ANTOLOGIA PROUDHONIANA Parte I
“O Que É a Propriedade?” (1840)- Oh! (...) você é republicano.- Republicano, sim; mas essa palavra não diz nada de preciso.Res publica é a coisa pública. Ora, quem quer que queira a coisa pública, sob uma forma qualquer de governo, pode-se dizer republicano. Os reis também são republicanos.- Ora bem; você é monárquico?- Não.- Constitucionalista?- Deus me livre.- É então aristocrata?- De modo nenhum.- Quer um governo misto?- Ainda menos.- Mas então o que é que você é?- Sou anarquista.- Percebo: faz sátira; visa o governo.- De maneira nenhuma: acaba de escutar a minha profissão de fé séria e maduramente reflectida; apesar de muito amigo da ordem, sou, com toda a força que o termo tem, anarquista.Oiça-me.O homem, para atingir a mais rápida e perfeita satisfação das suas necessidades, procura a regra: nos começos esta regra é viva, visível e tangível; é o seu pai, o seu mestre, o seu rei. Quanto mais ignorante é o homem, mais absoluta é a obediência e confiança no seu guia. Mas o homem, cuja lei é a conformação com a regra, quer dizer descobri-la pela reflexão e pela razão, o homem raciocina acerca das ordens dos seus chefes: ora um tal juízo é um protesto contra a autoridade, um começo de desobediência. A partir do momento em que o homem procura os motivos da vontade soberana, a partir desse momento, o homem é um revoltado.Se já não obedece porque o rei ordena mas porque o rei prova, pode-se afirmar que a partir de então ele não reconhece nenhuma autoridade, e que se fez rei de si próprio. Infeliz daquele que ouse conduzi-lo e que só lhe ofereça, como sanção das suas leis, o respeito de uma maioria: pois, tarde ou cedo, a minoria passará a ser maioria, e este déspota imprudente será derrubado e todas as suas leis aniquiladas.(...) Anarquia, ausência de mestre, de soberano, tal é a forma de governo de que nos aproximamos de dia para dia, e que o hábito inveterado de considerar o homem como regra e a sua vontade como lei nos faz ver como o cúmulo da desordem e como expressão do caos. Conta-se que um burguês de Paris do século XVII, tendo ouvido dizer que em Veneza não havia rei, não conseguia refazer-se do espanto e pensou morrer de riso perante uma notícia tão ridícula. Tal é o nosso preconceito: todos nós queremos um chefe ou chefes; e possuo neste momento uma brochura cujo autor, comunista zeloso, sonha, como um outro Marat, com a ditadura.(...) Esta síntese da comunidade e da propriedade será chamada liberdade.Para determinar a liberdade, não juntamos assim sem discernimento a comunidade e a propriedade, o que seria um ecletismo absurdo.Procuramos por meio de um método analítico o que cada uma delas contém de verdadeiro, de conforme com a vontade da natureza e leis da sociabilidade, eliminamos o que encerram de elementos estranhos; e o resultado dá uma expressão adequada à forma natural da sociedade humana, numa palavra, a liberdade.A liberdade é igualdade, porque a liberdade não existe senão no estado social, e porque fora da igualdade não há sociedade.A liberdade é anarquia, porque não admite o governo da vontade, mas apenas a autoridade da lei, quer dizer, da necessidade.A liberdade é variedade infinita, porque respeita todas as vontades, dentro dos limites da lei.A liberdade é proporcionalidade, porque deixa toda a latitude à ambição do mérito e à emulação da glória.A liberdade é essencialmente organizadora: para assegurar a igualdade entre os homens, o equilíbrio entre as nações, é preciso que a agricultura e a indústria, os centros de instrução, de comércio e de armazenagem sejam distribuídos consoante as condições geográficas e climitéricas de cada país, as espécies de produtos, o carácter e os talentos naturais dos habitantes, etc, em proporções tão justas, tão sábias, tão bem combinadas que nenhum lugar apresente excesso ou falta de população, de consumo e de bens.Aqui começa a ciência do direito público e do direito privado, a verdadeira economia política.(...) A política é a ciência da liberdade: o governo do homem pelo homem, sob qual seja o nome de que se mascare, é opressão; a mais alta perfeição da sociedade encontra-se na união da ordem e da anarquia.O fim da antiga civilização chegou; debaixo de um novo sol, a face da terra vai renovar-se.Deixemos que uma geração se extinga, deixemos morrer no deserto os velhos prevaricadores: a terra santa não cobrirá os seus ossos. Jovem, indignado com a corrupção do século e devorado pelo zelo da justiça, se a pátria vos é cara, e se o interesse da humanidade vos toca, ousai tomar a causa da lberdade. Despi-vos do vosso velho egoísmo, mergulhai na torrente popular da igualdade nascente; aí, a vossa alma reanimada possuirá uma seiva e um vigor desconhecidos; o vosso génio amolecido reencontrará uma energia indomável; o vosso coração, talvez já murcho, rejuvenescerá.Tudo mudará de aspecto aos vossos olhos purificados: novos sentimentos farão renascer em vós novas ideias; religião, moral, poesia, arte, linguagem, aparecer-vos-ão sob uma forma maior e mais bela; e, a partir de agora, seguro da vossa fé, entusiasta com reflexão, saudareis a aurora da regeneração universal.“Ideia Geral da Revolução no Século XIX” (1851)Da autoridade à anarquia(...) Qualquer ideia estabelece-se ou refuta-se com uma série de termos que são por assim dizer o seu organismo, o último dos quais demonstra irrevogavelmente a sua verdade ou o seu erro.Se a evolução, em vez de se fazer simplesmente no espírito por meio de teorias, se efectuar ao mesmo tempo nas instituições e nos actos, constitui a história.É o caso que se apresenta como princípio de autoridade ou de governo.O primeiro termo sob o qual se manifesta este princípio é o poder absoluto.É a fórmula mais pura, mais racional, mais enérgica, mais franca, e para dizer tudo, a menos imoral e menos penível de governo.Mas o absolutismo, na sua expressão ingénua, é contrário à razão e à liberdade; a consciência dos povos sempre se voltou contra ele; depois da consci>ência,a revolta fez ouvir o seu protesto. O princípio foi assim forçado a recuar: recuou passo a passo, numa série de concessões, qual delas menos insuficiente, a última das quais, a democracia pura ou o governo directo, levou ao impossível, ao absurdo.Sendo portanto o absolutismo o primeiro termo da série, o termo final, fatídico, é a anarquia, entendida em todos ossentidos.Vamos passar em revista, uns após outros, os principais termos desta grande evolução.A humanidade pergunta aos seus chefes:”Por que razão pretendeis reinar sobre mim e governar-me?” Eles respondem: “Porque a sociedade não pode dispensar a ordem; porque é preciso que numa sociedade haja homens que trabalhem e que obedeçam, enquanto os outros dão ordens e dirigem; porque sendo desiguais as faculdades individuais, os interesses opostos, as paixões antagonistas, o bem particular de cada um oposto ao bem de todos, é precisa uma autoridade que marque os limites dos direitos e dos deveres, um árbitro que corte os conflitos, ma força pública que execute os juízes do soberano.Ora, o poder, o Estado, é precisamente esta autoridade discricionária, este árbitro que dá a cada um o que lhe cabe, esta força que assegura e faz respeitar a paz.O governo, em duas palavras, é o princípio e a garantia da ordem social: é o que dizem ao mesmo tempo o senso comum e a natureza.”Em todas as épocas, da boca de todos os poderes, encontrá-la-eis idêntica, invariável, nos livros dos economistas malthusianos, nos jornais da reacção e nas profissões de fé dos republicanos. Não há diferença entre todos eles, senão na medida das concessões que pretendem a princípio fazer à liberdade: concessões ilusórias, que adicionam às formas de governo ditas temperadas, constitucionais, democráticas, etc, um tempero de hipocrisia cujo sabor só as torna ainda mais miseráveis.Deste modo o governo, na simplicidade da sua natureza, apresenta-se como a condição absoluta, necessária, sine qua non, da ordem. É por isto que aspira, sempre e sob todas as máscaras, ao absolutismo: com efeito, segundo este princípio, quanto mais forte for o governo, mais a ordem se aproxima da perfeição. Estas duas noções, o governo e a ordem, estariam uma para a outra numa relação de causa e efeito: a causa seria o governo, o efeito a ordem.Também foi desta maneira que as sociedades primitivas raciocinaram.(...) Mas este raciocínio também não deixa de ser falso, e a conclusão de ser inadmissível de direito, dado que, segundo a classificação lógica das ideias, a relação entre o governo e a ordem não é de maneira nenhuma, como o pretendem os chefes de Estado, uma de causa e efeito, mas sim de particular e geral.A ordem, o género<, o governo, a espécie. Por outras palavras, há várias maneiras de conceber a ordem: quem é que nos prova que a ordem na sociedade deva ser aquela que apraz aos chefes impor-lhe?Alega-se, por um lado, a desigualdade natural das faculdades, donde se conclui a das condições; por outro, a impossibilidade de reduzir à unidade a divergência de interesses e de pôr em acordo os sentimentos.Mas neste antagonismo poder-se-ia, quando muito, ver uma questão a resolver, não um pretexto para a tirania.A desigualdade das faculdades? A divergência dos interesses? Ora!, soberanos de coroa, de faixas e estolas, eis precisamente ao que nós chamamos o problema social: e pensam vencer com o cassetete e a baioneta? Saint-Simon tinha razão quando dava como sinónimos estas duas palavras, governamental e militar.O governo a pôr ordem na sociedade é Alexandre a cortar o nó górdio com o seu sabre.Pastores dos povos, quem vos autoriza a pensar que o problema da contradição dos interesses e da desigualdade das faculdades não pode ser resolvido? Que a distinção das classes é uma consequência necessária? E que para manter esta distinção natural e providencial a força é necessária, legítima? Eu, pelo contrário, afirmo e todos aqueles que o mundo chama utopistas, pois que recusam a vossa tirania, adirmam comigo que esta solução pose ser encontrada. Alguns julgaram descobri-la na comunidade, outros na associação, outros ainda na série industrial. Eu,pelo que me toca, digo que está na organização das forças económicas, sob a lei suprema do contrato. Quem vos diz que nenhuma destas hipóteses é verdadeira?À vossa teoria governamental, que só tem por causa a vossa ignorância, por princípio um sofisma, por meio a força, por objectivo a exploração da humanidade, o progresso do trabalho, das ideias, opõe-se-vos pela minha boca esta teoria liberal: encontrar uma forma de transição que, conduzindo à unidade a divergência de interesses, identificando o bem particular e o bem geral, apagando a desigualdade de natureza pela da educação, resolva todas as contradições políticas e económicas; onde cada indivíduo seja igualmente e sinonimicamente produtor e consumidor, cidadão e príncipe, administrador e administrado; onde a sua liberdade aumente sempre, sem que tenha necessidade de alienar o que quer que seja; onde o seu bem estar cresça indefinidamente, sem que possa sentir, por parte da sociedade ou dos seus concidadãos, nenhum prejuízo, nem na sua propriedade nem no seu trabalho, nem nos ganhos nem nas suas relações de interesses, de opinião ou de afecto com os seus semelhantes.Pois quê!, estas condições parecem-vos impossíveis de realizar? O contrato social, quando considerais o assustador número de relações que deve regular, parece-vos o que se possa imaginar de mais inextricável, qualquer coisa como a quadratura do círculo e o movimento perpétuo. É por isso que, exaustos, vos lançais no absolutismo, na força.Considerai no entanto que se o contrato social puder ser resolvido entre dois produtores -- e quem põe em dúvida que, reduzido a estes termos simples, ele não possa ter solução? -- pode igualmente ser revolvido entre miljões, pois que se trata sempre do mesmo contrato, e que o número de assinaturas, tornando-o cada vez mais eficaz, não lhe acrescenta nenhum artigo.A vossa razão de impotência não se mantém assim de pé: é ridícula e não vos permite desculpa nenhuma.Em todo o caso, homens de poder, eis o que vos diz o produtor, o proletário, o escravo, aquele a que aspirais fazer trabalhar para vós: Não peço nem o bem nem a força de ninguém, e não estou disposto a que o fruto do meu trabalho seja cobiçado por alguém.Também quero ordem, tanto e ainda mais do que os que a perturbam com o seu pretenso governo; mas quero-a como um efeito da minha vontade, uma condição do meu trabalho e uma fé da minha razão.Nunca a suportaria se viesse de uma vontade estranha e impondo-me como condições prévias a servidão e o sacrifício.As leis e os interessesCom a impaciência dos povos e a iminência da revolta, o governo teve de ceder; prometeu instituições e leis; declarou que o seu mais ardente desejo era que cada um pudesse gozar o fruto do seu trabalho à sombra da sua vinha e da sua figueira.Era uma necessidade decorrente da sua posição.Com efeito, a partir do momento em que se apresentava como juiz do direito, árbitro dos destinos, não podia querer levar os homens a seu bel prazer.Rei, presidente, directório, comité, assembleia popular, não interessa, são necessárias regras de conduta ao poder: sem isso, como conseguiria ele estabelecer entre os seus sujeitos uma disciplina? Como é que os cidadãos se conformarão com a ordem, se a ordem não lhes é comunicada; se logo depois de comunicada é revocada; se muda de um dia para o outro e de hora a hora?Deste modo, o governo deverá fazer leis, quer dizer, impor a si mesmo limites: pois tudo o que é regra para o cidadão torna-se limite para o príncipe. Fará tantas leis quantos interesses encontrar: e dado que os interesses são inumeráveias, que as relações que nascem umas das outras se multiplicam ao infinito, que o antagonismo não tem fim, a legislação deverá funcionar sem interrupção. As leis, os decretos, os éditos, os decretos-leis, as portarias virão em saraivada cair sobre o pobre povo. Ao fim de algum tempo, o chão político estará coberto com uma camada de papel que os geólogos só terão de registar, sob o nome de formação “papirácea”, nas revoluções do globo.A Convenção, em três anos, um mês e quatro dias, deu à luz onze mil e seiscentos decretos-leis; a Constituinte e a Legislativa não produziram menos; o Império e os governos posteriores trabalharam o mesmo.Actualmente, o Diário do Governo contém, diz-se, mais de cinquenta mil; se os nossos representantes cumprissem o seu dever este número teria em breve duplicado.Será de crer que o povo e até o próprio governo consigam ver direito no meio desta confusão?Sem dúvida, já estamos longe da instituição primitiva. O governo desempenha, ao que se diz, na sociedade o papelde pai: ora qual foi o pai que alguma vez se lembrou de fazer um pacto com a família? de passar uma carta aos filhos? de fazer uma divisão dos poderes entre si e a mãe deles? O chefe de família é inspirado, no seu governo, pelo coração; não subtrai o bem dos filhos, alimenta-os com o seu próprio trabalho; guiado pelo amor, só é aconselhado pelo interesse dos seus e pelas circunstâncias; a sua lei e a sua vontade, e todos, a mãe e as crianças, confiam nela. O pequeno Estado estaria perdido se a acção paternal encontrasse a menor oposição que fosse, se estivesse limitada nas suas prerrogativas e determinada de antemão nos seus efeitos. Pois então!, será verdade que o governo não é um pai para o povo, pois que se submete a regulamentos, transige com os seus sujeitos e é o primeiro escravo de uma razão que, divina ou popular, não é a sua?Se assim fosse, não vejo por que me submeteria eu próprio à lei. Quem me garante que é justa, sincera? De onde vem? Quem a fez? Rousseau ensina em termos correctos que, num governo verdadeiramente democrático e livre, ao obedecer à lei o cidadão não faz mais do que obedecer à sua própria vontade.Ora, a lei foi feita sem a minha participação, apesar da minha discordância absoluta, apesar dos danos que me provoca.O Estado não trata comigo de modo nenhum; não troca nada, saqueia-me.Onde está então o laço, laço de consciência, laço sw razão, laço de paixão ou de interesse, que me obriga?Mas que digo eu? Leis para quem pensa por si mesmo e não tem de responder senão pelos seus próprios actos , leis para quem quer ser livre e se sente a isso destinado? Estou pronto a negociar mas não quero leis nenhumas; não reconheço nem uma; protesto contra toda a ordem que poder de pretensa necessidade imponha ao meu livre arbítrio. Leis! sabe-se o que são e o que valem.Teias de aranha para os poderosos e ricos, correntes que nenhum aço quebrará para os pequenos e pobres, redes de pesca nas mãos do governo.Dizem que se farão poucas leis, que serão simples, que serão boas.É ainda uma concessão.O governo é de facto culpado se confessa assim as suas faltas!Leis em pequeno número,leis excelentes? Mas é impossível.Então o governo não deve regulamentar todos os interesses, julgar todas as contestações? Ora os interesses são, pela natureza da sociedade, inúmeros, as relações variáveis e móveis ao infinito: como é possível que só se façam poucas leis? Como serão simples? Como é que a melhor lei não será em breve detestada?Fala-se de simplificação. Mas se pode simplificar um aspecto, podem simplificar-se todos; em vez de um milhão de leis, uma só chega. Qual será esta lei? Não faças a outrem o que não gostas que te façam a ti; faz a outrem o que gostas que te façam a ti. Eis a lei e os profetas. Mas é evidente que já não é uma lei; é a fórmula elementar da justiça, a regra de todas as transacções. A simplificação legislativa traz-nos de volta à ideia de contrato, consequentemente à negação da autoridade. Com efeito, se a lei é única, se resolve todas as antinomias da sociedade, se é consentida e votada por toda a gente, está adequada ao contrato social. Promulgando-a, proclamais o fim do governo. Quem vos impede de fazer imediatamente esta simplificação?A representatividade(...) Não há duas espécies de governo assim como não há duas espécies de religião.Ou o governo é de direito divino ou não é; do mesmo modo que a religião ou é do céu ou não é nada. Governo democrático e religião natural são duas contradições, a menos que se pretenda tomá-los como duas mistificações. O povo tem tanto poder consultivo no Estado como na Igreja: o seu papel é o obedecer e crer.Assim, como os princípios não podem falhar, como os homens sózinhos têm o privilégio da inconsequência, o governo, tanto em Rousseau como na Constituição de 91 e em todas as que se seguiram, não passa ainda, apesar do processo eleitoral, de um governo de direito divino, uma autoridade mística e sobrenatural que se impõe à liberdade e á consciência, mantendo o ar de quem reclama a sua adesão.Sigam esta lista:Na família, onde a autoridade é íntima ao coração do homem, o governo assenta na geração;Nos costumes selvagens e bárbaros assenta no patriarcado, o que pertence à categoria precedente, ou na força;Nos costumes sacerdotais assenta na fé;Nos costumes aristocráticos assenta na primogenitura, ou na casta;No sistema de Rousseau, agora nosso, assenta ou no acaso ou no número.A geração, a força, a fé, a primogenitura, o acaso, o número, tudo coisas igualmente ininteligíveis e impenetráveis, sobre as quais não há que racionar, mas sim submeter-se: tais são, eu não diria os princípios -- a autoridade como a liberdade só se reconhece a si mesma como princípio --, mas os modos diferentes pelos quais se efectua nas sociedades humanas a investidura do poder.Para um princípio primitivo, superior, anterior, indiscutível, o instinto popular procurou sempre uma expressão que fosse igualmente primitiva, superior, anterior e indiscutível. No que diz respeito à produção do, poder, a força, a fé, a hereditariedade ou o número são a forma variável que reveste esta ordália; são juízos de Deus.Será então que o número oferece ao vosso espírito qualquer coisa de mais racional, de mais autêntico, de mais moral do que a fé ou a foreça? Será que o escrutínio vos parece mais seguro do que a tradição ou a hereditariedade? Rousseau clama contra o direito do mais forte, como se a força, mais do que o número, constituísse a usurpação.Mas o que é isto do número? O que prova? O que vale? Qual a relação entre a opinião mais ou menos unânime e sincera dos votantes e esta coisa que domina toda a opinião, todo o voto, a verdade, o direito?Pois quê! Trata-se do que me é mais caro, da minha liberdade, do meu trabalho, da subsistência da minha mulher e dos meus filhos: e quando penso assentar artigos com vocês, remetem tudo a um congresso formado consoante o capricho do azar? Quando me apresento para contratar dizem-me que é preciso eleger árbitros, os quais, sem me conhecerem, sem me ouvirem, pronunciarão a minha absolvição ou condenação? Qual a relação, pergunto-vos, entre esse congresso e eu? Que garantia me pode oferecer? Por que razão faria eu à sua autoridade este sacrifício enorme, irreparável, de aceitar o que muito bem tenha resolvido como expressão da minha vontade, a medida justa dos meus direitos? E quando esse congresso, depois dos debates de que eu não percebo nada, vem até mim impor-me a sua decisão como lei, entregar-me essa lei na ponta de uma baioneta, eu pergunto, se é verdade que faço parte do soberano, o que acontece à minha dignidade, se me devo consederar como estimulante, onde está o contrato?Os deputados, afirma-se, seráo os homens mais capazes, mais honestos, mais independentes do país; escolhidos como tais por uma élite de cidadãos que são os mais interessados na ordem, na liberdade, no bem-estar dos trabalhadores e no progresso.Iniciativa sabiamente concebida, que responde pela bondade dos candidatos!Mas porque é que estes honrados burgueses que compõem a classe média perceberiam melhor do que eu próprio dos meus interesses verdadeiros? Trata-se do meu trabalho, vejam bem, da troca do meu trabalho, a coisa que, depois do amor, tolera menos a autoridade (...)(...) E vão libertar o meu trabalho, o meu amor, por procuração, sem o meu consentimento! Quem me diz que os vossos procuradores não se servirão dos seus privilégios para fazerem do poder um instrumrnto de exploração? Quem me garante que o seu pequeno número não os conduzirá, pés, mãos e consciências ligados, à corrupção! E se não se quiserem deixar corromper, se não conseguirem que a autoridade dê ouvidos à razão, quem me assegura que a autoridade dê ouvidos à razão, quem me assegura que a autoridade se quererá submeter?Os processos eleitorais(...) A solução foi encontrada, exclamam os intrépidos.Que todos os cidadãos tomem parte na votação: não haverá poder que lhes resista, nem sedução que os corrompa.Foi o que pensaram, nas vésperas de Fevereiro, os fundadores da República.Alguns acrescentam: que o mandato seja imperativo, o representante revocável a qualquer instante; e a integridade da lei será garantida, a fidelidade do legislador assegurada.Aqui começa a confusão.Não creio de maneira nenhuma, e com boa razão, nesta intuição divinatória das multidões, que lhes permitiria discernir num relance o mérito e a honorabilidade dos candidatos.Abundam os exemplos de personagens eleitas por aclamação e que, no estrado onde se ofereciam aos olhares do povo inebriado, preparavam já a trama das suas traições. A custo encontrará o povo, nos seus comícios, um homem em cada dez tratantes...Mas, mais uma vez, para que me servem todas estas eleições? Para que necessito eu de mandatários, assim como de representantes? E se é preciso explicitar a minha vontade, não o poderei fazer sem o auxílio de ninguém? Ser-me-à mais custoso, e não estarei eu ainda mais seguro de mim mesmo do que o meu advogado?Dizem-me que é preciso acabar com isto; que é impossível ocupar-me de tantos interesses diversos; que apesar de tudo um conselho de árbitros, cujos membros terão sido eleitos por todas as vozes do povo, é garantia de uma aproximarão da verdade e do direito bem superior à justiça de um monarca irresponsável, representado por ministros insolentes e por magistrados cuja inamovibilidade os coloca, assim como ao príncipe, fora da minha esfera.Em primeiro lugar, não vejo necessidade nenhuma de acabarmos com isso, pagando um preço tão elevado: não vejo até que se acabe com isso.Nem a eleição nem a votação, mesmo por unânimes que sejam, resolvem alguma coisa. Já há sessenta anos que as temos vindo a praticar a todos os níveis tanto uma como outra, e em que é que acabámos? O que é que somente definimos? Qual a luz que o povo obteve das suas assembleias? Que garantias conquistou? Se tivesse que reiterar o seu mandato dez vezes ao ano, renovar os quadros municipais todos os meses, em que é que isso contribuiria para o seu rendimento? Estaria mais seguro, ao deitar-se todas as noites, de ter alimento para si e para os seus filhos no dia seguinte? Poderia dizer apenas que não o viriam prender, levá-lo para a prisão?Compreendo que relativamente a questões que não são susceptíveis de uma solução regular, devido a interesses medíocres, incidentes sem importância, haja uma submissão a uma decisão arbitral.Transacções tais têm de moral, de consolador, o que atestam nas almas, qualquer coisa de superior até à justiça, o sentimento fraternal.Mas acerca dos princípios, da essência própria dos direitos, da direcção a imprimir à sociedade; mas acerca da organização das forças industriais; mas acerca do meu trabalho, da minha subsistência, da minha vida; mas mesmo acerca desta hipótese de governo que discutimos, recuso toda a autoridade presumida, toda a solução indirecta; não reconheço nenhum conclave: quero tratar directamente, individualmente, por mim mesmo; o sufrágio universal é a meu ver uma verdadeira lotaria.O Fim da Autoridade(...) Passo imediatamente à hipótese final.Aquela em que o povo, voltando ao poder absoluto, e tomando-se a si mesmo, na sua totalidade, por déspota, se tratasse consequentemente: aquela em que, por consequência, acumulasse, como deve ser, todas as atribuições, em que reunisse na sua pessoa todos os poderes: legislativo, executivo, judicial e outros, se existirem; em que fizesse todas as leis, emitisse todos os decretos-lei, portarias, acórdãos, juízos; expedisse todas as ordens; tomasse à sua conta todos os seus agentes e funcionários, de alto a baixo da hierarquia; lhes transmitisse directamente e sem intermediário as suas vontades; em que observasse a assegurasse a sua execução, impondo a todos uma responsabilidade proporcional; em que se adjudicasse todas as dotações, listas civis, pensões, encorajamentos; em que gozasse enfim, rei de facto e de direito, todas as honras e benefícios da soberania, poder, dinheiro, prazer, repouso, etc.(...) Infelizmente este sistema sem mácula, ouso afirmá-lo, no seu todo e nos detalhes, encontra na prática uma dificuldade inultrapassável.É que o governo pressupõe um correlativo, e que se todo o povo, como soberano, governa, em vão procuraremos os governados. O fim do governo, lembramos, não é unificar a divergência de interesses -- quanto a isto ele reconhece a sua perfeita incompetência --, mas sim manter a ordem na sociedade apesar do conflito de interesses.Por outras palavras, o governo tem como fim suprir à falta de ordem económica e de harmonia industrial. Se deste modo p povo se ocupa, no interesse da sua liberdade e da sua soberania, do governo, deixa de se poder ocupar com a produção, pois que, pela natureza das coisas, produção e governo são duas funções incompatíveis, e querer acumulá-las seria introduzir a divisão generalizada. Assim, uma vez mais ainda, onde estarão os produtores? Onde os governados? Onde os administrados? Onde os julgados? Onde os executados?(...) É preciso ir até à hipótese extrema, aquela em que o povo entra em massa para o governo, preenche todos os poderes, e sempre a deliberar, votar, executar, como numa insurreição, sempre unânime, não tem por cima de si nem presidente, nem representantes, nem comissários, nem país legal, nem maioria, numa palavra, em que é o único legislador e funcionário na sua colectividade.Mas se o povo organizado desta maneira para o poder já não tem nada acima de si, pergunto-me o que terá por baixo? Por outras palavras, onde está o correlativo do governo? Onde estão os produtores, os industriais, os comerciantes, os soldados? Onde estão os trabalhadores e os cidadãos?Dir-se-à que o povo é todas estas coisas ao mesmo tempo, que produz e legisla simultaneamente, que trabalho e governo são indivisos na sua pessoa? É impossível, pois que, por um lado, tendo o governo como razão de ser a divergência dos interesses e, por outro, não se podendo admitir nenhuma solução de autoridade ou de maioria, sendo só o povo na sua unanimidade qualificado para fazer passar leis, consequentemente alongando-se o debate legislativo com o número de legisladores e crescendo os assuntos de Estado na razão directa do grande número dos homens de Estado, os cidadãos deixem de ter oportunidade para se ocuparem com as suas tarefas industriais; todos os seus dias não serão de mais para despacharem o trabalho do governo.Não há meio termo: ou trabalhar ou reinar.(...) era assim, com efeito, que as coisas se passavam em Atenas, onde durante vários séculos, com a excepção de alguns intervalos de tirania, todo o povo estava na praça pública, discutindo de sol a sol.Mas os vinte mil cidadãos de Atenas, que constituíam o soberano, tinham quatrocentos mil escravos a trabalharem para eles, ao passo que o povo francês não tem ninguém para o servir e mil vezes mais assuntos a despachar do que os Atenienses.Repito a minha pergunta: sobre o que é que o povo, agora legislador e príncipe, legislará? Para que interesses? Com que fim? E enquanto governar quem o alimenta? (...) Se o povo em massa passar para o Estado, o Estado não tem a menor razão de ser, pois que deixa de haver povo: a equação do governo tem como resultado zero.A ideia capital, decisiva, desta revolução não é com efeito: fim à autoridade na Igreja, no Estado, na terra, no dinheiro?Ora, fim à autoridade quer dizer o que nunca se viu, o que nunca foi compreendido, acordo do interesse de cada um com o interesse de todos, identidade de soberania colectiva e soberania individual.Fim à autoridade!, quer dizer dívidas pagas, servidões abolidas, hipotecas levantadas, rendas reembolsadas, despesas com o culto, a Justiça e o Estado suprimidas; crédito gratuito, troca igual, associação livre, valor regulado; educação, trabalho, propriedade, domicílio, preços baixos, garantidos; fim ao antagonismo, fim à guerra, fim à centralização, fim aos governos, fim aos sacerdócios. Não é isto a sociedade saída da sua esfera, caminhando numa posição invertida, de pernas para o ar?Fim à autoridade!, quer dizer ainda o contrato livre em vez da lei absolutista; a transacção voluntária em vez da arbitragem do estado; a justiça equitativa e recíproca, em vez da justiça soberana e distributiva; a moral racional em vez da moral revelada; o equilíbrio das forças a substituir o equilíbrio dos poderes; a unidade económica em vez da centralização política.Ainda uma vez mais, não é a isto que ousarei chamar uma conversão completa, uma reviravolta, uma revolução?A distância que separa estes dois regimes pode ser calculada pela diferença dos seus estilos.Um dos momentos mais solenes da evolução do príncípio da autoridade é o da promulgação do Decálogo.A voz do anjo ordena ao povo, prostrado no sopé do Sinai:Adorarás o Eterno, diz-lhe, e somente o Eterno;Só jurarás em seu nomu;Não trabalharás nos seus dias feriados, e pagar-lhe-às a dízima;Honrarás teu pai e tua mãe;Não matarás;Não roubarásNão fornicarás;Não cometerás nenhuma falsidade;Nãoserás invejoso nem caluniador;Pois o Eterno o ordena, e foi o Eterno que te fez o que tu és.O Eterno é o único soberano, o único sábio, o único digno; o Eterno castiga e recompensa, o Eterno pode fazer-te feliz e infeliz.Todas as legislações adoptaram este estilo; todas, falando ao homem, empregam a fórmula soberana.O hebreu ordena no futuro, o latim no imperativo, o grego no infinitivo.Os modernos fazem omesmo: (...) qualquer que seja a lei, não importa de que boca venha, ela é sagrada a partir do momento em que é pronunciada por essa trmbeta fatídica que connosco é a maioria.“Não te juntarás;Não imprimirás;Não lerás;Respeitarás os teus representantes e funcionários, que o acaso do escrutínio ou a vontade do Estado te terão dado;Obedecerás às leis que a sua sabedoria te terá feito;Pagarás o orçamento fielmente;E amarás o governo, teu senhor e deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua inteligência: porque o governo sabe melhor do que tu o que és, o que vales, o que te convém, e tem o poder para castigar os que desobedecem aos seus mandamentos, assim como para recompensar até à quarta geração aqueles que lhe são gratos”.Oh, personalidade humana! Como é possível que durante sessenta séculos tenhas vivido miseravelmente nesta abjecção! Dizes-te santa e sagrada, e não passas da prostituta, infatigável, gratuita, dos teus lacaios, dos teus monges e dos teus soldados de velha guarda.Sabe-lo e sofres com isso! Ser governado é ser guardado à vista, inspeccionado, espiado, dirigido, legislado, regulamentado, arrumado, doutrinado, pregado, controlado, estimado, apreciado, censurado, mandado, por seres que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude.Ser governado é ser, a cada operação , a cada transacção, a cada movimento, notado, registado, recenseado, tarifado, selado, medido, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, impedido, reformado, reeducado, corrigido. É, com o pretexto de utilidade pública, e em nome do interesse geral, ser pedido em empréstimo, exercitado, espoliado, explorado, monopolizado, abalado, pressionado, mistificado, roubado; depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, multado, injuriado, vexado, encurralado, maltratado, batido, desarmado, garrotado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, ainda por cima, jogado, escarnecido, ultrajado, desonrado.Eis o governo, eis a sua justiça, eia a sua moral! E dizer que há entre nós democratas que pretendem que o governo tem coisas boas; socialistas que apoiam, em nome da liberdade,da igualdade e da fraternidade, esta ignomínia; proletários que se candidatam à presidência da República! Hipócrisia!...Com a revolução, é outra coisa. A procura das causas primeiras e das causas finais é eliminada da ciência económica assim como das ciências naturais.A ideia de progresso toma, na filosofia, o lugar da do absoluto.A Revolução sucede à revelação.A razão, auxiliada pela experiência, expõe ao homem as leis da natureza e da sociedade; depois diz:Estas leis são as da própria necessidade. Nenhum homem as fez; ninguém as impõe. Foram descobertas pouco a pouco, e eu só existo para testemunhá-las.Se as observares, serás justo e bom, se as violares, serás injusto e mau. Não te proponho nenhum outro motivo (...), és livre para aceitar ou recusar.Se recusares, fazes parte da sociedade dos selvagens. Saído da comunhão com o género humano, tornas-te suspeito. Nada te protege. Ao menor insulto, o primeiro passante pode-te bater, sem incorrer noutra acusação que não seja a de sevícias inutilmente exercidas contra um bruto.Se te comprometeres com o pacto, pelo contrário, fazes parte da sociedade dos homens livres. Todos os irmãos que se comprometerem contigo, prometem-te fidelidade, amizade, ajuda, serviço, troca (...)Eis todo o contrato social.* O sentido normalmente atribuído à palavra anarquia é ausência de príncipio, ausência de regra; daqui o facto de ter sido feita sinónimo de desordem ( nota de Proudhon).LETTRE DE CANDIDATURE À LA PENSION SUARD, 1838Nascido e educado na classe operária, pertencendo-lhe ainda, hoje e sempre, pelo coração, pelo espírito, pelos hábitos e sobretudo pela comunidade de interesses e asperações, a maior alegria do candidato, se conseguisse a vossa aprovação, seria, não duvideis Senhores, ter atraído sobre a sua pessoa a vossa justa atenção para esta interessante parte da sociedade, tão bem ornada com o nome de operária, de ter sido julgado digno de ser o seu primeiro representante junto de vós e de poder, doravante, trabalhar sem descanso, mediante a filosofia e a ciência, com toda a energia da sua vontade e todas as forças do seu espírito para a completa libertação dos seus irmãos e companheiros.DE LA CÉLÉBRATION DU DIMANCHE, 1839A questão da igualdade das condições e das fortunas foi já levantada, mas como uma teoria sem princípios: é preciso retomá-la e aprofundá-la em toda a sua verdade.Mas logo se apresentaria um problema: encontrar um estado de igualdade social que não seja, nem comunidade, nem despotismo, nem desmembramento, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade. E, uma vez resolvido este primeiro ponto, restaria um segundo: indicar o melhor modo de transição. Todo o problema humanitário reside aqui. Qu'est-ce que la propriété?, 1840Se tivesse que responder à seguinte pergunta: Que é a escravatura? e respondesse simplesmente: É o assassinato, o meu pensamento seria imediatamente compreendido. Não necessitaria de um longo discurso para mostrar que o poder de privar um homem do seu pensamento, vontade e personalidade é um poder de vida e de morte e que, fazer de um homem um escravo, é assassiná-lo. Assim, porque é que a esta segunda pergunta: Que é a propriedade? não posso responder também: É o roubo, sem ter a certeza de ser entendido, se bem que esta segunda proposição não seja mais do que a primeira transformada (p. 131).Certo autor ensina que a propriedade é um direito civíl nascido da ocupação e sancionado pela lei; esse outro sustém que é um direito natural que tem a sua origem no trabalho: e estas doutrinas, por opostas que pareçam, são encorajadas, aplaudidas. Sustento que nem o trabalho, nem a ocupação, nem a lei podem criar a propriedade; que ela é um efeito sem causa: serei por isso repreensível?Quantos murmúrios se levantam!- A propriedade é o roubo! Eis o toque a rebate de 93! Eis a confusão das revoluções! (pp. 131-132).Sim, todos os homens acreditam e repetem que a igualdade de condições é idêntica à igualdadede direitos; que propriedade e roubo são termos sinónimos; que qualquer preeminência social, concedid,a, ou melhor, usurpada sob o pretexto de superioridade de talento e de serviço, à iniquidade e banditismo: todos os homens, repito, atestam estas verdades na sua alma; trata-se apenas de fazer com que se apercebam disso (p. 135).A justiça é o astro central que governa as sociedades, o pólo em redor do qual gira o mundo político, o princípio e a regra de todas as transacções. Entre os homens, nada se faz que não seja em virtude do direito; nada se faz sem a invocação da justiça. A justiça não é em absoluto obra da lei; pelo contrário, a lei é sempre uma declaração e uma aplicação do justo, em todas as circunstâncias em que os homens podem estar numa relação de interesses. Assim, pois, se a ideia que tinhamos do justo e do direito estava mal determinada, se era incompleta ou mesmo falsa, é evidente que todas as nossas aplicações legislativas serão más, as nossas instituições estarão viciadas e a nossa política será errónea: portanto, haverá desordem e mal social (p. 144).... Sem a ordem da justiça, o trabalho destrói a propriedade (p. 205).O capitalista, dizem, pagou as jornas dos operários; para ser exacto, deve dizer-se que o capitalista pagou tantas vezes uma jorna quantos operários empregou diariamente, o que não é precisamente a mesma coisa. Com efeito, esta força imensa que resulta da união e da harmonia dos trabalhadores, da convergência e da simultaneidade dos seus esforços, essa, não a pagou. Duzentos granadeiros erigiram em poucas horas o obelisco de Luqsor; alguém supõe que um só homem, em duzentos dias, teria conseguido o mesmo? Não obstante, na conta do capitalista a soma dos salários havia sido idêntica. Pois bem, um deserto a cultivar, uma casa a edificar, uma manufactura a explorar, é o obelisco a erigir, é uma montanha a mudar de lugar. A mais pequena fortuna, o mais simples estabelecimento, o accionamento da indústria mais débil, exige um concurso de trabalhos e talentos tão diversos que o mesmo homem não seria suficiente para isso. Resulta surpreendente que os economistas não tenham tido em conta este facto. Façamos pois o balanço daquilo que o capitalista recebeu e do que pagou.Ao trabalhador faz-lhe falta um salário que lhe dê para viver enquanto trabalha, posto que só produz consumindo. Quem quer que ocupe um homem deve-lhe comida e mantimentos ou um salário equivalente. É a primeira coisa que se deve fazer em toda a produção (pp. 215-216).Separai os trabalhadores uns dos outros, e acontecerá talvez que a jorna paga a cada um ultrapasse o valor de cada produto individual: mas não é disso que se trata. Uma força de mil homens em acção durante vinte dias foi paga como o seria a força de um durante 55 anos; mas esta força de mil realizou em vinte dias o que a força,de um só, repetindo o seu esforço durante um milhão de séculos, não poderia realizar: é equitativa a compra? uma vez mais, não: quando vós [capitalistas] pagastes todas as forças individuais, não pagastes a força colectiva; por consequência, continua a existir um direito de propriedade colectiva que não adquiristes e do qual desfrutais injustamente (p. 217).Caminharemos por meio do trabalho para a igualdade; cada passo que damos aproxima-nos cada vez mais dela; e se a força, a deligência, a destreza dos trabalhadores fossem iguais, é evidente que as fortunas também o seriam. Com efeito, se, como se pretende e como nós cremos, o trabalhador for proprietário do valor que cria, segue-se:1. Que o trabalhador adquire um direito de propriedade à custa do proprietário ocioso.2. Que, sendo toda a produção necessariamente colectiva, o operário tem direito, na proporção do seu trabalho, à participação nos produtos e nos lucros.3. Que, sendo todo o capital acumulado uma propriedade social, ninguém pode fazer dele propriedade exclusiva (p. 218).Ora, este facto incontestável e incontestado da participação geral em cada espécie de produtos tem como resultado tornar comuns todas as produções particulares: de tal modo que cada produto, ao sair das mãos do produtor, se encontra previamente marcado com uma hipoteca pela sociedade (p. 240).O trabalhador é, face à sociedade, um devedor que morre necessariamente insolvente; o proprietário é um depositário infiel que nega o depósito posto à sua guarda e quer receber dinheiro pelos dias, meses e anos que o guardou (p. 241).Coisa singular! A comunidade sistemática, negação reflectida da propriedade, é concebida sob a influência directa do preconceito da propriedade; e é a propriedade que se encontra na base de todas as teorias dos comunistas. Os membros de uma comunidade, é certo, não têm nenhum bem próprio; mas a comunidade é proprietária, e proprietária não só dos bens, mas também das pessoas e das vontades (p. 326).E tal como o direito da força e o direito da astúcia se restringem ante a determinação cada vez mais ampla da justiça, e terminam esfumando-se na igualdade, assim também a soberania da vontade cede frente à soberania da razão e acabará por se destruir num socialismo científico. A propriedade e a realeza estão a desmoronar-se desde o princípio do mundo; tal como o homem procura a justiça na igualdade, a sociedade busca a ordem na anarquia (p. 339).O proprietário, o ladrão, o herói, o soberano, posto que todos estes nomes são sinónimos, impõe a sua vontade e não sofre nem contradição nem controlo, ou seja, pretende ser simultaneamente poder legislativo e poder executivo (p. 341).Suprimai a propriedade conservando a possessão; e, mediante esta única modificação no princípio, mudareis tudo nas leis; o governo, a economia, as instituições. Expulsareis o mal da Terra (pp. 345-346).Todo o trabalho humano, necessariamente resultante de uma força colectiva, converte toda a propriedade, por essa mesma razão, em colectiva e indivisa: em termos mais precisos, o trabalho destrói a propriedade. Sendo toda a capacidade trabalhadora, tal como qualquer instrumento de trabalho, um capital acumulado, uma propriedade colectiva, a desigualdade de tratamento e de fortuna, sob o pretexto de desigualdade de capacidade, é injustiça e roubo (p. 346).A política é a ciência da liberdade o governo do homem pelo homem, qualquer que seja o nome, sob que se oculte, é opressão; a mais alta perfeição da sociedade encontra-se na união da ordem com a anarquia (p. 346).Deuxième mémoireLettre à M. Blanqui sur la propriété, 1841«Para viver como proprietário é preciso roubar o trabalho de outrem, é necessário matar o trabalhador. - A propriedade é a grande matriz das nossas misérias e dos nossos crimes. - Propriedade devoradora e antropófaga. - Esperteza, violência e usura, tal é a categoria dos meios empregues pelo proprietário para espoliar o trabalhador» (p. 17).... Todas as causas de desigualdade social se reduzem a três: 1. A apropriação gratuita das forças colectivas. A desigualdade nas trocas; 3. O direito ao lucro ou à fortuna inesperada.E como esta tripla maneira de usurpar os bens de outrem constitui, essencialmente, o domínio da propriedade, neguei a legitimidade da propriedade e proclamei sua identidade com o roubo (p. 126).... Prego a emancipação aos proletários, a associação aos trabalhadores, a igualdade aos ricos; incito à revolução através de todos os meios que estão em meu poder a palavra, a escrita, a imprensa, as acções e os exemplos. A minha vida é um perpétuo apostolado» (p. 149).De la création de l'ordre dans l'humanité ou principes d'organisation politique, 1843Não é raro ver homens de uma grande sagacidade, de um juízo distinto, de uma razão superior, serem perseguidos por uma ideia que, semelhante a uma iluminação repentina, lhes atravessou o cérebro, neles produzindo as mais singulares imaginações. Um dos mais famosos exemplos desta ideomania foi J.-J. Rousseau (p. 84). Mas o tipo da fascinação intelectual, o ideómano por excelência, esse foi o autor do Monde industriel, Ch. Fourier (p. 85). Entre os alucinados,desta espécie incluo os filósofos. (...) A ideomania universal e profundas que descrevi em traços largos, ... resume, por si só, todas as superstições científicas, políticas e religiosas (p. 87). Com umas árvores genealógicas de ideias se resolveriam, à margem da experiência e da análise os problemas relativos ao homem e à sociedade. Esta preocupação do espírito humano parece ter alcançado a sua maior intensidade aí por volta dos séculos IV e V antes da nossa era, nos tempos em que viveram, na Grécia, Sócrates, Platão, e os sofistas (p. 89).O sistema de Hegel voltou a pôr em voga o dogma da Trindade: panteístas, idealistas e materialistas tornaram-se trinitários, e muitas pessoas imaginaram que o mistério cristão se ia tornar um axioma de metafísica. Veremos, daqui a pouco e depois das observações que fizemos no parágrafo precedente sobre a aritmética, botânica e zoologia, o leitor já deve estar suficientemente preparando, veremos, dizia eu, que a natureza, quando a abarcamos no seu conjunto, se presta tanto a uma classificação quaternária como a uma classificação ternária e que se prestaria provavelmente a muitas outras se a nossa intuição fosse mais abrangente; por consequência, [veremos] que a criação evolutiva de Hegel se reduz à descrição de um ponto de vista escolhido entre muitos outros, e que, mesmo que esta descrição fosse tão rigorosa e irrepreensível como o sistema decimal, a certeza que ela teria não provaria, de modo nenhum, a sua realidade exclusiva, assim como a certeza absoluta do nosso sistema de numeração não prova que ele seja o sistema exclusivamente seguido pela natureza.Além dissio, o sistema de Hegel valeu ao seu autor graves reprovações: queixavam-se que a sua série não passava, muitas vezes, de um artifício de linguagem em desacordo com os factos; que a oposição entre o primeiro e o segundo termo nem sempre era suficientemente marcada e que o terceiro não os sintetizava. Estas críticas nada têm que nos possa surpreender: Hegel, antecipando-se aos factos em vez de esperar que acontecessem, forçava as suas fórmulas e esquecia que o que pode ser uma lei de conjunto não basta para dar conta dos pormenores. Numa palavra, Hegel tinha-se aprisionado numa série particular, e pretendia explicar com ela a natureza, tão variada nas suas séries como nos seus elementos (pp. 162-163).É ao mesmo tempo que compreendo a independência das diversas ordens de séries e a impossibilidade de uma ciência universal, as leis da série simples, e os elementos da síntese (p. 212). A síntese não destrói realmente, mas formalmente, a tese e a antítese (sp. 214). A metafísica junta a sua autoridade à do sentido íntimo para nos provar algo forado nosso pensamento; o idealismo, tanto o objectivo como o subjectivo, segue convencidode uma quimera, e as angústias do cepticismo já não podem atingir-nos (p. 288).O progresso da sociedade mede-se segundo o desenvolvimento da indústria e aperfeiçoamento dos instrumentos; o homem que não sabe ou não pode servir-se de um instrumento para trabalhar é uma anomalias uma criatura abortícia: não é um homem. Repitamo-lo: de entre todos os animais o homem é o único que trabalha. As antigas religiões viram nisto o signo de uma maldição celeste: com efeito, na sociedade primitiva, o trabalho devia ser tão penoso quanto pouco produtivo. A nova ciência, porem, so vê no trabalho o brilhante testemunho da nossa imensa superioridade (p. 298).O antagonismo entre o capital e o trabalho, tão deplorado pelos amigos do progresso, longe de se resolver numa associação, que manteria a distinção efectiva entre o trabalhador e o capitalista, só deve terminar pela sujeição absoluta do capital ao traibalho, e pela transformação do ócio capitalista em função de comissário de alforrias e distribuidor dos capitais (p. 313).A dialéctica seriada é uma máquina que devorará a Constituição, os códigos, os tribunais e todo o arsenal administrativo; que destruirá os canhões do despotismo e fará estremecer as suas bastilhas. Um quilograma de pólvora apenas fará explodir uma bomba; uma só destas ideias fará ir pelos ares milhões de soldados (p. 461).Système des contradictions economiques, 1846, vol. IA maioria dos filósofos, como dos filólogos, só vê na sociedade um ser de razão, ou melhor, um nome abstracto que serve para designar uma colecção de homens. Que os substantivos colectivos, os substantivos de género e de espécie, não designem, em absoluto realidades, isso é um preconceito que todos adquirimos na infância com as primeiras lições de gramática. Muito haveria para dizer acerca desta matéria; limito-me ao meu assunto. Para o verdadeiro economista, a sociedade é um ser vivo dotado de uma inteligência e de uma actividade próprias, regido por leis especiais que só a observação permite descobrir e cuja existência se manifesta, não sob uma forma física, mas pelo acordo e íntima solidariedade entre todos os seus membros. Assim, quando, há pouco, sob o símbolo de um deus fabuloso, fazíamos a alegoria da sociedade, a nossa linguagem, no fundo, nada tinha de metafórico; era ao ser social, unidade orgânica e sintética, que nós acabávamos de dar um nome. Para quem reflectiu sobre as leis do trabalho e da troca deixei de lado quaisquer outras considerações) a realidade, e estive quase a ponto de dizer a personalidade do homem colectivo, é tão certa quanto a realidade e a personalidade do homem individual. Toda a diferença está em que este se apresenta aos sentidos sob o aspecto de um organismo cujas partes mantêm uma coerência materia1, circunstância que não existe na sociedade. Mas a inteligência, a espontaneidade, o desenvolvimento, a vida, tudo o que constitui a realidade do ser no mais alto grau é tão essencial para a sociedade como para o homem (p. 123).É impossível e contraditório, que no sistema actual das sociedades o proletariado alcance o bem-estar pela educação ou a educação pelo bem-estar. Com efeito, sem contar já que o proletário, o homem-máquina, é tão incapaz de suportar o desafogo como a instrução, está demonstrando, por um lado, que o seu salário tende sempre menos a elevar-se que a descer, e por outro, que a cultura do seu espírito, mesmo que a pudesse receber, ser-lhe-ia inútil, pelo que há para ele uma incitação constante para a barbárie e para a miséria. Tudo o que, nestes últimos anos, se tentou em França e Inglaterra com vista a melhorar a sorte das classes pobres relativamente ao trabalho das crianças e das mulheres e ao ensino primário, a menos que seja o fruto de uma intenção do radicalismo, foi feito à margem dos dados económicos e em prejuízo da ordem estabelecida. O progresso, para a massa dos trabalhadores, é sempre um livro fechado a sete chaves; e não é por meio de contra-sensos legislativos que o implacável enigma será explicado (p. 164).Com a máquina e a oficina, o direito divino, quer dizer o princípio de autoridade, fez a sua estreia na economia política. O Capital, a Deminação, o Privilégio, o Monopóilio, a Comandita, o Crédito, a Propriedade, etc., tais são, em linguagem económica, os diversos nomes de um não sei quê a que costumam chamar Poder, Autoridade, Soberania, Lei escrita, Revelação, Religião, enfim, Deus, causa e princípio de todas as nossas misérias e de todos os nossos crimes, e que quanto mais procuramos definir, mais se nos escapa.Será impossível que, no estado presente da sociedde, a oficina, com a sua organização hierárquica, e as máquinas, em vez de servirem exclusivamente os interesses da classe menos numerosa, menos trabalhadora e de todas a mais rica, sejam empregadas para o bem comum? Isso é o que iremos examinar (p. 195).A família não é, por assim dizer, o tipo, a molécula orgânica da sociedade. Na família, como muito bem o tinha observado de Bonald, existe um só ser moral, um só espírito, uma só alma, e quase diria, como a Bíblia, uma só carne. A família é o tipo e o berço da monarquia e do patriciado; nela reside e se conserva a ideia de autoridade e de soberania, que se apaga cada vez mais no Estado. Foi sobre o modelo da família que todas as sociedades antigas e feudais se organizaram, e é precisamente contra esta velha constituição patriarcal que se revolta a democracia moderna.A unidade constitutiva da sociedade é a oficina (p. 238).É uma consequência do desenvolvimento das contradições económicas o facto de a ordem na sociedade se mostrar em princípio como que do avesso; aquilo que deve estar em cima estar situdo em baixo; aquilo que deve ser posto em relevo parecer côncavo, e aquilo que deve receber luz ser lançado na sombra. Assim, o poder que, por essência, é, como o capital, auxiliar e subordinado do trabalho, torna-se, pelo antagonismo na sociedade, o espião, o juiz e o tirano das funções produtivas; o poder, a quem a sua inferioridde original manda obediência, é príncipe e soberano.Em todos os tempos as classes trabalhadoras buscaram contra a casta oficial a solução desta antinomia, cuja chave só a ciência económica pode dar (p. 289).Seguido as definições da ciência económica, pelo contrário, definições conformes à realidade das coisas, o poder é a série dos improdutivos que a organização social deve tender infinitamente a reduzir. De que maneira, pois, com o princípio de autoridade tão caro aos democratas, o voto da economia política, voto que é também o do povo, se poderia realizar? Como é que o governo que, seguido esta hipótese, é tudo, se tornaria um servidor obediente, um órgão subalterno? (pp. 340-341).O poder, instrumento da força colectiva, criado na sociedade para servir de mediador entre o trabalho e o privilégio, encontra-se fatalmente ligado ao capital e dirigido contra o proletariado (p. 345).Para as classes trabalhadoras, o problema consiste, então, não em conquistar, mas em vencer, ao mesmo tempo, o poder e o monopólio, o que significa fazer surgir das entranhas do povo, das profundezas do trabalho, uma autoridade maior, um facto mais poderoso, que envolva o capital e o Estado e que os subjugue (p. 345).Système des contradictions economiques, 1846, vol. IIOcupemo-nos, em primeiro lugar, do trabalho. O trabalho é o primeiro atributo, o carácter essencial do homem. O homem é trabalhador, quer dizer, criador... (p. 361).O que é, pois, o trabalho? Ninguém ainda o definiu. O trabalho é a emissão do espírito. Trabalhar é gastar a sua vida; trabalhar, numa palavra, é abnegar-se, morrer (p. 362).O homem morre de trabalho e de abnegação...(p. 362). Morre porque trablha; ou melhor, é mortal porque nasceu trabalhador: o destino terrestre do homem é incompatível com a imortalidade... (p. 363).Mas nós já sabemos que nada do que se passa na economia social tem exemplos na natureza; vemo-nos forçados, por factos inéditos, a inventar constantemente nomes especiais, a criar uma nova linguagem. É um mundo transcendente, cujos princípios são superiores à geometria e à álgebra, cujos poderes não provêm nem da atracção, nem de nenhuma força física, mas que se serve da geometria e da álgebra como de instrumentos subalternos (p. 389).Que mais posso dizer? Trata-se da própria criação a(pan,hada, por assim dizer, em flagrante! (p. 389). Este munido que nos envolve, nos penetra, nos agita, sem que possamos vê-lo de outro modo que não seja através dos olhos do espírito e tocá-lo a não ser por sinais, este mundo estranho, é a sociedade, somos nós! (p. 389). Que mundo é este, metade material, metade inteligível: metade necessidade, metade ficção? Que força é esta chamalda trabalho, que nos arrasta com tanta mais certeza quando nela nos julgamos mais livres? O que é esta vida colectiva, que nos queima com uma inextinguível chama, causa das nossas alegrias e dos nossos tormentos? (p. 390).Eis... que se nos apresenta uma ciência na qual nada nos é dado, a priori, nem pela experiência, nem pela razão; uma ciência em ique a humanidade extrai tudo de si própria, números e fenômenos, universais e categorias, factos e ideias; enfim, uma ciência que, em vez de consistir simplesmente, como todas as outras ciências, numa descrição racional da realidade, é a própria criação da realidade e da razão! Assim, o autor da razão económica é o homem; o criador da matéria económica é o homem. o arquitecto do sistema económico é ainda o homem. Depois de ter produzido a razão e a experiência socia1, a humanidade procede à construção da ciência social (p. 391).Quereis conhecer o homem, estudai a sociedade; quereis conhecer a sociedade, estudai o homem. O homem e a sociedade servem-se reciprocamente de sujeito e objecto; o paralelismo, a sinonimia de ambas as ciências é completa (p. 393).«Apênldice» ao Système des contradictions économiqúes. Notas de Proudhon no seu exemplar de A Miséria da Filosofia, de Marx, 1847 (ibid., vol. II, Paris, 1923):«Mas o que ele não compreendeu, é que estas relações sociais determinadas são produzidas pelos homens tanto como o são o algodão, o linho... » (Exprobação de Marx dirigida a Proudhon).Mentira: é precisamente isso que eu igo. A sociedade produz as leis e os materiais da sua experiência (p. 416).Como vê, tenho a infelicidade de pensar outra vez como o senhor! Acaso alguma vez pretendi que os princípios fossem algo de diferente da representação intelectual, não, portanto, a causa geradora dos factos?A vossa quinta observação é uma imputação caluniosa.O verdadeiro sentido da obra de Marx é o seu desgosto por eu ter pensado tudo como ele e por tê-lo dito antes dele. Compete ao leitor crer que é Marx que, depois de me ter lido, lamenta pensar como eu! Que homem! (p. 418).Les confessions d'un révolutionnaire, 1849Eu, eleito pela plebe, jornalista do proletariado, não devia deixar esta massa sem direcção nem conselho: cem mil homens arregimentados mereciam que eu me ocupasse deles (p. 170).É preciso levantar a moral dos trabalhadores, vingar a insurreição de Junho contra as calúnias da reacção; colocar, com redobrada energia, com uma espécie de terrorismo, a questão social (p. 192).Organizar o trabalho, o crédito, a assistência, é afirmar a constituição socia1. Ora, a constituição social subalterniza, nega a constituição política: como se quer que o governo tome a iniciativa de um tal progresso? Para o governo, o progresso vai no sentido contrário àquele que deve ser para o trabalhador; por isso e toda a história o prova, longe de progredir, o governo tende sempre a retroceder (p. 228).L'Idée générale de la révolution au XIXe siècle, 1851Burgueses, fostes cruéis e ingratos; por isso, a repressão que se seguiu aos dias de Junho clamou vingança. Fizeste-vos cúmplices da reacção: sujeitaste-vos à vergonha (p. 95).Não se reprime uma revolução, não se pode enganá-la, tão pouco é possível desnaturá-la nem, por maioria de razão, vencê-la. Quanto mais a reprimis, mais aumentais a sua força e tornais a sua acção irresistivel (p. 101).As tolices dos governantes fazem a ciência dos revolucionários: sem esta legião de reaccionários que nos passou por cima, nós, socialistas, não poderíamos dizer para onde vamos nem quem somos (p. 109).Que pretende o sistema? Manter, acima de tudo, a feudalidalde capitalista no gozo dos seus direitos; assegurar e aumentar a preponderância do capital sobre o trabalho; reforçar, se possível, a classe parasita, proporcionando-lhe em toda a parte, com a ajuda dos cargos públicos, criaturas segundo as necessidades de recrutamento; reconstituir pouco a pouco e enobrecer a grande propriedade (p. 147).A República tinha de construir a sociedade, mas só pensou no governo. Com o contínuo fortalecimento da centralização e não tendo a Sociedade nenhuma instituição para lhe opor, as coisas chegaram, pelo exagero das ideias políticas e a nulidade das ideias sociais, a um ponto em que a sociedade e o governo já não podem viver juntos, pois as condições de um eram escravizar e subalternizar o outro (p. 152).Cem homens, unindo ou combinando as suas forças, produzem, em certos casos, não cem vezes mais do que um, mas duzentas, trezentas, mil vezes. A isto chamei força colectiva. Extraí mesmo deste facto um argumento que ficou como tantos outros sem resposta contra certos casos de apropriação; é que assim já não basta pagar simplesmente o salário a um certo número de operários para adquirir legitimamente o seu produto: é preciso pagar o dobro, o triplo, o décuplo deste salário, ou dar a cada um deles, alternadamente, um serviço análogo (p. 161).Sim, as Companhias operárias - negação do assalariado, e afirmação da reciprocidade, sob este duplo aspecto já tão cheias de esperança - são chamadas a desempenhar um papel considerável num futuro próximo. Este papel consistirá sobretudo na gestão dos grandes instrumentos de trabalho (p. 175).Será preciso encontrar uma solução dentro em breve; senão, acautelai-vos!...Vejo aproximar-se a expropriação universa1, ... e sem indemnização prévia (ip. 264).Uma liquidação geral é o preâmbulo obrigatório a toda a revolução. Após sessenta anos de anarquia mercantil e económica, uma segunda noite de 4 de Agosto é indispensável (p. 265).Digamo-lo ao menos uma vez: o resultado mais característico, mais decisivo da Revolução, após ter organizado o trabalho e a propriedade, é aniquilar a centralização política, numa palavra, o Estado (p. 336).Vós próprio haveis dito: A República está acima do sufrágio universal. Se compreendesseis a fórmula, não reprovaríeis o comentário: A revolução está acima da República (p. 351).Polémique contre Louis Blanc et Pierre Leroux, 1849-1850Negamos o governo e o Esta;do porque afirmamos - coisa em que os fundadores de Estados nunca acreditaram - a personalidade e a autonomia das massas (p. 369).Quanto ao Estado, uma vez que, apesar da diversidade de aspectos, é conlusão definitiva que o problema da sua organização se confunde com o da organização do trabalho, pode e deve concluir-se que virá um tempo em que, estando o traballho organizado por si mesmo, segundo a lei que lhe é própria, e não necessitando já nem de legislador nem de soberano, a oficina fará desaparecer o governo (p. 395).É que estas duas proposições: abolição da exploração do homem pelo homem e abolição do governo pelo homem, são uma só e mesma proposição (p. 410).La révolution sociale démontrée par le coup d'État du deuxdecembre, 1853A partir de 1848, e eu poderia remontar muito mais atrás, caiu uma maldição sobre os chefes políticos da França: essa maldição é o problema do proletariado, a substituição da política pela economia, da autoridade pelos interesses, numa palavra, a ideia social (p. 118).Assim, o povo francês, nas suas massas profundas, com a centralização, que o encerra, o clero que o predica, o exército que o vigia, a ordem judicial que o ameaça, os partidos que o assediam, a feudalidade capitalista e mercantil que o domina, assemelhasse a um criminoso encarcerando, vigiado noite e dia, com cota de malhas, colete-de-forças, golilha, um feixe de palha por leito, pão negro e água como único sustento. Onde e quando se viu uma população melhor garrotada, oprimida, constrangida, submetida a uma abstinência mais severa? (127).A emancipação do proletariado apresentava-se a alguns espíritos como o espoliamento da burguesia; os projectos variavam infinitamente, fonte inexaurível de calúnias para o partido republicano. Numa palavra, não se atreveram, não podiam atrever-se! (p. 137).Na data de 2 de Dezembro, as massas, fatigadas, tão incapazes de deliberação como de iniciativa; a burguesia, inquieta, desejando poder repousar à sombra de um chefe complacente na protecção dos seus interesses... (p. 161) [manifestaram-se].É que Luís-Napoleão, segundo a maneira como ele interpreta a delegação que lhe foi feita pelo povo, não aceita a revolução a não ser a título de inventário, e na medida dos seus próprios pensamentos; e em vez de se subordinar a ela, tende, mediante uma opinião exagerada dos seus ponderas, a surbordiná-la a si; e finalmente, tendo contra si todos os partidos, e não podendo, não sabendo, ou não ousando, nem pronunciar-se por nenhum, nem criar um novo que seja o seu, acha-se na necessidade de dividir os seus adversários e, para se defender, de invocar ora a revolução ora a contra-revolução (p. 198).Aquilo que o socialismo só tinha atacado na opinião, o Dois de Dezembro provou, pelos seus actos através do caos das suas ideias, pela confusão do seu pessoal, pela contradição dos seus decretos, pelos projectos lançados, retirados, desmentidos, quão frágil era a sua estrutura, quão pobres os princípios e superficial a estabilidade (p. 219).Assim, o Dois de Dezembro, nascido na história pelas faltas dos homens e da necessidade dos tempos, depois de ter tentado algumas reformas úteis, abandona-se, como os seus predecessores, ao arbitrário das suas concepções e cai, sem que talvez se dê conta, sem que saiba como ou porquê, da realidade social para o vazio pessoal (p. 220).A Revolução democrática e social, ambas, entenda-se, é, doravante, para a França e para a Europa uma condição forçada, quase um facto consumado, o único refúgio que resta ao velho mundo contra uma dissolução iminente (p. 266).O Dois de Dezembro não fará com que o sistema feudal, vencido na ordem política e religiosa, se converta de novo numa verdade na ordem industrial, quando as condições do trabalho e as leis da contabilidade se lhe opõem (p. 273).Até hoje, Luís-Napoleão mais não fez do que servir a Santa-Aliança, atacando a democracia e a Revolução... A única recompensa que Luís-Napoleão pode obter da Santa-Aliança, como guardião e dominador da Revolução, é a sua tolerância, o seu apoio, a sua protecção (p. 277).A Revolução não se deixa enganar, nem por um imperador vivo e vitorioso, mesmo que esteja muda, que toldos a ignorem, que ninguém fale por ela, que todos os preconceitos que combate sejam estimados e não encontrem qualquer contradição, enquanto que os interesses que serve se esqueçam de si próprios ou se vendam (p. 281).Se há um facto que atesta a relidade e a força da revolução, esse é, sem a menor dúvida, o Dois de Dezembro (p. 282). Sim, o socialismo meteu medo, e ele vangloria-se disso! Morre-se de medo como de qualquer outra doença, e a velha sociedade não escapará desta (p. 283).O Eliseu, elemento equívoco, sem significado próprio, é, neste momento, combatido pelos dois partidos, tendendo cada qual, com igual ardor, a liminá-lo. Trata-se efectivamente de saber se a França estará com a revolução ou com a contra-revolução (p. 285). É o que vos digo, Anarquia ou cesarismo: não saíreis daí... E aí estais vós, presos entre o Imperador e a Sociale! Dizei agora o que mais vos agrada, pois se Luís-Napoleão cair, só cairá pela revolução e para a revolução, tal como o seu tio (p. 294).Philosophie du progrès, 1853A teoria do progresso é a via da liberdade (p. 43). Só temos salvação na inovação e no movimento (p. 131).Manuel du spéculateur à la Bourse«Prefácio» e «Considerações finais»da 3.a edição integralmente revista,Paris, 1857.As duas primeiras edições deste Manuel foram publicadas sob anonimato. (... ) Eu forneci o artigo, como se diz, em estilo comercial: trabalho repugnante e penoso; (... ) que importava ao leitor saber que na minha carreira de publicista por vezes me acontecia trabalhar por encomenda? Hoje, a minha posição alterou-se (p. 1).Não há mais de quinze anos, os homens que observavam com atenção o movimento económico faziam realçar, no seio da paz, a incoerência dos elementos sociais; eles mostravam o seu antagonismo e as suas inumeráveis contradições. Era a anarquia industrial, ideal dos economistas ingleses, adoptado pelos práticos franceses, e que a crítica dos inovadores negava como irracional e instável. Uma tal situação, diziam, é eminentemente crítica e não pode manter-se; fatalmente, pelo jogo dos seus princípios, deve conduzir, sob a acção proponderante do capital, a uma formação corporativa, a uma Feudalidade industrial.Anarquia industrial, Feudalidade industrial: tal era, segundo eles a inevitável gradação. Troçou-se dos precursores: eram socialistas, utopistas, humanitários, e que mais? uns inimigos da família e da propiriedade (p. VII).Agora a predição está realizada. A anarquia industrial produziu as suas legítimas consequências, ao mesmo tempo que a fé nas velhas ideias se arruinava e a honestidade pública desaparecia. Desafio quem quer que seja a dizer que acredita nalguma coisa. A Feudalidade industrial existe pois, reunindo todos os vícios da anarquia e da subalternização, todas as corrupções da hipocrisia e do cepticismo:Sistema de concorrência anárquica e de coalisão legal;Sistema de concessões governamentais e de monopólios de Estado;Sistema de corporacões, domínios e grémios, em comandita e anónimos;Sistema de débitos nacionais e de empréstimos populares;Sistema de exploração do trabalho pelo capital;Sistema de maromba mercantil e de pilhagens bolseiras;Sistema de sublimação dos valores e de mobilizarão das propriedades;Sistema de consumação do futuro por um presente cada vez mais empobrecido.Depois, aquilo que os profetas da transformação social não tinham previsto: a Feudalidade industrial não é mais sólida do que o havia sido a anarquia industrial; não é mais que uma crise, que deve passar como a primeira (...).Anarquia ou feudalidade, com efeito, a história demonstra-o, é sempre a falta de equilíbrio, o antagonismo, a guerra social, para os quais, no estado actual dos espíritos, não se saberia imaginar o remédio senão por meio de uma concentração mais poderosa, de um terceiro termo seriário, a que chamaremos, sem qualquer intenção maliciosa, Império industrial. (...) O Império industrial não é outra coisa senão o próprio princípio anárquico, o famoso laissez-faire laissez passer, levado às suas últimas consequências: uma redução ao absurdo da economia política clássica e oficial, numa palavra, uma contradição. Ora, uma contradição não é o direito, e menos ainda a liberdade e a igualdade. E sem liberdade, sem igualdade, sem direito, a crise não termina; está apenas na sua terceira fase (pp. VIII-IX).Que não daria hoje o governo de Napoleão III a quem descobrisse a maneira de conciliar estes três termos fatídicos: anarquia industrial, Feudalidade industrial, Império industrial. (...) A fórmula imperial é inaplicável à ordem económica. Deixemos de lado os saint-simonianos, iniciadores da nova feuldalidalde e promotores de um império impossível. (...) E terminemos, ao revés e contra todos, a Revolução iniciada em 89, estabelecendo o equilíbrio económico e social sobre a República industrial (p. X).Não depende de mim designar de outro modo o quarto termo desta série económica cuja evolução salta à vista: Anarquia industrial, Feudalidade industrial, Império industrial, República industrial. Destes quatro termos, o primeiro está próximo do seu fim; o segundo está no seu auge, o terceiro em eclosão, o quarto no estado fetal. (...) Nunca a história das sociedades apresentou às meditações do filósofo coisas mais importantes: como se compreende que mal nos dignemos percebê-las? (p. xi).A Feudalidade industrial, que Fourier vaticinava há quase cinquenta anos e que a escola saint-simoniana a seguir cantou, existe efectivamente. Substituiu definitivamente a anarquia industrial, que a Revolução tinha deixado atrás de si. Constituiu-se equitativamente através do lucro e da permissão, sempre com a ajuda e a aprovação do governo (pp. 439-440).A anarquia industrial não tinha consciência de si mesma; não sabia. A feudalidade industrial conhece-se a si mesma; age com conhecimento de causa. A primeira era de boa fé e, portanto, honesta; a segundas que no campo económico só pode invocar os princípios que a sua mãe lhe deixou, e a que já não pode dar crédito, está fatalmente de má fé; é imoral (p. 440).A crise, numa palavra, é a feudalidade industrial; não procureis noutra parte a causa desta dificuldade universal, endémica, incurável. Assim, a França entrega-se à servidão. Um pouco mais de tempo e regressaremos, seguindo um circuflo vicioso, às puras ideias feudais (p. 448).No entanto, o espírito revolucionário está sempre aí vigilante: e da mesma forma que a Feudalidade antiga, justamente por confundir os direitos da maioria, apelava para uma revolução no sentido da Igualdade, também a nova Feudalidade, subalternizando o trabalho e convertendo-se numa exploração capitalista em proveito de uma casta de parasitas, apela, por seu turno, para uma revolução no sentido da repartição, coisa a que havíamos chamado Liquidação.Em suma, à Feudalidade industrial deve suceder, segundo a lei das antinomias históricas, uma Democracia industrial: isso restrita da oposição dos termos, tal como o dia sucede à noite.Mas, qual será o agente desta revolução? A história, uma vez mais, no-lo revela: entre a antiga feudalidade e a revolução houve, como regime transitório, o despotismo. Entre a nova Feudalidade e a liquidação definitiva teríamos então uma concentração económica falemos claro: um Império industrial (p. 449).A classe superior, que substituiu a antiga nobreza, e que ambiciona os seus títulos tal como adopta os seus costumes, é composta de todos os importantes financeiros, industriais, comerciantes, agricultores, cientistas, etc., dos administradores de grandes Compahias, numa pailavra, de todos aqueles que, qualquer que seja de resto o seu mérito pessoal, têm um rendimento proveniente, na sua maior parte, da prelibação capitalista, do monopólio das concessões, do lucro dos cargos, sinecuras e dos foros de pagamento da propriedade. Acrescentai os funcionários (...) na administração, o Clero, a magistratura, o exército... (p. 451).A classe média, sobre a qual outrora se haviam orgulhado de apoiar o governo representativo, caiu progressivamente numa condição tão precária, que só já se apresenta como uma transição da opulência parasita para o pauperismo, da liberdade proprietária para a servidão do assalariado. O sentimento desta decadência fez-lhe perder toda a fé nas combinações políticas; do desespero passou à indiferença: e para melhorar o seu destino, não espera mais dos seus homens de Estado que dos seus bispos (p. 452).Chamamos classe inferior àquela que está caracterizada, não só pelo trabalho (...), mas pelo assalariado, (...) nas condições geralmente traçadas ao trabalhador pela insegurança do comércio e das empresas, o progresso das máquinas, o aviltamento da mão-de-obra e o embrutecimento do trabalho parciar, pelo que o assalariado se converteu em sinónimo de servidão e de miséria. A classe assalariada, a mais numerosa e a mais pobre, tanto mais pobre quanto mais numerosa... (pp. 453-454).A democracia industrial: comandita do trabalho pelo trabalho, ou mutualidade universal: fim da crise (p. 460). Por outras palavras, poderá o trábalho, por si mesmo, tal como o capital, comanditar as empresas? A propriedade das empresas e a sua direcção, em vez de permanecerem individuais, como geralmente sempre foram, poderão tornar-se progressivamente colectivas, a ponto de fornecerem, por um lado, às classes laboriosas uma decisiva garantia de emancipação, por outro lado, às nações civilizadas uma revolução na relação entre o trabalho e o capita1, por conseguinte a substituição definitiva, na ordem política, da razão de Estado pela Justiça?Da resposta que for dada a estas questões depende todo o futuro dos trabalhadores. Se ela for afirmativa, um novo mundo se abre à humatnidade (p. 462).Nem a perpetuidade, nem a universalidade, nem a declaração de ausência de um capital, nem a participação de trabalhadores comanditários na administração ou nos lucros, nem o mutualismo das Associações, seriam tolerados pela nossa legislação comercial e pelos tribunais encarregados de a interpretar (p. 465).Há, de facto, mutualidade quando, numa indústria, todos os trabalhadores, em vez de trabalharem para um empresário, que lhes paga e arrecada o seu produto, resolvem trabalhar uns para os outros e concorrem assim para um produto comum, de que repartem o lucro.Ora, estendei às Associações trabalhadoras, consideradas como unidades, o princípio de mutualidade, que une os operários de cada grupo, e tereis criado uma forma de civilização que, sob todos os pontos de vista, político, económico, estético, diferirá totalmente das anteriores civilizações; que não poderá mais voltar a ser feudal, ou imperial; (...) que, com um sistema impenetrável de seguros (...) contra a superprodução, a estagnação, os atravancamentos, o desemprego, a doença, a miséria, nada dando à caridade, vos oferecerá por toda a parte e sempre o Direito (p. 470).... A criação destas inumeráveis Companhias, que parecem subjugar para todo o sempre a humanidade traballhadora e que tanta gente foi tentada a tomar como um movimento retrógrado, não é, em ültima análise, senão uma transição regeneradora. É por seu intermédio que a subalternização do homem em relação ao homem virá a desaparecer e que as classes a que chamámos superior e inferior, nascidas da anarquia económica e do individualismo especulativo, regressarão à homogeneidade, convertendo-se numa só e mesma associação de produtores (p. 489).De la justice dans la révolution et dans I'Église,vol. I, 1858A metafísica do ideal nada ensinou a Fichte, a Schelling, a Hegel: quando estes homens, de que a filosofia muito justamente se honra, imaginavam deduzir o a priori, mais não faziam, sem o saberem, do que sintetizar a experiência (p. 198).A fórmula hegeliana só é uma tríade pelo bel-prazer ou pelo erro do mestre, que conta três termos onde verdadeiramente só existem dois, e que não viu que a antinomia não se resolve, em absoluto, mas que indica quer uma oscilação, quer um antagonismo, os únicos susceptíveis de equilíbrio. Deste ponto de vista, todo o sistema de Hegel deveria ser refeito (p. 211, nota).Qual é agora esta ideia mestra a um tempo objectiva e subjectiva, real e formal de natureza e de humanidade, de especulação e de sentimento, de lógica e de arte, de política e de economia, razão prática e razão pura que rege, ao mesmo tempo, o mundo da criação e o mundo da filosofia, e sobre a qual são construidos um e outro enfim, ideia que, dualista pela sua fórmula, exclui, no entanto, qualquer anterioridade e qualquer superioridade e abarca, na sua síntese, o real e o ideal? É a ideia,de Direito, a Justiça (p. 215).A Justiça toma assim nomes diferentes, conforme as faculdades a que se dirige. Na ordem da consciência, a mais elevalda de todas, ela é a Justiça propriamente dita, regra dos nossos direitos e deveres; na ordem da inteligência, lógica, matemática, etc., é igualdade ou equação; na esfera da imaginação, torna-se ideal; na natureza, é o equilíbrio. A cada uma destas categorias de ideias ou de factos, a Justiça impõe-se sob um nome próprio e como condição sine qua non (p. 217).A separação entre a ciência e a consciência, como entre a lógica e o direito, não passa de uma abstracção elementar. Na nossa alma as coisas não sucedem assim: a certeza do saber é, para nós, algo de mais íntimo, afectivo e vital, do que os lógicos e psicólogos revelam (p. 221).Foi ela [uma geração ávilda, grosseira, sem dignidade] que inaugurou, sob a capa de uma restauração imperial, o reino da mediocridade impudente, da propaganda oficial, da vigarice autorizada. É ela que desonra a França e a envenena (p. 236).O governo imperial é um governo sem princípios...; quanto aos seus presumíveis sucessos, deixemos que transcorra algum tempo e, a manterem-se as coisas tal qual estão, só veremos calamidades (p. 240).Não dogmatizo; observo, descrevo, comparo. Não vou, de modo algum, procurar as fórmulas do direito nas pesquisas fantásticas de uma psicologia ilusória; peço-as às manifestações positivas da humanidade (p. 281). Neste momento, a Revolução define-se e portanto, vive. O resto já não pensa. O ser que vive e que pensa será suprimido plo cadáver? (p. 284).De la justice dans la révoiution et dans l'Église,vol. II, 1858O materialismo, que se poderia definir como misticismo da matéria,... (p. 20).O Decálogo tinha dito em duas palavras: Não matarás, não roubarás. Compete à teologia cristã indagar se a servidão, mesmo disfarçado sob o nome de assalariado, não era uma maneira indirecta de matar o corpo e a alma; se o assalariado não implicava a espoliação do trabalhador, usurpação em seu prejuízo por parte do capitalismo-empresário-proprietário (p. 54).Se os patrões se põem de acordo, se os empresários se aliam, se as companhias se fundem, o ministério público não pode fazer nada, tanto menos, quanto o poder empurra para a centralização dos interesses capitalistas e os encoraja. Mas se os operários, que têm o sentimento do direito que a Revoluçao lhes legou, protestam e entram em greve, único meio de que dispõem para fazer aceitar as suas reclamações, são punidos, deportados sem piedade, votados às febres de Cayenne e de Lambessa (p. 77) (1).O que eu peço para a propriedade..., é que se faça o balanço. ...A Justiça, com efeito, aplicada à economia, não é outra coisa senão um balanço perpétuo, ou, para me exprimir,de uma maneira ainda mais exacta, a Justiça, no que concerne à repartição dos bens, não é mais do que a obrigação imposta a qualquer cidadão e a qualquer Estado, nas suas relações de interesse, de se conformar à lei de equilibrio que se manifesta por toda a economia, e cuja violação, acidental ou voluntária, é o princípio da miséria.Os economistas pretendem que não cabe à razão humana intervir na determinação deste equilíbrio, que é necessário deixar o fiel da balalnça oscilar à sua vontade, e segui-lo passo a passo nas nossas operações. Mantenho que essa é uma ideia absurda (p. 92).A antinomia não se resolve; é nisto que reside o vício fundamental de toda a filosofia hegeliana. Os dois termos que compõem a antinomia equilibram-se, quer entre si, quer entre outros termos antinómicos, o que conduz ao resultado procurado. Um equilíbrio não é em absoluto uma síntese tal como Hegel a entendia (p. 155, nota).Para só falar aqui de colectividades humanas, suponhamos que alguns indivíduos, no número que se quiser, de uma maneira e com uma qualquer finalidade, juntam as suas forças: a resultante destas forças aglomeradas, que importa não confundir com a sua soma, constitui a força ou poder do grupo.Uma oficina formada por operários cujos trabalhos convergem para um mesmo fim, que é o de obter este ou aquele produto, possui enquanto oficina ou colectividade, um poder que lhe é próprio: a prova está em que o produto desses indivíduos, assim agrupados, é muito superior ao que haveria sido a soma dos seus produtos particulares, se tivessem trabalhado separadamente._____________(1) Cf. mais atrás, pp. 59 e 65.Do mesmo modo, a tripulação de um navio, uma socidade em comandita, uma academia, uma orquestra, um exército, etc., todas estas colectividades mais ou menos habilmente organizadas, contêm um poder, poder sintético e, consequentemente, específico do grupo, superior em qualidade e em energia à soma das forças elementares que a compõem (pp. 257-258).Assim, sendo a força colectiva um facto tão objectivo quanto a força individual, e sendo a primeira perfeitamente distinta da segunda, os seres colectivos são tão reais como os indivíduos (p. 258).A relação que une os grupos activos que compõem a cidade e que diferem entre si de organização, bem como de ideia e de objecto, já não é tanto uma relação de cooperação como uma relação de comutação. A força social terá, portanto, como carácter, ser essencialmente comutativa, mas não será menos real por isso (p. 259).Pelo agrupamento das forças individuais e pela relação entre os grupos, toda a nação forma um corpo: é um ser real, de uma ordem superior, cujo movimento arrasta toda a existência, toda a fortuna. O indivíduo está imerso na sociedade; ele depende deste alto poder, de que só se separaria para cair no nada (p. 267).Suponhamos a Revolução feita, a paz assegurada no exterior pela federação dos povos, e a estabilidade estará garantida no interior pelo equilíbrio entre os valores e os serviços, pela organização do trabalho e pela reintegração do povo na propriedade das suas forças colectivas (pp. 282-283).De la justice dans la révolution et dans l'Église,vol. III, 1858A ideia, com as suas categorias, nasce da acção e deve voltar à acção, sob pena de inabilitação para o agente. Isto significa que todo o conhecimento, dito a priori, inclusive a metafísica, saiu do trabalho e deve servir de instrumento ao trabalhos contrariamente àquilo que ensinam o orgulho filosófico e o espiritualismo religioso, que fazem da ideia uma revelação gratuita, vinda não se sabe como, e de que a indústria (1) é tão-só uma posterior aplicação (p. 69).Vamos mais longe: se, como há pouco dizíamos, a reflexão, e por consequência a ideia, nasce no homem da acção e não a acção da reflexão, é o trabalho que deve prevalecer sobre a especulação, o homem de indústria sobre a filosofia, o que é a ruína do preconceito e do estado social actual (p. 71). A primeira parte da nossa proposição está pois estabelecido: a ideia, com as suas categorias, nasce da acção; por outras palavras, a indústria é mãe da filosofia e das ciências.Falta demonstrar a segunda: a ideia deve voltar à acção; o que significa que a filosofia e as ciências devem regressar à indústria, sob pena de degradação para a humanidade. Uma vez feita esta demonstração, o problema da libertação do trabalho está resolvido. Recordemos, primeiramente, em que termos este problema foi colocado. O trabalho apresenta dois aspectos contrários, um subjectivo, outro objectivo. ...Sob o primeiro aspecto, é espontâneo e livre, princípio de felicidade: é a actividade no seu exercício legítimo, indispensável para a saúde da alma e do corpo. Sob o segundo aspectos o trabalho é repugnante e penoso, principio de servidão e de embrutecimento (p. 81).Diz-se no texto que a obra de Le Play, Les ouvriers européens-obra muito volumosa in-fólio de 300 páginas -, ... tem como única finalidade dar o método a seguir para a escravizarão dos trabalhadores. Todo o § LIII, páginas 106 a 112 do Estudo IV, Da Justiça, é o desenvolvimento do pensamento de Le Play. Para que não nos acusem de calúnia, vamos dar um resumo do suposto método de Le Play... Le Play não crê, de modo algum, na igualdade das condições e das fortunas; não crê na igualdade perante a lei, por consequência, na Justiça. Em contrapartida, não duvida minimamente da necessidade de uma hierarquia social; quer, portanto, e com toda a força das suas convicções, a manutenção daquilo que compõe esta hierarquia, a propriedade e os seus privilégios, o domínio industrial e suas prerrogativas, o capitalismo e seus dividendos, a Igreja e suas dotações, a centralização e o seu mundo de funcionários, o exército e a conscrição; enfim, o trabalhador, mas o trabalhador disciplinado, classificando, fixado, obediente. Quanto a uma revolução política, económica, social, Le Play repele-a energijcamente.______________(1) No sentido de habilidade para fazer alguma coisa. - (N. dos T.).Mas, tal como fizemos notar no texto, para reprimir o traballhador, é preciso, pelo menos, que as necessidades dele sejam satisfeitas; é preciso, se queremos que prescinda do supérfluo, assegurar-lhe o necessário. O importante, a questão essencial, o verdadeiro problema social, segundo Le Play, é, pois, o de determinar o salário mesquinho do operário, com o qual, findo o dia de trabalho, este só possa pensar em beber, comer e dormir, mas sem o qual é sempre de recear que se revolte (p. 132).É aquilo a que ele chama aplicar o método de observação à economia política. De acordo com este princípio, Le Play efectuou a monografia de trinta e seis classes distintas de operários, observados na Suécia, Rússia, Turquia, Alemanha, Inglaterra, França, etc. (p. 133).Julgo inútil insistir nesta,distinção fundamental entre a razão individual e a razão colectiva, a primeira essencialmente absolutista, a segunda aversa a todo o absolutismo.Vemos a razão colectiva destruir incessantemente, com as suas equações, o sistema formado pela coalisão das razões particulares: logo, não é somente distinta como superior a todas elas, e a sua superioridade vem-lhe justamente do facto de o absolutismo, que ocupa um lugar tão importante junto das outras, perante ela desaparecer (p. 268).Sustenho que a razão colectiva resultante do antagonismo entre as razões particulares, tal como do poder público resultado concurso das forças individuais, é uma realidade igual a este poder; e posto que ambas se reúnem na mesma colectividade, concluo daí que formam os dois atributos essenciais do mesmo ser, a razão e a força.Foi esta Razão colectiva, a um tempo teórica e prática, que desde há três séculos começou a dominar o mundo e a implir a civilização na via do progresso (pp. 268-269).O órgão da razão colectiva é o mesmo que o da força colectiva: é o grupo trabalhador, instrutor; é a companhia industrial, sábia, artista; são as academias,escolas, municípios; é a Assenibleia Nacional, o clube, o júri; é toda a reunião de homens, em suma... (p. 270).É inútil citar Hegel: ele nega e ridiculariza a liberdade, do mesmo modo e forma que Espinosa havia executado Descartes, conduzindo, como Espinosa, em política, ao absolutismo (pp. 383-384).Qual é pois este movimento pelo qual o livre arbítrio, procedendo, ao mesmo tempo, à manifestação e à idealizarão do ser social, cria a história e o desitino? (p. 419).Em presença de tão grandes esforços, ante o labor imenso de uma natureza que se procura, se ensaia, se experimenta, se faz, se desfaz, se refaz de uma outra maneira, que muda de princípio, de método e de fim, é possível negar a existência na humanidade de uma função especial, que não é nem a inteligência, nem o amor, nem a Justiça? (p. 422).O que é, pois, o progresso? (p. 494). Confesso que fui outrora iludido por este emboca-bola fisiológico-político que não resistiu muito tempo ao exame (p. 495). Não, não há nenhum papel para a liberdade no sistema de Hegel; portanto, nenhum progresso. Hegel consola-se com esta perda, do mesmo modo que Espinosa. Chama liberdade ao movimento orgânico do espírito, dando ao da natureza o nome de necessidade. No fundo, diz ele, estes dois movimentos são idênticos: por isso, acrescenta o filósofo, a mais elevada liberdade, a maior independência do homem consiste em saber-se determinado pela ideia absoluta (p. 501).É como se alguém dissesse que a mais elevada liberdade política consiste, para o cidadão, em saber-se governado pelo poder absoluto: o que deve pôr à vontade os partidários da ditadura perpétua e do direito divino (p. 501).Eis, pois, o que se comprovou: o progresso, segundo todas as definições que dele foram dadas, não só não é devido à nossa liberdade, senão que ainda menos é o testemunho da nossa virtude. É o signo da nossa servidão (p. 509).Afirmo, que o Progresso é, acima de tudo, um fenômeno de ordem moral, cujo movimento irradia em seguida, quer para o bem, quer para o mal, sobre todas as faculdades do ser humano, colectivo e individual. Esta irradiação da consciência pode operar-se de duas maneiras, conforme siga a via da virtude ou a do pecado. No primeiro caso, chamo-lhe Justificação ou aperfeiçoamento da humanidade por si própria; tem como efeito fazer crescer indefinidamente a humanidade em liberdade e em Justiça; por conseguinte, desenvolver cada vez mais o seu poder, as suas faculdades e os seus meios, e consequentemente elevá-la acima do que nela há de fatal: é nisto, como veremos dentro em breve, que consiste o progresso. No segundo caso, chamo ao movimento da consciência Corrupção ou dissolução da humanidade por si própria, manifestada pela perda sucessiva dos costumes, da liberdade, do génio, pela diminuição da coragem, da fé, pela degenerescência das raças, etc.: é a decadência.Nos dois casos, digo que a humanidade se aperfeiçoa ou se destrói a si própria, porque tudo depende aqui, exclusivamente, da consciência e da liberdade, de modo que o movimento, tendo na Justiça a sua base de operação e na liberdade a sua força motriz, já não pode conservar nada de fatal (p. 512).Não é o ideal que produz as ideias, antes as depura; não é ele que cria a riqueza, que ensina o trabalho, que distribui os serviços, que pondera as forças e os poderes, que nos pode dirigir na investigação da verdade e mostrar-nos as leis da Justiça (p. 546).A doutrina do progresso resume-se, assim, em duas proposições, de que é fácil constatar historicamente a verdade:Toda a sociedade progride pelo trabalho, pela ciência e pelo direito, idealizados (p. 547).Toda a sociedade retrocede pela preponderância do ideal (ibid.).Desde há cinquenta anos que a literatura francesa, aspirando a viver exclusivamente pelo ideal e para o ideal, abandonou a Revolução e a Justiça; por esta apostasia, traiu a sua própria causa. Ela anunciava-se como a razão do século, e nem sequer tem ao seu serviço um paradoxo. Fixou-se no idealismo, e já não tem ideal (p. 642).De la justice dans la révolution et dans l'Église,vol. IV, 1858A justiça é maior do que o eu (p. 367).O socialismo é a doutrina da síntese, da conciliação universal; o que o socialismo ataca, é o antagonismo universal (p. 394, nota: declaração de Proudhon peranne os Tribunais do Sena, 28 de Março de 1849).Graças à noção finalmente explicada de livre arbítrio, dou-me conta deste ideal que me arrebata, deste progresso que é a minha lei, e que consiste, não numa evolução fatal da humanidade, mas na sua libertação indefinida de toda a fatalidade (p. 431).La guerre et la paix. Recherches sur le principe et laConstitution du Droit des Gens, 1861Uma coisa geralmente reconhecida, porque facto de experiência, é que a civilização teve por ponto de partida o antagonismo, e que a sociedade (...) se desenvolveu sob a inspiração e a influência da guerra, quer dizer, sob a jurisdição da força (p. 92). Como se vê, é da própria constituição da sociedade, da civilização inteira que se trata na fórmula, ainda tão pouco compreendida, de direito da guerra, direito da força (p. 94)....Hegel chegava com Hobbes ao absolutismo governamental à omnipotência do Estado, à subalternização do indivíduo. Ignoro se, devido a esta faceta da sua filosofia, Hegel conservou um único adepto na Alemanha; mas posso dizer que falar assim da guerra e do direito da força, misturar o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, é desonrar a filosofia (p. 107).Compreende-se (...) a diferença que existe entre o direito do trabalho e direito ao trabalho. Este decorre do direito superior, absoluto, do homem, cuja existência exige uma acção quotidiana e um exercício de todas as suas faculdades; aquele, mais restrito, deriva do próprio trabalho, e é medido pelo produto. No direito ao traballho, trata-se de um trabalho a obter e a fazer; no direito do trabalho, antes se trata de um trabalho feito, e para o qual se exige um salário ou um privilégio (p. 129).Assim, a força, tal como todos os nossos outros poderes, é sujeito e objecto, princípio e matéria de direito... Será, se se quiser, o mais baixo grau da justiça; mas será a justiça; toda a questão reside em fazê-la intervir oportunamente (pp. 130-131).Se, agora, deste ponto de vista da força, tão novo em jurisprudência, consideramos o desenvolvimento do direito nas suas principais categorias, descobrimos nele uma série ou escala que teria enchido de alegria o coração de Fourier:1. Direito da força;2. Direito da guerra;3. Direito das pessoas;4. Direito político;5. Direito civil ou doméstico;6. Direito económico: subdivide-se em dois ramos, à semelhança das coisas que o representam: o trabalho e a troca;7. Direito filosófico, ou do pensamento livre;8. Direito da liberdade, no qual a humanidade, formada pela guerra, pela política, pelas instituições, pelo trabalho e comércio, pelas ciências e artes, só já é regida pela liberdade pura, sob a lei única da razão.Nesta escala de direitos, a força constitui a base e a liberdade é a cúspide (pp. 192-193).A guerra, na sua acção, não é em absoluto tal como a supõem o seu princípio e o seu fim. A teoria diz branco, a prática executa negro; enquanto a tendência corresponde ao direito, a realidade não sai da exterminação. Entre o facto e a ideia, não só a contradição é total, como parece irremediável. E das questões que teremos que resolver, a de saber como (...) foi impossível purgar a luta entre Estados dos horrores que o desonram não será menos árdua (p. 227).A causa da guerra, como de toda a revolução, é uma questão de equilíbrio, não político,ou internacional, mas económico (p. 384).É evidente que a guerra, liberta do motivo secreto e desonroso que a determina, pela abolição da pilhagem, da pirataria, das contribuições da guerra e de toda a espécie de requisição, rodeada em seguida por todos os direitos civis, políticos, internacionais que ela mesma fez nascer, vai ficar sem objecto (p. 425).Em resumo, a guerra, mesmo entre as mais honrosas nações e quaisquer que sejam os motivos oficialmente declarados, não parece poder ser doravante outra coisa senão uma guerra pela exploração e pela propriedade, uma guerra social. Não é pouco dizer que até à constituição do direito económico, tanto entre as nações como entre os indivíduos, a guerra já nada terá a fazer no mundo (p. 465).O antagonismo não tem como objectivo uma destruição pura e simples, um desgaste improdutivo, a exterminarão pela exterminação, antes tem como finalidade a prordução de uma ordem sempre superior, de um aperfeiçoamento sem fim. Deste ponto de vista, é preciso reconhecer que o trabalho oferece ao antagonismo um campo de operação muito mais vasto e fecundo que a guerra (p. 483).Em suma, a hipótese de uma paz universal e definitiva é legítima. É dada pela lei de antagonismo, pelo conjunto da fenomenalidade bélica, pela contradição assinalada entre a noção jurídica da guerra e a sua causa económica, ela cada vez maior preponderância adquirida pelo trabalho na direcção das sociedades... (p. 48).Os homens são pequenos. (... ) Só a humanidade é grande, infalível. Ora, eu julgo poder afirmar em seu nome: A humanidade já não quer a guerra (p. 510).Du principe fédératif et de la nécessité de reconstituer leParti de la Révolution, 1863A Federação é o novo nome com que a Liberdade, a. Igualdade, a Revolução com todas as suas consequências, se apresentaram, no ano de 1859, à Democracia (p. 262).A realidade é complexa por natureza; o simples não sai do ideal, não chega ao concreto (p. 287).A luta das classes entre si, o antagonismo dos seus interesses e o modo como estes interesses se aliam, determinam o regime político e, consequentemente, a escolha do governo, as suas inumeráveis variedades e as suas variações ainda mais inumeráveis (p. 296).O que constitui a essência e o carácter do contrato federativo, e para o qual chamo a atenção do leitor, é que, neste sistema, os contratantes (...), ao formar o pacto, se reservam para si mesmos, mais direitos, liberdade, autoridade e propriedade do que a que abandonam (p. 319).Em resumo: o sistema federativo é o oposto da hierarquia ou centralização administrativa e governamental pela qual se distinguem, ex aequo, as democracias imperiais, as monarquias constitucionais e as repúblicas unitárias. A sua lei fundamental, característica, é esta: na federação, os atributos da autoridade central especializam-se e restringem-se, diminuem de número, de dependência e, se posso assim exprimir-me, de intensidade, à medida que a Confederação se desenvolve, pela emergência de novos Estados. Nos governos centraligados, pelo contrário, os atributos do poder supremo multiplicam-se, alargam-se, arrastam imediatamente para a competência do príncipe os assuntos das províncias, comunas, corporacões e particulares, na razão directa da superfície territorial e do número de habitantes (p. 321).Compreendo, admito, reclamo, se for preciso, a intervenção do Estado em todas as grandes criações de utilidade pública; [mas] não vejo qualquer necessidade de as deixar debaixo da mão dele, logo que sejam entregues ao público. Uma concentração deste tipo, quanto a mim, constitui um verdadeiro excesso de atribuições (p. 327).Em virtude do princípio que, limitando o pacto federativo à protecção mútua e a alguns objectos de utilidade comum, garante a cada Estatdo o seu território, a sua soberania, a sua constituição, a liberdade dos seus cidadãos, reservando-lhe além disso uma autoridade, iniciativa e poder superiores aos que abandona, a confederação limita-se a si própria tanto mais seguramente quanto as localidades admitidas na aliança se afastam cada vez mais umas das outras, de modo que em breve se chega a um ponto em que o pacto se acha sem objecto (p. 335).A Europa seria ainda demasiado grande para uma confederação única: só perderia formar uma confederação de confederações (p. 335).Só a Federação pode satisfazer as necessidades e os direitos das classes trabalhadoras... (p. 547).... A associação operária permanecerá uma utopia enquanto o governo não compreender que os serviços públicos não devem ser nem executados por si nem convertidos em empresas privadas e anónimas, mas confiados por contrato e por arrendamentos a prazo a companhias de operários solidários e responsáveis. Não mais ingerência do Poder no Trabalho... (p. 548).Um povo confederado é um povo organizado para a paz; nesse caso, que faria ele dos exércitos? (pp. 549-550).A ideia de Federação é sem dúvda a mais nobre a que o génio político se elevou até hoje. Ultrapassa em muito as constituições francesas promulgadas desde há setenta anos, não obstante a Revolução, e cuja curta duração tão pouco honra o nosso país. Resolve todas as dificuldades levantadas pelo acordo da Liberdade com a Auoridade (pp. 352-353).... É necessário ao direito político o contraforte do direito económico. Se a produção e a distribuição da riqueza forem abandonadas ao acaso; se a ordem federativa só servir para proteger a anarquia capitalista e mercantil; se, em consequência desta falsa anarquia, a Sociedade se achar dividida em duas classes, uma de proprietários-capitalistas-empresários, a outra de proletários assalariados; uma de ricos, outra de pobres, então o edifício político estará sempre numa situação instável (p. 354).O século XX abrirá a era das federações... (p. 355).A finalidade destas federações particulares é livrar os cidadãos dos Estados contraentes da exploração capitalista e bancocrática, tanto,do interior como do exterior; formam pelo seu conjunto, em oposição à feudalidade financeira hoje dominante, aquilo a que eu chamaria federação agrícola-industrial (p. 357).Considerada em si mesma, a ideia de uma federação industrial que sirva de complemento e de sanção à federação política, recebe a mais incontestável confirmação por parte dos princípios da economia (p. 359).... O princípio federativo, liberal por excelência, tem como primeiro corolário a independência administrativa das localidades congregados; como segundo corolário, a separação dos poderes em cada Estado soberano; como terceiro corolário, a federação agrícola-industrial (p. 360). Todas as minhas ideias económicas, elaboradas ao longo de vinte anos, podem resumir-se nestas três palavras: Federação agrícola-industrial;Todas as minhas perspectivas políticas se reduzem a uma fórmula semelhante: Federação política ou Descentralização... (p. 361).Em resumo, quem diz liberdade, diz federação ou não diz nada;Quem diz república, diz federação ou não diz nada;Quem diz socialismo, diz federação ou novamente não diz nada (p. 383)De la capacite politique des classes ouvrières,Póstumo, 1865Há dez meses, perguntáveis o que pensava eu do Manifesto eleitoral publicado por sessenta operários do Sena. (...) É claro que me regozijei com este despertar do Socialismo; quem, em França, teria mais direito do que eu a regozijar-me?... É claro também que eu estava de acordo convosco e com os Sessenta em como a classe operária não está representada e tem direito de o estar: como poderia eu ter outro sentimento? (p. 47).Mas daí a participar numas eleições que teriam comprometido - com a consciência democrática, os seus princípios e o seu futuro - e eu não vo-lo escondi, cidadãos havia, no meu entender, um abismo... (p. 48).Trata-se de mostrar à Democracia operária, que, à falta de uma suficiente consciência de si e da sua Ideia, deu os seus votos a nomes que a não representam, em que condições um partindo entra na vida política... (p. 49).Em duas palavras: a plebe, que até 1840 não era nada, que mal se distinguia da burguesia, se bem que desde 89 estivesse, de direito e de facto, separada dela, converte-se de repente pela falta de herdeiros naturais e pela oposição à classe dos possuidores da terra e dos exploradores da indústria em algo: como a burguesia de 89, ela aspira a ser tudo (p. 62).... A causa dos camponeses é a mesma dos trabalhadores da indústria; a Marianne dos campos é a contrapartida da Sociale das cidades. Os seus adversários são os mesmos (p. 69).... É a emancipação completa do trabalhador; é a abolição do assalariado... (p. 70).O problema da capacidade política na classe operária (...) equivale, portanto, a perguntar: a) se a classe operária, do ponto de visita das suas relações com a sociedade e com o Estado, adquiriu consciência de si; se, como ser colectivo, moral e livre, se distingue da classe burguesa; se separa da mesma os seus interesses, se não deseja confundir-se com ela; b) se possui uma ideia, quer dizer, se criou uma noção da sua própria constituição; se conhece as leis, condições e fórmulas da sua existência; se prevê o seu destino, o fim; se se compreende a si própria nas suas relações com o Estado, com a nação e a ordem universal; c) enfim, se desta ideia a classe operária é capaz de deduzir, para a organização da sociedade, conclusões práticas que lhe sejam convenientes, e - no caso de o poder, pela queda ou pela retirada da burguesia, lhe ser devolvido - capaz de criar e de desenvolver uma nova ordem política (pp. 90-91).Sobre o primeiro ponto: sim, as classes operárias adquiriram consciência de si, e podemos assinalar a data desta revelação: o ano de 1848.Sobre o segundo ponto: sim, as classes operárias possuem uma ideia que corresponde à consciência que têm de si mesmas, e que está em perfeito contraste com a ideia burguesa (...).Sobre o terceiro ponto, relativo às conclusões políticas a extrair da sua ideia: não, as classes operárias, seguras de si e já parcialmente esclarecidos acerca dos princípios que compõem a sua nova fé, ainda não conseguiram deduzir destes princípios uma prática geral adequada, uma política apropriada... (pp. 91-92).Negar hoje em dia esta distinção entre as duas classes, não seria mais do que negar a cisão que provocou, e que não passou de uma grande iniquidade; seria negar a independência industrial, política e civil do operário, a única compensação que este obteve; seria dizer que a liberdade e a igualdade de 89 não foram feitas para ele nem tão-pouco para o burguês... (pp. 94-95).É pois manifesta a divisão da sociedade moderna em duas classes, uma de trabalhadores assalariados, outra de proprietários-capitalistas-empresários... (p. 96).Enquanto a plebe operária, pobre, ignorante, sem influência, sem crédito, se apresenta a si própria, se afirma, fala da sua emancipação, do seu futuro, de uma transformação social que deve allterar a sua condição e emancipar todos os trabalhadores do globo, a burguesia, que é rica, possuidora, que sabe e que pode, não tem nada a dizer sobre si própria; desde que saiu do seu antigo meio, parece sem destino, sem papel histórico; já não tem pensamento nem vontade. Ora revolucionária, ora conservadora, republicana, legitimista, doutrinária, meio termo; por um instante cativada pelas formas representativas e parlamentares, e depois perdendo inclusivamente a inteligência; não sabendo já que sistema é o seu, que governo prefere; (...) a burguesia perdeu todo o carácter; já não é uma classe poderosa pelo seu número, pelo trabalho e pelo génio, que quer e que pensa, que produz e que raciocina, que rege e que governa; é uma minoria que trafica, que especula, que agiota, uma barafunda (p. 100).Quer a burguesia o saiba ou não, o seu papel terminou; não pode ir longe, e tão pouco pode renascer (P. 101).... Uma das coisas que mais importam à Democracia operária é, ao mesmo tempo que afirma o seu Direito e desenvolve a sua Força, expor também a sua ideia - e eu diria mais: produzir tal qual o seu corpo de Doutrina... (p. 103).A revolução, ao democratizar-nos, lançou-nos no caminho da democracia inidustrial (p. 143).Agora cabe à democracia operária encarregar-se da questão. Que ela se pronuncie, e, sob pressão da sua opinião, será bem preciso que o Estado, órgão da sociedade, actue. Se a democracia operária satisfeita por provocar a agitação nas suas oficinas, por atormentar o burguês e por chamar a atenção com eleições inúteis fica indiferente aos princípios da economia política, que são justamente os da revolução, é preciso que ela saiba que não está a cumprir os seus deveres e um dia ficará desonrada perante a posteridade (p. 151).... O que distingue as reformas mutualistas é que elas são, simultaneamente, um produto do direito estrito e de uma alta sociabilidade: consistem em suiprimir os tributos de todo o tipo sacados aos trabalhadores... (p. 181).... Estas associações, que poderão mesmo conservar as suas designações actuais, submetidas umas em relação às outras e em relação ao público ao dever de mutualidade, imbuídas do novo espírito, já não poderão comparar-se às suas análogas do tempo actual. Elas terão perdido o carácter egoísta e subversivo, muito embora conservando as vantagens particulares que extraem do seu poder económico. Serão outras tantas igrejas particuilares no seio da Igreja universal, capazes de a reproduzir, se fosse possível que ela viesse a extinguir-se (p. 196).A unitdade, no,direito, já não é assinalada senão pela promessa que os diversos grupos soberanos fazem uns aos outros: 1.º) de mutuamente se governarem a si próprios e de darem com os vizinhos segundo certos princípios; 2.º) de se protegerem contra o inimigo exterior e contra a tirania do interior; 3.º) de se combinarem, no interesse das respectivas explorações e empreendimentos, como também de prestarem assistência uns aos outros nos seus infortúnios (...).Assim, transportado para a esfera política, aquilo a que até agora chamámos mutualismo ou garantismo toma o nome de federalismo (p. 198).O novo direito, pelo contrário, é essencialmente positivo. A sua finalidade é proporcionar, com certeza e ampliação, tudo o que o antigo direito apenas permitia fazer, a espera da liberdade, mas sem procurar as suas garantias nem os meios, sem mesmo exprimir a este respeito nem aprovação nem desaprovação (p. 221).Podemos, de facto, dizer que, daqui em diante, entre a burguesia capitaltista-proprietária-empresária e o governo e a Democracia operária, os papéis, sob todos os pontos de vista, invertem-se: já não é a esta que se deve chamar massa, multidão, desprezível multidão; seria antes àquela. (...) Quem não pensa, quem voltou à condição de turba e de massa confusa, é a classe burguesa (...).... Após ter rolado de catástrofe política em catástrofe política, após ter atingido o último grau do vazio intelectual e moral, vemos a alta Burguesia fundir-se numa massa, que de humano já só tem o egoísmo, procurar salvadores quando já não há salvação para ela, apresentar como programa uma indiferença cínica, e, em vez de aceitar uma transformação inevitável, chamar a si e ao país um novo dilúvio... (p. 231).... Um pouco mais de tempo, e as classes médias, absorvidas pela alta concorrência ou arruinadas, darão entrada na domesticidade feudal ou serão lançadas no proletariado (p. 235).A separação que eu recomendo é a própria condição da vida. Distinguir-se, definir-se, é ser, da mesma forma que confundir-se e absorver-se, é perder-se. Cindir - uma cisão legítima - é o único meio que temos para afirmar o nosso direito, e, como partido político, para nos fazermos reconhecer. E em breve se verá que é também a arma mais poderosa, como a mais leal, que nos foi dada, tanto para a defesa como para o ataque (p. 237).Assim pois, chego à conclusão de que ao não ser o ideal político e económico perseguido pela Democracia operária o mesmo que busca em vão a classe burguesa desde há sessenta anos, nós não podemos figurar, não digo apenas no mesmo Parlamento, mas até na mesma Oposição; as palavras têm para nós um sentido diferente daquele que têm para eles; - porque nem as ideias, nem os princípios, nem as formas de governo, nem as instituições e os costumes são os mesmos... (p. 243).Que a classe operária, se se toma a sério, se persegue algo mais que uma fantasia, não duvide: é preciso que antes de mais se liberte da tutela, e que (...) actue doravante exclusivamente por si e para si (p. 244).Não nos esqueçamos: entre a igualdade ou direito político, e a igualdade ou direito económico, existe uma relação íntima, de modo que quando um deles é negado, o outro não tardará a desaparecer (p. 267).
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