Saturday, January 13, 2007

ANTOLOGIA PROUDHONIANA Parte II

QUEM SOU EU?Um revolucionárioSou um revolucionário e não um desordeiro. (Carta de 4 de Março de 1842). O povo quereria acabá-la completamente; mas... ela não tem fim. (Carta a Langlois, Dezembro de 1851.)A Revolução é permanente... Não há propriamente, uma só, mesma e perpétua revolução. (Toast à la Révol.)Uma revolução é uma força contra a qual nenhuma força... pode prevalecer, e cuja natureza é fortificar-se e crescer com a resistência que encontra. Pode-se dirigir, moderar, retardar uma revolução... De modo nenhum se faz recuar uma revolução, se consegue enganá-la, ou deformá-la, como nem com a mais forte razão se consegue vencê-la. Quanto mais a reprimem, mais aumentam a sua energia e tornam a sua acçao irresistivel. (Idée Gen. de la Rev., 1.º estudo.)Pregam-se, neste momento, não sei quantos Evangelhos novos. Não pretendo aumentar o nú mero desses loucos. (Carta de 17 de Julho de 1844.) A maior parte dos revolucionários só pensa, à, maneira dos conservadores que eles combatem, na construção de prisões. (La Rév. Sociale.)A reacção, gérmen do despotismo, está no coração de todos os homens; ela aparece-nos, ao mesmo tempo, nas duas extremidades do horizonte político.Não é das menores causas das nossas infelicidades...Todo o partido político, qualquer que ele seja, pode apresentar, sucessivamente, segundo as circunstâncias, uma expressão revolucionária e uma expressão reaccionária. (Idée Gén. de la Rév., 1.1, estudo.)É tempo de desaparecer essa escola de falsos revolucionários que, especulando com a agitação mais do que com a inteligência, com os golpes mais do que com as ideias, se julgam cada vez mais fortes e lógicos. (La Rév. Sociale.)Como na sociedade as ideias são interesses, e os interesses são homens, é difícil que homens que reinaram por interesses e pelas suas ideias consintam em eclipsar-see e desaparecer. É preciso vencê-los. É por isso também que julguei dever lembrar aos que me leem que existem casos em que a revolta contra o governo se torna, ao mesmo tempo, um direito e um dever. Não deixemos enfraquecer entre nós o espírito revolucionário, o espírito próprio da liberdade e do progresso.Quando encontrarmos nele uma garantia contra as traições sistemáticas, um aguilhão contra a moleza e as irresoluções dos nossos mandatários, jamais deveremos deixar apagar esse fogo sagrado...Certamente que o ideal do progresso seria que o corpo eleitoral, as Câmaras, o Governo, compreendendo finalmente a justiça e a infabilidade de todas estas revoluções, se tornassem de repente radicais e procedessem espontaneamente às reformas...É segundo este ponto de vista que ousei desenvolver o quadro de uma situação inexorável, sabendo muito bem que uma revolução prevista só é de recear para aqueles que a desafiam. (Creat. de I’O., Cap. V.)E um reformadorPrego a emancipação aos proletários a associação aos trabalhadores.. Incito à revolução por todos os meios... a palavra, a escrita, a imprensa, as acções e os exemplos...Sim, sou reformador, digo-o tal como o penso, de boa fé, e para que esta vaidade nunca me seja censurada; quero converter o mundo. Sem dúvida que esta fantasia surge-me dum grande orgulho exaltado, que se terá transformado em delírio; mas dever-se-á, pelo menos, conceder que, prodigiosamente, tenho colegas e que a minha demência não é monomania...Os reformadores, em geral, são ciosos do seu papel, não suportam rivais, não querem partilhar nada: têm discípulos, mas não colaboradores. A minha felicidade, pelo contrário, é comunicar a minha paixão e torná-la, tanto quanto posso, epidémica.Por outro lado, todo o reformador é taumaturgo ou, pelo menos, deseja vir a sê-lo. Eu tenho horror aos milagres como autoridades, e não viso senão a lógica...Enfim, é nisto que me afasto mais dos meus colegas, não creio ser necessário, para chegar à igualdade, pôr tudo de pernas para o ar. Defender que um derrubamento pode, sozinho, trazer a reforma é, quanto a mim, urdir um silogismo e procurar a verdade no desconhecido. Ora, eu sou pela generalização, pela indução e pelo progresso. (2e. Mémoire, concl.)Trabalhem na reforma, na constituição da nova ciência, que é a própria constituição da sociedade e da ordem pública: trabalhem nisso, pela isenção das instituições e das leis, pela crítica das funções sociais, pela interpretação dos princípios de igual dade, espalhados na Constituição Política e nos códigos, pelas discussões económicas e pela determinação das medidas a tomar, em caso de êxito... E quando se sentirem bastante fortes, não peçam exijam!... Se o poder, para escapar aos tragos da vossa crítica ardente, ousasse, como já aconteceu, proibir a própria ciência e suspender a comunicação das ideias, então, democratas, estarieis no caso de legítima defesa: Tunc dolus an virtus quis in hoste requirat? Perguntareis à história como é que os homens livres se desfazem dos tiranos. (De l'O. dans l'Humanité, Cap. V.)O direito da força está longe de ter dito a sua palavra. Só ele pode terminar o debate suscitado... entre a classe dita burguesa, que desaparece, e a classe operária, assalariada, que aumenta em cada dia. Seja por uma batalha ou por uma constituição consentido, pouco importa: é preciso que o sistema de trabalho, de crédito e de comércio de...O povo, a democracia industrial, destruirá a soberania do dinheiro... mudará a relação entre o trabalho e o capital, e constituirá o direito económico. (La Guerre et la Paix, liv. II, Cap. XI.)O MEU OBJECTIVOTer um sistema, não tenho; repugna-me formalmente tal suposição. O sistema da humanidade só será conhecido no fim da humanidade... O que me interessa, é reconhecer-lhe o rumo e, se puder, traçá-lo. (Le Peuple, artigo de 21 de Março de 1849.)Conclui que a sociedade, aparentemente pacifica, normal, segura de si mesma, estava abandonada à desordem, ao antagonismo; que estava tão desprovida de ciência económica como de moral; que estavam na mesma situação partidos, escolas, utopias e sistemas.Comecei portanto, ou recomecei, em novos moldes, um trabalho de reconhecimentos geral dos factos, das ideias e instituições, sem estar preso a qualquer partido, e sem outra regra de apreciação que não fosse a própria lógica.Este trabalho nem sempre foi compreendido, no que houve seguramente erro da minha parte. Sobre questões que dizem respeito, essencialmente, à moral e à justiça, é-me impossível conservar sempre o sangue frio e a indiferença filosófica, sobretudo quando tenho que enfrentar contraditores interesseiros e de má fé. Passei, por isso, por panfletário, quando não queria ser senão critico; agitador, quando me limitava a pedir justiça; homem faccioso e odioso, quando a minha veemência tinha unicamente por fim dar relevo a pretensões mal fundadas; escritor versátil, enfim, porque estava sempre pronto a chamar a atenção para qualquer contradição, tanto àqueles que se tinham na conta de meus amigos como dos meus adversários... (Lettre à Williaumé, 29 de Janeiro de 1856).Pedes-me uma explicação sobre o modo de reconstituir a sociedade. Quero responder-te em poucas palavras e fazer o possível por te dar, sobre este assunto, ideias precisas.Uma vez que leste o meu livro, deves compreender que não se trata de imaginar, de combinar no nosso cérebro um sistema que se apresente em seguida; não é assim que se reforma o mundo. A sociedade não pode corrigir-se senão por ela própria, o que quer dizer que é preciso estudar a natureza humana em todas as suas manifestações, nas leis, religiões, costumes, economia política; extrair desta massa enorme... princípios gerais, que servem de regras.Este trabalho levará séculos a ser completado. Isto parecer-te-á desesperante; mas, tranquiliza-te. Em toda a reforma há duas coisas distintas, e que são muitas vezes confundidas: a transição e a perfeição ou a conclusão...Pelo que me respeita, oferecerei os axiomas, fornecerei exemplos e um método, e farei com que isso funcione: cabe a todos fazer o resto.Assim, acredita que ninguém, sobre a Terra, é capaz, como quiseram dizer de Saint-Simon e de Fourier, de apresentar um sistema composto de todas as suas peças, completo, em que nada mais haja a introduzir.Seria essa a mentira mais detestável que se poderia apresentar ao homem.A ciência social é infinita: nenhum homem a possui, tal como nenhum homem sabe a Medicina, a Física ou a Matemática; mas podemos descobrir os seus princípios, em seguida os elementos, depois uma parte e ela irá crescendo sempre. Ora, o que faço agora, é determinar os elementos da ciência política e legislativa...Em duas palavras: abolir progressivamente e até à extinção a fortuna eis a transição. A organização resultará do principio da divisão do trabalho e da força colectiva, combinado com a manutenção da personalidade no homem e no cidadão. (Lettre à A. Gauttier, 2 de Maio de 1841.)Uma revolução nova, organizada, é necessária.Em lugar deste regime governamental, feudal e militar, imitação do dos antigos reis, é preciso erguer o edifício novo das instituições industriais...Em lugar desta centralização materialista e absorvente dos poderes políticos, devemos criar a centralização liberal das forças económicas... (Id. Gén. de la Rév., 2.º estudo.)A revolução, depois de ter sido, sucessivamente, religiosa, filosófica, política, tornou-se económica. (Toast à la Rev., 17 de Out. de 1848.)Um ensaio da constituição da ciência económica... uma ciência com os seus axiomas, as suas determinações, o seu método, a sua certeza própria, ciência que não fosse, nem matemática, nem jurisprudência... Não é preciso mais do que isto, para produzir a revolução.Depois da ciência económica, uma filosofia da história que caminhe a par dela, e, mais tarde, uma filosofia geral. (Lettre à Ch. Edmond, 10 de Janeiro de 1852.)Quanto a mim, o último a chegar e o mais maltratado defensor desse grande movimento que, com razão ou sem ela, chamaram Socialismo, e que não é senão o desenvolvimento da Revolução, não peço a eliminação nem o esmagamento de ninguém. Que a discussão seja livre, e que os meus adversários se defendam: é tudo o que quero. Faço guerra a ideias antiquadas, não a homens antiquados.Pensava, em 1848, que depois de tantas catástrofes, todas as fórmulas do antigo antagonismo - com o qual Aristóteles e Maquiavel não se deixaram iludir - monarquia, aristocracia, democracia, burguesia, proletariado, etc. já só deviam ter valor como transição...A Revolução passou ao estado de mito. Cabe-me a mim ser o primeiro a apresentar uma explicação dela. (Dela Just. dans la Rév. Philos Popul.)A CRISE FRANCESA E EUROPEIAA França esgotou os princípios que a animaram. A sua consciência está vazia, tal como a sua razão. Tudo o que produziu, de há meio século a esta parte, através de escritores famosos, não deixou de prever esta síncope moral, que, finalmente, chegou. Aos profetas de França, responderam os filósofos da Alemanha: de tal modo que, por fim, o destino da nossa Pátria se tornou comum a todos (...)(Philosophie du Pr., prefácio.)A economia da sociedade transformou-se completamente. Eis os factos. (Lettre à Ch. Edmond, 18 de Outubro de 1852.)A França está entregue ao monopólio, das Companhias. Eis o regime feudal. Os tecidos, o ferro, o grão, o açúcar, as sedas, tudo está a caminho do monopólio. (Carnets, 4 de Set. de 1852.)Especuladores... negociantes, caçadores de acções industriais... enfeudados à burocracia... para consolidarem o monopólio e se precaverem, ao mesmo tempo, contra a concorrência, não deixarão de organizar, se isso não for já um facto consumado, uma associação monstra, na qual se encontrarão fundidas e solidarizadas a burguesia capitalista... e toda a gente accionista... Associar, numa vasta solidariedade anónima, os capitais de todos os países, é o que se chama acordo de interesses, fusão de nacionalidades. Que pensam disto os neo-Jaeobinos? (Princ. Féd., Cap. XI.)A Burguesia está doente, de tanto se encher: como instituição, deixou de existir, dentro da ordem política e da ordem social. No lugar desta palavra, que já ninguém entende, aparece o capital, sinónimo de avareza, e, por oposição ao capital, aparece um termo de necessidade, o assalariado.O assalariado, surje como nível revolucionário, inventado pelo Capital, que deixa o salário, à mercê dos poderosos...A propriedade, elevada a despotismo, ao abrigo de insultos vindos de baixo, acredita que nenhum decreto vindo de cima a atingirá. Foi esmagada a anarquia; surgirá o Estado em toda a sua glória...A França só acredita na força, só obedece aos instintos. Já não tem indignação; parece achar bem o não pensar. Tal povo, tal governo! O poder, que não é iluminado por nenhuma inspiração nacional, não fornece, por sua vez, qualquer ideia válida ao pais. Ele caminha tal como as mesas giram: sem impulsão aparente: podemos considerá-lo uma espontaneidade.Tal como sucede depois das grandes crises, o horror às discussões e aos sistemas tornou-se tal, que - governados e governantes, partidos vencidos e partido vencedor - toda a gente, sem excepção, fecha os olhos, não quer ouvir, pelo simples aparecimento de uma ideia. Superstição e suicídio: estas duas palavras resumem o estado moral e intelectual das massas. O leme dos acontecimentos está na mão dos práticos e dos homens de acção; para trás, mais uma vez, os ideólogos! Fala-se do isolamento do poder actual, no meio das populações mudas: o caso é que as populações nada têm a dizer ao poder... (Philosoph. du Progr., prefácio.)Abolição das liberdades comunais e da vida provinciana: abolição do casamento e da família. Fim às individualidades: chega-se igualmente a isso pela transformação do casamento em concubinato, pelo amor livre, pela promiscuidade e pela omnipotência do Estado...Horror ao trabalho doméstico da mulher, horror à profissão do homem; desenvolvimento da monomania da função.Hotéis cheios, bairros operários; eis o que há, de ora avante, quanto ao domicílio; um emprego, um quadro; eis o que se apresenta ao homem... Não mais doutrinas, ideias, teorias, sistemas; abaixo a razão; viva o improviso, viva o arbitrário; apalpa-se o pulso à opinião; excitam-na, imprimem-lhe uma direcção; e então VOX POPULI, VOX DEI. (De la Pornocr., notas e pensamentos.)A política, por fora, é como a opinião por dentro. Ela isola-se, esperando o golpe do destino, escrevendo notas, que dir-se-iam desprovidas de boa fé, se o não fossem, totalmente, de sentido. As potências já não acreditam no equilíbrio europeu. Contra ocidente em revolução, elas invocam a barbárie oriental, a guerra das raças, a absorção das nacionalidades...Reina sobre toda a Europa uma sombra solene, semelhante à obscuridade de que se rodeavam os oráculos, no fundo dos azinhais e das cavernas...Contudo... é certo que a democracia - que nao é outra coisa, ao fim de contas, que o partido do movimento e da liberdade - não pode desaparecer da história.É certo, enfim, que a Europa é uma federação de Estados, que os seus interesses tornam solidários, e que, nesta federação, fatalmente conduzido pelo desenvolvimento do comércio e da indústria, a prioridade de iniciativa e a preponderância pertencem ao Ocidente...A civilização moderna, à custa de tradições e de exemplos, está irrevogavelmente comprometida na via de uma revolução que nem os precedentes históricos, o direito escrito, a fé estabelecido podem tampouco guiar...Dizem-nos: - Que publicais sobre a situação presente? - A situação, ei-la: há que fazer face, através da reflexão, à necessidade das coisas; há que recomeçar a nossa educação social e intelectual. E como um partido, fundado com base na própria natureza do espírito humano, não pode morrer, há que dar à democracia a ideia e a bandeira que lhe faltam... (Philos. du Progrés, prefácio.)A JUSTIÇA, PRINCIPIO REVOLUCIONÁRIOO tempo das raças iniciadoras passou. O movimento não renascerá na Europa, nem do Oriente, nem do Ocidente...Ele não pode vir senão de uma propaganda cosmopolita, defendido por todos os homens... sem distinção, nem de raça, nem de lingua.Qual será a sua bandeira? Só pode ser uma: a Revolução, a Filosofia, a Justiça. Revolução é o nome francês... filosofia é o nome germânico; que justiça se torne o nome cosmopolita...Qual é o principio fundamental, orgânico, regulador, soberano das sociedades? É a Religião, o Ideal, o Interesse? É o Amor, a Força, a Necessidade ou a Higiene? Há sistemas e escolas para todas estas afirmações.Este principio, para mim, é a Justiça.Que é justiça?-É a essência da Humanidade.Que tem sido ela, desde o princípio do mundo?- Quase nada.Que deve ser ela?- Tudo.(De la Just. dans la Rév. Phil. Popul.)Sendo a igualdade a lei da natureza, do mesmo modo que a lei da Justiça, e sendo as promessas de uma e de outra idênticas, o problema, para o economista e para o homem de Estado, já não é saber se a economia será sacrificado à justiça ou a justiça sacrificado à economia; ele consiste em descobrir qual será o melhor partido a tirar das forças físicas, intelectuais, económicas, que o gênio incessantemente descobre, a fim de restabelecer o equilíbrio social, perturbado pelas particularidades de clima, de geração, de educação, de doenças, e por todos os acidentes de força maior...É uma tarefa bem delicada conciliar o respeito devido às pessoas com as necessidades orgânicas da produção; respeitar a igualdade, sem pôr em perigo a liberdade ou, pelo menos, sem impor à liberdade outros entraves que não sejam o Direito. Tais problemas requerem uma ciência à parte, objectiva e subjectiva ao mesmo tempo, metade fatalidade e metade liberdade. (De la Justice dans la Rév., Les Biens.)A INSTAURAÇÃO DE UMA ECONOMIA SOCIALO problema do proletariado exige a constituição de uma ciência social. (Contr. Écon., Cap. XIV.)Há uma ciência das quantidades, que obriga à aprovação, exclui o arbitrário, repele toda a utopia; uma ciência dos fenômenos físicos, que assenta unicamente na observação dos factos... Deve existir também uma ciência da sociedade, absoluta, rigorosa, baseada na natureza do homem, das suas faculdades e das suas relações - ciência que não é preciso inventar, mas descobrir. (Célébration du Dimanche, Cap. V.)A ciência social só progridirá com a ajuda da legislação comparada e da história. (Créat. de 1'0. Défin.)Sob o ponto de vista de organização, as leis da economia política são as leis da história. (Créat. de l’O., 1843, Cap. V.)O campo de observação da ciência económica é a sociedade; isto é, outra vez o eu. Se querem conhecer o homem, estudem a sociedade; se querem conhecer a sociedade, estudem o homem. O homem e a sociedade servem, reciprocamente, de tema e de objectivo.A realidade, quase diria a personalidade do homem colectivo, está tão certa como a realidade e a personalidade do homem e do indivíduo... A inteligência, a espontaneidade, o desenvolvimento, a vida, tudo o que constitui a realidade do ser, é tão essencial à sociedade como ao homem. (Contr. Econ., Cap. II.)Mas, o que é esse eu colectivo e individual?...-O eu humano, manifestado através do trabalho...O autor da razão económica é o homem; o criador da matéria económica é o homem; o arquitecto do sistema económico é ainda o homem. Depois de ter produzido a razão e a experiência social, a humanidade procede à construção de uma ciência social. (Contr. Écon., cap. XIV.)A associação real dos trabalhadores... pode dar crédito e satisfação tanto ao produtor como ao consumidor...O Estado, seja o que for que se diga ou que se faça, não é, nem nunca será, a mesma coisa que a universalidade dos cidadãos... (cap. X.)A fórmula de organização da sociedade pelo trabalho... deve agradar, ao mesmo tempo, aos interesses sociais e à liberdade individual. (Contr. Econ., cap. IX.) Há que descobrir e comprovar as leis económicas, restritivas da propriedade, distributivas do trabalho... (Cél. Dim., cap. V.)E encontrar um estado de igualdade que seja, nem comunidade, nem despotismo, nem desmembramento, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade. E, uma vez este primeiro ponto resolvido... indicar o melhor modo de transição.Aqui está todo o problema humanitário. (Célébr. du Dimanche, cap. II, 1839.)Encontrar um sistema de igualdade, no qual todas as instituições actuais - menos a propriedade ou a soma dos abusos da propriedade - não só possam ter lugar, como sejam, elas próprias, meios de igualdade. Um sistema que assegure a formação dos capitais... que, através de uma visão superior, explique, corrija e complete as teorias de associação propostas até hoje... um sistema, enfim, que, servindo a si mesmo de meio de transição, seja imediatamente aplicável.Uma obra tão vasta exigiria, sei-o bem, os esforços reunidos de vinte Montesquieus; contudo, se não está reservado a nenhum homem completá-la sozinho, um só, pode começá-la. A estrada que este há-de percorrer bastará para descobrir o fim e assegurar o resultado. (Qu’est-ce que le Prop? Prem. Mémoire, prefácio.)A RECUSA DO SOCIALISMO AUTORITARIO...Os comunistas, perante os quais verga todo o socialismo, não acreditam na igualdade como fruto da natureza e da educação; eles chegam a ela através de decretos soberanos. (Contr. Econ., Cap. VI.)O Socialismo, protestando, com razão, contra a concorrência anárquica, nada propôs de satisfatório para a sua regulamentação, e a prova disso é que se encontra, por toda a parte, nas utopias que têm aparecido, a determinação do valor abandonado ao arbitrário, e todas as reformas conduziram, ora à corporacão hierárquica, ora ao monopólio do Estado ou ao despotismo da comunidade. (Contr. Écon., Cap. V.)Para impedir o arbitrário comercial, lançar-vos-eis no arbitrário administrativo; para criar a igualdade, destruireis a liberdade, o que é a negação da própria igualdade.Não se trata de matar a liberdade individual, mas de a socializar. (Contr. Econ., Cap. II.)E A DITADURACertas pessoas convencem-se que no seio da sociedade deverá aparecer, em breve, uma grande personagem, um destes seres providenciais (como são denominados) que resumirá todas as ideias, livrará a verdade do erro, acabará com os velhos preconceitos, nivelará todas as opiniões,... e com a sua forte mão lançará a geração actual para um novo trilho...O Turco diz: - Alá é Deus, e Maomé é o seu profeta; é uma profissão de fé, semelhante à que fazem estes modernos crentes. (Cél. Dim., Cap. V.)A CAMINHO DE UMA DEMOCRACIA INDUSTRIALUma revolução verdadeiramente orgânica, produto da vida universal, ainda que tenha os seus mensageiros e os seus executores, não é verdadeiramente obra de ninguém. (Capac. Polit., liv. II, Cap. V.)É às próprias sociedades que cabe executá-la; que esperem a sua salvação, mas das suas próprias mãos. A verdade nunca faltou aos homens; mas, muitas vezes, faltam a boa fé e a coragem para reconhecê-la e segui-la.Todos os elementos da ordem e da felicidade, existem: só se trata de conhecer a sua síntese, o método de aplicação e de desenvolvimento. Como é que a humanidade ainda o não conseguiu? Cabe à história ensinar-no-lo. Como qualquer outro, eu poderia dizer alguma coisa acerca disso; mas, na minha opinião, a filosofia da história só existirá quando o problema social for resolvido. (Célébr. du Dimanche, Cap. V, 1839.)Desde 1789 que a França se tornou uma democracia. Todos são iguais, perante a lei civil, politica...Mas não deixa também de ser menos claro que esta grande equação política não nos dá a chave do enigma; qual a relação entre o direito de sufrágio, por exemplo, e a fixação do salário justo? Entre a igualdade perante a lei e o equilíbrio dos serviços e dos produtos?Qualquer profissão deve produzir pelo menos o suficiente para permitir a vida de quem a exerce... a isto chamar-se-á justiça. Eis pois, quanto ao salário, e, consequentemente, quanto ao trabalho, há um primeiro limite, um mínimo, para aquem do qual não podemos recuar...A revolução, democratizando-nos, lançou-nos no caminho da democracia industrial. Foi um primeiro e enorme passo que ela nos obrigou a dar. Deu-nos ainda uma segunda ideia, a de uma determinação dos trabalhos e dos salários. Outrora, esta ideia teria sido um escândalo; hoje, tem apenas lógica e legitimidade; nós prosseguimo-la...A avaliação dos trabalhos, a medida dos valores, renovada sem cessar, é o problema fundamental da sociedade, problema que a vontade social e a força de colectividade podem resolver sós...Agora cabe à democracia operária tomar em mãos a questão. Que ela se pronuncie, e, sob pressão da sua opinião, será bem preciso que o Estado, órgão da sociedade, aja. Se a demarcaria operária - satisfeita por provocar a agitação nas suas oficinas, por atormentar o burguês e por chamar a atenção com eleições inúteis - fica indiferente aos princípios da economia política, que são os da revolução, é preciso que o saiba como está a contradizer os seus deveres e ficará desonrada perante a posteridade... (Cap. Polit. das Clas. Ouvr., liv. II, Cap. VIII.)A IRRESISTIVEL EVOLUÇÃOO século XIX está destinado a substituir, no governo da humanidade, os princípios teológico e político pelo princípio económico e social.Uma democracia impaciente... exige a extensão dos direitos políticos. Reprimam-na, e teremos uma revolução; concordem com a sua exigência: será ainda uma revolução.Mas, doravante, nenhuma revolução será fecunda se não for coroada com a reanimação da instrução pública.Quereis eternizar o pauperismo, o crime, a guerra, as convulsões, o despotismo à face da terra? Eternizai o proletariado. A organização do ensino é, ao mesmo tempo, a condição para a igualdade e a sanção para o progresso. (Créat. de l’O., Cap. V.)Esta questão das fortunas médias, que, no estado actual da civilização, é preciso considerar como o problema do século, e que contém o futuro, não só da França, mas da humanidade; esta questão é irresolúvel por qualquer espécie de constituição da autoridade. Para a resolver, é preciso sair da esfera das ideias antigas, subir, com a ajuda de uma nova ciência, acima dos dogmas religiosas, dos artifícios constitucionais, das práticas usurários do capital, das rotinas aleatórias da troca. É preciso criar, com todas as suas peças, a economia social... (Conf. dun Rév., post. scriptum.)As causas da miséria resumem-se no seguinte: 1) os interesses do capital; 2) a intolerância e os privilégios; 3) o lucro da empresa; 4) o parasitismo dos inúteis e dos improdutivos; 5) as perturbações que resultam da insuficiência estatística e da incapacidade do trabalhador - causa dupla, que acarreta a incerteza da produção e destrói a proporcionalidade dos valores.A reforma consiste em acabar com a exploração capitalista, solidarizar a propriedade, suprimir a especulação... criar a estatística, e aumentar a capacidade industrial dos trabalhadores. (Carnets., 6 de Março de 1847.)Para aumentar a riqueza duma dada sociedade, permanecendo inalterável o montante da propriedade, são precisas três coisas: 1) criar às massas trabalhadoras novas necessidades; 2) conduzi-las para uma organização cada vez mais cuidada do trabalho e da indústria, do tempo e das energias sobrantes; 3) acabar com o parasitismo. Estas três condições resumem-se nesta fórmula: distribuição, cada vez mais igual, do saber, dos serviços e dos produtos. É a lei do equilíbrio, a maior, e poder-se-ia dizer que ela é o enigma da economia política. (La G. et la P.., liv. IV, Cap. II.)Compreenderam-me, e fico feliz por isso...Sim, senhor, procuro, através de uma longa e profunda critica, as leis gerais da sociedade e do progresso; as minhas negações só têm valor segundo este ponto de vista. O erro que cometeram, a meu respeito, foi o de recusarem, em si, criticas inatacáveis, e que não eram apresentadas, nem como dogma, nem como solução, nem como prática.A prática social, quanto a mim, compõe-se de todas as negações, de todas as afirmações; rejeitar uma delas, é menosprezar ao mesmo tempo a ciência e o movimento... (Lettre à Michelet, 2 de Maio de 1851.)O mundo moral, como o mundo físico, assenta sobre uma pluralidade de elementos irredutiveis e antagónicos; é da contradição entre estes elementos que resultam a vida e o movimento no Universo. (Th. De la Prop., Concl.)O problema consiste em encontrar, não a sua fusão, que seria a morte, mas o seu equilíbrio, equilíbrio incesantemente instável, variável como o próprio desenvolvimento das sociedades. (Th. de la Prop., Cap. I.)Uma Economia MutualistaIA PRIORIDADE DO TRABALHO1. - O TRABALHO, FORÇA CRIADORAO trabalho é uno... Desde que o homem trabalhe, a sociedade é ele... Na sociedade trabalhadora, não há trabalhadores; há um trabalhador, único, diversificado até ao infinito (Carnets, 11 de Março de 1846.)Esta palavra única «trabalho» encerra toda uma ordem de conhecimentos... O trabalho age sobre a economia das sociedades, liberta o proletariado, dá e retira a riqueza às nações, conduz, pouco a pouco, à aliança entre os povos e entre as situações... (Créat. de l’O., Cap. IV.)Se o capital é unicamente uma expressão, uma REALIZAÇÃO do trabalho... o trabalho é ele próprio... criador, tendendo a realizar-se sem qualquer ajuda exterior: o trabalho criado a partir do nada (Carnets, 5 de Abril de 1845.)Trabalhar, é produzir a partir de coisa nenhuma (Question Sociale.)Os jogos da indústria humana são uma espécie de complemento da criação... O homem começa pela transposição das sequências naturais, uma segunda criação, no seio da própria criação. (Créat. de l’O., Cap. III.)Mas o trabalho quando abstraído das condições de inteligência e de matéria, é unicamente um esforço estéril (idem.)O economista defeniu o trabalho: acção inteligente dos homens em sociedade, com o fim preconcebido da satisfação pessoal. (Créat. de l’O., Cap. IV.)O trabalho é inteligência e vida realizadas. (Contr. Écon., Cap. IV.)A. O trabalho, gerador da economiaO trabalho é o acto gerador da economia politica... Tudo o que é trabalho, função útil, constitui matéria para a economia política... A economia política é a ciência da produção humana... Começa com o trabalho do homem É, numa palavra, a ciência do trabalho. (Créat. de l’O., Cap. IV.)B. O trabalho, criador da sociedadeÉ através do trabalho que se geram, ao mesmo tempo, a riqueza e a sociedade (Contr. Econ., Cap. II.)O trabalho é a força plástica da sociedade, a ideia tipo que determina as diversas fases do seu crescimento e, por consequência, todo o seu organismo, tanto interno como externo...O homem, quer queira quer não, faz parte integrante da sociedade, que anteriormente a qualquer convenção, passou a existir, devido à divisão do trabalho e à unidade de acção colectiva. (Créat. de l’O., Cap. VI.)C. O trabalho, promotor de justiçaPelo trabalho, muito mais que pela piedade, caminha a justiça. (Justice, le Travail.)O trabalho, considerado sinteticamente nas leis da produção e de consumo, dá origem à justiça. (Créat. de l’O., Cap. IV.)A justiça, no que respeita à repartição dos bens, não é outra coisa senão a obrigação, imposta a todo o cidadão e a todo o Estado... de se submeter à lei do equilíbrio, que por toda a parte se manifes na economia, e cuja violação, acidental ou voluntária, é o princípio da miséria. (Justice, Les Biens.)D. O trabalho, motor da políticaDepois de termos observado a influência do trabalho na sociedade, no que diz respeito à produção e circulação de riquezas, convém observar as manifestações orgânicas dos movimentos revolucionários e as formas de governo. (Créat. de l’O., Cap. V.)Antes de legislar, de administrar,... a sociedade trabalha... Em principio, nada do que constitui uma especialidade do governo é estranho à economia politica. (Capac. Pol., liv. II, Cap. XV.)Na democracia operária, a política é o corolári da economia... Ambas são tratadas segundo o mesmo método e segundo os mesmos princípios...Nas condições actuais, a política é a arte, equivoca e incerta, de pôr em ordem uma sociedade onde todas as leis da economia fossem deseonhecidas e todas as forças colectivas estivessem convertidas em monopólio. (Justice, l’État.)E. O trabalho, origem da filosofiaA filosofia não é senão um modo de generaliza e de abstrair os resultados da nossa experiência, isto é, do nosso trabalho. (La G. et la P., Liv. I, Cap. II.)...De modo que, toda a filosofia está contida em cada manifestação industrial. (Contr. Écon., Cap. IV.)Isto significa que todo o conhecimento dito a priori, incluindo a metafísica, tem origem no trabalho...O que quer dizer que a filosofia e as ciências devem embrenhar-se na indústria, sob pena de degradação da humanidade. (Justice, Le Travail.)F. O trabalho, modo de educaçãoO trabalho - reunindo a análise e a síntese numa acção contínua - o trabalho... sintetizando a realidade e a ideia, apresenta-se como um método universal de ensino. (Contr. Écon., Cap. IV.)2. - O TRABALHO, FORÇA ALIENADAA. A desalienação da força colectivaO trabalho... é livre por natureza, uma liberdade positiva e interior, e é com base nesta liberdade que tem o direito de reivindicar a sua liberdade exterior... Por definição, aquela está implicado nele por direito. (Justice, le Trav.)Uma vez apoderada das forças colectivas, a sociedade institui-se em hierarquia. O espírito de igualdade é neutralizado pelo preconceito contrário, que torna invencível a alienação das forças colectivas. (Justice L’État.)A questão da libertação do trabalho, à qual a gente antiquada já não pode escapar, cria para essa mesma gente uma situação completamente dramática... A sociedade está dividida nas suas camadas profundas. O trabalhador cria, com a revolução: justiça, equilíbrio, libertação. A gente antiquada responde: fatalidade, necessidade, predestinação, hierarquia!Qual será a saída para este debate?Para mim, não me restam dúvidas: credo in revolucionem. Mas para uma pergunta precisa, é necessáriauma resposta precisa, e eis a minha conclusão: O trabalhador votará a favor do trabalho... mas pedir que o trabalho seja libertado, é pedir ipso facto:- que a liberdade individual seja respeitada;- que o equilíbrio dos serviços e dos valores seja estabelecido;- que a prestação dos capitais se torne recíproca;- que a alienação das forças colectivas cesse...- que, acontecendo através de uma transacção amigável, a batalha virá forçosamente. E, vencedor ou vencido, o trabalho imporá a lei ao capital: pois o que assenta na lógica dos factos acontece sempre; contra o direito, nada há no mundo de mais inútil que a vitória. (Justice, Le Travail.)- O capital a quem o emprega; -O lucro da força colectiva a todos os que concorrem para ela...;- O trabalho parcelar, combinado com a pluralidade de aprendizagem, numa série de promoções;- Em duas palavras: a fatalidade da natureza submetida à liberdade do homem.Eis uma civilização nova, uma outra humanidade. (Justice, Le Travail.)B. O reconhecimento do valor-trabalhoCapital = Trabalho acumuladoO trabalho efectuado chama-se produto; o produto útil tem o nome de valor; o valor acumulado torna-se, pelo destino reprodutivo, capital, isto é, fermento, meio, ou órgão da produção (n.º 395.)O capital é trabalho acumulado (n.º 397.)O salário é ainda o trabalho objectivado (n.º 408.)O que é o rendimento, a renda, o lucro? Trabalho, ainda trabalho e sempre trabalho. E, perguntar como, sem monopólios, privilégios ou sinecuras, se formarão capitais... é perguntar como acumularão trabalho os trabalhadores (n.º 339.)Assim, trabalho, produto, valor, salário, são termos correlativos... mas que dão lugar a diferentes especulações.Do mesmo modo que a divisão do trabalho não compreende só operações simultâneas, mas também todas as operações sucessivas, feitas com um fim comum e para um objectivo idêntico; do mesmo modo, a força colectiva e, consequentemente, a solidariedade, a comparticipação que ela arrasta, não abrange só os trabalhadores em actualidade de serviço, mas também aqueles cujo trabalho consumado e sucessivamente reproduzido se efectuou em intervalos mais ou menos longos. Ora, o capital representa esse trabalho (n.º 403.)Toda a acumulação de valor se chama capital:... trabalhos de arranjos feitos numa terra, a construção de uma máquina, as ferramentas do artífice, a educação ministrada a um jovem... assim como uma soma em dinheiro amealhado são acumulações de valor e constituem capitais.Sendo o capital trabalho acumulado, concretizado, solidificado... o antagonismo entre o capital e o trabalho... deve acabar pela sujeição absoluta do capital ao trabalho, e a transformação da indolência capitalista tornar-se função dum comissário de poupanças e distribuidor de capitais. Os verdadeiros capitalistas, aos olhos da ciência e do direito, são os trabalhadores (n.º 396.) (Créat. de l’O., Cap. IV.)Trabalho = Medida do valorO produto, uma vez acabado e reconhecido como próprio para satisfazer a necessidade que provocou a sua criação, tem o nome de valor. O valor tem como base a utilidade do produto. (n.º 390.)Qual será a medida comparativa dos valores?...A. Smith respondeu:... O trabalho...Esta resposta parece-nos justa. Ela é o corolário de todas as proposições precedentes...Não nos deixemos preocupar pelos diversos acidentes de apropriação dos fundos comuns, nem pelo facto, tão mal observado, da desigualdade física, moral e intelectual dos trabalhadores, nem pelas flutuações da oferta e da procura: estas causas da perturbação económica devem ser estudadas à parte e restituídas, pouco a pouco, às leis inflexíveis da ciência... Esta medida não podia existir no estado selvagem, nem no estado bárbaro, nem em qualquer ocasião em que existam negociantes sem controlo. Mas, um dia, será assim. (n.º 409.)Os economistas aceitaram, como facto convincente, como lei fatal e absoluta da sociedade, inumeráveis acidentes de inaproveitamento, originados pela luta dos fabricantes, pela insuficiência do consumo e pela improvidência dos produtores...A arte de dissimular as suas necessidades, de exagerar os seus serviços, de lançar a desconfiança entre os produtores, de provocar o pânico entre os consumidores - numa palavra, a arte de mentir pode ter certa utilidade aos olhos da ciência?...Que se tome este estado de espoliação reciproca como o tipo indestrutível das leis económicas, eis o que a razão não pode aceitar... Digamos que o deplorável resultado da nossa falta de organização é uma perturbação social. (N.ºs 391 e 393, Créat. de l’O., Cap. IV.)Eu digo que a oferta e a procura, que pretendem ser a única regra dos valores, não são mais do que duas formas cerimoniais, que servem para pôr em evidência o valor como totalidade e o valor de troca e para provocar a sua conciliação...O valor, considerado na sociedade que os produtores formam, naturalmente, entre eles, pela divisão do trabalho e pela troca, é a razão de proporcionalidade dos produtos que compõem a riqueza. É o que se chama, mais especificamente, valor dum produto; é uma fórmula que indica, com carácter monetário, a proporção deste produto na riqueza geral.A utilidade fundamenta o valor; o trabalho fixa-lhe a relação; o preço é a expressão que, salvo as aberrações que teremos que estudar, traduz essa relação. Tal é o centro à volta do qual oscila o valor útil e o valor permutável... Tal é a lei absoluta, imutável, que arrasta as perturbações económicas, os caprichos da indústria e do comércio, e que governa o progresso...: O valor constituído... O objectivo da economia social - que eu, por um momento, peço que me permitam distinguir da economia política, ainda que no fundo não devam diferir uma da outra - será promulgá-la e realizá-la em toda a parte. (Contr. Écon., Cap. II.)IICRITICA AO SISTEMA CAPITALISTA1. - CRITICA À PROPRIEDADE CAPITALISTAA. Crítica ao conteúdoA propriedade, é o rouboEntre as muitas causas secretas que agitam os povos, não as há mais poderosas, mais regulares, menos irreconheclveis que as explosões periódicas do proletariado contra a propriedade. A propriedade, agindo ao mesmo tempo pela exclusão e pela invasão, ao mesmo tempo, que a população se multiplica, foi o principio gerador e a causa determinante de todas as revoluções. (Prem. Mémoire, Cap. V.)Se tivesse de responder à pergunta: O que é a escravatura? e, numa só palavra, eu respondesse: é o assassínio, o meu pensamento seria compreendido logo à primeira vista. Não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de tirar a um homem o pensamento, a vontade, a personalidade, é um poder de vida e de morte e que, fazer dum homem um escravo, é assassiná-lo. Porque, então, a esta outra pergunta: O que é a propriedade? eu posso responder do mesmo modo: é o roubo! sem ter a certeza de ser entendido, ainda que esta frase não seja mais do que a outra transformada...Certo autor ensina que a propriedade é um direito civil, nascido da ocupação e sancionado pela lei; um outro defende que ela é um direito natural, tendo a sua origem no trabalho: e estas doutrinas, por muita oposição que pareçam ter, são encorajadas, aplaudidas.Sustento que nem o trabalho, nem a ocupação, nem a lei podem criar a propriedade: que ela é um efeito sem causa; serei disso repreensível?... (Prem. Mémoire, Cap. I.)B. Crítica às consequênciasa) O erro de cálculoConsiderando as revoluções da humanidade, as vicissitudes dos impérios, as metamorfoses da propriedade, as inumeráveis formas da justiça e do direito, pergunto a mim mesmo...:É esta desigualdade de fortunas, em que toda a gente está de acordo em ver a causa das perturbações da sociedade, como alguns afirmam, o efeito da natureza? Ou, na verdade, na repartição dos produtos do trabalho e da terra, não haveria algum erro de cálculo? Recebe cada trabalhador tudo o que lhe é devido, e apenas o que lhe é devido? Numa palavra: nas condições actuais do trabalho, do salário e da troca, não há ninguém lesado? São os cálculos bem feitos? É justo o equilíbrio social?Começou então para mim o mais penoso dos inventários... Foi preciso... recusar pretensões absurdas, assimilar dividas fictícias, transacções fraudulentas e duplos empregos; foi preciso, para sair triunfante das patifarias, negar a autoridade dos costumes, submeter a exame a razão dos legisladores, combater a ciência pela própria ciência; depois, a vez terminadas todas estas operações, formular uma sentença de arbitragem.Afirmei então que todas as causas de desigualdade social se reduziam a três: 1.º) a apropriação gratuita das forças colectivas; 2.º) a desigualdade nas trocas; 3.º) o direito ao lucro ou à fortuna.E como esta tripla maneira de usurpar os bens de outrem constitui, essencialmente, o domínio da propriedade, neguei a legitimidade da propriedade e proclamei a sua identidade com o roubo. (2.ª Mémoire sur la proprieté.)b) A apropriação da força colectiva e da mais valia.O trabalhador conserva, mesmo depois de ter recebido o seu salário, um direito natural de propriedade sobre a coisa que produziu...Alguns operários estão empregados na secagem de determinado pântano, em arrancar-lhe as árvores e os silvados, numa palavra, em limpar o solo: eles acrescentam-lhe valor, fazem dele uma propriedade mais considerável; o valor que eles lhe acrescentam é-lhes pago através dos alimentos que lhes fornecem e das suas jornas que lhes pagam; a propriedade, essa, passa a pertencer ao capitalista.Este preço nao e o bastante: o trabalho dos operários criou um valor; ora, este valor é propriedade deles,. Mas eles nem o venderam, nem o trocaram; e você, capitalista, não o adquiriu.O capitalista, digamos, pagou as jornas dos perarios; para ser exacto, é preciso dizer que o capitalista pagou tantas vezes uma jorna quantos operarios empregou em cada dia, o que não é a mesma coisa. Porque, esta força imensa que resulta da união, e da harmonia dos trabalhadores, da convergêneia e da simultaneidade dos seus esforços, ele não a pagou. Duzentos trabalhadores puseram de pé, em algumas horas, sobre a base, o obelisco da Luqsor; alguém supõe que um só homem, em duzentos dias, teria chegado a consegui-lo? Contudo, a despesa do capitalista, a soma dos salários, teria sido a mesma...Nos dois casos, ele apropria-se do lucro da força colectiva... (Prem. Mémoire.)Em qualquer exploração, o empresário não pode reivindicar legitimamente, além do seu trabalho pessoal, senão a ideia; quanto à execução, resultante de numerosos trabalhadores., ela é uma consequência da força colectiva.Em consequêneia dos monopólios... o trabalhador colectivo tem que resgatar o seu próprio produto por um preço superior ao que esse produto custa... O trabalhador é enganado, tanto sobre o montante do seu salário como sobre os regulamentos... o progresso no bem-estar transforma-se, para ele, em progresso incessante na miséria... todas as noções de justiça comutativa são prevenidas e... a economia social, de ciência positiva... torna-se uma verdadeira utopia... O valor já não é uma concepção sintética, que serve para exprimir a relação entre um determinado objecto de utilidade e o conjunto da riqueza; o valor perde o seu carácter social, e já não é senão uma relação vaga, desfavorável... (Contr. Écon., Cap. VI.)Se, como se pretende, e como acordámos, o trabalhador for proprietário do valor que cria, segue-se:1.º) Que o trabalhador, ao adquirir a mercadoria, é em detrimento do proprietário ocioso.2.º) Que, sendo toda a produção necessariamente colectiva, o operário tem direito, na proporção do seu trabalho, à participação nos produtos e os lucros.3.º) Que, sendo todo o capital acumulado uma propriedade social, ninguém pode ter a propriedade exclusiva dele. (Qu’est-ce que la Prop.? Prem. Mémoire.) Milhões de homens venderam os seus braços e alienaram a sua liberdade sem conhecer o alcance do contrato. Eles executaram... tornaram-se, devido a esta colaboração, associados dentro da empresa. (Contr. Econ., Cap. VI.)Porquê? não há-de adquirir o caseiro, pelo trabalho, a terra que o trabalho adquiriu, outrora, para o proprietário ?...O caseiro, melhorando a terra, criou um valor novo na propriedade; portanto, ele tem direito a uma porção da propriedade...Admitindo então a propriedade como racional e legitima, admitindo a renda como equitativa e justa, digo que quem cultiva deve adquirir a propriedade, do mesmo modo que quem a desbrava e quem a melhora... (Prem. Mémoire.)O direito à mais-valia é um dos primeiros que o legislador deverá reconhecer, sob pena de revolta e, talvez, duma insurreição popular. (La Révolution au XIX Siécle, 5.º estudo.)Um outro meio de refrear a propriedade... seria fazer valer o direito social à mais-valia dos terrenos adquiridos por causas estranhas à acção dos proprietários... o direito da cidade à mais-valia dos terrenos para construção. (Cap. Pol., liv. II, Cap. X.)c) A propriedade, contraditória e contestadaA propriedade, como o Estado, está em plena metamorfose... (Manuel du Spéul., consid. finais.)Que faziam certos deputados, alguns dias antes de votarem a lei sobre as vendas judiciais? Conspiravam contra a propriedade. Com efeito, a sua, legislação sobre o trabalho das crianças nas fábricas bem poderá impedir o fabricante de fazer trabalhar uma criança além de tantas horas por dia; mas não forçará este a aumentar o salário dessas crianças, nem dos seus pais. Hoje, no interesse da higiene, diminui-se a existência da pobreza; amanhã, será preciso sustentá-la com um mínimo salarial. Mas, estabelecer um salário mínimo, é forçar a mão ao proprietário, é obrigar o patrão a aceitar o seu operário como associado, o que repugna ao direito à livre indústria, e torna obrigatório o seguro mútuo. Uma vez seguido este caminho, não se pára mais; pouco a pouco, o governo torna-se fabricante, comissionista, retalhista, só em relação à propriedade...Um ilustre economista propõe:- fixar, para cada profissão, uma unidade média de salários, variável segundo os tempos e os locais, e segundo dados certos. O objectivo desta medida seria, ao mesmo tempo, assegurar aos trabalhadores a sua subsistência e aos proprietários os seus lucros, obrigando estes últimos a ceder, pelo menos por prudência, uma parte dos seus lucros... Ora eu digo que esta parte, com o tempo, aumentará tanto que, finalmente, haverá igualdade de usufruto entre o proletário e o proprietário... A sua consequência necessária será a transformação do direito absoluto, segundo o qual nós vivemos num direito profissional...Os economistas... propõem associar o capital e o trabalho. Sabem o que isso significa? Por pouco que se aprofunde a doutrina, em breve nos apercebemos que nela se trata de absorver a propriedade, não por uma comunidade, mas por uma comandita geral e indissolúvel. De modo que a situação do proprietário já não diferiria da do operário, a não ser como conclusão de um estudo grosseiro do tema...A exposição que acabo de fazer está longe de abarcar todos os elementos políticos, todas as opiniões e tendências que ameaçam o futuro da propriedade; mas deve bastar para que, seja quem for, saiba generalizar os factos e deles deduzir a lei, a ideia que os domina... (2.ª Mémoire.)Filósofos, jurisconsultos, economistas, estadistas; teorias sobre a centralização, sobre a solidariedade industrial, a organização do trabalho, a sistematização do direito, a reforma hipotecária, a abolição progressiva das alfândegas, a repartição do imposto, etc., tudo enfim, homens e doutrinas, conspiram com o fim de restringir, modificar, transformar o antigo direito de propriedade. (Explic. sur le Dr. de Prop.)Para que, seja quem for, reflita sobre o que se passa, fica pois provado:1.º) Que o direito administrativo tende a absorver o direito civil;2.º) Que a propriedade individual, sempre deformante, passe a um estado particular de posse, de que a história oferece algumas analogias, mas não exemplos. (Avertissement aux Prop., 3.e mém.)2. - OUTRAS CRITICAS AO SISTEMA CAPITALISTAA. A sociedade anónimaConsiderem, sucessivamente, estes dois elementos de qualquer sociedade moderna, o accionista e o trabalhador.O accionista só tem, de facto, um direito: o direito de pagar, e, se houver lugar para isso, de ser pago. A gestão da empresa, a repartição dos salários, o controlo de tudo o que se faz com os seus dinheiros, não lhe dizem respeito. Os administradores podem dispor do que é dele, comprometê.-lo, arruiná-lo, que o accionista nada tem a ver com isso...O resultado de toda a sociedade de negócios é, antes de mais, a exploração dos accionistas.Encontrar-se-á assim o trabalhador mais bem tratado? Pelo contrário. Um patrão, por mais duro que o suponham, é, antes de tudo, um homem, capaz, como qualquer outro, de justiça e de sensibilidade...Dirigi-vos aos administradores. Que são eles, dentro do negócio? Assalariados como vós. Não têm poder para vos ouvir. Abandonais os estaleiros? Que lhes importa? Os riscos sao para a sociedade, não para os gerentes. E depois, o que é o operário de uma Companhia? Uma roda dentada duma máquina; menos que isso, um dente da engrenagem; menos que isso ainda, pois um dente partido pode parar o movimento geral, enquanto que não se dá pelo desaparecimento de um homem...Em que se transforma, na associação feita deste modo, a responsabilidade do trabalhador, garantia de uma execução rápida e de boa qualidade? E a sua individualidade, estimulante que o impulsiona ao aperfeiçoamento da sua condição?...Caminhamos para uma vasta sociedade anónima, em que as mais poderosas individualidade serão doravante assinaladas... por um número.Escravização do operário à máquina, do comanditário à ideia, eis o que é essa associação, tal como o individualismo a criou. (Mon. dun Spéc., 2ª parte, cap. I.)B. A ausência de um direito e de uma jurisdição económicosA hipocrisia dos nossos filantropos empenhou-se em procurar as causas do pauperismo:... essas cau sas reduzem-se a uma única: o direito económico violado por toda a parte. (Capac. Pol., liv. I cap. VII.)O direito social, ou, dizendo melhor, o direito económico... não está definido... Hoje, o direito económico é a própria ausência do direito ......É isto que constitui a contradição económica: deste modo, enquanto a anarquia económica existir e for considerada como a forma do direito económico, esta contradição será insolúvel. (Cap. Polit., concl.)Os nossos homens de leis, confinados no direito romano, remendado há cinquenta anos sob o nome de Código Civil, isolam-se cada vez mais do movimento. Os capítulos da Venda, da Doação, da Escravidão, da Hipoteca, da Prescrição são sempre, aos seus olhos, a Súmula do Saber...Assim, enquanto o principio da magistratura, envaidecido com máximas imobilistas, preconiza a excelência do Direito Civil, a proeminência do Tribunal Civil, a massa das transacções, toma cada vez mais um carácter comercial e, entregue à incerteza das definições mercantis, à contradição das teorias económicas, desespera a consciência do juiz e desafia a ciência do jurisconsulto.Forçada a obedecer à instigação vinda de cima, a magistratura esquece que, em matéria de legislação como em matéria de economia, conservar é melhorar, é reformar sem cessar; ela deixa-se invadir pela jurisdição consular, jurisdição sem doutrina, sem tradição, incapaz, por si própria, de discernir, a maior parte das vezes, o justo do injusto; e, mesmo quando prepara a sua falta de herdeiros, prepara a destruição da sociedade.A magistratura já não é uma força, a não ser de nome; está condenada a deixar fazer, porque lhe é proibido compreender... (Man. du Spéc., l.ª parte, cap. VII.)Onde está então a prova de que as alianças burguesas são mais desembaraçadas em esquivar-se ao conhecimento da justiça do que as alianças operárias ? Ainda que menos ruidosas, não são elas, pelos seus efeitos, em tudo tão evidentes, como as outras? Não têm por testemunhas todos os que sofrem em virtude delas, trabalhadores e consumidores? (Capac. Pol. des Cl. Ouvr., liv. 3, cap. IX.)Se quisermos poupar a sociedade a novas subversões, é preciso subverter a jurisprudência, quero dizer, reconstituí-la, com a ajuda de um novo direito administrativo, introduzindo-lhe o elemento económico.O nosso código civil tem que ser refeito, duma ponta à outra... Pode-se dizer o mesmo dos outros códigos... (Exjlic. sur le Dr. de Propr.)C. As contradições do valorA ideia fundamental, a categoria dominante da economia política, é o valor.O valor atinge a sua fixação positiva através de uma série de oscilações entre a oferta e a procura...O valor apresenta-se, sucessivamente, sob três aspectos: valor útil, valor permutável e valor sintético ou valor social.Em toda a parte em que o trabalho não foi sociabilizado, isto é, onde o valor não se determina sinteticamente, há perturbação e deslealdade nas trocas, guerra de astúcias e de emboscadas, obstáculos à produção, à circulação e ao consumo; trabalho improdutivo, ausência de garantias, espoliação, falta de solidariedade, indigência e luxo; mas, ao mesmo tempo, esforço do espírito social para conquistar a justiça e tendência constante para a associação e para a ordem. A economia política não é outra coisa senão a história desta grande luta. (Contr. Écon., Cap. III.)IIICRITICA AO COMUNISMO DOGM.ÃTICO1. - SENTIDO E ALCANCE DA CRITICAAos meus olhos, os comunistas só não têm razão no facto de usarem um nome segundo o qual o mundo teima em compreender ideias e projectos que eles próprios recusam.Quando, nesta obra, opondo a comunidade à propriedade, nos pronunciamos contra estes dois modos de sociedade simplista, é evidente que a nossa crítica não se dirige a homens que procuram ainda as suas fórmulas, e cujas ideias saem de todos os sistemas conhecidos de comunidade. (Création de 1'O., cap. IV.)Comunidade. - Não eserevo este capítulo para os comunistas, tanto os da França, como os da Alemanha. Os comunistas ainda não têm um sistema determinado; os comunistas são a favor de qualquer sistema que organize, o melhor possível, a produção e a repartição, assegurando a liberdade, a justiça e o bem-estar. Os comunistas estão comigo, embora eu não seja comunista, e estou com eles, porque, sem que eles o saibam, não são mais comunistas do que eu.Escrevo pois para os que têm necessidade de justificar teoricamente qualquer principio. Escrevo, enfim, para os socialistas investigadores e de espírito livre. Vou indagar se a comunidade, que no espírito de alguns compreende tudo, abrange tudo acode a tudo, ete., não é simplesmente - como a propriedade, o crédito, a concorrência, a divisão do trabalho uma das molas da máquina social. (Carnets, 2 de Outubro de 1845.)2. -CRITICA A COMUNIDADE INTEGRALUma vez desfeito o erro, admitindo, necessariamente, uma verdade contrária, não terminarei sem ter resolvido o primeiro problema da ciência política, que preocupa hoje todas as inteligências: Uma vez abolido a propriedade, que forma tomará a sociedade? Será a de comunidade? (Prem. Mémoire.)Se alguma vez um homem mereceu muito do comunismo, foi seguramente o autor do livro publicado em 1840, sob este titulo: «O que é a Propriedade?» Adversário da propriedade, mais que ninguém, tenho o direito de exprimir uma opinião sobre a possibilidade duma organização comunista. Concordemos então com factos e termos, e procedamos por ordem...A. A ideia de comunidadeO sol, o ar e o mar são comuns; o usufruto destes objectos apresenta o mais elevado grau de comunismo possível. Ninguém pode implantar neles marcos, dividi-los e delimitá-los... Resulta pois, desta primeira observação, uma coisa preciosa para a ciência: que a propriedade é tudo o que se define; a comunidade tudo o que não se define...Os grandes trabalhos da humanidade participam deste carácter económico das forças da natureza. O uso das estradas, das praças públicas, das igrejas, museus, bibliotecas, etc., é comum. Os encargos com a sua construção são feitos em comum, ainda que a repartição desses encargos esteja longe de ser igual, contribuindo cada um para ela, precisamente, na razão inversa da sua fortuna. Por onde se vê, coisa preciosa a notar, que igualdade e comunidade não são a mesma coisa...Num restaurante, em que abancam cem pessoas, os comensais estão em contacto e no entanto permanecem isolados.Donde, deduzo este principio: a comunidade que só atende à matéria, não é uma comunidade. Para eu alcançar o comunismo basta que não me separe mentalmente do que me rodeia...Resumindo, a comunidade apodera-se de nós na origem, e impõe-se-nos fatalmente, tal como as grandes forças da natureza. Quanto à sua essência, a comunidade opõe-se à definição; ela não é a mesma coisa que igualdade; ela não atende nunca à matéria, e depende totalmente do livre arbítrio...O importante, para nós, é ver bem como oscila a vida social entre os seus extremos: a propriedade e a comunidade.B. O plano autoritárioNa fase a que chegámos, o comunismo aparece para pôr em situação critica a propriedade. O comunismo reproduz, pois, mas através duma posição inversa, todas as contradições de economia política. O seu segredo consiste em substituir o indivíduo pelo homem colectivo, em cada uma das funções sociais, produção, troca, consumo, educação, família. A utopia comunista, saída do fundamento económico do Estado, é a contraprova da rotina egoísta e proprietária...Numa comunidade bem organizada, deverá conhecer-se com exactidão, e para toda a espécie d produtos, as necessidades de consumo e os limite da produção... Cada associação industrial deve então fornecer um contingente proporcional ao seu pessoal e aos seus meios, descontando os sinistros e as avarias; reciprocamente, cada manufactura e cada corpo do Estado receberá, dos outros centros de produção fornecimentos de todo o gênero, calculados proporcionalmente às suas necessidades. Tal é a condição sine qua non do trabalho e do equilíbrio...Deste modo, teremos de estabelecer, pelo menos para as fábricas, associações, cidades e províncias, uma contabilidade. Por que não se há-de aplicar esta contabilidade, pura expressão da justiça, aos indivíduos, tal como às massas? Por que não há-de descer a repartição, começada nas grandes corporacões do Estado, até às pessoas?...A comunidade, dizeis vós, cai sobre as coisas, não sobre as pessoas. A comunidade estabelece-se entre estas, pelo uso dos mesmos objectos.C. A ditaduraSerá preciso seguir as normas, e, para conservar a vida comum, abolir a vida privada?... mas, lembro-vos que então a comunidade passa das coisas às pessoas...Deveria acaso ser abolida a liberdade individual, em nome da liberdade geral, a qual se compõe da soma das liberdades individuais? Qual seria o motivo desta abolição?Como assegurar a eficácia do trabalho e a equidade do rendimento, sem responsabilidade, e, consequentemente, sem liberdade individual?A divisão do trabalho é anti-comunista, naquilo em que ela adapta a um grau, tão fraco quanto se queira, as funções a grupos e os grupos a indivíduos.Seja o que for que ela faça, a comunidade está condenada a morrer; só tem que escolher entre abdicar, nas mãos da justiça, ou criar, a coberto da fraternidade, o despotismo do número, em lugar do despotismo da força...De todos os seus preconceitos, aquele que os comunistas mais acarinham é a ditadura. Ditadura da indústria, ditadura do comércio, ditadura do pensamento, ditadura na vida social e na vida privada, ditadura por toda a parte: tal é o dogma...A revolução social, M. Cabet não a concebe como efeito possível do desenvolvimento das instituições e do concurso das inteligências. É-lhe preciso um homem. Depois de ter suprimido todas as vontades individuais, ele concentra-as numa individualidade suprema, que exprime o pensamento colectivo, e que, como o motor imóvel de Aristóteles, dá livre curso a todas as actividades subalternas. Deste modo, pelo simples desenvolvimento da ideia, é-se invencivelmente levado a concluir que o ideal da comunidade é o absolutismo. Assim, o que é a comunidade? É a ideia económica do Estado, levada até à absorção da personalidade e da iniciativa individual... (Contr. Écon., cap. XII, 1846.)3. - A CAMINHO DE UMA PROPRIEDADE SOCIALIZADANão devo dissimular que, além da propriedade ou da comunidade, ninguém concebeu uma sociedade possível: este erro, inteiramente deplorável, tornou a vida fácil à propriedade.Coisa singular! A comunidade sistemática, negação reflectida da propriedade, é concebida sob a influência directa do preconceito da propriedade; e é a propriedade que se encontra na base de todas as teorias dos comunistas.Os membros duma comunidade, isto é verdade, não têm nenhum bem próprio; mas a comunidade é proprietária, e proprietária não só dos bens, mas também das pessoas e das vontades.Tudo o que se imaginasse para conciliá-la com as exigências da razão individual e da vontade, só conduziria a mudar a coisa conservando o nome; ora, se procuramos a verdade de boa fé, devemos evitar as disputas de palavras...A comunidade, primeiro modo, primeira determinação da sociabilidade, é o primeiro marco do desenvolvimento social, a tese; a propriedade, expressão contraditória da comunidade, constitui o segundo marco, a antítese. Falta descobrir o terceiro marco, a síntese, e teremos a solução procurada.A esta terceira forma de sociedade, síntese da comunidade e da propriedade, dar-lhe-emos o nome de liberdade. (Qu’est-ce que la Prop.?, cap. V.)4. - PARA UM SOCIALISMO LIBERAL E REALISTACarta a Karl MarxCaro senhor Marx: consinto, de boa vontade, em vir a ser um dos términus da sua correspondência, cujo objectivo e organização me parecem ser muito úteis...Tomarei, entretanto, a liberdade de pôr algumas reservas, que me são sugeridos por diversas passagens da sua carta.Em primeiro lugar, ainda que as minhas ideias, no que respeita a organização e a realização, sejam, neste momento, completamente determinadas, pelo menos em relação aos princípios, creio que é meu dever, que se tornou dever de todo o socialista, conservar por algum tempo ainda a forma antiga ou dubitativa, numa palavra, professo, como o público, de um anti-dogmatismo económico quase absoluto.Procuremos em conjunto, se quiser, as leis da sociedade, o modo como essas leis se realizem, o desenvolvimento segundo o qual conseguiremos descobri-las; mas, por Deus! depois de termos demolido todos os dogniatismos a priori, não pensemos nós em doutrinar o povo; não caiamos na contradição do seu compatriota Martin Luther, que, depois de ter arrasado a teologia católica, começou imediatamente, à força de excomunhões e anátemas, a criar uma teologia protestante... Uma vez que estamos à cabeça do movimento, não nos tornemos chefes de uma nova intolerância, não nos apresentemos como apóstolos de uma nova religião, mesmo que seja a religião da lógica, a religião da razão. Acolhamos, encorajemos todos os protestos; desanimemos todas as exclusões, todos os misticismos; não consideremos nunca uma questão como esgotada, e, quando tivermos usado até ao nosso último argumento, recomecemos, se for preciso, com eloquência e ironia.Com esta condição, entrarei, com prazer, na sua associação; caso contrário, não!Tenho também uma observação a fazer-lhe sobre aquela frase da sua carta: «no momento de acção». Talvez que você ainda conserve a opinião de que actualmente nenhuma reforma é possível sem um golpe repentino, sem aquilo que outrora se chamava uma revolução, e que não é, muito ingenuamente, senão uma sacudidela...Apresento, a mim próprio, assim o problema: fazer regressar à sociedade, por uma combinação económica, as riquezas que sairam da sociedade por uma outra combinação económica. Noutros termos: transformar em economia política a teoria da propriedade, contra a propriedade, de maneira a criar aquilo a que os socialistas alemães chamam comunidade, e a que eu me cingírei, de momento, a chamar liberdade, igualdade...Eis, meu caro filósofo, a minha posição, no momento actual; sujeito-me a estar em erro, e, se merecer palmatoadas da sua mão, a isso me submeterei de boa vontade, esperando a minha desforra...Em suma, seria, em minha opinião, de má politica para nós, falar em exterminadores; os meios rigorosos aparecerão em número suficiente: para isso o povo não tem necessidade de nenhuma exortação!...(Carta a K. Marx, 17 de Maio de 1846)