A Importância de Proudhon na Cultura Portuguesa
Nos finais dos anos 60 do século passado, surge em Portugal um tipo de associação - a cooperativa - onde aí se verifica não a influência de Marx ou Bakunine mas de Proudhon. Aliás Marx é nesta altura um ilustre ausente e quanto a Bakunine só há nitidamente dois autores que se enquadram nos seus postulados: Eduardo Maia e Nobre França. Podemos já neste momento concluir, que quer a nível internacional e principalmente tendo em conta o movimento operário português não tem sentido reduzi-lo ao pseudo-combate marxista-bakuninista pois "deriva, primeiramente de uma série de limitações nacionais tais como: problemas teóricos, de estrutura organizativa e de composição social do proletariado português" como salienta Carlos da Fonseca na obra A Origem da I Internacional em Lisboa. Sublinhemos que antes de qualquer outro, foi Oliveira Martins que pôs o dedo no drama inicial do nosso vector socialista: a inexistência de indústria e, por via de consequência, a "ausência de numerosas classes operárias" (Portugal Contemporâneo, 1881), donde a impossibilidade de fazer uma revolução real. Sobre o período da Regeneração, dizia Oliveira Martins: "A Espanha teve Cartagena, a França teve ainda a Comuna de 71: nós tivemos umas greves apenas, por não possuirmos suficiente indústria fabril". Para nos darmos conta da importância de Proudhon é importante exprimir o conteúdo da A.I.T. Poderíamos certamente dividi-la em dois grandes campos opostos: o dos "autoritários" e o dos "anti-autoritários." Embora estas expressões sejam utilizadas quer a nível teórico quer a nível prático correspondem a uma realidade histórica, são no entanto categorias que encerram conceitos um pouco imprecisos pois a A.I.T. foi uma miscelânea de partidários de Owen, Mazzini, Proudhon, Blanqui, Lassale, Marx, Bakunine, trade-unionistas, cartistas, etc. Só fazendo tábua rasa desta realidade, poderíamos aceitar a confortável tese das duas tendências, ditas principais, a marxista e a bakunitista. Já por aqui se aborda a importância fundamental de Proudhon pois na realidade a ideologia das secções de Paris era somente proudhoniana e a influência de Bakunine em França foi nula inclusive na revolta blanquista de Lyon em 28 de Setembro de 1870. O mesmo se pode dizer para o Marxismo em Inglaterra ou na Alemanha, onde as secções foram formadas por não marxistas. Já que se fala em Proudhon é necessário ter presente que a sua obra toca uma multitude de problemas que é urgente ter em conta: Em primeiro lugar, o regime económico, o problema do Estado, a Filosofia, a questão da Justiça e ainda os problemas internacionais e a questão nacional. As principais questões levantadas por Proudhon foram as seguintes: A crítica do capitalismo, onde se salienta a análise da propriedade e a análise das contradições económicas. As classes sociais, em que as classes que Proudhon se refere foram fundamentalmente a grande burguesia, a classe média, o campesinato e as classes operárias. A crítica do Estado. A crítica da Religião. A dialéctica e o seu objecto, onde se sublinha a dialéctica social e a realidade do social. A filosofia social, onde pontifica o trabalho como facto e como valor, a vida social e o problema da justiça. A revolução social. A economia mutualista, onde se tem que se ter em conta dos princípios às reformas, a agricultura mutualista, o artesanato da produção e a sua planificação. Finalmente, temos o problema fundamental de todo este sistema, melhor dizendo, deste anti-sistema, porque não autoritário nem dogmático, que é a questão do Federalismo. É importante salientar que todos estes problemas serão abordados pelos pensadores portugueses da segunda metade do século XIX, destacando-se Amorim Viana, Oliveira Pinto, José Frederico Laranjo, Antero de Quental, Oliveira Martins, Silva Mendes, e os pensadores da C.G.T. como Manuel Joaquim de Sousa e Emílio Costa. Logo em 1852, Amorim Viana e em 1853, Oliveira Pinto tecem já comentários contraditórios sobre Proudhon mostrando bem a influência decisiva que já começava a exercer na vida intelectual portuguesa. Vejamos o que diz Amorim Viana: "Proudhon é incontestavelmente uma das mais poderosas inteligências que nestes últimos tempos se tem distinguido em França. O tom acrimonioso dos que o pretendem combater e a tirania que desde 1849 tem sobre ele exercido o governo provam só, nuns impotência de refutar suas doutrinas, noutros receio que elas se compreendam e vulgarizem." E agora Oliveira Pinto: "Proudhon é a incarnação da contradição inerente à natureza do socialismo, escola de liberalismo, na qual a tirania é o primeiro princípio, e talvez a escravidão a última consequência. A inauguração do princípio socialista pelo poder, pelo governo, como a quer Louis Blanc, ou pelo povo, como a quer Proudhon, em nada altera o princípio, que como tal é o mesmo para todos." Quanto a Portugal o desconhecimento total das correntes socialistas é que pode atribuir uma decisiva influência a Bakunine sobre o movimento operário. Ainda a este propósito é importante salientar que o marxista Alfredo Margarido na obra A Introdução do Marxismo em Portugal 1850-1930 admite claramente que o maior obstáculo à sua penetração foram os adeptos de Proudhon quer a nível europeu quer a nível nacional. Apesar de tentar constantemente denegrir o pensamento daquele que pela primeira vez se afirmou anarquista, Alfredo Margarido não consegue evitar esta clarividência quando aborda Amorim Viana: ."..é o primeiro autor português a optar abertamente por Proudhon, desconhecendo, esquecendo ou recusando Karl Marx. Como se trata de uma opção que há-de manter-se na estrutura portuguesa, na teoria como na prática, convém retê-la e dar-lhe a importância que merece." Outro autor marxista, Vitor de Sá, critica igualmente Proudhon chamando-lhe socialista pequeno burguês. Apesar do esforço de alguns escritores modernos em denegrir o anarquismo proudhoniano, as suas ideias continuam sendo um marco, de onde temos de partir para escrever a história do socialismo e das lutas sociais em Portugal. A revolução que em 1910 aboliu o tronco das Braganças foi mais obra dos sindicalistas, socialistas e dos anarquistas do que dos elementos republicanos, nesse tempo numerosos. Toda a propaganda foi durante o regime monárquico em prol das actuais instituições era moldada nos princípios libertários, e houve chefes políticos, como António José de Almeida, Magalhães de Lima, Botto Machado, Artur Leitão, Paneo Falcão, Basílio Teles e outros afirmaram no tablado dos comícios e na tribuna da imprensa que a "República seria apenas uma ponte de passagem para o regime da verdadeira Igualdade, Fraternidade e Liberdade." (Edgar Rodrigues, Breve História do Pensamento e das Lutas Sociais em Portugal). Em 1919, Alexandre Vieira, na qualidade de primeiro director de "A Batalha" escrevia em forma de apresentação: "Com o aparecimento de A Batalha existe hoje a organização operária nacional, mercê de um rasgo de audácia e de coragem de um grupo de trabalhadores, eficazmente auxiliados no seu arrojado empreendimento pela Central de Sindicatos Portuguesa, a realização de uma das suas queridas aspirações que vem de longa data." Na Confirmação do que se acaba de dizer tenha-se presente que o Partido Comunista Português só surgiu em 1921 sob um forte impacto de solidariedade humana para com o povo russo que morria de fome! A origem e o nascimento do Partido Comunista Português assumem um carácter quase original no processo de formação dos partidos comunistas europeus. De facto, enquanto na maior parte dos países o surgir de partidos comunistas se operou por cisões nos partidos socialistas filiados na II Internacional, em Portugal, a criação do P.C.P., deve-se ao esforço de alguns sindicalistas revolucionários, anarquistas e anarco-sindicalistas. "O partido socialista que foi fundado a 10 de Janeiro de 1875 raramente conseguiu ultrapassar a fase grupuscular e a própria evolução das expressões da luta de classes em Portugal vai acelerar o seu próprio fracasso definitivo em 1914 com a criação em Tomar, da União Operária Nacional " como nos diz César Oliveira na obra O Primeiro Congresso do P.C.P. Foram de facto os sindicalistas revolucionários e os anarco-sindicalistas que, organizados em torno dos sindicatos, das uniões de sindicatos, das federações de indústria, de algumas cooperativas e colectividades populares e sobretudo em torno de uma imprensa numerosa, e criteriosamente distribuída do ponto de vista geográfico, que vêm a constituir a espinha dorsal da União Operária Nacional, a primeira estrutura federativa, à escala nacional, das classes trabalhadoras portuguesas. Diz César Oliveira: "Como a organização anarquista portuguesa não era pública e tinha um funcionamento quase secreto e o partido socialista, enquanto força operária, era uma organização irrelevante, foram o sindicalismo revolucionário na U.O.N. e o anarco-sindicalismo na C.G.T. as ideologias dominantes no movimento operário." Apesar dos erros criados, o sindicalismo revolucionário cuja expressão mais cabal encontra eco na U.O.N. e na C.G.T. criada em Setembro de 1919, foi a alternativa real nas condições concretas da sociedade portuguesa ao impasse a que cedo chegou a o partido socialista e isso é um facto indesmentível! Escassos são os militantes que a partir de 1919 criam a Federação Maximalista Portuguesa sob o impulso da revolução de 17, que não são de modo algum a vanguarda de uma alternativa real e global surgida no seio do movimento operário português, nem sequer pode fazer concorrência à C.G.T. que de 1919 a 1922 não pára de crescer em filiados. De tudo o que dissemos, podemos resumir dizendo que até à década de 30 foi a C.G.T. a força dominante no movimento operário. O seu desaparecimento deve-se, em parte, a certas debilidades teóricas e à sua incapacidade em mover e organizar-se face ao fascismo a ao crescendo do P.C.P. Magalhães Vilhena é outro autor marcadamente marxista que na obra António Sérgio, o Idealismo Crítico e a Crise da Ideologia Burguesa define o sindicalismo português, que ensaia os primeiros passos antes da proclamação da República e melhor se define nos alvores da Primeira Grande Guerra Mundial "pela sua estruturação apolítica apegada à tradição das lutas sindicais puramente económicas, ignorando que toda a luta de classes é uma luta política" e mais adiante na mesma obra diz estarem os "responsáveis portugueses do movimento operário e socialista desse tempo (1910) imbuídos de proudhonismo e marcados pela influência anarquista de Mikail Bakunine. "Segundo os estatutos da Confederação Geral do Trabalho " a orientação de A Batalha é inspirada na luta de classes sociais, fundamentando a sua doutrina nos objectivos da Confederação, consignados na capítulo I destes estatutos." Vejamos, então, quais eram, os objectivos da C.G.T. pelo menos segundo a letra dos seus estatutos: "1. O agrupamento, sob a base federativa autónoma, de todos os trabalhadores assalariados do país, para a defesa dos seus interesses económicos, sociais e profissionais, pela elevação constante da sua condição moral, material e física. 2. Desenvolver, fora de toda a escola política ou doutrina religiosa a capacidade de operariado organizado para a luta pelo desaparecimento do salariado e do patronato, e posse de todos os meios de produção. 3. Manter as mais estreitas relações de solidariedade com as centrais dos outros países, para a ajuda mútua, numa comum inteligênciação, que conduza os trabalhadores de todo o mundo à sua emancipação integral da tutela opressiva e exploradora do capitalismo." Voltando à posição de Magalhães Vilhena, o aspecto mais importante que necessita de ser esclarecido é o da estruturação apolítica do sindicalismo revolucionário. Apolítica seria, com efeito, essa estruturação, no sentido em que, os sindicatos visavam mais longe do que aquilo que podia resultar do mero jogo partidário e parlamentar, manifestando-se, no entanto, decidamente política - mas sempre através dos meios directos de acção, com vista à revolução social ou à defesa das liberdades fundamentais. Ambicionando a transformação da sociedade pela supressão do patronato e do salariado, o sindicalismo revolucionário não ignorava, não podia ignorar que "toda a luta de classes é uma luta política", discutíveis os meios de a empreender, por exemplo, para a abolição do Estado, que se queria substítuido pelo livre organização federativa de produtores e consumidores. É óbvio, por tudo o que se disse, que o anarco-sindicalismo não ignorava certamente o conteúdo político da luta de classes, embora tenha repudiado sistematicamente o envolvimento em problemas partidários e eleitorais. Ganhou por aí prestígio e apreço dos trabalhadores. Não foi, no entanto, suficiente, tendo bem presente o que se passou em 1927. Voltando ao século XIX concentremo-nos no autor que mais influência recebeu de Proudhon. Refiro-me a Antero de Quental. Em relação a Antero seria aliás relativamente fácil citarmos alguns excertos de estudos dedicados ao filósofo português onde se apresenta esta ligação umbilical com o filósofo francês. Vejamos alguns exemplos para a nossa exposição ser mais facilmente compreensível: "Antero tinha tal entusiasmo por Hegel e Proudhon que escrevia e dizia: Cristo, Proudhon e Hegel ! Ao proferir estes nomes, assumia um aspecto grave e os olhos exprimiam certa beatitude" (Bulhão Pato, Memórias) ou de José Bruno Carreiro na sua obra de 1948, Antero de Quental, onde a páginas tantas diz que: "Proudhon é citado em 17 páginas das Prosas, em 10 das Cartas, em 10 das Cartas Inéditas a Oliveira Martins e em 2 das Cartas a A.A. Castelo Branco. Na carta da página 15, contemporânea do primeiro escrito em que alude a Proudhon (1865) Antero dizia sentir-se como uma alma proudhoniana, capaz de dizer as verdades todas do sistema solar... quanto mais a este gentio nacional!" Vejamos agora o que o próprio Antero de Quental diz de Proudhon: "O que me alegra intimamente é vê-lo por o pé na grande e sólida estrada da escola proudhoniana; por esse caminho vai-se direito e sente-se o terreno cada vez mais firme. Há oito anos que estudo Proudhon, e cada dia acho mais que aprender nele. Não fala só à inteligência, fala-me a todas as minhas potências humanas. Na convivência dum tal Mestre não se ficará tão sábio (quero dizer tão erudito, etc) como nas dos outros; mas adquire-se, como em nenhuma outra escola, a inteira compreensão do que é a grande verdade humana, social, nacional e efectiva. Ora isto é que é o essencial, não lhe parece? Assim, pois, na comunhão da grande escola proudhoniana, saúdo-o, meu caro Magalhães Lima, e digo-lhe avante! Como a um irmão nas crenças. (carta de Antero de 1873 a Sebastião de Magalhães Lima). António Sérgio dedicou muitas das suas páginas a Antero e a Proudhon. Vejamos alguns excertos significativos: "O revolucionarismo de Antero foi sempre de fundamentação ético-voluntarista, como o de Proudhon (com base na ideia de Justiça, em Proudhon; na ideia de Justiça e no Amor, em Antero) e não de fundamentação histórico-automático-dialéctica, como o de Carlos Marx." E também: "A nota mais constante, no Proudhon e no Antero, fica sendo sempre a da afirmação moral - a do revolucionarismo ético, voluntarista, apriorista, Kanteano: - o contrário do que sucede na doutrinação do Marx, onde o tom fundamental é o do argumento histórico, empirista, dialéctico-naturalista, heteronomista, fundado numa lei histórica que não é uma lei da consciência". E mais ainda: "Proudhon, mestre de Antero, não concebe o socialismo como um conceito puramente económico: é a sua doutrina uma espécie de cúpula das concepções jurídicas da Democracia. Para Proudhon, os homens não precisam unicamente de acção organizadora e colectiva: requerem, outros sim, liberdade e cultura, - e não ao cabo de muito tempo, mas desde já. Dir-se-ia que o materialismo de Carlos Marx só aquela necessidade tomou em conta; Proudhon viu as duas, e Antero de Quental seguiu Proudhon." Por estas citações e por mais uma mão cheia que ainda poderíamos apresentar, podemos desde já dizer que quando agiu, ou quando pensou sobre a realidade, Antero foi um proudhoniano. Foi Proudhon o principal agente da sua libertação ideológica, seguiu sempre com ele na acção e no pensamento, mesmo quando a síntese hegeliana se lhe apresentou. Daí podermos concluir que no campo político nunca houve o embate de Hegel com Proudhon, o primeiro apologista do estado prussiano, o segundo do radicalismo e do socialismo realizados pela "Federação Democrática". É na presença de Proudhon que o arrasta para fora das angústias religiosas e das perplexidades especulativas, que brotam os seus primeiros contactos com a filosofia. Na nota final que escreve para as Odes Modernas, sobre a Missão Revolucionária da Poesia, Proudhon surge já então com toda a pujança. Está aí claramente proclamado "o ateísmo social e anarquismo individual" que emergiam sobretudo da Création de l'Ordre dans l'Humanité, de Révolution Sociale demonstré par le Coup d'État e sobretudo do De la Justice dans la Révolution et dans l'Église, as obras de Proudhon que até então mais o deviam ter influenciado, embora sempre acompanhado de outras leituras de outros escritores revolucionários do tempo. A concepção de arte de Proudhon está expressa com clareza na Nota Final das Odes Modernas, pois "a missão revolucionária da poesia" é apenas uma consequência do destino social da arte de Proudhon. Antero diz: "A poesia que quiser corresponder ao sentido mais fundo do seu tempo, hoje tem forçosamente de ser uma poesia revolucionária." A acção académica de Antero já teve a direcção ideológica de Proudhon. Ao terminar o seu curso de Direito, Antero já era um socialista militante, ele próprio o reconhecia em carta a Anselmo de Andrade, datada de 1866. A vertente idealista proudhoniana colocava a doutrina e a ordem moral como a última etapa duma revolução, que partindo do cataclismo, da desordem e da confusão só depois de acções e reações sem conta, é que poderia ser realizada como grande renovação da Humanidade. Quer dizer, em Antero eram a doutrina e a ordem que constituiam simultaneamente a cúpula e a base de toda a acção socialista, que partindo de um ideal devia realizar outro ideal. A sua experiência de operário foi um duro golpe no seu idealismo, mas ele continuou sem vacilar a luta pelo seu ideal socialista, isto é, pela doutrina e pela ordem moral. Ao regressar a Portugal ele vinha mais ainda fiel ao seu mestre, ao "grande Proudhon", como ele escrevia ao seu mais íntimo amigo, Germano Meireles, o cúmplice das Odes Modernas. De regresso dos Açores, escreve o panfleto, "Portugal perante a Revolução de Hespanha", onde defende a Democracia Ibérica. Continua a demonstrar-se um proudhoniano convicto. Para Antero a "unidade" matava a "liberdade", a "delegação" a "iniciativa", a "organização unitária e republicana", a "república democrática". Para evitar a "República Unitária e Indivisível". À cabeça dos partidários da "República Democrática Federativa" como forma ideal de governo, estava Proudhon. As causas que Antero aponta como as provocadoras da Decadência são: o catolicismo de Trento, o absolutismo e a questão económica, que surge como uma sequência das duas primeiras - emergem da filosofia proudhoniana. O ataque ao catolicismo é mais ou menos aquele que resulta De la Justice dans la Revolution et dans l'Église embora se encontre também a influência de outros autores. O combate ao absolutismo é o combate ao poder unitário - republicano ou monárquico - que se opõe ao federalismo de Proudhon. O combate à estagnação económica, tem também, nitidamente a marca de Proudhon, ou melhor, é precisamente aí que o Proudhonismo de Antero salta mais evidente. O conceito de "concorrência" coincide num e no outro. Para Proudhon "Elle est l'impression de la spontaneité, l'embleme de la democratie, mas elle conduit au monopole que est anti-social." Para Antero " ela é espontânea - expressão de origem proudhoniana - mas é também anti-social e também conduz ao monopólio. Quer dizer, Antero é partidário do trabalho livre, a industria do povo, pelo povo e para o povo, "não dirigida ou protegida pelo Estado", e é tal concepção de origem proudhoniana, que se opõe à anarquia de livre concorrência." Onde, no entanto, se pode ver mais claro do que em qualquer outro escrito, o socialismo proudhoniano de Antero, é no panfleto "O que é a Internacional". É quase totalmente, uma exposição ortodoxa da filosofia e do socialismo de Proudhon. Lá está a concepção colectiva da propriedade opondo-se à concepção individual, o que resulta da célebre premissa proudhoniana "La propriété c'est le vol". Lá estão os conceitos proudhonianos de naturalidade e de cooperação. Lá está o que Proudhon sustentou com mais veemência no seu livro De la Capacité Politique des Classes Ouvrières considerando o seu testamento político, sobre a luta de classes, isto é, a divisão da sociedade em dois grupos antagónicos, burgueses e proletários. Lá está a concepção proudhoniana do Banco do Povo, como chave de uma economia transformadora. Lá está a concepção da História e da conciliação ou pelo menos de que as classes trabalhadoras agindo pela Internacional devem ir procurando dirigir a evolução dos factores no sentido do seu socialismo. Isto é, no panfleto de Antero encontra-se tudo o que caracterize o colectivismo de Proudhon, eis porque ele o define: "Daqui o nome de "colectivismo" dado à doutrina. Não é comunismo, porque admite e garante a propriedade individual, a liberdade do trabalho, e o debate nos preços dos produtos. Não é também o individualismo estreito e egoísta, que em nome da liberdade Industrial, serve de máscara à profunda anarquia e injustiça de regime actual. É simplesmente o direito económico na sua realidade: o direito do individuo garantido pelo direito de sociedade. A cada um o que é seu." Antero não escreveu, poder-se-à refutar, um panfleto onde expusesse as suas ideias políticas, pois, como ele próprio afirma, o seu panfleto era apenas um resumo das discussões e resoluções dos Congressos da Internacional em Genebra (1866), Lausanne (1867), Bruxelas (1869), e em tais Congressos, sobretudo neste três primeiros, foi grande a influência dos Proudhonianos, o que de resto era licito esperar dele dadas as bases da sua cultura política. Veja-se como elucidativo a seguinte passagem: "A questão hoje, para a filosofia política, reduz-se a isto: criar na sociedade esses diversos grupos, por onde se reparta a autoridade e se equilibre a força expansiva do centro, sem que por isso se altere a simplicidade íntima do meio social, a igualdade absoluta de direitos, filha da revolução democrática do século XIX. Noutros termos: trata-se de conciliar a igualdade e a liberdade, cujo divórcio tem causado a ruína das mais heróicas repúblicas, o abatimento das mais florescentes democracias. Para isso o que é preciso? Criar tantos centros de autoridade local quantos forem os centros naturais da vida nacional. Dito isto, o nome da coisa sai de todas as bocas: chama-se federação. Estas palavras federação democrática resumem hoje o credo revolucionário, como há oitenta anos as de república indivisível resumiam as aspirações da geração heróica, mas pouco experiente, que criou na história a grande data de 1793." Ou ainda esta outra: "O sonho unitário dissipou-se. Uma amarga experiência lhes mostrou que a existência dessa entidade puramente geográfica de uma grande nacionalidade compacta não compensa a falta daquela outra entidade realíssima, necessária, vital, o cidadão livre." Resposta de Victor de Sá no seu "Antero de Quental": "A influência do ideário proudhoniano é nítida neste panfleto, como em quase todos os escritos de Antero." Nas conferências, quase tudo é Proudhon, efectivamente. Quando Antero diz a Teófilo que serão pelo governo do povo pelo povo, repete uma expressão que Proudhon usava. Quando Antero se pronuncia sobre o federalismo, e o apresenta como solução do problema político e combate os governos centralizados - é ainda Proudhon quem o guia, é o seu livro sobre o Princípio Federativo que o ilumina. Antero é inimigo, como Proudhon, do Estado unitário e centralizador, e foi de Proudhon que tomou a tese do federalismo político e económico. A socialização, consoante essa tese, não deverá realizar-se pelo poder do Estado, mas ser buscada de uma maneira imediata pela federação económica dos produtores. Organizar-se-iam estes entre si, para fazerem a troca dos produtos das suas indústrias respectivas: obra progressiva, gradual, de autonomia moral e de capacidade técnica, que exige do escol dos trabalhadores um nível elevado de determinação consciente. Antero expôs o federalismo político no opúsculo Portugal perante a Revolução de Hespanha; o económico, no folheto sobre a organização da Internacional. O erro dos revolucionários, tendo em conta esse escrito, foi quererem realizar o ideal democrático pelos meios autocráticos da governação centralista. Em todo o panfleto O que é a Internacional, Antero não sita sequer o nome de Marx ou de Engels e era natural que o fizesse, visto já nessa altura a concepção marxista do socialismo combater até nos próprios Congressos da Internacional, as concepções federalistas do socialismo. Inquieto como intelectual, insatisfeito como artista, Antero encontrou nas teorias proudhonianas, na sua veemente filosofia sociológica, um mundo de concepções, capaz de preencher os seus permanentes cepticismos metafísicos. Nem o pensamento anteriano, nem muito do seu procedimento de militante socialista, poderão ser devidamente compreendidos pelas novas gerações, se não forem analisados em confronto com os de Proudhon. Quanto mais se conhecer Proudhon, melhor se compreenderá que Antero é a sua melhor tradução em português. No caso específico de Eça de Queirós o realismo aparece na sua mente associado às ideias estéticas de Proudhon. Para ele, realismo é fundamentalmente Proudhon com uns pozinhos de Taine. Nunca ninguém se lembrará de aproximar as ideias estéticas de Proudhon do realismo literário. Tão pouco se tinha visto ainda aproximar as teorias do meio, de Taine das teorias sociais do autor do "Du Principe de l'Art ". Mas a conferência "A Nova Literatura " que Eça de Queirós apresenta no casino Lisbonense em 1871 subintitulada O Realismo como Nova Expressão da Arte não é somente uma exposição das ideias destes dois pensadores franceses. Antes de mais nada, foi uma crítica ao estado decadente das letras nacionais, embora sem descer a uma concretização positiva. Essa concretização fizera-a ele em As Farpas no seu estado social de Portugal em 1871, publicado precisamente dias antes da conferência. Para Proudhon, o realismo ensinava simultaneamente ao artista a " exprimer les aspirations de l' époque actuelle " e a ter em conta que a arte é "une representation idéaliste de la nature et de nous-mêmes, en vue du perfectionnement physique et moral de notre espéce " ( Du Principe de l'Arte et de sa Destination Sociale ) no que se opunha a Taine , que tinha por secundário o ideal moral. Para este, todos os temas eram dignos de ser pintados; para Proudhon, não . Associar, pois as doutrinas estéticas de Taine às de Proudhon era uma simbiose audaciosa que Eça de Queirós não receou levar a cabo . Nas conclusões da sua conferência há afirmações expressas: Em primeiro lugar o Realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua matéria na vida contemporânea. Em segundo lugar, o Realismo deve proceder pela sua experiência, pela fisiologia, ciência dos temperamentos e dos carácteres. Mas principiemos pelo princípio. Proudhon, no De la Justice dans la Revolution et dans l'Église apresenta a Revolução como um vasto sistema filosófico em que se enquadra a sociologia, a política, a economia, a moral - e a própria literatura . No terceiro tomo dessa obra pode ver-se inclusivamente um estudo, o nono, em que o problema literário é focado ( cap. VII e VIII). Eça, literato, deve ter começado por aí. Nas Notas Contemporâneas pode ler-se o seguinte: " Sob a influência de Antero logo dois de nós, que andavamos a compôr uma ópera - bufa, contendo um novo sistema do Universo, abandonamos essa obra de escandoloso delírio - e começamos à noite a estudar Proudhon nos tomos da "Justiça na Revolução e na Igreja "... Na verdade a sua conferência acusa pontos de contacto com essa obra. Há afirmações ácerca da revolução que são de lá . Aquela visão da literatura revolucionária, de Rabelais a Beaumarchais, é também de lá. Entretanto, Proudhon, que prometia aí um vasto estudo à parte sobre a literatura - vem a publicar, ou melhor, publicam-lhe os discípulos em obra póstuma - o Du Principe de l'Art et de sa Destination Sociale. Eça, encaminhado por aquela leitura, aconselhada por Antero procura agora o novo livro. E a conferência revela vastos pontos de contacto com ele .Este livro tinha saído em 1865 e era o primeiro duma série de póstumos. Assentando todo em reflexões que a obra realista de Courbet lhe sugerira, Proudhon quisera sujeitar a arte ao pensamento dum destino social . A arte, dali para o futuro deveria ser condição de melhoramento das sociedades, e o realismo a sua expressão . Em três capítulos iniciais assentara nisto. A arte que fugisse desse ideal era falsa. Querendo demonstrar que, afinal, o papel da arte, sempre tinha sido esse - desde o IVcapítulo até ao X , fez um estudo interpretativo da evolução histórica da arte. Os oito capítulos seguintes são de análise à obra realista de Coubet. Nos restantes capítulos, do XIX ao XXV, dispendem-se argumentos e considerações que hão-de levar ao estabelecimento dum critério de criação artística em vista do seu destino social. O Proudhonismo - incluindo o de Eça de Queirós - assenta em três noções fundamentais : a Consciência, a Justiça e a Igualdade. A Consciência e a Justiça são duas faces da mesma coisa. A Consciência é o sentimento que o sentimento que o homem tem de si, dos seus direitos e dos seus deveres . Mas esta noção Kantiana não basta a Proudhon, sociólogo: só lhe interessa o homem em grupo, e a equação de homem para homem. Ora cada homem, supõe Proudhon, sente como a sua própria, a dignidade e os direitos do seu semelhante; é a consciência objectivando-se - a que ele dá o nome de Justiça . A Justiça impõe o respeito recíproco e conduz inevitavelmente à igualdade, porque nos leva a exigir aos outros o mesmo que os outros exigem de nós e porque nos leva a respeitar os outros tanto como a nós mesmos, uma vez que a Consciência se tem de supor idêntica em cada um. Por outro lado, desde que a Consciência é uma noção imediata, consubstancial à própria natureza humana, e a Justiça é a sua face social, tão inevitável como ela, é claro que a Igualdade se realizará fatalmente; e a Evolução não é que a sua realização progressiva. Por isso escrevia Oliveira Martins que a teoria do socialismo é a evolução. Nada impedirá que ela se ela se realize; mas essa realização será gradual e evolutiva. Por isso Proudhon não acredita em subversões perturbadoras, que, além do mais são uma violação do princípio da Justiça: "Revolução" é para ele sinónimo de Evolução no sentido de Igualdade; e propende a só considerar como sã uma sociedade desde que nela exista a par de uma inércia conservadora um impulso renovador evolutivo. Em nome deste princípio da Justiça e desta lei da Igualdade critica Proudhon a organização social-económica da sua época, e nomeadamente a propriedade deveria ser tal que todos participassem nela, porque todos, em virtude da lei da Igualdade, têm o mesmo direito a ela. Isto não significa a supressão pura e simples da propriedade ou a sua colectivação, no pensar de Proudhon, mas antes a criação de um novo tipo de propriedade, que ele denomina "posséssion" que é no fundo, o usufruto do trabalho. À mesma crítica se presta a grande indústria, cujos meios de produção, segundo Proudhon, deviam estar nas mãos de companhias de trabalhadores. Proudhon nega-se, portanto, a toda a organização estatista e à colectivização; e o seu ideal seria, concretamente, quanto à terra, a distribuição duma vasta colectividade de pequenos lavradores; quanto à produção industrial a transferência do capital e dos lucros para os próprios operários organizados. È a ideia base do cooperativismo. Toda esta teoria a encontramos ao longo da obra de Eça de Queirós como membros dispersos, que, reunidos, permitem perceber o conjunto da construção. A par dos objectivos da Revolução considera Eça o próprio processo da Revolução. E aqui a marca deixada por Proudhon aparece muito profunda - talvez por encontrar um eco em alguma coisa de pessoal e íntimo no escritor. Eça aceitou, compreendeu e glosou até ao fim da vida as duas noções fundamentais de Proudhon a este respeito: que a Revolução é uma evolução contínua e fatal - de modo algum um crise brusca; e que a Revolução se operará não já por uma transformação política mas por uma transformação puramente económica e técnica. Proudhon é um dos monstros sagrados da Cultura Portuguesa, a partir dos meados do século XIX. Proudhon é um nome diabólico que enche de calafrios os portugueses de escol capazes de encarar o mundo das ideias, esse abstracto continente mental que produziu a prodigiosa transformação social e económica daquele século. Raros são os nomes que se erguem no panorama literário nacional com autonomia e originalidade. Os dominantes são assás mais importantes por se terem transformado em veículos hábeis e inteligentes das ideias que irrompiam na Europa, no cérebro poderoso dos grandes inovadores. No mundo das ideias políticas e sociais, Portugal não apresenta um único representante autêntico do pensamento original. O Pombalismo, o Liberalismo, o Miguelismo, o Socialismo, o Republicanismo, o Integralismo, o Corporativismo são o reflexo de Correntes do pensamento político e social criadas na Europa. O próprio Democratismo, inicialmente filho do Enciclopedismo revolucionário e do laicismo cristão da Revolução Francesa, viveu sempre em Portugal na órbita do Liberalismo e do Socialismo Reformista. Só com a Renovação Democrática se emancipou daquele e se distinguiu deste - verdade seja que acusando igualmente influências estranhas, subterrâneas, irracionalistas, impressionantes pela forma abrupta como irrompiam na Cultura Portuguesa veios até então mal aflorados - um Nietzche, um Fouillée, um Bergson e mesmo, quiçá, novamente, o velho Proudhon... Quando as próprias classes ilustradas da aristocracia e da igreja, em França, se mostravam permeáveis às ideias da Enciclopédia, refreava-se em Portugal a importação dos livros que podiam contaminar a opinião pública. Mesmo assim eles penetravam com os navios ou nos bolsos dos viajantes pois a verdade é que pululavam até há pouco no nosso País, as edições dos Rousseau, dos Voltaire e dos Montesquieu. Os nossos constituintes aparecem impregnados de alguns socialistas como por exemplo Benjamin Considérant que têm também por essa época grande audiência em Portugal. O fenómeno mais extraordinário, porém, da cultura política portuguesa, estava para se dar com a introdução do caminho de ferro. De envolta com uma caterva de sábios de nomes bárbaros e hirsutos, a transcenderem do plano superior da vida intelectual anglo-franco-germânica, aparecem a granel as brochuras amarelas de P. J: Proudhon. Não deve haver país algum no mundo, sem contar a França, naturalmente, onde ainda hoje se encontrem tantas edições originais deste genial pensador, nota singular que profundamente comprova a difusão que alcançou entre nós. A influência de Proudhon distingue-se e penetra, a partir de 1850, nas principais gerações que se notabilizam na vida intelectual do país. Contemporânea do aparecimento das suas obras capitais em França, a geração de 1850, através de alguns dos seus elementos intelectualmente mais distintos, logo se precipita em análises profundíssimas, de invulgar alcance filosófico e económico, sobre "As Contradições Económicas ou Filosofia da Miséria", "A Criação da Ordem na Humanidade", e outros livros seus, revelando um amadurecimento intelectual, que a vacuidade e superficialidade da crítica e da história posteriores deixaram cair no esquecimento. Logo, quase sem descontinuidade, surge a geração de Antero e Oliveira Martins que lançam ao solo as primeiras sementes do socialismo de raiz proudhoniana como teoria científica e histórica. E não se esqueça que contemporaneamente o Cenáculo organiza as conferências do Casino em que Proudhon é a eminência parda que da Sociologia à Arte e à Literatura, orienta e inspira, os seus promotores. É flagrante o contraste entre a efusão entusiástica das ideias de Proudhon e a discreta reserva com que o sólido edifício do socialismo científico do alemão Karl Marx é recebido nos meios progressistas portugueses. E, de resto, esta desproporção não se manifesta exclusivamente entre nós tornando-se mais saliente com a posterior valoração do seu pensamento e a profunda revolução que a sua obra e a própria Razão histórica, lei inelutável das sociedades, que ele surpreendeu com genial intuição, veio provocar no Mundo - afirmando-o como o maior condutor de homens até hoje aparecido na História. O pensamento proudhoniano não se contenta em impregnar as ideias de pensadores heterodoxos, invade mesmo as bancadas universitárias, pontificando de cátedra em Coimbra, através da teoria jurídica da mutualidade de serviços, apregoada nas aulas de Filosofia do Direito, entre 1858 e 1873. Depois dos universitários, das dissertações pró e contra Proudhon, das aflorações do seu pensamento surge a terceira geração influenciada pelo grande panfletário e pensador francês. Proudhon aparece então em tom oratório na palavra luminosa de Magalhães Lima. É a época das intervenções populares. Jornais, panfletos, comícios, manifestações públicas formam o quadro em que se desenvolve esta propaganda. Uma nova geração vem depois, de cultura aprofundada no convívio da literatura libertária. - Alimenta no final do século a grande esperança na demanda do paraíso terreal. É a geração acrata. E novamente Proudhon... Com a República, em veios mais ou menos profundos, surge sempre, aqui, no mutualismo, ali, na propaganda federalista, além, na edificação socialista ou na crítica ao Estado burguês - a lição, o espírito, o exemplo do grande sociólogo revolucionário - concorrente de Bakunine, de Kropotkine e de Marx. E vai mais longe esta influência. Sem que disso se tenham apercebido muitos dos seus próprios apaniguados, alimenta a filosofia positivista, que encontrou em Portugal e Brasil, como é geralmente conhecido, o seu mais extenso domínio, nas ciências, na política e na estruturação da vida mental. Quer dizer, debaixo do pensamento de Comte aparece ainda a influência de Proudhon. Sabe-se que o Positivismo foi a corrente filosófica que maior influência exerceu no último quartel do século XIX em Portugal, invadindo Universidades e Escolas Superiores, fomentando revistas de cultura, projectando-se na política, armando de sólidos argumentos o verbo dos doutrinários no seu infatigável ataque às Instituições semi-caducas da monarquia representativa. Pode-se dizer, sem exagero, que a influência do comtismo e seus publicistas é o facto mais relevante da vida cultural portuguesa nessa época - de que foi um retardado produto universitário, o positivismo jurídico, posto em voga, já na fase de decadência desse derivado do Racionalismo francês. As reacções vieram de gente de formação acrata e dos poetas do inefável, dos líricos puros, da Renascença Portuguesa, por exemplo. Em conclusão, a influência de Proudhon na cultura portuguesa é de tal natureza, que corre o risco de a não compreender com autenticidade quem ignorar o fundo papel que ele, com certa permanência, nela exerceu até ao limiar do nosso tempo.
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