde os operários, sobretudo os Parisienses, que, na qualidade de operários de luxo, permanecem sem o saber fortemente agarrados a todas as velharias.(19)
Breve, para Marx, Proudhon, incapaz de compreender a filosofia hegeliana, que Marx lhe tinha revelado, foi uma “contradição viva”. Mas também nós sabemos que Marx, “pessoal até à loucura (20)”, julgou Proudhon como partidário.
Se ainda nós interrogamos Proudhon, as suas declarações retrospectivas pareciam contraditórias. Parece-lhe convir, por um lado, que ele não conhecia nada de Hegel antes de ter reencontrado Marx e o pequeno grupo de hegelianos alemães que gravitava à sua volta, e que, antes de o ter conhecido por eles, ele quis aplicar o método. Mas, por outro lado, nunca nós o vimos fazer figura de discípulo.
Quis-se aqui fortalecer os dizeres de Marx pelos de Karl Grün. Mas só se pode fazê-lo por um erro de interpretação. Segundo Marx, Grün seria elogiado em ter sido o preceptor de Proudhon ao fazer a filosofia alemã. Mas Proudhon respondeu seguidamente: “Grün não me descobriu nada; se ele o disse, disse uma inpertinência, na qual eu estou certo que ele se repete(21)”. O erro foi acreditado por Saint-René Taillandier no artigo da Revista dos Dois Mundos, onde ele traduzia desajustadamente uma frase de Grün (22). Langlois, o editor da correspondência de Proudhon, devia lá enganar à sua maneira: “Foi Charles Grün, escreve ele, que lhe deu a substância das ideias hegelianas (23)”. A mesma assertação junto de Henri Baudrillart (24), junto de Henry Michel (25), junto de M. Paul Thureau-Dangin (26)
, junto de M. Georges Gurwitch (27). Mas desde logo, Sainte-Beuve não tinha deixado de observar o erro da tradução cometida por Saint-René Taillandier. É também preciso ler, junto deste, a página inteira de Grün, para clarificar tudo. Grün não diz que ensinou Hegel a Proudhon: ele diz o contrário que Proudhon o conhecia desde já, e que ele tinha “compreendido perfeitamente” o princípio da sua dialéctica, “esta imensa verdade, onde tantos Franceses encontraram o seu Waterloo”. Somente, acrescenta Grün, ele não tinha ainda nenhum conhecimento da dissolução da filosofia alemã pela crítica, e do aniquilamento de toda a sistematização filosófica. Eu tive o prazer infinito de ser, neste ponto, por assim dizer, o docente privado do homem que desde Lessing e Kant, não foi ultrapassado por ninguém, talvez pelo vigor da penetração (28).” Este recital notou a sua conversação do mesmo dia, e as suas relações são perfeitamente concordantes: “20 Dezembro de 44. Hoje, eu passei uma hora deliciosa com Proudhon. Nós trocámos cem milhões de ideias. Eu falei-lhe da filosofia alemã e da dissolução feita por Feuerbach… Eu procurava expor-lhe que por uma série de ideias Feuerbach tinha chegado a aniquilar a religião…,como a ciência do absoluto tinha-se-lhe tornado uma antropologia(29). Breve, o que Grün revelou a Proudhon, segundo o mesmo testemunho de Grün, não é Hegel, é Feuerbach (este Feuerbach no qual ele queria culminar todo o esforço do pensamento alemão, e no qual ele devia mais tarde editar os papeis póstumos). Proudhon cumpriu seguidamente o traduzido: “Eu vi, diz ainda Grün, como ele sabia lucrar das traduções e das análises por este significado impressionante que ele me disse sobre Feuerbach: “Mas, é o cumprimento da obra de Strauss (30)
“Grün não fica indiferente ao admirar a justiça da divisão. Mas onde ele faz ilusão, é quando ele conclui: “Eu espero ter preparado um resultado imenso; lá não existirá mais que uma só ciência social das duas margens do Reno (31)
.” Proudhon tem, por um lado, assimilado a lição: ele não contribuiu portanto com a sua adesão. Para o futuro, pelo contrário, nós vemo-lo ocupado em refutar Feuerbach, onde ele não negará a importância, mas onde ele não só seguirá a filosofia mas a interpretação de Strauss. Os Cadernos de 1845 e 1846 têm o testemunho das suas primeiras reacções, que são muito vivas, e a Filosofia da miséria será, desde a primeira página, uma tomada de posição muito clara contra o humanismo feuerbachiano (32).
Quando ele entra em relação com Marx e Grün, Proudhon conhecia qualquer coisa de Hegel no mínimo há cinco ou seis meses. É isso que comprova uma carta que ele enviara a Tissot a 13 Dezembro de 1839: “A lógica de Hegel, desde que eu a compreenda, satisfazia infinitamente mais a razão que todos as velhas apostilas nos quais nós nos enchemos desde a infância, para nos dar conta de certos acidentes da razão e da sociedade (33).” É isso que comprovam também algumas passagens da primeira (34) e da segunda Memória sobre a propriedade (35),onde está em questão a tese, a antítese e a síntese. Grün ainda, decididamente mais objectivo que Marx queria fazê-lo crer, tinha mesmo anotado: “Ele está bastante ocupado com a ciência alemã para aplicar a sua orelha contra a terra cada vez que o espírito se agita do outro lado do Reno… Ele soube apropriar-se da mesma substância da nossa ciência, e é com as nossas ideias que ele abasteceu os seus canhões contra a propriedade (36).”
Entretanto, Proudhon não tinha podido ler Hegel: nem no seu texto, já que ele não sabia alemão, nem mesmo numa tradução, pois, salvo o curso de estética, Hegel não será traduzido em francês (por Vera) só a partir de 1875. Ele declarava, a 19 Janeiro de 1845: “Eu nunca li Hegel (37).” Ele só poderia ter um conhecimento rudimentar, talvez pouco exacto, obtido através de algumas exposições e comentários surgidos em francês (38). É depois destes trabalhos que ele expõe e crítica o sistema hegeliano em dois parágrafos da Criação da ordem (39), e é ainda depois Willm que lhe falará na Justiça(40). Ter-se-à marcado a fórmula modesta que ele emprega na carta citada à pressa: “a lógica de Hegel, desde que eu a compreenda…”
Qualquer que seja o degrau do conhecimento que Proudhon podia ter de Hegel no momento do seu reencontro com Marx, não se deve esquecer que ele era um jovem homem. Ele tinha subido em diversas influências, sobretudo na de Fourier, seu compatriota, ele mesmo o amador da dialéctica, e no qual a discussão tinha um grande lugar na Criação da ordem (41). Ele tinha as suas ideias. Ele tinha a sua dialéctica. Ele esforçava-se em colocar no lugar “um método sério” e determinar as categorias (42). É mais Marx que, dez anos mais jovem, teria podido aprender, e talvez dar-lhe mais que ele não confessasse e que não se diz vulgarmente (43). É certo que desde os anos seguiram o seu reencontro, o pensamento proudhoniano devia penetrar rapidamente na Alemanha e na Áustria (44) bem como na Rússia, e o nome de Proudhon devia de lá ser bem célebre. Contudo, acessível a todas as influências, Proudhon teve então um momento de hegelianismo mais pronunciado, pelo menos na aparência; de onde uma fórmula como esta, que se lê numa carta a Ackermann a 4 Outubro de 1844: “Eu emprego a dialéctica mais profunda, a de Hegel (45)”. De onde ainda o propósito que ele tenta um pouco mais tarde a Langlois: “Os meus verdadeiros mestres, eu quero dizer aqueles que fizeram nascer em mim as ideias fecundas, estão em três nomes: a Bíblia primeiramente, Adam Smith em seguida e Hegel por fim (46).”
Um dia confessará, exagerando mesmo, esta excitação hegeliana passageira. Aproximar-se-à dela, criticando Hegel em nome de um método pessoal meio consolidado e mais consciente. Ele falará do “erro grave” que ele cometeu “sobre a lei de Hegel” e que ele está “em vias de corrigir tudo (47)”. Numa nota da Justiça, dirá que, “a exemplo” de Hegel, ele tinha adoptado nas suas Contradições económicas a ideia da síntese, que ele repudia doravante (48).



NOTAS


1 Destes aqui, Herzen aconselhou-nos do seguinte: Byloe I Dumy, citado no Raoul Labry, Herzen e Proudhon, p. 42. Cf. C. Bouglé, Junto dos profetas socialistas, p. 157: “Herzen conta como, um dia, Karl Vogt, em 1847, junto do músico Reichel, rua de Bourgogne, dissertar sobre o sistema de Hegel, entra directamente para junto de si. Ele volta na manhã seguinte para conduzir Reichel ao Jardim das Plantas. Que quer ele? Proudhon e Bakounine, colocados no lugar onde ele os tinha deixado, obstinados em prosseguir os debates que eles tinham entabulado a vigília”. “É provável, diz M. Bouglé, que desde já, com Marx, Proudhon passava assim as noites. Nestes dois cérebros geniais, civilização francesa e civilização alemã se confrontavam e, segundo o desejo de Heine, elas trocariam as suas armas”.
2 T. 6, p. 353.
3 Carta ao Social-Democrata, 16 Janeiro 1865. Marx disse ainda: “O que eu tinha começado, M. Karl Grün, depois da minha expulsão de França, continua.”
4 Miséria da filosofia, tr. fr., 1896, p. 249.
5 Reprodução na nova edição da Miséria da filosofia (1896), p. 250 e 257.
6 O ano filosófico, 1867, p. 64; p. 65: “Ele tinha recorrido à sofistica de Hegel”.
7 Karl Marx e o pensamento moderno, primeira parte, p. 162.
8 Como é também o artigo de F. Pillon sobre o anti-teísmo de Proudhon, surgido na crítica filosófica, 1874-75, t. 2. Ver ainda Renouvier, loc. Cit., p. 74: “procedimentos de sofista”; “inteiramente denunciado de integridade intelectual”; ele deve “passar a sua vida a jogar insolenemente com as suas ideias…, e morrer sem ter chegado à maturidade do espírito”.
9 Cf. Georges Duveau, Proudhon, Bakounine e as reacções operárias dos anos 60, no Espírito, 1937, p. 13, nota: “Proudhon tratado à luz do marxismo toma uma curiosa figura de pequeno rapaz falador travando na metafísica platónica e de sentimentos anti-operários.”
10 Edouard Dolléans, História do movimento operário em França, t. I, p. 219.
11 Otto Ruhle, Karl Marx, tr. fr., p. 108.
12 A Karl Marx, Lyon, 17 Maio de 46 (Confissões, apêndice, p. 434-435). Só esta frase faz realçar a oposição de dois homens e de dois pensamentos. Não se pode deixar de evocar a proposição de Péguy face aos socialistas unificados.
13 Em post-scriptum, Marx tinha escrito: “Eu denuncio-vos aqui M. Grün, em Paris. Este homem não é só um cavaleiro da indústria literária, uma espécie de charlatão que queria fazer o comércio das ideias modernas… Mais, este homem é perigoso. Ele abusa da consciência que ele estabeleceu com autores de renome. Cuidado com este parasita…” (Confissões, p. 433). Grün difundia próximo dos marceneiros parisienses menos as ideias de Marx que as de Proudhon (misturadas com as de Feuerbach); de onde sem dúvida a inveja de Marx, que, advertido por Engels, procura debruçar-se sobre os dois homens. Tal é pelo menos a explicação, um pouco malévolo para Marx, que propõe M. Daniel Halévy, Proudhon depois nos seus cadernos inéditos, no Ontem e Amanhã, 9, 1944, p. 40-42.
14 Confissões, p. 436-437.
15 M. Halévy dá ainda uma outra razão: “Proudhon, o primeiro entre os socialistas, misturou-se na escola dos economistas e tinha entendido dar uma forma científica ao que não tinha até então tido mais que sonho e utopia. Ora, é o que o jovem Marx se tinha disposto a fazer. Ultrapassado, ele devia aprovar o descontentamento.” Loc. cit., p. 49.
16 Bakounine, citado por Otto Ruhle, op. cit., p. 307.
17 Otto Ruhle, op. cit., p. 129.
18 Constantemente retornado sob a sua pluma a expressão surpreendentemente desconfiada do “pequeno burguês” (na edição citada da Miséria da filosofia, p. 201, 248, 256, 257). “Estilo ampulado”, “tom de saltimbanco e de fanfarrão”, “esquerda e desagradável do autodidata que fazia o erudito” (p. 253), etc.
19 Conhece-se a sua famosa expressão: “Marx é a “veia” do socialismo” (5º caderno, p. 169). Ele escrevera também, por exemplo, a Edmond, a 28 de Agosto de 51: “Eu fui a visita do filho de Fichte. Ele disse-me que A. Ruge, Marx e Grün formavam o triumvirato democ-soc para a Alemanha. Será verdade? Qualquer que ele seja, eu não tive oportunidade em satisfazer a influência que exercia o triumvirato sobre as ideias dos refugiados franceses de Londres. Os seus manifestos à Europa serão sempre também vazios, também rachados, como as famosas circulares.” (T. 4, p. 92-93)
20 À margem do seu exemplar, p. 113, Proudhon notou: “Na verdade, Marx é invejoso.” É o próprio Marx que designava assim a sua própria obra (Otto Ruhle, op. cit., p. 117-118.)
21 A Engels, 14 Agosto de 51 (Marx e Engels, Correpondência, trad. Molitor, t. 2, p. 179). Engels tratará mesmo Proudhon por “charlatão”, ele encontrará junto de si “uma amálgama da reclamação de Girardin e dos fanfarrões de Stirner” (ibid., p. 201; 27 Agosto 51). “Fatras”: é também a aproximação feita a Péguy, que revelava firmemente o significado, e vendo “o pequeno nome da liberdade”.
22 A. Engels, 24 Novembro 51 (ibid., p. 250 e 251).
23 9 Novembro 66. Cartas a Kugelmann, Biblioteca marxista, 1930, p. 60-61. Cf. Karl Schunz: “É de “burguês” que Marx tratava as pessoas que o permitiam contradizê-lo.” (Em Otto Ruhle, p. 165).
24 Bakounine. “Ele não abominou Proudhon porque o nome deste grande homem e a sua justa reputação pareciam dar-lhe prejuízo. Ele não é nada feio pois ele não escreveu nada contra Proudhon.” (Otto Ruhle, p. 307).
25 A Karl Marx, 17 Maio 46 (Confissões, p. 436). Proudhon não quer suster o rigor a Grün do que não foi, se a coisa é verdade, mais que um “pequeno acesso de vaidade”.
26 O ateísmo alemão e o socialismo francês, Revista dos Dois Mundos, de 15 Outubro de 1848.
27 Correspondência de Proudhon, t. 1, p. XXVI.
28 Revista dos Dois Mundos, 1º Fevereiro 1873, p. 607: “A influência de Hegel e o seu método chegaram-lhe através do jovem alemão…” O autor, é verdade, emenda-se de seguida: “Grün parecia ter-lhe feito conhecer mais ainda os discípulos de Hegel, como Feuerbach, e o próprio Hegel.”
29 A Ideia de Estado, p. 412: “Os famosos colegas com Charles Grün, graças aos quais o hegelianismo pode, de uma maneira geral, infiltrar-se no espírito de Proudhon.”
30 História da monarquia de Julho, t. 6, p. 139: “A dialéctica hegeliana na qual os mistérios acabavam por ser revelados (ele tinha sido iniciado por M. Grün, uma espécie de missionário hegeliano vindo de Paris em 1844)”.
31 A ideia do direito social, p. 331. Ainda assim M. Jacques Bourgeat, Proudhon, pai do socialismo francês, p. 74.
32 Citado por Sainte-Beuve, p. 210. Como o faz observar Sainte-Beuve, as palavras “sobre este assunto” da última frase foram omitidas por Saint-René Taillandier na sua tradução da mesma passagem, loc. cit., p. 297.
33 Sainte-Beuve, p. 211. “Proudhon, continua Grün, escutava-me com uma atenção que me dava um embaraço se eu não tivesse sido um pouco protegido pelos ombros do crepúsculo que tombava… Um peso foi elevado do coração de Proudhon quando eu lhe explicava como a crítica tinha percebido um dia o grandioso sol de Hegel.” (p. 212).
34 Ibid., p. 213.
35 Saint-René Taillandier, loc. cit., p. 297.
36 Ver infra, ch. IV, 1. - Em 1850, Prudhon recusara colocar no prefácio da sua reedição das Contradições económicas um estudo de Grün sobre os benefícios do seu pensamento com o de Hegel: em Boutteville, 20 Julho (t. 3, p. 315), M. Lucien Maury escreveu recentemente, na sua Introdução às páginas escolhidas de Proudhon: “Hegel, ele crê na aproximação ao longo das suas longas conversações com Grün, com Marx.
Ver-se-à em que sentido permanece uma tal assertação que deverá ser tomada. (T. 1, p. 17.)
37 T. 2, p. 231.
38 Em 1840, “A comunidade… é o primeiro termo do desenvolvimento social, a tese; a propriedade, expressão contraditória da comunidade, faz o segundo termo, a anti-tese. Fica por descobrir o terceiro termo, a síntese, etc.” (P. 324-325). Cf. Rist, História das doutrinas económicas, 4ª edição, p. 349, nota 4.
39 “As duas escolas… são uma e outra a tese e anti-tese; fica por descobrir a síntese, etc.” (P. 78.)
40 4 Janeiro 1845 (Sainte-Beuve, p. 210).
41 A Bergmann (t. 2, p. 176.)
42 Trabalhos de Cousin, Willm, Barchou de Penhoen, Lèbre, Ahrens. Cf. Bouglé e Cuvillier, Criação da Ordem, p. 19-20; G: Gurwitch, A ideia do direito social (1932), p. 331, nota 5.
43 Parágrafos 210 e 211 (p. 162-163).
44 Justiça, t.3, p. 499-503.
45 Parágrafo 214. “Génio exclusivo, indisciplinado, solitário, mas dotado de um sentido moral profundo, de uma sensibilidade orgânica, de um instinto divino prodigioso, Fourier enlaça-se num salto, sem análise e por pura intuição, à lei suprema do universo. Ele não conheceu a teoria séria; as classificações irregulares, e as fórmulas bizarras nas quais os seus livros são plenos em testemunhos; ele não descobriu nada nem na ciência, nem na arte, nem na metafísica, nem na organização industrial… Mas ele teve a primeira ideia universal da série; ele concedeu a transcendência; ele procurará a explicação, ele pressente o que era o absoluto… Isso chegava aos nossos olhos para lhe merecer o título… de revelador da lei séria.” (p. 166-167). Na edição de 1849, Proudhon acrescentara uma nota, onde ele dirá que isso era com Fourier “muito honroso”.
46 Cf. Confissões, p. 177, nota.
47 M. Droz quer mesmo que Proudhon tenha então ensinado a Marx certos princípios do materialismo histórico: P.-J. Proudhon, p. 88-89. Mas os textos que ele cita serem muito tardios para serem probantes; eles não remontam a mais que 1848.
48 Ela propaga-se por intermédio dos intelectuais refugiados, mas também pelos operários. Cf. A Javel, 12 Outubro de 48 (t. 11, p. 377).

Thursday, March 29, 2007

Que Nações, Amanhã


Qual pode ser o futuro da nação na hora da mundialização económica, da empresa aparentemente crescente dos sistemas políticos internacionais, dos progressos do individualismo e da comunicação generalizada? Não podemos seguramente responder com certeza a uma tal questão que compromete o mundo e o seu futuro, mas podemos propor hipóteses e confrontar as nossas opiniões sobre este assunto.
Queria antes de tudo tentar reduzir a ambição da questão e limitar-me ao futuro próximo; reformularei portanto a interrogação nestes termos: qual será o destino da nação num futuro relativamente previsível, aquele dos primeiros anos do XXI século? E por outro lado, desejo procurar se as hipóteses que tentaremos de esboçar podem encontrar justificativos no pensamento de Proudhon; será que Proudhon nos pode ajudar a formular algumas hipóteses sobre o nosso futuro imediato e sobre o futuro próximo da nação? Notemos, aliás, que Proudhon exerceu este tipo de interrogação perigosa e deu-nos um exemplo de tratamento razoável na sua obra escrita no fim de 1863: “Se os tratados de 1815 deixaram de existir”. Cerca de cinquenta anos após a assinatura dos tratados assinados pela aliança dos três imperadores, da Alemanha, da Rússia e da Áustria, após a queda de Napoleão, Proudhon interroga-se sobre o destino das nações europeias e tenta discernir o futuro. Calcula então que o exame da sua história passada autoriza a formular hipóteses verosímeis sobre o seu futuro. Tentemos portanto imitar a sua ambição.
Antes de começar a responder a esta questão, seria útil fazer um breve desvio histórico para lembrar algumas grandes linhas da história recente. E esta lembrança histórica sublinhará o carácter novo da questão colocada e a novidade da situação que ela evoca. Com efeito, a que é que assistimos desde há meio século a propósito das nações? Não certamente, à sua erosão, ao seu enfraquecimento mas bem pelo contrário à sua afirmação conquistadora, não sem ambiguidade, como veremos de seguida. Este reforço maciço dos Estados nações operou-se, podemos dize-lo em três vagas sucessivas:
1 A primeira vaga é a dos estados nações que tinham sido desmantelados pela forças do Eixo, e que recuperaram a sua soberania em 1944-1945. Foi o caso da Polónia que tinha sido anexada simultaneamente pela Alemanha nazi e pela União Soviética, da França, da Bélgica, da Holanda, ocupadas após a derrota em 1940. Em África, reconstituição da Abissínia tornada Etiópia; na Ásia, libertação da China e de todas as nações invadidas pelo exército japonês. Podemos acrescentar, nesta lista rapidamente lembrada, a criação do Estado de Israel, em 1948.
2 A Segunda vaga, não menos considerável pelas suas consequências históricas e esclarecedora para o nosso assunto, foi a das descolonizações, fase marcada por uma sucessão de guerras locais; longo período de trinta anos que podemos fazer iniciar desde 1948 pela independência da Índia, e que podemos fazer terminar em 1975 com a partida de Saigão do exército americano e com a independência das ex-çolónias portuguesas.
Sublinhemos bem a força destes movimentos de independência em direcção a Estados nações autónomos. Muitos observadores e actores políticos, em momentos diversos propuseram ou imaginaram outras evoluções. O general De Gaulle, por exemplo, imaginou durante um certo tempo que as sociedades africanas, anteriormente colonizadas pela França, poderiam seguir outras vias: constituir uma vasta Comunidade baseado no modelo da Commonwealth. Na Ásia, antes de Hiroxima, os japoneses imaginavam que o império militarista poderia lançar as bases duma vasta federação asiática. Outros, nos anos 50, afirmavam que os três países do Magreb formariam necessariamente o Grande Magreb. Todos estes projectos se mostraram ilusórios. Uma dinâmica histórica impôs-se, à escala do planeta, em direcção da forma do estado nação, quer dizer, sucintamente, um aparelho político reputado de independente e uma população indígena. Os movimentos de independência todos reivindicaram a mesma estrutura global, apesar dos dramas e das guerras civis como foi o caso entre a Índia e o Paquistão onde a independência foi seguida rapidamente seguida por uma guerra entre nações para a fixação das fronteiras.
3 A terceira grande vaga não foi menos significativa. Falo do que se seguiu ao desabamento da União Soviética e que confirmou, duma maneira ainda mais inesperada, esta tendência maciça deste último meio século em direcção à independência e a constituição das sociedades em Estados nações. Ainda nos anos 60, após o desaparecimento de Estaline, ninguém ou poucos observadores no Ocidente poderiam imaginar que a Ucrânia ou a Estónia iriam um dia erguer-se em Estados nações. Pensava-se que o internacionalismo comunista, mesmo debilitado e suavizado, tinha exercido uma influência suficientemente profunda sobre as populações da União Soviética para que as reivindicações independentistas não tivessem eco. Podia-se também imaginar que as sociedades de estatura reduzida não seriam tentadas pelo isolamento da autonomia. Ora, é precisamente o que se produziu e de maneira extrema em certos casos: os três estados Bálticos, que se pensava unidos pela sua cultura comum, e pela sua luta contra a Rússia, exigiram simultaneamente a sua independência e a manutenção da suas diferenças. Outros exemplos: a Checoslováquia rapidamente separada em dois estados, e, mais tragicamente, a Jugoslávia obstinando-se a dividir-se, e a retraçar numa certa medida, devido à Bósnia, a inventar fronteiras entre três Estados nações rivais.
Esta longa história, complexa, constitui de certa maneira a retaguarda paradoxal da situação actual e da questão que nos é colocada. Assistimos a estes dois processos que põem em perigo as nações hoje em dia: as nações parecem ser atacadas a dois níveis: ao nível das relações económicas pela mundialização das trocas de bens, de serviços e de capitais, e, ao nível das relações políticas entre Estados que instauram sistemas de consulta ou de integração sob múltiplas formas, como é o caso da Comunidade Europeia. Esta fase da história é bem uma nova fase, faz seguimento a este imenso movimento de construção e de reconstrução de Estados nações que se faz desde 1945. E, se quisermos voltar mais atrás no tempo, seria necessário lembrar o vasto movimento dos anos 1918-1920, após a primeira guerra mundial, onde já dois grandes impérios tinham sido destruídos, o império austrohúngaro e o império turco, dando lugar à constituição da Grécia, da Hungria, da Áustria, em Estados nações. Lembrávamos também a anterioridade de quatro movimentos históricos desde o princípio do século. E é, paradoxalmente, após esta história dum século de afirmação das nações que este sistema parece vacilar e, parece, anunciar todo um outro mundo.
Estamos, ou estaríamos, num momento novo da história onde se formariam figuras históricas em ruptura com as figuras de ontem. Mas onde estamos e como se nos apresenta a configuração de hoje no que diz respeito o destino das nações, e como podemos imaginar a sua sorte num futuro próximo?
Proudhon forjou uma expressão extremamente fecunda e que podemos retomar: a expressão “Sistema das contradições” que anuncia dois desenvolvimentos e duas hipóteses de trabalho. A primeira hipótese diz respeito à existência de contradições económicas, sociais, políticas, e também culturais, que importa por em evidência. A Segunda hipótese introduz a ideia que estas contradições fazem sistema, que elas são de alguma maneira interligadas, e que importa também analisar o seu modo de relação no sistema.
Comecemos portanto, como Proudhon nos convida, a reflectir sobre o Sistema das contradições económicas actuais.
Entramos, como se repete várias vezes, numa fase de mundialização económica, mundialização das trocas de mercadorias, generalização das trocas financeiras, extensão do sistema das trocas ao nível mundial.
Extensão maciça dos meios de comunicação que formam hoje em dia um cenário universal. E mais ainda, a existência de grandes instâncias mundiais de regulação financeira, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, capazes de agir de maneira concertada junto dos diferentes governos. Fenómeno novo, ulterior à segunda guerra mundial, onde vemos estas instâncias financeiras internacionais intervir sucessivamente no México, na Tailândia, na Coreia, na Indonésia, em qualquer lado onde se desenvolvesse uma crise financeira e económica. E a Europa cria também um sistema monetário integrado absorvendo as antigas moedas das nações da Comunidade.
Há efectivamente um sistema, mas é um sistema de contradições acrescenta Proudhon. Estas contradições não cessem de ser lembradas. A chamada mundialização das trocas faz-se entre nações tendo as possibilidades de acesso ao mercado completamente diferentes, faz-se maioritariamente entre as nações ricas. E parece que estas contradições são mais resistentes que eram há vinte ou trinta anos. Logo que a União Soviética ainda existia, este facto da desigualdade entre nações pobres e nações ricas era analisado, denunciado. Nos anos 60, muitos desenvolviam a ideia da troca desigual entre as nações, e a da pilhagem do Terceiro Mundo pelas nações industrializadas. E havia imensos casos de exemplos, para justificar esta ideia duma espécie de luta das nações substituindo a luta de classes. Mao Tsé Tung chamava à união das nações desfavorizadas contra os países ricos, e este tema era também de movimentos revolucionários na América latina.
Hoje em dia, o que parece mais brutal é ante a progressão dos países mais industrializados, a emergência também de novos pólos de progressão rápida, e a estagnação relativa dos países pobres. Em grandes traços, reencontramos uma situação que evoca os primeiros anos do XIX século, quando assistíamos a uma dupla progressão paralela: progressão da produção das riquezas por um lado, e, simultaneamente, progressão da pobreza. Mas a interpretação deste duplo desenvolvimento da desigualdade não é de todo o mesmo. Marx pensava, e muitos outros com ele, que a riqueza só provinha da exploração do trabalho. Hoje, vemos muito mais a desigualdade crescer na razão do dinamismo dos países industrializados ao ritmo das invenções tecnológicas. Os economistas liberais não deixaram de pensar que o desenvolvimento económico duma nação arrastava, por via das consequências, o desenvolvimento das outras nações, mas verifica-se sobretudo que as novas formas de relações entre as nações criam mecanismos de desemprego e de exclusão social. Vemo-lo hoje na Rússia, do mesmo modo que na Coreia do Sul ou na Algéria: desde que os conselheiros da Banca mundial intervêm e propõem, como se diz pudicamente “reformas”, ou menos brutalmente, logo que os Estados querem aplicar as regras capitalistas de racionalização, elas arrastam vagas maciças de licenciamentos. Racionaliza-se para melhor produzir e vender, mas, contraditoriamente, retira-se a múltiplos trabalhadores e assalariados os meios de adquirir.
Proudhon tinha melhor compreendido esta contradição provocada ao mesmo tempo pela extensão das técnicas, do maquinismo, da divisão do trabalho, e igualmente pela intensidade das concorrências. Analisava sucessivamente os efeitos criadores da concorrência (tais como a baixa dos preços) e os seus efeitos devastadores. O que dizia continua, sob formas renovadas, a reproduzir-se.
Contradições económicas a nível mundial, contradições económicas igualmente no seio das nações industrializadas como a França onde, por sequência de múltiplos mecanismos ( restruturações, privatizações, descentralizações, sobrecargas dos cargos públicos), a taxa de desemprego permanece elevada. Proudhon dizia já que esta dimensão mortífera da concorrência económica destruía a autonomia dos trabalhadores em benefício dos chefes de empresa; hoje, diríamos sobretudo exclusão dos trabalhadores sob múltiplas formas, e o abatimento dos poderes de resistência. Além disso, os fenómenos de crises que eram tão receados no XIX século, não desapareceram, batendo tanto uma nação, como uma vasta zona económica, como vimos na Ásia e no Sudeste Asiático.
Evidentemente, nesta mecânica mundial, neste sistema de contradições, as nações mais indefesas são as mais ameaçadas. Acontece o mesmo ao nível político?
Se nos interrogarmos sobre a configuração política actual, não seremos conduzidos a pensar que a expressão proudhoniana de “ Sistema das contradições políticas” se aplica adequadamente à situação?
Há bem um sistema político mundial, um sistema de Estados, relativamente integrado, simbolizado pelas Nações Unidas e por todo um conjunto de sub-sistemas intermediários, uns político militares como a Nato, outros económicos como a Asean, outros com vocação cultural ou humanitária como a Unesco ou a Unicef. Um sistema não significa uma organização gerida do vértice por um poder imperial. O sistema político mundial compõe tudo ao mesmo tempo relações de força, potências militares, grupos de pressão em número indefinido e de forças totalmente diferentes: é um enredo de sub-sistemas.
A palavra “sistema” não é talvez a melhor para designar este enredo gigantesco e sempre em mudança. Podemos preferir “sistema complexo ou hiper-complexo”; alguns propuseram “magma”, magma de forças, de comunicações, de pressões permanentes, ou ainda “caos”. Entretanto o conceito de sistema tem o mérito de por o acento sobre a multiplicidade das relações entre os actores privados e colectivos, entre as forças, e sobre o facto que toda a força, todo o acontecimento é susceptível de repercutir-se quer seja sobre um sector limitado do sistema, quer seja sobre a sua totalidade. Uma crise monetária ou financeira na Tailândia ou na Coreia do Sul repercute-se na Singapura ou na Indonésia, e em certos casos, duma maneira imediata devido aos meios actuais de comunicação. Mas esta noção não significa que os indivíduos privados ou colectivos não sejam dominados pelo sistema. Os indivíduos e as organizações agem, intervêm com mais ou menos poder e eficácia; somos todos participantes deste sistema, mais ou menos actores, mais ou menos vítimas, e as nações são actores e/ou vítimas.
Além disso, “sistema” não significa ( e, para Proudhon, de modo algum) sistema organizado, e, menos ainda, racional. É um sistema de facto que se construiu através das guerras e das violências: como diz Proudhon na “Guerra e Paz”, uma vitória militar enuncia um veredicto, decidiu duma fronteira, duma anexação, e uma nova ordem impôs-se que serve provisoriamente de moldura ás acções. Um sistema, uma “nova ordem mundial” e, por definição, provisória e mais ou menos frágil.
Sistema das contradições a dois níveis: em primeiro lugar no sistema no seu conjunto, e, de outro lado, nos seus diferentes componentes.
O conjunto do sistema é composto de forças imensamente desiguais. Centro-África ou Madagascar têm mandato das Nações Unidas do mesmo modo que a China ou os Estados Unidos, mas têm pouca influência face a estas grandes nações. Sistema, portanto, de forças desiguais, dominado pelos Estados Unidos, dirigida em certos casos pela superpotência americana, mas as relações de força são todavia móveis, a dominação nuclear é contestada pela Índia, pela China, pelas iniciativas militares no Médio Oriente contestadas pelos países árabes. Sistema portanto, desigual, dividido por tensões múltiplos, ameaçado em permanência de desequilíbrio. Relembremos que, para Proudhon, a dominação política, militar, duma superpotência é a situação mais perigosa para a manutenção da paz. Neste texto de 1863, “Se os tratados de 1815 deixaram de existir”, faz do equilíbrio entre Estados nações, a melhor garantia da paz internacional. Opõe então dois tipos de tratados: os que rectificam, segundo a sua expressão, o direito da força, e, por outro lado, os que procedem e regulam o equilíbrio entre estados nações independentes e de força comparável. Graças a este equilíbrio assegurando a pluralidade e o respeito recíproco das nações, a independência de cada Estado pode desenvolver-se, a exigência popular de liberdade política encontrar formas de expressão, em primeiro lugar pelo estabelecimento duma Constituição política, definindo os direitos de cada um. A existência dum Estado dominador, reconduziria as relações internacionais ao direito da força, ao direito da guerra.
Por outro lado, os Estados nações que compõem este mega sistema internacional, são eles próprios, mais ou menos, focos de contradição.
Deixei em suspenso até aqui, o grande tema de Proudhon, a sua reflexão sobre o Estado nação, a sua crítica dos estados, a sua defesa das nações. Sabemos que a razão essencial que o leva a construir a sua teoria federalista é a consciência do perigo que constituem os grandes Estados, forças centralizadoras e opressivas, fruto de estruturas burocráticas e de guerras.
Será que hoje, os Estados conseguem integrar as nações que os compõem? Será que os Estados autoritários atingem melhor ou pior que os Estados democráticos? As respostas contraditórias estão inscritas nos factos: o Ruanda, reputado de democrático, é dilacerado por um genocídio. Estados nações não cessam de ser atravessados pelas lutas das minorias contra o regime estadista que lhes é imposto: os Curdos na Turquia, os Tibetanos na China, os Kosovares na Jugoslávia, mas quantos outros: Ameríndios na América do norte e do sul, Arménios na Rússia, Bascos em Espanha, Árabes em Israel, etc. Estas minorias repõem a questão: “O que é uma nação”, e elas colocam-na nos factos e nas aspirações colectivas. Será que o Quebeque constitui uma nação? Seguramente que sim para os adeptos da independência. Para eles , o facto do Quebeque seja constitucionalmente, uma província do Canada não é, e não deve ser, um obstáculo à vitalidade económica e cultural do Quebeque que é, aos seus olhos, uma nação. Mas a maioria dos Canadianos anglófonos não o entendem assim e recusam que o Quebeque se considere como uma nação e potencialmente como um Estado nação.
O sistema político mundial não é portanto uma “ordem”, mas bem um sistema movediço e aleatório, aberto às violências e às decisões arbitrárias das potências.
As culturas têm alguma importância nestas violências? Consideremos portanto o terceiro sistema, não mais económico, não político, mas cultural. Proudhon atribuiu uma importância considerável, bastante mais que os analistas liberais e que Marx na mesma época. E não podemos hoje fazer tábua rasa das questões culturais (língua, hábitos, costumes, direito privado, crenças, religiões, ideologias políticas, imaginário social, formações científicas...) Ainda aí, consideremos o sistema cultural, se há um, e as suas contradições.
Há um sistema cultural universal? Esta foi a tese de Mac Luhan da revolução mediática conduzindo a uma via cultural internacional, à aldeia planetária; tese actualizada e parcialmente realizada com a extensão da Internet. E, com efeito, produz-se, a todo o instante hoje, uma circulação de informações, de mensagens, de imagens, e esta circulação não para de se desenvolver. Mas estas trocas múltiplas, importantes ao nível das trocas comerciais, financeiras, bolsistas, não afectam que de maneira reduzida a vida quotidiana. As trocas da vida quotidiana, familiar, local, nacional, continuam a fazer-se, bem entendido, em japonês no Japão, em chinês na China, em inglês na Inglaterra...
O que se assinala, a este nível, e, ainda aí, é uma relação de força entre culturas mais ricas, mais dinâmicas no domínio mediático, como os Estados Unidos e os Estados europeus e asiáticos, e as culturas menos poderosas, menos exportadoras, resultado de países menos poderosos, como os Estados nações do Terceiro Mundo. Os Estados Unidos tentam dominar as culturas nacionais e alcançam localmente mas falham noutras partes ou mesmo, suscitam atitudes agressivas e repulsivas nos países que se sentem ameaçados na sua religião, como certas nações islâmicas.
A Segunda questão a colocar, sempre nesta análise das contradições, é de saber se as componentes deste sistema cultural, os estados nações, estão na dimensão de assegurar quer a coexistência pacífica entre as suas culturas internas, quer a unidade duma cultura dominante. E a resposta a esta questão será importante para o futuro destas nações.
Não há evidentemente uma resposta a esta questão. Temos, sob os nossos olhos, todo o tipo de assunto a este assunto, desde os Estados nações culturalmente homogéneos até aos Estados conflituosamente divididos ou dilacerados por oposições culturais aparentemente insuperáveis. Certos Estados de pequena dimensão têm uma forte unidade cultural, como a Coreia do Sul ou Taiwan. Alguns, de longa data alcançaram a tolerância, ou a indiferença recíproca, como a Suíça. E outros, as minorias culturais são fortemente dominados pela maioria, como no Japão ou na China, país que tem uma longa tradição de tolerância e de vigilância das minorias ditas nacionais. Outros ainda compõem estas minorias mais liberalmente, como os Estados Unidos. A França proclama o seu multiculturismo, mas não o realiza que formalmente. Outros, enfim, são atravessados por divisões pouco afastadas da verdadeira guerra civil, a Turquia, a Índia, ou em guerra civil aberta como Angola, o Sudão, a Sérvia, a Algéria. Em múltiplos países assiste-se à reaparição de conflitos que abordam as divisões étnicas, sinuosidade das populações sobre fechamentos religiosos e étnicos.
Que concluir desta rápida síntese (rápida e certamente discutível): qual poderá ser o futuro da nação, pelo menos a curto termo9?
Seguramente, entramos num novo período, marcado pela emergência de novos sistemas de integração e de organização, por um lado, e de fortes contradições destes sistemas, de outro lado. Sistema económico mundialisado, mas atravessado de tensões, de crises e de incerteza. Sistema político aparentemente unificado por instâncias mundiais, mas, na realidade, dominado por uma única nação que gera os conflitos pela sua dominação. Sistema cultural que nunca foi integrado e que o não é hoje mesmo se uma ideologia como a dos direitos do homem é formalmente tida por universal. De modo que, parece-me, nenhuma das três hipóteses (mundialismo, internacionalismo, federalismo) não anuncia as formas que irá tomar o futuro das nações a curto e o meio termo. Há certamente, como vimos, processos parciais de mundialização da qual a extensão mundial das trocas internacionais é a ilustração, mas esta extensão capitalista não cessa de suscitar tensões, crises e não arrasta necessariamente o declínio político das nações. Há certamente formas de internacionalização da informação, dos saberes, mas elas podem ser compatíveis com as divisões entre os Estados nações e, por outro lado, a dominação dos Estados mais poderosos tendem a destruir o internacionalismo pela sua dominação unilateral. E quanto ao federalismo, podemos ser futuramente uma versão, muito pouco proudhoniana, na Europa, mas vemos mal como o japonês, os chineses ou os vietnamitas imaginam a converter-se.
A hipótese duma diluição das nações no sistema mundial pacificado esquece parece-me, a diversidade de forças e de situações, a complexidade económica, política, cultural, do mundo actual. Mas ela esquece também a profunda resistência dos povos e das culturas no curso da história. Não é necessário para imaginar o futuro, tomar em conta esta evidência da sobrevivência singular dos povos que, mesmo privados durante séculos da protecção de estruturas estaduais, dispersos através o mundo, chegaram a subsistir, a transmitir sinais de identidade, e a reivindicar o seu reconhecimento a partir do momento em que o Estado é menos constrangedor? Arménios, Curdos, Ameríndios, são exemplos mas outros casos podem ser evocados, todos reivindicando antes de tudo, serem reconhecidos como uma nação. E, por contradição suplementar, é quando o Estado nação se enfraquece que estes povos dispersos se reorganizam e vêm agitar a hipótese de extinção das nações.
Em conclusão, parece-me contas feitas deste panorama brevemente esboçado que as nações do mundo actual poderiam conhecer caminhos muito diferentes, em função do seu passado próximo e longínquo, em função das pressões internas e externas da qual eles são ou a origem ou as vítimas. Podemos também imaginar que as nações conhecerão evoluções muito diferentes: que algumas, apesar das mudanças e das dificuldades, prosseguirão a sua história (o Japão, a Inglaterra) outros serão ameaçados de mutações profundas ( a Turquia, a Indonésia) e outros enfim, terão que afrontar a luta pela sua sobrevivência ( a Sérvia, a Ucrânia, Taiwan...) Cada nação é chamada a conhecer evoluções particulares no seio destas imensas contradições que dividem i mundo hoje em dia. Na qual destas categorias estão comprometidas as nações da construção europeia e conhecerão elas destinos paralelos? A história não está ainda escrita, mas a inquietude de Proudhon reencontra hoje uma perturbante actualidade: na ausência dum verdadeiro equilíbrio dinâmico entre estados nações de força comparável, não é de temer que se constitua um super estado, chamado a dominar os Estados mais fracos numa relação de força e de dominação? Relembremos que Proudhon não se cansou de denunciar esta dominação imperial como a antítese mesma da democracia e do federalismo, como o modelo eminente da alienação política.

Wednesday, March 28, 2007

A Dialéctica de Proudhon: Uma Dialéctica da Liberdade


Basta uma breve vista de olhos sobre a literatura secundária para se perceber que os estudos consagrados a Proudhon inscrevem-se na maior parte das vezes numa perspectiva sociológica ou política, raramente filosófica. Proudhon não é levado a sério pelos filósofos, e os sociólogos e políticologos que partilham o discurso sobre ele deixam de lado o plano mais propriamente filosófico.
O caso da dialéctica, verdadeiro nexo de todo o pensamento proudhoniano, é particularmente característico nesta perspectiva. Desde 1936 1, nunca existiu publicação que lhe fosse especificamente consagrada; ela faz unicamente o objecto de alusões ou de breves capítulos na margem de trabalhos orientados sobre outras questões. Como explicar esta falta de interesse das críticas por um dos temas centrais do pensamento proudhoniano, nos mesmos dizeres do seu autor 2, senão pelo desinteresse por toda a parte, mais propriamente filosófica da obra proudhoniana?
O problema não é datado. Se se toma em consideração a primeira recepção dos dois textos onde Proudhon expõe a sua concepção da dialéctica, Da criação da Ordem na humanidade e Sistema das Contradições económicas 3, constata-se que a parte filosófica destes escritos é, desde o surgimento, o objecto de inúmeras críticas. Proudhon queixa-se de si mesmo num texto que fixa de algum modo, negativamente, o quadro interpretativo que lhe convinha aplicar e o bem que ele concebe entre as diversas partes do seu sistemas, filosófico, político e religioso. Um ano depois da aparição da Criação, Proudhon escreve ao seu amigo Ackermann:
« Vós solicitais que eu tenha partidários. Eu confesso-vos muito humildemente - ou convictamente - que neles não acredito. - Pauthier encontra a minha teoria muito especial; (…) Tissot pronuncia claramente que a minha metafísica não é nada; a Revista independente declarou que me iludo; Pierre Leroux aproxima-me em ter atribuído a Fourier a primeira percepção da lei serial, sem explicar-se aliás; a grande parte diz que eles não me compreendem.

» Para o resto, uns aceitam a economia política e a teoria das funções; outros são arrebatados ao ver a religião atamancada, mas não admitem que a filosofia não seja nada, e vice-versa (…). Os republicanos sabem pouco dos meus trabalhos, porque eu não sou partidário cego da guerra, das fortificações de Paris, e outras opiniões revolucionárias; os comunistas, que não se figuram como dois princípios contraditórios (propriedade e comunidade) podem formar uma Síntese que os absorve e os transforma, olhando-me quase como um legítimo meio 4.» Por isso a constatação de incompreensão, aproxima-o de que Proudhon formula acerca dos seus difamadores ao despedaçar de alguma forma o seu pensamento para meter só um aspecto, político, religioso ou filosófico, em detrimento dos outros, sem compreender a ligação orgânica que os une.
Apesar dos ecos bastantes negativos em França e a recepção na Alemanha, favorável seguramente ao primeiro texto 5 mas francamente hostil ao segundo, que ocasionara a ruptura com Marx 6 (a atitude de Marx perante Proudhon desde 1846 7 tem também, sem qualquer dúvida, contribuído em descrédito 8 daquele e do seu projecto dialéctico), Proudhon não desarma; seguramente ele não consagra nenhum capítulo específico ao tema da dialéctica nos textos posteriores no Sistema das contradições económicas, mas o conjunto da sua obra só se compreende a partir da dialéctica, que a sub entende ligando-a às diferentes partes.
O carácter doravante mais misterioso da dialéctica derrotou os interpretes, que transferiam o seu interesse sobre os problemáticos explicitamente temáticos do pensamento proudhoniano. Mesmo P. Haubtmann, nos seus notáveis titânicos estudos sobre Proudhon, faz pouco caso desta dialéctica, que ele considera como um capítulo terrível do pensamento proudhoniano e sobre o qual ele ironiza com inspiração. Certamente, «força está-lhe (…) por outras palavras, mas, apercebe-se, ele não o faz só como um manifesto de má vontade e não deixa de destacar o seu desacordo quanto ao pretendido carácter luminoso e decisivo que Proudhon empresta à sua teoria («nós não partilhamos o seu conselho (o conselho de Proudhon), escreve ele a propósito da evidência da lei séria como critério de certeza) 9. Incerta poeira aos olhos sem real fundamento, a dialéctica séria surgia «mais obscura que convincente, mesmo se se admite as suas conclusões» 10, confusa por outro lado, os desenvolvimentos que lá consagram Proudhon “são de tal modo verbais, indigestos, e obscuros que ele não os considera útil “acompanhar” 11 . Na filosofia social de P.-J. Proudhon, ele persegue a mesma via: «A imprecisão redutível da sua terminologia, escreve, e o anfiguri extermo das suas sérias vocações não permitem precisar em primeira mão, pelo menos pelo momento, a significação filosófica exacto da sua lógica: nós o aprenderemos sobretudo pela utilização que ele faz» 12 . O pelo menos pelo momento deixa prever que o autor tinha a intenção de voltar a este ponto seguinte. Ele não faz nada mal e limita o seu exposto da dialéctica nas obras de juventude. Ele consagra algumas páginas à dialéctica em: Pierre - Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1809 - 1849 e em Proudhon, Marx e o pensamento alemão 13 , obras remetendo-se para o período das publicações de juventude, não falando, em conta partida, em Pierre - Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1849 – 1865 14 . Na filosofia social de P.- J. Proudhon, que leva em conta a integrabilidade da obra proudhoniana, os desenvolvimentos consagrados à dialéctica 15 dizem respeito sobretudo à Criação e o Sistema de contradições económicas. De uma forma geral, Haubtmann apressa-se nas passagens onde Proudhon tematiza explicitamente, seguindo uma forma desajeitada, sua concepção da dialéctica; em contrapartida, ele está pouco interessado na sua aplicação no conjunto da obra, negligenciando assim um aspecto primordial do pensamento de Proudhon.
Tudo o resto é o julgamento trazido por G. Gurvitch 16. Em nenhum momento, ele coloca em dúvida que Proudhon não ocupa um lugar marcante na história da dialéctica 17; é assim que ele lhe consagra um capítulo inteiro no seu livro Dialéctica e Sociologia 18. Procurando fazer uma obra original, Gurvitch, como ele mesmo o diz, “insiste nas (posições) que (lhe) parecem mais adequados para preparar “uma nova concepção da dialéctica 19 - e, neste ponto de vista, aquela de Proudhon parece-lhe digno de interesse -, esforçando-se todo para pôr em evidência as suas insuficiências respectivas. Para Gurvitch, a dialéctica “não pode ser nem ascendente, nem descendente, nem os dois simultaneamente. Ela pode conduzir nem ao saudável, nem ao desespero, nem, através do último, ao primeiro. Ela não constitui nenhuma panaceia de reconciliação da humanidade consigo mesma. Ela não pode ser nem espiritualista, nem materialista, nem mística. Ela não pode ser projectada nem no espírito nem na natureza. Enquanto método e enquanto movimento real, a dialéctica revela a existência humana e portanto social. (…) Os bens entre os dois aspectos mencionados são eles mesmos dialécticos 20. Tal é, precisamente exprimidos os mesmos termos do seu autor, a concepção gurvitchiana da dialéctica, na qual se encontra julgada a quota dos seus precedentes. O mérito de Proudhon, como aquele de outros dialécticos tais como Fichte, Marx e Sartre, seria ter “sabido descobrir que o lar essencial da dialéctica encontra-se na realidade social e no que é a parte priviligeada, a realidade histórica, caracterizada pelo seu prometeísmo” 21. A aproximação que ele lhe dirige, tal como a Marx, é não ter conseguido “evitar a piedade da dialéctica ascendente conduzindo à reconciliação da humanidade, liberta de todas as suas taras. Esta dialéctica ascendente permanece pois, junto delas, estima Gurvitch, consolante, e portanto, apologética do futuro da Humanidade” 22. Deste feito, mesmo que Proudhon se proponha para combater todo o dogmatismo, aí recairia (ele) adoptando “os pontos de vista aceites anteriormente” 23. Notar-se-à que na diferença de Haubtmann, Gurvitch tem apoiado a sua concepção da dialéctica junto de Proudhon sobre esta tomada em consideração do conjunto da obra.
No seu livro: Proudhon, textos e debates, P. Ansart consagra-lhe também todo um capítulo à dialéctica junto de Proudhon 24, onde ele sublinha o carácter “bastante original e pouco dogmático” 25. Ele destaca o facto que o pensamento de Proudhon, de natureza dialéctica, não pode sair no mesmo livro desta dialéctica 26, e, na cilada de Gurvich, distingue a dialéctica como “método de pensamento” da dialéctica como “característica mesmo das realidades sociais” 27.
Deste breve sobrevoo de algumas posições da crítica contemporânea, iniciado sem a meia pretensão de exaustividade, contemplará simplesmente a riqueza do tema da dialéctica, actualmente desconsiderado por vezes o método, lógico, estrutura do pensamento e estrutura do real - da realidade social, como o sublinhou Gurvitch e Ansart, mas igualmente da natureza -, verdadeiro trato de união entre as diferenças partes do sistema proudhoniano, uma espécie que não é possível abordar correctamente algum tema desta filosofia sem possuir uma clara nação. O objectivo deste artigo será esboçar como as diversas facetas deste tema essencial à compreensão da sua filosofia se articulam numa teoria unitária. Nós começaremos por expor brevemente como Proudhon vem a interessar-se pela dialéctica.

Nascimento do projecto dialéctico junto de Proudhon

Não será inútil começar por uma nota terminológica. Na Criação, Proudhon fala da “teoria séria” que, “são nomes diversos”, não teria “ deixado de prosseguir” 28 O termo da “ teoria séria” será por outro lado posto de parte. Nós designaremos aqui o termo genérico da “dialéctica”, esta lei da série há muito procurada, sob as diversas apelações que lhe foram sucessivamente atribuídas.
A partir das escassas indicações fornecidas pelo próprio Proudhon, é possível reconstituir sumariamente a génese do seu projecto dialéctico, no qual os escalões mais significativos parecem ter sido a leitura sucessiva de Fourier, de Kant e de Hegel, desde a elevação a um ponto de vista próprio 29.
A primeira teoria dialéctica elaborada por Proudhon é posterior à permanência parisiense tomando lugar entre 1839 e 1841 30, período de aprendizagem ao longo do qual ele descobre os filósofos alemães, então no centro das suas leituras e das suas preocupações, como testemunham os seus cadernos de leitura 31 e a sua correspondência1. Pode-se todavia, admitir que algumas leituras anteriores, datando da época onde ele trabalhava como corrector numa imprimiria, constituíram as bases da sua cultura (nomeadamente da leitura dos escritos de Fourier, Saint-Simon, Cousin, Cabet e Jouffroy, assim como Leibniz, até mesmo algumas traduções ou recensões de Kant, Fichte, Hegel e Feuerbach). Destas leituras de juventude, ele memorizará em particular a principal ideia do pensamento de Fourier, a série. Todavia, apesar de Proudhon se relembrar retrospectivamente, o caminho que o conduziu à dialéctica, não é o nome de Fourier que lhe vem ao espírito, mas os de Kant e de Hegel, nos quais a descoberta situa-se propriamente durante a permanência dos estudos parisienses. São eles que detêm as indicações decisivas em vias de estabelecer a sua teoria dialéctica, o primeiro a ter, na Crítica da razão pura, a sua apresentação das antinomias sugerida a Proudhon “uma verdadeira lei da natureza e do pensamento”, o segundo, para ter alargado o campo de aplicação desta lei e ter-lhe conferido uma validade ainda “muito mais geral” 32. Entretanto, nenhum destes sistemas satisfazia inteiramente Proudhon, que se encontra bastante acanhado. Ele declara sentir-se “como um prisioneiro” também face à série de Fourier, à antinomia kantiana do que à síntese hegeliana, e só chega finalmente à descoberta da sua própria “teoria de série” libertando-se deles, dialetizando:

«Eu só conheço A Crítica da razão pura através das medíocres análises, e eu tinha apenas entendido falar de Hegel, contudo, preocupado com as ideias trinitárias, eu construiria o sistema ao qual eu venho trazer a parte fundamental. Isso foi para mim como uma preparação à teoria séria, que sob nomes diversos eu não deixaria de prosseguir, e na qual eu adquiri, enfim, a inteligência um dia onde, cansado de sistemas onde eu me encontrava como um prisioneiro, eu formava o projecto, para ter a maioria, não abandonar mas resolver uns e outros sistemas» 33.

Ausência de precisões, é difícil situar o momento onde Proudhon chega à “inteligência” da sua teoria séria. É provável que esta iluminação seja posterior ao período parisiense, se leva em conta uma indicação figurativa da Criação, de 1843, onde, fazendo referência ao seu período de aprendizagem, Proudhon nota: “Eu estava na via da dialéctica séria; mas eu ainda não lá chegava”34. Se acredita neste testemunho, a teoria dialéctica exposta na Criação e na qual Proudhon vem afirmar a originalidade, seria pois posterior à sua estada de estudos parisienses.
Após este breve apanhado das principais fontes onde Proudhon foi procurar a sua inspiração, esboçaremos sumariamente o que ele pode reter 35.

a) Fourier, o “revelador da série”

Mesmo se o pensamento de Fourier não é mencionado, entre as posições tendo jogado um papel preparatório importante relativamente à descoberta do seu sistema, é inegável que ele exerce uma influência considerável sobre Proudhon. E se Proudhon se mostra extremamente critico, virulento mesmo, aos olhos de Fourier, ele não permanece menos impressionado pelo que ele considera como o seu maior bem: a série, que ele vai adoptar mediante algumas adaptações. O grande mérito de Fourier, segundo Proudhon, é efectivamente ter sido o precursor da lei de série 36; todavia, e está lá a maior censura que ele lhe dirige, Fourier estaria contente em distinguir diversas espécies de séries, sem dar uma teoria consistente, permanecendo prisioneiro de um “Simbolismo vão” 37; “a série que eu venho contar segundo Fourier, escreve, (…) só é real sobre o papel. (…) O infortúnio procurava a dialéctica séria e só chegava a um simbolismo vã, a analogias e a antíteses” 38. O projecto de Proudhon é satisfazer esta lacuna. É precisamente o que ele propõe a realizar-se são o nome de “dialéctica séria” na Criação.
Proudhon retoma a ideia fourierista que o mundo é governado pela série, na qual ela é na Criação o fundamento da sua filosofia. Para Proudhon, tudo é “sucessivo”, ou seja, um e múltiplo. A sucessão, segundo a definição que ele lhe dá, é “um todo composto de elementos agrupados sob uma certa razão ou lei” 39.
O elemento de base da sucessão é a unidade; ora a mais pequena sucessão possível compreende no mínimo duas unidades; por conseguinte ela compreende necessariamente o múltiplo 40. “Descobrir a sucessão, é captar a unidade na multiplicidade, a síntese na divisão” 41. A descoberta de uma sucessão compreende pois três momentos; 1º a posição de uma unidade (tese), 2º a colocação em evidência de uma unidade oposta (anti-tese), 3º a composição das unidades opostas numa unidade superior (síntese). A afirmação segundo o qual tudo, no mundo, seria sucessão, implica pois a afirmação que tudo no mundo seria oposto.
É neste sentido que Proudhon podia escrever alguns anos mais tarde, a propósito da Criação, que este livro era censurado por ser “uma verdadeira máquina infernal (…), abrangendo todos os instrumentos da criação e da destruição” 42. Todavia, no momento destrutivo constituído pela colocação das antinomias, deve suceder o momento propriamente “criador” da síntese. “Como a Contradição tinha servido para demolir-me, menciona ele no mesmo texto, a Série deveria servir para edificar-me “ 43. A dimensão criativa da dialéctica sucessiva, sublinha até ao título da obra consagrada na sua apresentação (Da Criação da Ordem), deixa claramente aparecer descritiva e normativa, ordem da natureza e ordem para instaurar na sociedade, instrumento de apanha do real e regra servindo para orientar a praxis na construção criativa do ideal.
Proudhon transmitirá de seguida um julgamento bastante severo sobre a Criação, estimando o livro “mal feito” 44. A aproximação na afecta todavia as ideias que lá estão exprimidas – na qual o autor afirmará em muitos retornos não ter “nada para negar”45 – e em particular a dialéctica seja, parte da obra na qual ele declarará “atacar o mais importante” 46. A dialéctica sucessiva conhecerá por outro lado uma grande fortuna na produção interna de Proudhon, mesmo que as referências a Fourier tendem a desaparecer. É dizer que o empréstimo de Proudhon a Fourier seria limitado ao emprego do termo de “sucessão”? É verdade que Fourier não tem desenvolvido a teoria da série, como lhe diz Proudhon, e que em particular não se encontra, junto dele, nenhuma concepção da dialéctica. Todavia, constata-se desde já junto de Fourier que este duplo valor do termo de “sucessão”, por vezes lei do mundo e ordem para instaurar na sociedade em vias da realização da harmonia, uma espécie que o sem de Fourier está longe de ser também negligenciável e que Proudhon não sugere.

b) Kant, o sério fundador de uma nova figura da dialéctica

Se Fourier é, aos olhos de Proudhon, propriamente o “revelador da sucessão”, o primeiro a ter a “ideia universal” 47, não tem, como se virá a constatar, nenhum conhecimento sobre o desenvolvimento da teoria. É nesta teoria do lado da Alemanha que Proudhon vai descobrir a plena realização, pelo menos prometedores esboços. A fonte do termo “dialéctica”, que ele utiliza por vezes para designar a sua própria teoria sucessiva estaria por outro lado junto de Kant, se acredita nesta interessante indicação figurada numa carta ao seu amigo Micaud a Dezembro de 1844: “Os alemães, seguidos de um grande movimento filosófico começado por Kant em 1780, chegam exactamente como eu ao negar o valor científico da teologia e da filosofia na qual eles substituem o que eles nomeiam de dialéctica, e eu de metafísica ou teoria sucessiva” 48. Proudhon acredita pois constatar uma analogia entre a sua própria teoria e o movimento crítico operado em 1780 por Kant na crítica da razão pura, conduzindo em particular da Dialéctica a transcendente” à restrição das pretensões da razão convêm aqui fixar mais precisamente os termos desta analogia e de deter os limites.
Proudhon, que não sabia alemão, toma conhecimento da crítica da razão pura na tradução de J. Tissot, professor em Dijon, com o qual ele mantém uma correspondência intensa 49. Sabe-se pelos seus cadernos que ele lê e anota esta obra em Dezembro de 1839, depois em Dezembro de 1840 50. Autodidacta, ele não está tecnicamente preparado para uma leitura de tal dificuldade. Guerra espantosa que Kant juiz “de uma leitura e de uma inteligência difícil” 51. Ele manterá uma impressão de atordoamento. A obra faz-lhe o efeito de um prodigioso edifício de subtilidades abstractos, de uma “sublimidade espantosa” 52, desesperadamente privada de contacto com realidade objectiva 53. Sem dúvida Kant impõe-lhe isso, mas o partido tomado como empirista de Proudhon ameaça-o afim de rejeitar toda a origem transcendental de uma doutrina na qual ele só vê uma versão renovada da qualidade inata (inata não das ideias, seguramente, mas das formas da sensibilidade e do entendimento) 54. E é o “sistema inteiro de Kant” que ele crê recusar afirmando que o espaço e o tempo, mesmo as categorias, longe de serem formas puras da sensibilidade, respectivamente do entendimento, só seriam o resultado de uma “impressão da natureza sobre o espírito” 55. Esta posição conduziu seguramente a permanecer toda a metafísica e a psicologia de Kant 56, viciadas, segundo ele, por esta dimensão transcendente à qual ele não crê.
Esta reserva fundamental, que condiciona todo o seu julgamento da posição kantiana, não o impede de celebrar Kant como o fundador de uma “dialéctica nova” 57. Ele afirma que existia “poucos dialécticos comparáveis com Kant” 58. O seu mérito seria ter “marcado perpetuamente a lei séria”, na qual “o mesmo nome escaparia algumas vezes”; mas, não tendo tido só “uma a percepção incompleta”, ele não teria proclamado nada, (…) reconhecia do nada” 59. Breve, “o ilustre autor de Analítica (estaria) ausente do seu caminho” 60.
É nomeadamente através da dedução das categorias que Kant estaria mais próximo da “dialéctica sucessiva”: “O objectivo de Kant, fazendo o inventário das categorias, foi mostrar que a lei fundamental do raciocínio consiste, por baixo de toda a coisa, em não concluir nada de uma categoria a uma outra, o que é (…) o mesmo princípio da dialéctica sucessiva”. O bem mais considerável de Kant à história da dialéctica consistiria na exploração de uma figura até então pouco utilizada pela dialéctica:”Desde Kant, a dialéctica está enriquecida de uma figura primeiramente pouco conhecida, e na qual a balança parece ter servido de modelo. (…) Ela consiste naquilo que, dois termos antitéticos sendo dados, formam da sua união a um terceiro termo, diferente dos outros dois, e resolvendo-os numa espécie de balança ou de equação” 61. É precisamente esta nova figura dialéctica que reagiria parcialmente a estrutura do quadro das categorias: “Kant, tendo divido os seus conceitos em quatro famílias, compostas cada uma por três categorias, tinha mostrado que estas categorias produziriam, por assim dizer, uma e outra, sendo a segunda constantemente a antítese ou o oposto da primeira, e a terceira deixando das duas outras numa espécie de composição”, segundo a estrutura ternária da tese, antítese e síntese 62.
As duas maiores críticas que Proudhon dirige ao inventário kantiano das categorias dizem respeito por um lado à sua enumeração, por outro lado à sua dedução. Focando o primeiro ponto, o quadro das categorias só é regido por uma parte da estrutura ternária, Kant tendo hesitado, segundo Proudhon, entre um sistema binário, ternário e quaternário e não tendo sabido elaborar uma estrutura plenamente fechada, “do qual ele não conhecia a sucessão” 63. Mais, “nada impede supor o (número ilimitado das categorias) ” 64, confessa Proudhon (as categorias não estão tão próximo dele como o sentido bastante afável da “concepção” ou da “nação” 65). Como consequência o dito quadro seria bastante apertado. No que diz respeito ao segundo ponto, o mais importante aos olhos de Proudhon 66, o quadro das categorias, não oferecia só um quadro petrificado, estático, contrário à dialéctica das categorias: “Na teoria da sucessão, os conceitos produzem-se reciprocamente, sustentam-se e supõem-se um ao outro: este encaminhamento admirável, procurava-se em vão na crítica de Kant. Lá, as categorias simétricas, eu diria quase cristalizadas num quadro imóvel, são independentes uma da outra, sem laço comum, sem génese” 67. Reaproximando a Kant o carácter não genético da sua dedução das categorias, Proudhon retoma uma aproximação que tinha sido formulada nomeadamente por Fichte, ao qual ele reenvia por outro lado expressamente 68.
Paradoxalmente, Proudhon limita, na criação o seu exame da crítica da razão pura à Estética transcendental e à Analítica transcendental, e não diz nada de Dialéctica transcendental, que teve todavia tocado directamente o seu sujeito.
Em resumo, Proudhon encontra junto de Kant o que lhe faltava junto de Fourier, uma teoria dialéctica, na qual ele se inspirava largamente (resolução da antinomia “uma espécie de balança ou de equação”), e é seguramente neste ponto que Proudhon vê grande analogia entre o seu pensamento e o de Kant. Contudo, Kant não teria sabido conferir a esta nova figura da dialéctica, na qual ele seria o génio inaugurador de uma capacidade suficientemente universal. E se, numa carta a Tissot de 1846, ele declara que “lendo as antinomias de Kant, (ele teria) visto não a prova da falibilidade da nossa razão, nem um exemplo de subtilidade dialéctica, mas uma verdadeira lei da natureza e do pensamento 69”, é para acrescentar que Hegel teria “feito ver que esta lei era muito mais geral do que Kant tinha parecido supor” 70.

c) Hegel, o ingénuo funâmbulo da tricotomia

Depois de Kant, é pois em direcção a Hegel que Proudhon se volta. Na realidade, ele conheceu-a mal, através de algumas recessões e resumos de manual com os quais ele pode ter acesso, assim como pelo viés das suas conversações com os hegelianos de esquerda. O que ele reteu resume-se como essencial, à universalização do principio dicotómico colocado na honra por Kant 71.
A leitura de Kant fez-lhe prever a grande tarefa filosófica a realizar. Ele deseja estabelecer um sistema que permaneça, não sobre os princípios que, como no sistema kantiano, não seriam demonstrados só “como leis de espírito, não como leis dos objectos”, mais sobre o princípio pressentido na ocasião da leitura das antinomias e que ele designa pelo termo “sucessão / série”, em vez de “lei da natureza e do pensamento”; ele deseja, aliás, ultrapassar o subjectivismo kantiano e operar a reconciliação com o real.
Se, na evolução da posição kantiana, Proudhon parece conformar-se com o esquema da história da filosofia que Hegel soube impor e que ele pode encontrar nomeadamente junto de Cousin, ele não está em contra – partida, de algum modo disposto em reconhecer a Hegel o papel que este se auto – atribui. O idealismo absoluto, longe de oferecer a fórmula desta reconciliação com o real procurando, é, aos seus olhos, afectado pelo mesmo defeito que a posição kantiana. Hegel “antecipa sobre os factos em vez de os atingir”. E então mesmo que Proudhon se exprima bastante positivamente sobre a lógica de Hegel, que satisfazia “infinitamente mais a (sua) razão que todos os velhos apostemas os quais nós enchemos desde a infância”, ele apressa-se para acrescentar que ele não aprova nenhuma necessidade para “seguir Hegel na sua infrutuosa tentativa de construir o mundo das realidades com as pretensões à priori da razão” 72.
Rejeitando a metafísica de Hegel, ele não retém da sua dialéctica somente uma fórmula lógica, sem dúvida “maravilhosamente cómoda 73” e aplicada com uma “arte maravilhosa” 74 dando a ilusão da verdade 75, mas que se verifica afinal de contas estéril e oca 76. Seguramente, “nunca o génio do homem tinha feito um esforço também prodigioso”, nota Proudhon, não sem deixar perceber um certo sentimento de admiração, mas, no primeiro momento de encantamento passado, apercebe-se que Hegel “força as suas fórmulas” 77, e o conjunto não dá obviamente a impressão de um jovem pueril e vão: “Eu não me deixo abusar pela metafísica e as fórmulas de Hegel (…). Eu chamo a um gato um gato, e não me creio mais avançado para dizer que este animal é uma diferenciação de todo o grande, e que Deus chega à sua consciência no meu cérebro (…). Ousar-se-iam dizer-me que o sistema de Hegel é outra coisa que a fórmula tese, antítese, síntese, tomada pela lei da diferenciação do absoluto, e sucessivamente aplicada, com grande aparelho e grandes fracassos, a todas as questões da filosofia, de arte, de direito, etc. É mesmo! Isso, para mim (…) é puerilidade; não é ciência” 78.
Se o mérito de Hegel é, um certo sentido, ter generalizado a utilização do modelo ternário posto à frente por Kant, isso constitui ao mesmo tempo, segundo Proudhon, a sua fiabilidade, pois, ao fazer-se, não seria atacado só um caso particular da dialéctica sucessiva: “Hegel, antecipando sobre os factos em vez de os atingir, forçava as suas fórmulas, e esquecia o que talvez fosse uma lei do conjunto não suficiente para dar razão dos detalhes. Hegel numa palavra, estava impressionado numa série particular, e pretendia explicar a natureza, também variada das suas série e nos seus elementos” 79.
Por outro lado, se Proudhon estima um momento que a estrutura tese – antítese – síntese pode exprimir uma “lei do conjunto”, ele não tardará a rever esta opinião. Ao contacto da esquerda hegeliana, Proudhon aproxima-se para 1845 – 1846 das teses hegelianas, o que nota em particular no sistema das contradições económicas. Este reaproximação, todavia não deixa nada. A partir de 1855, Proudhon abandona definitivamente o termo “síntese”. Em direcção a 1860, lançando um olhar retrospectivo sobre o seu itinerário, ele julga severamente o seu afastamento hegeliano: “A propósito do sistema das Contradições económicas, eu diria que se esta obra deixa, no ponto de vista do método, algo a desejar, a causa está na ideia que eu faço, depois de Hegel, da antinomia, que suponha ter que resolver-se num termo superior, a síntese, distinta dos dois primeiros, a tese e a antítese: erro de lógica bem como da experiência na qual eu sou hoje um retornado” 80.
Se é preciso resumir o que Proudhon conservará, em definitivo, da Criação hegeliana em vista da elaboração da sua dialéctica sucessiva, notar-se-à a extensão universal dada a um modelo terrivelmente unilateral da sucessão (“ciências naturais, moral, política, jurisprudência, tudo lá se passa”), por outro lado a forma viva na qual Hegel soube articular as suas sucessões entre si e que nada têm a ver com a forma de proceder rígida e estática de Kant (“as sucessões seguem-se e encaixam-se com uma arte maravilhosa”). Contudo, apesar de extensão do domínio da aplicação da dialéctica, o golpe com o real subsistiria. Depois de Kant, Hegel não chegaria a superar o afastamento entre as “leis de espírito” e as “leis dos objectos”. Hispostasiando o modelo tricotónico, Hegel estaria fechado numa sucessão particular, incapaz de dar conta da natureza, salvo mutilá-la.

2.1. A antinomia como lei universal

Após ter brevemente caracterizado o que Proudhon pode reter das principais fontes nas quais ele se inspirou, nós vamos passar à apresentação das grandes linhas da sua dialéctica.
Como Proudhon o anota nas Confissões, “a Criação da ordem tinha apenas visto o dia”, ressentindo a necessidade de “construir” o “sistema das contradições” e de encontrar esta lei universal que governa o mundo, no qual ele tinha tido o pressentimento na leitura das antinomias kantianas. Durante o verão de 1844, ele consagra nos Cadernos o seu projecto ao “explicar a origem do mal pela lei das Antinomias (…), (de) lembrar uma causa única, uma lei do espírito humano (…), todos os factos sociais, da ordem e da desordem, do bem e do mal, do progresso e da ruína” 81. Algumas semanas mais tarde, ele expõe as grandes linhas do seu livro ao seu editor Guillaumin: “Afim de dar a unidade a uma obra que tratará os problemas da aparência mais estrangeiros um ao outro, eu devo cavar mais antes talvez dos pesquisadores da economia, e procurar a lei geral que governa toda a ciência, e portanto a própria sociedade. (…) Trata-se de uma lei superior, lei da natureza e do nosso entendimento, que dá igualmente razão à ordem e da desordem (…) das sociedades” 82. O objectivo que ele fixa, como o diz numa outra carta a Guillaumin, é de chegar à “reconciliação universal pela contradição universal” 83.
A ideia que ele pode lá ter, um princípio que serve por vezes da lei da natureza, da lei do pensamento e de lei da sociedade supõe uma radical homogeneidade entre os diferentes povos da realidade. A palavra de ordem é precisamente esta reconciliação com o real no qual ele tinha vagamente procurado o tipo junto de Kant e de Hegel. A ideia de um “todo harmónico”, Proudhon fala igualmente da “harmonia universal”, apresentada através de toda a obra, formulada de forma particularmente impressionante em especial na justiça:
“A moral humana é parte integrante da ordem universal; uma espécie que, apesar de algumas dissonâncias, mais aparentes que reais, a ciência deve aprender a conciliar, as leis de um são também as leis de outro. Deste ponto de vista superior, o homem e a natureza, o mundo da liberdade e o mundo da fatalidade, formam um todo harmónico: a matéria e o espírito estão de acordo por constituir a humanidade e tudo o que envolve os mesmos elementos submetidos às mesmas leis. Monumento indissolúvel, ao qual o universo fornece os fundamentos, nos quais a terra é o pedestal, e o homem a estátua” 84.

Ou ainda:

“A vida universal não é só uma irradiação da minha consciência (…). Então a ideia de uma harmonia universal entra na minha alma: eu digo-me que entre o mundo da natureza e o mundo da justiça (…) tudo é idêntico” 85.
Não é preciso acreditar que Proudhon cede uma visão irónica do mundo, pois esta harmonia não é estática; ela é o equilibro dinâmico entre as forças irrevogavelmente antagónicas, e o principio comum dos diversos planos da realidade, que lhe serve de lei a todos e reúne-os é antinomia, termo que Proudhon empresta a Kant dando-lhe uma acepção muito mais vasta e serve para designar a relação entre os termos irredutivelmente antagonistas.
Proudhon, cujo centro de preocupações reside na filosofia prática, não se atrasa nada no funcionamento desta lei da antinomia na natureza; através das anotações dispersas, ao longo da sua obra nós aprenderemos que “o mundo físico descansa sobre uma pluralidade de elementos irredutíveis e antagónicos, e é da contradição destes elementos que resulta a vida e o movimento do universo”. Este “antagonismo profundo” 86 ou “antinomia natural” 87 que “rege a natureza” 88 forma as “sucessões naturais” que “se desenvolvem em cada uma segundo o seu próprio objecto, sem se misturar nem se confundir” 89. O equilíbrio dinâmico entre as forças naturais em conflito produziu “movimento perpétuo” 90. A antinomia é a razão por vezes do movimento e da eternidade, o princípio gerador” 91.
Lei da natureza, a antinomia é igualmente lei do pensamento. O pensamento não encontra efectivamente a exercitar-se lá onde existe a oposição: “todas as nossas ideias elementares são antinómicas” 92, escreve. O pensamento é um produto da “síntese de duas forças antitéticas, a unidade subjectiva e a multiplicidade objectiva”, seja da síntese do Eu e do Não – Eu. O plano do pensamento reenvia pois ao plano da acção, mais precisamente, ele é na forma de acção. O homem não pode agir só reagindo ao que o contradiz. “A condição por excelência da vida” junto do homem, lê-se, é a acção (…). Ora o que é o agir? Para que haja acção, exercício físico, intelectual ou normal, é preciso um meio para manter relações com o sujeito agitado, um Não -Eu que se coloca diante do seu eu como um lugar e matéria de acção que lhe resiste e o contradiz. A acção será pois uma luta: agir, é combater “ 93. O pensamento, ele mesmo. “Exercício intelectual “ revelador da esfera da acção, é ao mesmo tempo a reprodução numa forma antinómica, da antinomia que subentende toda a vida prática do homem.
Lei da vida natural, lei da vida intelectual e prática, a antinomia é igualmente lei da vida moral e social. “Ser organizado, inteligente, moral e livre, o homem está (…) em luta, ou seja, mantém relações de acção e de reacção, primeiro com a natureza. (…) Mas o homem não tem somente um caso com a natureza; ele reencontra também o homem sobre o seu caminho” 94, e, em virtude da lei da sua acção, ele deve necessariamente opor-se-lhe e reencontrar num rendimento de luta com todos os homens que compõem o campo social.
Á semelhança da esfera natural, a esfera social é composta de uma pluralidade de forças antitéticas irredutíveis 95. A guerra é “iminente à humanidade” 96; ela é uma condição da nossa existência 97. É assim que Proudhon pode declarar: “O estado social é (…) sempre um facto ou um direito, um estado de guerra” 98. No campo da praxis social, a guerra é “analogia” do movimento dialéctico do pensamento: “A guerra tem a sua fórmula abstracta na dialéctica” 99. A guerra torna-se o termo genérico para exprimir a luta, a oposição, o antagonismo. Ela revela um carácter universal 100.
Do lado dos termos de “antinomia” e de “guerra”, Proudhon utiliza igualmente o de “contradição” (a “contradição universal” na qual ela é a questão numa carta a Guillaumin), precisando que ele não deve ser entendido “no sentido vulgar de um homem que se diz e se deduz” 101. Trata-se de “uma contradição” de alguma forma “natural” e superior, “de uma oposição inerente a todos os elementos” 102, que não é nada menos que “a revelação incessante e polimorfo da própria verdade” 103. Enquanto que a primeira acepção da contradição é “estéril como o nada”, de acordo com a Segunda ela seria “fecunda como a vida” 104. Mas para que a “contradição universal” seja verdadeiramente fecunda, é preciso que ela gere, segundo os termos do programa enunciados na carta a Guillaumin, a “reconciliação universal”.
Numa outra carta a Guillaumin, Proudhon precisa: “O antagonismo dos princípios (…) é o facto que serve para estabelecer a necessidade respectiva e recíproca dos princípios, (…) que eles são por isso mesmo necessários um ao outro, e que a sua existência é incompleta a todos os dois desde que eles não estejam reconciliados” 105. Entretanto, já que “é da contradição (…) que resulta a vida e o movimento do universo” 106, Proudhon encontra-se face à delicada tarefa de ter que demonstrar como chegar ao apaziguamento dos conflitos sem, por isso, suprimir o antagonismo, sem cair na piedade da sesta eterna” 107.

2.2. O equilíbrio como solução da antinomia

“O fim do antagonismo (…) quer-se dizer (…) o fim do mundo”, nota Proudhon; todavia “a paz” não exclui o antagonismo; ela significa unicamente “o fim do massacre” 108. Por outros termos, a “guerra”, no sentido genérico, não deve ser abolida; ela deve ser transformada. Na solução da antinomia, o antagonismo é conservado, mas ele perde o seu carácter conflituoso. Esta solução é universal: ela aplica-se às antinomias naturais, intelectuais e sociais. Contudo, no processo de colocação em prática desta solução, vê-se surgir uma importante dissimetria entre natural e sociedade. Enquanto que o equilíbrio das forças naturais faz-se “naturalmente”, o equilíbrio das forças em luta no seio da sociedade deve ser instaurado artificialmente. Efectivamente, na diferença da natureza, a sociedade não dispõe um mecanismo de auto-regulação que a preserve do caos; ela deve remeter-se a si mesma à destruição das forças que a compõem. Como o explica Proudhon a Charpentier: “Todas as forças que constituem a sociedade (…) combatem-se e destroem-se se o homem, pela sua razão, não encontra o meio de as compreender, de as governar e de as manter em equilíbrio” 109. É pois ao homem que incumbe a pesada responsabilidade de equilíbrio social. Ele é o único mestre do seu destino. A solução do problema social não depende só dele, da utilização que ele julga bom de fazer da sua razão e da sua liberdade, e não de uma força natural que interviria do exterior e que determinaria o curso dos acontecimentos 110.
Em virtude da solução esboçada, resolver um conflito não significa pois chegar à exclusão de uma das forças em oposição; como o nota Proudhon, a sua intenção é chegar a reconciliá-las todas. A posição de Proudhon foi de seguida mal compreendida; aproximou-se-lhe para renunciar “e resolver as contradições”, de não procurar “superar”, e confessar assim “a sua impotência para ultrapassar os antagonismos da sociedade” 111. Ora, é precisamente isto que ele evitou fazer. A solução proudhoniana ao problema social não consiste justamente em levar as antinomias, a assimilar a diversidade, a suprimir uma das partes em luta pela supremacia, mas a equilibrá-los, este equilíbrio, como mencionado, não é estático mas dinâmico, constantemente susceptível de ser remetido em questão por novos choques, de novas oposições 112.
Este programa de “reconciliação universal”, desenvolvendo-se pouco a pouco, de forma descontínua, define-se por oposição à fórmula “maravilhosamente cómoda” da dialéctica hegeliana, que, desde que ele a compreenda, chegaria, ao termo de um processo necessário e quase linear, na “fusão” da tese e da antítese. “Os termos antinómicos não se resolvem só pelos opostos de uma pilha eléctrica que não se destrói. O problema consiste em encontrar não a sua fusão que seria a sua morte, mas o seu equilíbrio, sem deixar de ser instável, variável segundo o desenvolvimento da sociedade” 113. É esta insistência sobre a noção de equilíbrio que faz a originalidade do modelo proudhoniano da dialéctica. Que esta concepção da síntese como equilíbrio constitua expressamente a réplica proudhoniana À síntese hegeliana, é o que prova a seguinte citação: “A antinomia não se resolve: lá está o vício fundamental de toda a filosofia hegeliana. Os dois termos onde ela se compõe balanceiam-se, quer seja entre eles, quer seja com outros termos antinómicos. (…) Mas um balanço não é uma síntese tal como o entendia Hegel” 114. Proudhon opta pois pelo modelo da “balança” que ele tinha acreditado descobrir na leitura de Kant, para combater a síntese hegeliana.
Proudhon não deseja um modelo linear tese-antítese-síntese, pois, segundo ele, os termos antitéticos não se sucedem no tempo, como seria o caso junto de Hegel, mas eles existem simultaneamente. “Portanto, a ideia sintética funciona ao mesmo tempo que os seus elementos antagónicos”115. “Não há exactidão em dizer que alguma coisa advém, que algo se produz: na civilização como no universo, tudo existe, tudo age desde sempre” 116, escreve. “Vê-se, depois disso, que não se saberia, sem contradição, supor entre os termos de uma sucessão dialéctica, nenhum laço de anterioridade ou de posterioridade” 117.
Segundo Proudhon, todas as forças em oposição aliás, são em igual título necessárias ao equilíbrio global; elas limitam-se e corrigem-se mutuamente. A irrefutabilidade dos elementos antitéticos “indica por um lado a igualdade, a progressão ou a similitude, não a influência” 118, outrora dito um bem de coordenação e não de subordinação. A transposição deste modelo dialéctico na ordem política conduz Proudhon a preconizar a instauração de um equilíbrio dinâmico através da proscrição de toda a ligação de subordinação. “A Coordenação exclui a hierarquia. Ela determina a igualdade entre as funções (…). O sistema hierárquico (…), estabelece sobre o princípio de autoridade (…), a desigualdade universal e permanente, a escravidão progressiva, é a forma das calamidades sociais” 119. A ordem reinante no seio da totalidade é uma ordem iminente, resultante da totalidade das forças em presença. Se uma das forças está entravada, o equilíbrio é rompido. Segundo a natureza do desequilíbrio também introduzido, isso pode gerar graves injustiças tais como o despotismo, onde um só individuo impõe o seu poder a todos os outros, ou o comunismo, onde a liberdade individual é negada em benefício da comunidade 120.
Desde a Guerra e a paz, Proudhon nomeia esta estrutura estadista integrativa mas não hierarquizada no “federalismo”. Ele estabelece nesta obra uma genealogia do direito em oito patamares, começando pelo direito da força e culminando com o direito da liberdade; este último constituiria o estado no qual a sociedade chegaria ao equilíbrio dinâmico procurado, instaurando o “federalismo”, sistema fundado sobre o “mutualismo”. A mutualidade, onde o princípio descansa sobre a obrigação “sinalagmática” (é o mesmo que recíproca), e comutativa (é o mesmo que equivalente de umas para outras), 121 permitindo, como o sublinha laconicamente Proudhon, mais trocas, e gerando deste facto um progresso moral, 122 seria o único sistema da liberdade 123. “Quem diz liberdade, diz federalismo ou nada diz”, 124 afirma ele no Principio Federativo. Este sistema mutualista, acordando um papel privilegiado, ver exclusivo, às relações horizontais, no seio do tecido social, em detrimento das relações verticais, responderia exactamente as condições pedidas para chegar, na sociedade, para dissimular da falta de mecanismo auto-regulador para a ausência dos conflitos.
A dialéctica não tem pois como resultado a simples constatação que existem antinomias, diversidades na totalidade social; ela mostra que a única via possível, no campo social, para chegar à “reconciliação universal”, é o federalismo.

2.3. A dialéctica da liberdade

O instrumento de equilíbrio a instaurar, na sociedade, em vista da reconciliação universal, é o homem, na medida em que ele “escuta” a sua razão e encontra o meio de governar as forças que se opõem.
Como sobressai dos escritos de Proudhon, ele não saberia colocar a questão em suprimir a “guerra”, que é o mesmo princípio da vida; é preciso pois encontrar o meio de a transformar numa espécie que, de destruidor, torna-se factor de progresso (…), eu compreendo-o e explico-o como um canal de consequências desenvolvendo-se do princípio contrário” 125; “para que qualquer um observe de perto o movimento dialéctico da civilização, o progresso surgia como um imenso canal dialéctico” 126. Mesmo se a leitura que Proudhon propõe é verdadeiramente optimista, ligada à sua confiança na capacidade do homem em escutar a sua razão e em fazer bom uso da sua liberdade, o progresso não se inscreve contudo de forma linear na história, desenvolvendo-se com a necessidade do mecanismo de um “espeto de manivela”. Sem dúvida, o movimento da história segue globalmente uma curva que ele julga ascendente 127, mas as oscilações que comporta a sua natureza dialéctica deixam sempre de planear a ameaça de uma regressão 128.
O progresso, na medida onde o progresso existe, não é possível só em função da capacidade do homem recuperar dialecticamente o momento negativo da guerra, equilibrar as forças antinómicas em presença. Ora, segundo uma equação de Proudhon, estabelecer o equilíbrio, é estabelecer a justiça 129. “ “É pela (guerra), nota ele, que a humanidade começa a sua educação, e inaugura a sua justiça” 130. Fonte do direito que iguala os diferendos entre as forças antagónicas às tomadas na sociedade, a guerra vem dialecticamente conferir um papel positivo 131. O direito não suprime as antinomias, mas é pela sua mediação que as forças em oposição cheguem ao equilíbrio, a dialéctica da história está teologicamente orientada em direcção à instauração de um sistema jurídico igualmente justo para todos.
Esta preocupação de justiça que subentende a dialéctica proudhoniana e dá-lhe o seu sentido transcende o quadro puramente legal do direito. A história como prisão da guerra é igualmente o quadro de um progresso moral. Proudhon sublinha por outro lado que não existe só guerra legítima submetida às regras morais: “Se a guerra não era só o conflito das forças, das paixões, dos interesses, escreve, ela não se distinguiria dos combates que se livram das bestas (…). Mas existe na guerra outra coisa: é um elemento moral” 132. Proudhon admite ter da Revolução a sua convicção de uma “renovação integral das condições da humanidade em tudo o que toca a religião, as ideias, o direito, a política, a arte, o trabalho, as relações de família e da cidade”, graças exclusivamente à guerra 133.
São estes em definitivo o ideal de justiça, a lei moral e o conceito de liberdade que deverão dialecticamente triunfar graças à guerra, espera ele, uma vez invertido o valor negativo deste.
Sem astúcia da razão, sem teoria da Providência. O sujeito da história junto de Proudhon, é o homem. É só de si que depende o eventual progresso em direcção a este reino da justiça que constitui o seu destino 134 e no qual a ideia, tudo como a lei moral, encontra-se inscrita no mais profundo da sua consciência 135. A lei moral e o ideal de justiça são estritamente iminentes 136; eles não poderiam ser impostos exteriormente, nem sancionados por uma terceira pessoa 137.
O homem é o seu próprio legislador e encontra em si mesmo a sua própria sanção 138, que tem como norma a dignidade humana 139. A história é o produto da acção livre do homem.
Enquanto produto da liberdade, a história não obedece mais a uma lógica iminente do que a um ditado de uma força natural ou sobrenatural, que lhe imporia o exterior da sua direcção. Isso não significa portanto que Proudhon admite um modelo aberto da história. Efectivamente, ele não concede as diferenças de ser livre: na medida onde é o ser moral, guiado pela ideia de uma “Justiça absoluta”, que é a medida da ordem e da igualdade, não existe só uma via possível, e a história detém um sentido; ela está inteiramente orientada em direcção à instauração do federalismo, como analogia na sociedade do mecanismo da auto-regulação natural, permitindo o equilíbrio das forças.

Conclusão

Proudhon desenvolve uma concepção original da dialéctica. As suas principais fontes são Fourier, Kant e Hegel, a que eles emprestam as noções chave tais como “série”, “dialéctica”, “antinomia”, onde ele propõe uma leitura fortemente pessoal, filologicamente inexacta mas bastante rica das potencialidades.
Como ele o explica ao seu editor Guillaumin, o seu objectivo é de fundar uma dialéctica que chegue à “reconciliação universal pela contradição universal”. Contra os sistemas abstractos de metafísica de idealismo alemão que estariam cortados do real, ele vai aplicar-se para restaurar o laço entre a ordem do pensamento e a ordem do real pela colocação em evidência de uma lei universal, regendo por vezes a natureza, o pensamento e a sociedade. Todavia, como o seu interesse primordial vai de encontro à filosofia prática, à a aplicação desta lei na sociedade que prenderá sobretudo a sua atenção. A “reconciliação universal” proposta por Proudhon consiste na integração das forças antagónicas nas tomadas – naturais, intelectuais, sociais – numa totalidade não hierarquizada no seio da qual elas se contrabalançam. Esta integração que se faz mecanicamente na natureza, deve ser produzida artificialmente na sociedade; está lá a tarefa que incumbe à liberdade, apoiada pelo ideal de justiça. O Estado a promover artificialmente, será um Estado fundado “federalista” ou “mutualista” onde o aparelho estadual se apagará para dar lugar aos cidadãos livres e iguais. Esta concepção de equilíbrio a atingir, dinâmica porque aberta à intrusão de novas forças a integrar, é obrigada a permitir evitar tanto o caos, no qual conduzia a escravidão de uma parte das forças antagónicas, como a morte, que resultaria da supressão dos antagonismos 140. Colocando o acento sobre a responsabilidade do homem na construção criativa da sociedade, ele faz da sua dialéctica uma dialéctica da liberdade.


NOTAS


1 Chen Kai-Si, A dialéctica na obra de Proudhon, tese de doutoramento, Paris, Domat Montchrestien,1936.
2 Na teoria da propriedade, trazendo um valor crítico sobre a sua obra, Proudhon considera a “teoria dialéctica” como um dos maiores contributos do seu pensamento, A teoria da propriedade, ed. Lacroix, 1866, p.216.
3 Da criação da ordem na humanidade, (=Criação), Paris, ed. Rivière, 1927; Sistema das contradições económicas ou filosofia da miséria, 2 t., Paris, ed. Rivière, 1923.
4 Correspondência (=Cor.), t. I-XIV, Paris, éd., Lacroix, 1875, t. II, a Ackermann, 4 Out. 1844, pp. 156-157.
5 A publicação da Criação permite-lhe conhecer alemãs refugiados em Paris; o livro valeu-lhe ser considerado o “Feuerbach francês”, K. Grun, die Soziale Bewegung in Belgien und Frankreich, Darmstadt, 1845, p. 450.
6 Não vamos agora voltar a esta questão já estudada por nós noutras ocasiões e textos…
7 Na miséria da filosofia, Marx ridiculariza Proudhon troça da sua “onda de tolice” e sobretudo excita em demonstrar “como pode ele (Proudhon) ter penetrado no mistério da dialéctica”; ele tem a dialéctica mas também a linguagem. Marx continua a transportar um julgamento negativo sobre Proudhon bem antes da sua morte; numa carta ao Social-Democrat, publicada em 1865 por ocasião de uma nova edição da Miséria da filosofia, ele repensa a aproximação formulada em 1846: “Eu mostrei, escreve, como pode Proudhon ter penetrado no mistério da dialéctica científica; como, por outro lado, partilha ele as ilusões da filosofia “especulativa” (…). Não tendo nunca cumprido a dialéctica científica, ele só alcança o sofismo (…); ele também é no fundo um pequeno burguês sacudido constantemente entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo (…). O pequeno burguês diz sempre: “de um lado” e “de outro” (…). Ele é a contradição viva. Mais, como Proudhon, um homem de espírito, saberá seguramente jogar com as suas próprias contradições e elaborá-las segundo as circunstâncias em paradoxos impressionantes, barulhentos, por vezes brilhantes”, extractos citados por H. de Lubac em: Proudhon e o cristianismo, op. cit., pp. 140 e 142-143.
8 “A afirmação de Marx, com o julgamento de valor que o acompanha, foi retomada por muitos históricos de Proudhon e do seu pensamento”, ibid., p. 140.
9 P. Haubtmann, Pierre-Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1809-1849, op. cit., p. 364.
10 Ibid. , p. 364
11 Ibid. , p. 362 - 363
12 P. Haubtmann, A filosofia social de P. - J. Proudhon, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, 1980 pp. 37 - 38.
13 Op. cit., nota 6.
14 P. Haubtmann, Pierre-Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, t. 1; 1849 - 1885, t.2; 1855 - 1865. Paris, dseclée de Brouwer, 1988.
15 P. Haubtmann, A filosofia social de P.- J. Proudhon op. cit., cap. 2: “Vitalismo” e “Platonismo”, pp. 37- 63.
16 G. Gurvitch, Dialéctica e Sociologia, Paris, Flammarion, 1962.
17 Ibid. - p.125
18 Ibid. - p.127 - 153
19 Ibid. - p.42
20 Ibid. - p.20
21 IG. Gurvitch, Dialéctica e Sociologia, Paris, Flammarion, 1962, pp.11- 12.
22 Ibid., p.42
23 Ibid., p.19
24 P. Ansart, Proudhon, textos e debates, Paris, Livraria Geral Francesa, 1984, pp.209 - 243.
25 Ibid., p.221
26 “Opondo-se politicamente aos conservadores, aos liberais, aos republicanos e aos comunistas, Proudhon quer também analisar as posições teóricas dos seus adversários (a teologia, o estadismo, a utopia) e opor um método de pensar que explica e mencione verídicas as suas conclusões. De onde, por ele, a decisiva importância de um método intelectual permita escapar às piedades do dogmatismo. As suas conclusões só se compreendem como referências no seu caderno de pensamento a dialéctica”. Ibid., p.209.
27 Ibid., p.221.
28 Criação, p. 212.
29 Sobre a questão das influências subidas por Proudhon na matéria da dialéctica, cf. as obras de G. Gurvitch, Dialéctica e sociologia, op. cit., de Chen Kai-Si, A dialéctica na obra de Proudhon, op. cit., assim que as duas obras de P. Haubtmann, Pierre-Joseph Prudhon, sua vida e seu pensamento, 1809-1849, op. cit., e Proudhon, Marx e o pensamento alemão, op. cit.
30 Em 1839, Proudhon conta ao seu protector Pérennès: “As minhas jornadas passam-se entre Reid e Kant”, Corr., t. I, com Pérennès, 16 Dezembro 1839, p. 163; no ano seguinte, ele escreve ao seu amigo Bergmann que lê Kant “todos os dias”, Corr., t. I, a Bergmann, 10 Novembro 1840, p. 248. Proudhon não lia alemão; ele pode tomar conhecimento dos textos não latinos de Kant nas traduções de Tissot.
31 Corr., t. II, a Tissot, erro de data: 13 dez. 1839 em vez de 1846, p. 212.
32 Criação, p. 212.
33 Criação, p. 186.
34 A nossa intenção não será aqui estabelecer se as críticas que Proudhon formula ao encontro das posições dos seus antecessores são fundamentadas. Elas são o feito de um pensador independente que, na razão das suas modestas origens, teve que abandonar os seus estudos por razões financeiras e tornou-se num autodidacta. Justos ou falsos, o seu interesse reside no facto que elas nos permitem ver emergir filigrana a posição de Proudhon. Como o diz Haubtmann em : Proudhon, Marx e o pensamento alemão, op. cit., p. 21, Proudhon só retém das suas leituras as teses que vão no sentido das duas preocupações, constituindo um suporte ou um enriquecimento; até a sua interpretação das teorias dos outros pensadores está à frente toda ela reveladora dos seus próprios projectos. Estes julgamentos, que, na maior parte dos casos, não são desenvolvidos mas apenas enunciados, exprimem facetas do seu pensamento e, como tal, oferecem um complemento precioso na exposição da sua filosofia.
35 acção, p.166
36 Ibid., p.169
37 Ibid., p.226-227
38 Ibid., p.274
39 Criação, p.172: “A sucessão é a antítese da utilidade; ela forma-se a partir da repetição, das posições e combinações diversas de utilidade”.
40 Ibid., p.192

41 As confissões de um revolucionário 1849, Paris, ed. Rivière, 1929, p.177-178
42 Ibid., p.178
43 Cadernos, t. 1-4, Paris, ed. Rivière, 1968, t.3, p.135. Também confissões, p.177; “A obra que eu publicava (Criação) (…), apesar de bem forte pouca coisa tem a retratar, não me satisfaz em nada: também, apesar de uma segunda edição, parece-me ter obtido do público bastante pouca estima, e é talvez justiça”.
44 Cadernos, t.3, p.134; Também nota precedente.
45 Confissões, p.177, nota.
46 Criação, p.166.
47 Corr., t.VI, à Micaud, 22 dezmbro 1844, p.347.
48 Cf os volumes de correspondência, op. cit.
49 P. Haubtmann, Pierre - Joseph Proudhon, viu e pensa, 1809 - 1849, op. cit,. nota 5, p.243.
50 Cito por Hautbmann, são referências, in: Ibid., p.243
51 Corr., t.I, à Bergmann, 10 novembro 1840, p.248
52 Cf. Criação, pp.160-161.
53 Cf. 1 Memória, Paris, ed. Rivière, 1926, p.136: “ Eu não creio, confesso, nas ideias inatas, mas sim nas formas ou leis do nosso entendimento e eu tenho a metafísica de (…) Kant ainda mais elogiada da verdade do que a de Aristóteles”.
54 Cadernos, t.2, p.139-140 (junho 1847). Também Cadernos, t.3, p.252, 21 março 1849: “As categorias são as formas da razão, sem dúvida; mas parece-me bem dificil admitir, depois do próprio Kant, que estas formas são dadas à razão pela natureza”.
55 Cf. corr., t.II, a Ackermann, 23 maio 1842, p.46: “Eu vejo pura e simplesmente toda a psicologia e a metafísica de Kant”.
56 Criação, p.161.
57 Ibid., p.161, nota de Proudhon.
58 Ibid., p.144.
59 Ibid., p.247.
60 Ibid., p.213
61 Criação, p.161-162
62 Ibid., p.225
63 Cadernos, t.4, p.300
64 Cf. por ex. Ibid., p.300
65 Cf. Ibid.: “O que importa mais que o seu número (o número das categorias) (…), é a sua geração”, p.300.
66 Criação, p.269
67 Cadernos, t.4, p.300: “O que importa mais que o número (o número das categorias) (…), é a sua geração (ver Fichte, etc. evolução do eu e não - eu etc.)”.
68 Esta fórmula (“verdadeira lei da natureza e do pensamento”) parece-lhe curiosa. Efectivamente, Proudhon contesta ordinariamente todo o valor objectivo ao sistema Kantiano; Por ex. Cadernos, t.I, p.27: “O problema da certeza (…) não é resolvido no sistema de Kant, porque as suas formas absolutas da razão não eram demonstradas somente como leis de espírito, não como lei dos objectos”
69 Corr., t.II, a Tissot, erro de datação: 13 dezembro 1846 em vez de 1839, p.213.
70 Criação, p.162: “Hegel generaliza esta ideia ingénua”; Corr., t.II, a Tissot, falsamente datada de 16 Dezembro 1839 em vez de 1846, p.231: “Hegel fez ver que esta lei era muito mais geral que não tinha parecido supor Kant”.
71 Criação, p.231.
72 Ibid., p.232.
73 Ibid.: “conjunto descrito aos olhos da verdade”.
74 Criação, p.162.
75 Cf. por ex. Corr., t.II, a Ackermann, 23 Maio 1842, p.47, onde as proposições hegelianas são qualificadas de fórmulas “tautológicas” e de “abstracções verbais”.
76 Criação, p.163.
77 Corr., t.II, a Ackermann, 23 Maio 1842, p.47.
78 Criação, p.163. Também Corr., t.II, a Bergmann, 19 Janeiro 1845, p.176: “Esta lógica (a lógica de Hege8l) não é só um caso particular, ou se tu queres o caso mais simples da minha”.
79 Teoria da propriedade, p.52.
80 Cadernos, t. 1, p.52-53.
81 Corr., t,II, a Guillaumin, 15 Agosto 1844, p.139-140.
82 Corr., t,II, a Guillaumin, 7 Novembro, p.226.
83 Da justiça na revolução e na igreja, t,1-4, ed. Rivière, Paris, 1930, t.2, p.389.
84 Justiça, t.4, p.431-432.
85 A guerra e a paz, Paris, ed. Rivière, 1927, p.46.
86 Citado por H. de Lubac, em Proudhon e o cristianismo, op. cit., nota 6, p.159.
87 A guerra e a paz, p. 46.
88 Criação, p.177.
89 Cadernos, t.1, p.257: “Razão da antinomia é a lei do movimento perpétuo, que existe na natureza: que uma coisa se destroi ao mesmo tempo que ela se produz = movimento perpétuo”.
90 Ibid., p.260.
91 Cadernos, t.1, p. 259.
92 A guerra e a paz, p. 53.
93 A guerra e a paz, p. 54.
94 Teoria da propriedade, p. 213: “O mundo moral como o mundo físico descansa sobre a pluralidade de elementos irredutíveis e antagónicos, e é da contradição destes elementos que resulta a vida e o movimento do universo”.
95 A guerra e a paz, p. 55.
96 Ibid., p. 28.
97 Ibid., p. 41.
98 Ibid., p. 71.
99 Ibid., p. 28.
100 Corr., t. VII, a Charpentier, 24 Agosto 1856, p. 117.
101 Ibid., p. 117.
102 Corr., t. XII, a Clerc, 4 Março 1863, p. 338.
103 H. de Lubac, Proudhon e o cristianismo, op. cit., p. 159.
104 Corr., t. II, a Guillaumin, 21 Nov. 1846, p. 228.
105 Teoria da propriedade, p. 213.
106 A guerra e a paz, p. 72.
107 Idem, p. 486.
108 Corr., t. VII, a Charpentier, 24 Agosto 1856, p. 117.
109 Justiça, t. 4, p. 432: “Nesta analogia de legislação entre o Cosmos e o Anthrôpos surgia a identidade dos espíritos que os anima, latente no primeiro, livre no segundo”.
110 Cuvillier, À luz do marxismo, t. 1, p. 181-182, citado por H. de Lubac, em: Proudhon e o cristianismo, op. cit., p. 163.
111 Sistema das contradições económicas, t. 1, ed. Rivière, Paris, 1923, p. 193.
112 Capacidade, p. 222.
113 “O homem mais livre é aquele que tem mais relação com os seus semelhantes”, As confissões de um revolucionário, p. 249.
114 Do Principio Federativo, p. 383.
115 Cadernos, t. 2, p. 185.
116 Ideia geral da revolução no séc. XIX, Paris, ed. Rivière, 1924, p. 6.
117 Cadernos, t. 2, p. 60.
118 Justiça, t. 1, p. 233.
119 “O que é a justiça, senão o equilíbrio das forças”, Teoria da propriedade, p. 144.
120 A guerra e a paz, p. 93.
121 Ibid., p. 94 e 126.
122 Capacidade, p. 222.
123 “O homem mais livre é aquele que tem mais relação com os seus semelhantes”, As confissões de um revolucionário, p. 249.
124 Do Principio Federativo, p. 383.
125 Cadernos, t. 2, p. 185.
126 Ideia geral da revolução no séc. XIX, Paris, ed. Rivière, 1924, p. 6.
127 Cadernos, t. 2, p. 60.
128 Justiça, t. 1, p. 233.
129 “O que é a justiça, senão o equilibrio das forças”, Teoria da propriedade, p. 144.
130 A guerra e a paz, p. 93.
131 Ibid., p. 94 e 126.
132 A guerra e a paz, p. 30.
133 Ibid., p. 49-50.
134 Justiça, t. 1, p. 234.
135 Ibid., t. 1, p. 325.
136 Ibid., t. 4, p. 363; cf. também t. 1, p. 366.
137 “O homem não reconhecia em última análise outra lei do que aquela confessada pela sua razão e a sua consciência; toda a obediência da sua parte, fundada sobre outras considerações, é um começo de imoralidades”, Justiça, t. 4, p .350; cf. ainda: “A intervenção de uma autoridade exterior, (…) na ordem da justiça e como sanção da justiça, é destruidor da Justiça; Ibid., t. 1, p. 449.
138 Ibid., t. 4, p. 363.
139 Ibid., p. 354.
140 Ibid., t. 1, p. 231.