PROUDHON: DA ARTE E DO SEU DESTINO SOCIAL
1. Introdução à questão
Proudhon introduz a sua tomada de posição sobre arte rejeitando que os artistas estejam em condições de responder por eles próprios e de justificarem as suas obras.
Responder a quem? Justificar o quê? Eis o que não tocaria o espírito dum esteta. Logo à primeira vista, Proudhon coloca pois uma relação entre a arte e a reflexão, entre a a arte e a sociedade. Como é que aquele que se diz desprovido de intuição estética, pode ter tido estas preocupações, o que é que pode dar interesse hoje a estas reflexões.
O problema é claramente estabelecido desde o princípio por Proudhon: “ A arte é acessória, não é primeira primordial. (...) O que o é na alma humana, são a consciência e a ciência, a consciência é a ideia de justiça, a ciência é a verdade.”
2.A arte ao serviço da moral e da ciência
Entrevemos aqui um primeiro ponto importante: se Proudhon é suficientemente realista para pensar a arte como uma função auxiliar, acusa o essencial para ele do espírito humano de ideais tocando uma apreciação de equilíbrio e de harmonia. Mais exactamente, pensa que existem leis próprias às coisas deste mundo, que a nossa consciência e a nossa ciência devem reencontrar. è aqui que a arte pode intervir, na medida em que lhe pertence redescobrir estas leis escondidas da realidade. Nesta tarefa, a arte não serviria que os princípios próprios da moral e da ciência e não poderia declarar-se independente “das noções de justiça e de virtude”. Tudo isto lembra Diderot admirando os quadros de Greuze para a lição de bela moralidade que poderíamos aí encontrar. Como este último, Proudhon é fiel à doutrina clássica que apresenta a arte como a imitação “ideal” da natureza. O artista não inventa, revela: a obra é um instrumento de elucidação. Mas onde Proudhon inova, é nesta consciência histórica que tem mais aguçada que o seu predecessor: a representação idealista da natureza tende “ao perfeiçoamento físico e moral da nossa espécie.”
3. Uma arte social
Se a ideia de perfeiçoamento moral se pode entender facilmente, a do perfeiçoamento físico deixa perplexo...Tudo se esclarece logo que Proudhon associa à ideia de auxiliar da justiça e da virtude, a indústria à arte.Este perfeiçoamento físico, é concerteza a transformação do que nos rodeia. Mas podemos perguntar a estes progressos de sempre seguir as leis da natureza das coisas?
Passamos sem quase nos apercebermos a um outro nível: as leis a seguir não são mais as da natureza, mas as da sociedade. De representação ideal da realidade, a arte tornou-se uma arte social.
Após alguns ataques sobre a pretensão inadmissível duma arte que se pensaria livre e independente duma “ missão social, política, religiosa...”, Proudhon acaba por reflectir sobre a excelência da “comunidade dos pensamentos” que o constitue. Aí onde a arte toma todo o seu sentido, é aí onde ele transcende o nível individual, aí onde ele representa “uma força de colectividade”. Para levar a bem esta transcendência, convem que a mensagem veiculada seja única e constante, assunto de dispersões e de inutilidades variadas. O que o artista deve exprimir, é antes de tudo “ a consciência do seu século”. E vimos quase a ofuscar-nos desta possibilidade que poderia suceder a Proudhon pensar a uma consciência actual “organizada” suficientemente para poder exprimir-se dum só bloco!
Dito isto, voltemos aos nossos artistas que, para Proudhon, devem ser no sentido forte do termo, humanistas “ em comunicação de ideias e princípios com todos os seus contemporâneos”. Deixando de lado a invectiva feita àquele que se pretendia dum movimento artístico de preferência que “do seu tempo e do seu país”, vimos espantar-nos do desejo precedente de aperfeiçoamento da sociedade pela arte. Como é que isso poderia ser possível se a arte se contentava em caminhar em uníssuno com a sua época? Proudhon responde-nos pelo seu desejo “de conciliar a arte com o justo e o útil ”.
4. Um aperfeiçoamento da sociedade pela arte.
Eis o interesse deste discurso: tende a dar à estética o que justamente ela sempre rejeitou validar. Vemos agora como é possível conceber o aperfeiçoamento da sociedade pela arte. Isso não tem nada a ver com novas representações mais “verdadeiras” que “natureza” que a arte poderia enfim dar à sociedade, mas com esta nova função que o filósofo tem a tendência a marcar-lhe: um papel de servidor competente e inteligente, capaz de apreender os desejos e as necessidades dos mestres mesmo antes de serem expressas. A exemplo do estilo afectado, o servidor toma consciência dos sentimentos e dos pensamentos do mestre antes deste mesmo, e pode deste modo levar estes trabalhos a um feliz desenlace. Proudhon notá-lo-à dizendo-nos que o aretista “não faz mais que apanhar relações, analisar figuras, combinar traços...”Deixando ao seu autor a responsabilidade da sua altiva restrição “ prosseguimos o seu pensamento estimando que o único mérito do artista reside na sua maior ou menor capacidade de observação. Rebaixar-se ao mesmo nível que o industrial por esta capacidade, o artista não pode tirar prestígio e nobreza que na vontade que manifesta de servir a sociedade... ou a moral, acrescenta Proudhon, como se estas duas entidades pudessem ser assimiláveis!
Em última instância, Proudhon não será daqueles para quem “ o valor não aguarda o número dos anos”. Para ele, o artista, o verdadeiro artesão, deverá “ antes de poder falar em público”, trabalhar, “mergulhar nos trabalhos mecânicos e nos negócios antes de se entregar à arte após os 40 ou 45 anos completos...”
De maneira evidente, será após ter sido produzido pela sociedade que poderá misturar-se de “reproduzir” a criação da qual foi mais o objecto que o sujeito. Como se admirar que para Proudhon “ a questão do conteúdo prima sobre a da forma?” Isso pode parecer menos ingénuo que o que se pensa se as coisas se passam segundo os seus votos. Com efeito, em cada país, em cada época, não existiria mais que uma única forma possível, duplicável da sociedade existente.
Resta, todavia, certas coisas que permanecem próprias à arte.Esta faculdade, por exemplo, “ de nos fazer apreender um pensamento, um sentimento numa forma.” O artista de talento é capaz, através das suas obras, “ fazer passar na alma dos outros o sentimento que experimenta.” A arte regressa sobre este ponto a um nível individual. E, na medida em que pode ser individual, Proudhon vislumbra que pode ser percursor. Igualmente dependente deveria ser a toda a hora da sociedade, igualmente independente o artista deve ser das academias e das escolas artísticas. É nesta nova liberdade permitida que o criador como o seu público encontrarão a impressão e o prazer estético. O problema da forma prima aqui sobre o conteúdo. Ela deve ser forte e nova “ sem ir até à fantasia”. A arte deve sempre lembrar-se que está presente para servir, não propriamente sobre este ponto, directamente a sociedade, mas a ideia de “razão moderna”. O que preconiza Proudhon, é simplesmente isentarem-se as correntes e os géneros para se aplicar a pensar e a reproduzir as suas próprias ideias para ele próprio.
5. O conteúdo e a forma.
Não podemos deixar de elogiar Proudhon pela excelência dos seus princípios, perguntando-nos como é que isso se pode associar a esta expressão da sociedade à pouco reivindicada como incontornável. A solução não tardará. Fora da sujeição às normas artísticas, as regras encontradas pela arte, através da própria sociedade, são princípios de liberdade.
Apesar de tudo não é assim tão simples. A beleza associada à inteligência quer que se seja crítico. Se a sociedade possui de maneira inata o sentido de justiça, que ela seja como o vimos reencontrar e recriar-se neste espírito. O artista está aí para ajudar criando a sua parte de humanidade, a golpes de “reformas justificadas, úteis e necessárias”. O princípio de base permanecendo o destino social da arte.
Pode tudo isto algum sentido hoje? É verdade que muitos artistas recusaram a ideia de dependência da arte à sociedade, pelo menos ao nívelda virtude e da utilidade pedidas pelo “Pai da Anarquia”. É igualmente certoque cada um de nós pensa na sociedade actual como uma estrutura múltipla e estilhaçada. Mas o ponto mais fraco da argumentação de Proudhon permanece como sendo esta ideia de leis agarradas à realidade das coisas, podendo servir de modelo à justiça social.
Toda a sua concepção do que existe de inato no homem, ou na sociedade, coloca-o em falso no seu desejo de reformas em matéria de novidades artísticas mais utópicas que revolucionárias. Pensamos na nostalgia dos paraísos perdidos baudelairianos. Pelo menos, este último procurava a sua salvação na beleza, o que está bem longe da arte empenhada que deseja Proudhon. Ter-se-à esquecido que a obra de conteúdo é muitas vezes de má qualidade, e isso porque se trata justamente de privilegiar o conteúdo sobre a forma.
O que subsiste de mais precioso nesta demonstração é seguramente o que permite a Proudhon de se interessar pela arte estando, como o dissemos, desprovido de sensibilidade artística; a saber a parte de humanidade que aí encontra. É sobre este ponto que podemos encontrar uma coerência e uma actualidadeà sua teoria da arte. Se um artista não deve necessariamente transmitir uma mensagem à sociedade, deve pelo menos possuir um outro fim que o da arte pela arte. O público pode-lhe pedir, pelo menos, de amar suficientemente o homem para ter o desejo de lhe oferecer uma visão cada vez mais ampla do mundo. Chegar a dar-lhe um sentido é uma outra história...
1. Introdução à questão
Proudhon introduz a sua tomada de posição sobre arte rejeitando que os artistas estejam em condições de responder por eles próprios e de justificarem as suas obras.
Responder a quem? Justificar o quê? Eis o que não tocaria o espírito dum esteta. Logo à primeira vista, Proudhon coloca pois uma relação entre a arte e a reflexão, entre a a arte e a sociedade. Como é que aquele que se diz desprovido de intuição estética, pode ter tido estas preocupações, o que é que pode dar interesse hoje a estas reflexões.
O problema é claramente estabelecido desde o princípio por Proudhon: “ A arte é acessória, não é primeira primordial. (...) O que o é na alma humana, são a consciência e a ciência, a consciência é a ideia de justiça, a ciência é a verdade.”
2.A arte ao serviço da moral e da ciência
Entrevemos aqui um primeiro ponto importante: se Proudhon é suficientemente realista para pensar a arte como uma função auxiliar, acusa o essencial para ele do espírito humano de ideais tocando uma apreciação de equilíbrio e de harmonia. Mais exactamente, pensa que existem leis próprias às coisas deste mundo, que a nossa consciência e a nossa ciência devem reencontrar. è aqui que a arte pode intervir, na medida em que lhe pertence redescobrir estas leis escondidas da realidade. Nesta tarefa, a arte não serviria que os princípios próprios da moral e da ciência e não poderia declarar-se independente “das noções de justiça e de virtude”. Tudo isto lembra Diderot admirando os quadros de Greuze para a lição de bela moralidade que poderíamos aí encontrar. Como este último, Proudhon é fiel à doutrina clássica que apresenta a arte como a imitação “ideal” da natureza. O artista não inventa, revela: a obra é um instrumento de elucidação. Mas onde Proudhon inova, é nesta consciência histórica que tem mais aguçada que o seu predecessor: a representação idealista da natureza tende “ao perfeiçoamento físico e moral da nossa espécie.”
3. Uma arte social
Se a ideia de perfeiçoamento moral se pode entender facilmente, a do perfeiçoamento físico deixa perplexo...Tudo se esclarece logo que Proudhon associa à ideia de auxiliar da justiça e da virtude, a indústria à arte.Este perfeiçoamento físico, é concerteza a transformação do que nos rodeia. Mas podemos perguntar a estes progressos de sempre seguir as leis da natureza das coisas?
Passamos sem quase nos apercebermos a um outro nível: as leis a seguir não são mais as da natureza, mas as da sociedade. De representação ideal da realidade, a arte tornou-se uma arte social.
Após alguns ataques sobre a pretensão inadmissível duma arte que se pensaria livre e independente duma “ missão social, política, religiosa...”, Proudhon acaba por reflectir sobre a excelência da “comunidade dos pensamentos” que o constitue. Aí onde a arte toma todo o seu sentido, é aí onde ele transcende o nível individual, aí onde ele representa “uma força de colectividade”. Para levar a bem esta transcendência, convem que a mensagem veiculada seja única e constante, assunto de dispersões e de inutilidades variadas. O que o artista deve exprimir, é antes de tudo “ a consciência do seu século”. E vimos quase a ofuscar-nos desta possibilidade que poderia suceder a Proudhon pensar a uma consciência actual “organizada” suficientemente para poder exprimir-se dum só bloco!
Dito isto, voltemos aos nossos artistas que, para Proudhon, devem ser no sentido forte do termo, humanistas “ em comunicação de ideias e princípios com todos os seus contemporâneos”. Deixando de lado a invectiva feita àquele que se pretendia dum movimento artístico de preferência que “do seu tempo e do seu país”, vimos espantar-nos do desejo precedente de aperfeiçoamento da sociedade pela arte. Como é que isso poderia ser possível se a arte se contentava em caminhar em uníssuno com a sua época? Proudhon responde-nos pelo seu desejo “de conciliar a arte com o justo e o útil ”.
4. Um aperfeiçoamento da sociedade pela arte.
Eis o interesse deste discurso: tende a dar à estética o que justamente ela sempre rejeitou validar. Vemos agora como é possível conceber o aperfeiçoamento da sociedade pela arte. Isso não tem nada a ver com novas representações mais “verdadeiras” que “natureza” que a arte poderia enfim dar à sociedade, mas com esta nova função que o filósofo tem a tendência a marcar-lhe: um papel de servidor competente e inteligente, capaz de apreender os desejos e as necessidades dos mestres mesmo antes de serem expressas. A exemplo do estilo afectado, o servidor toma consciência dos sentimentos e dos pensamentos do mestre antes deste mesmo, e pode deste modo levar estes trabalhos a um feliz desenlace. Proudhon notá-lo-à dizendo-nos que o aretista “não faz mais que apanhar relações, analisar figuras, combinar traços...”Deixando ao seu autor a responsabilidade da sua altiva restrição “ prosseguimos o seu pensamento estimando que o único mérito do artista reside na sua maior ou menor capacidade de observação. Rebaixar-se ao mesmo nível que o industrial por esta capacidade, o artista não pode tirar prestígio e nobreza que na vontade que manifesta de servir a sociedade... ou a moral, acrescenta Proudhon, como se estas duas entidades pudessem ser assimiláveis!
Em última instância, Proudhon não será daqueles para quem “ o valor não aguarda o número dos anos”. Para ele, o artista, o verdadeiro artesão, deverá “ antes de poder falar em público”, trabalhar, “mergulhar nos trabalhos mecânicos e nos negócios antes de se entregar à arte após os 40 ou 45 anos completos...”
De maneira evidente, será após ter sido produzido pela sociedade que poderá misturar-se de “reproduzir” a criação da qual foi mais o objecto que o sujeito. Como se admirar que para Proudhon “ a questão do conteúdo prima sobre a da forma?” Isso pode parecer menos ingénuo que o que se pensa se as coisas se passam segundo os seus votos. Com efeito, em cada país, em cada época, não existiria mais que uma única forma possível, duplicável da sociedade existente.
Resta, todavia, certas coisas que permanecem próprias à arte.Esta faculdade, por exemplo, “ de nos fazer apreender um pensamento, um sentimento numa forma.” O artista de talento é capaz, através das suas obras, “ fazer passar na alma dos outros o sentimento que experimenta.” A arte regressa sobre este ponto a um nível individual. E, na medida em que pode ser individual, Proudhon vislumbra que pode ser percursor. Igualmente dependente deveria ser a toda a hora da sociedade, igualmente independente o artista deve ser das academias e das escolas artísticas. É nesta nova liberdade permitida que o criador como o seu público encontrarão a impressão e o prazer estético. O problema da forma prima aqui sobre o conteúdo. Ela deve ser forte e nova “ sem ir até à fantasia”. A arte deve sempre lembrar-se que está presente para servir, não propriamente sobre este ponto, directamente a sociedade, mas a ideia de “razão moderna”. O que preconiza Proudhon, é simplesmente isentarem-se as correntes e os géneros para se aplicar a pensar e a reproduzir as suas próprias ideias para ele próprio.
5. O conteúdo e a forma.
Não podemos deixar de elogiar Proudhon pela excelência dos seus princípios, perguntando-nos como é que isso se pode associar a esta expressão da sociedade à pouco reivindicada como incontornável. A solução não tardará. Fora da sujeição às normas artísticas, as regras encontradas pela arte, através da própria sociedade, são princípios de liberdade.
Apesar de tudo não é assim tão simples. A beleza associada à inteligência quer que se seja crítico. Se a sociedade possui de maneira inata o sentido de justiça, que ela seja como o vimos reencontrar e recriar-se neste espírito. O artista está aí para ajudar criando a sua parte de humanidade, a golpes de “reformas justificadas, úteis e necessárias”. O princípio de base permanecendo o destino social da arte.
Pode tudo isto algum sentido hoje? É verdade que muitos artistas recusaram a ideia de dependência da arte à sociedade, pelo menos ao nívelda virtude e da utilidade pedidas pelo “Pai da Anarquia”. É igualmente certoque cada um de nós pensa na sociedade actual como uma estrutura múltipla e estilhaçada. Mas o ponto mais fraco da argumentação de Proudhon permanece como sendo esta ideia de leis agarradas à realidade das coisas, podendo servir de modelo à justiça social.
Toda a sua concepção do que existe de inato no homem, ou na sociedade, coloca-o em falso no seu desejo de reformas em matéria de novidades artísticas mais utópicas que revolucionárias. Pensamos na nostalgia dos paraísos perdidos baudelairianos. Pelo menos, este último procurava a sua salvação na beleza, o que está bem longe da arte empenhada que deseja Proudhon. Ter-se-à esquecido que a obra de conteúdo é muitas vezes de má qualidade, e isso porque se trata justamente de privilegiar o conteúdo sobre a forma.
O que subsiste de mais precioso nesta demonstração é seguramente o que permite a Proudhon de se interessar pela arte estando, como o dissemos, desprovido de sensibilidade artística; a saber a parte de humanidade que aí encontra. É sobre este ponto que podemos encontrar uma coerência e uma actualidadeà sua teoria da arte. Se um artista não deve necessariamente transmitir uma mensagem à sociedade, deve pelo menos possuir um outro fim que o da arte pela arte. O público pode-lhe pedir, pelo menos, de amar suficientemente o homem para ter o desejo de lhe oferecer uma visão cada vez mais ampla do mundo. Chegar a dar-lhe um sentido é uma outra história...
<< Home