Saturday, January 13, 2007

ANTOLOGIA PROUDHONIANA Parte IV
III
A ESTRUTURAÇÃO FEDERATIVAORGANIZAÇÃO DUM ESTADO LIVRE1. - A POSIÇÃO DO PROBLEMA POLITICOComo escolher,... entre a propriedade e a comunidade, o federalismo e a centralização, o governo directo do povo e a ditadura, o sufrágio universal o direito divino? Questões tanto mais difíceis, quand nos faltam exemplos de legisladores e de sociedade que tomaram como regra um ou outro destes princípios, e quando todos os contrários encontram, igualmente, a sua justificação na história.Tomem, para lei dominante da República, seja propriedade, como os Romanos, ou a comunidade, como Licurgo, ou a centralização, como Richelieu, ou o sufrágio universal, como Rousseau; qualquer que seja o princípio que escolherem, desde que no vosso pensamento ele tenha prioridade sobre todos os outros, o vosso sistema está errado. Há um tendência fatal para a absorção, para a depuração, para a exclusão, para o imobilismo, em direcção ruína. Não há uma revolução na humanidade que não possa ser explicado, com facilidade, por esse meio...Tal é, pois... a regra da nossa conduta e dos nossos juizos: toda a doutrina que aspira secretamente à prepotência e à imutabilidade... que se lisonjeia por dar a última fórmula da liberdade da razão, que... esconde, nas pregas da sua dialéctica, a exclusão e a intolerância... é mentirosa e funesta...Se, pelo contrário, admitirem, em principio, que toda a realização, na sociedade e na natureza, resulta da combinação de elementos opostos e do seu movimento, a vossa conduta está bem traçada... : toda a proposição que tem por fim... procurar uma combinação mais íntima... é um progresso... (Philos. du Prog., cap. I.)A. Posição filosófica: «a anarquia», soberania do direitoQue forma de governo vamos preferir?- Oh; pode perguntá-lo, responde, sem dúvida, qualquer dos meus mais jovens leitores; você é republicano.- Republicano, sim. Res publica, é a coisa pública, ou: todo aquele que quer a coisa pública, qualquer que seja a forma de governo, pode dizer-se republicano. Os reis são também republicanos.-Pois bem, você é democrata? - Não!...-Então, que é você?- Sou anarquista!- Entendo-o: você faz sátiras, dirigidos ao governo.-De modo nenhum: acabou de ouvir a minha profissão de fé, séria e maduramente reflectida; embora muito amigo da ordem, sou, com toda a força do termo, anarquista... O sentido vulgarmente atribuído à palavra anarquia é a ausência de princípios, a ausência de regras, dai que fizessem essa palavra sinónimo de desordem...A sociedade procura a ordem na anarquia.Anarquia, ausência de patrão, de soberano: tal é a forma de governo de que nos aproximamos todos os dias.A soberania da vontade cede perante a soberania da razão, e acabrá por se aniquilar num socialismo científico...A liberdade é anarquia, porque ela não admite o governo da vontade, mas somente a autoridade da lei. (Qu'est-ce que la Prop.? 1ª memória, cap. V.)A república é uma anarquia positiva... é a liberdade reciproca e não a liberdade limitada; a liberdade, não filha da ordem, mas mãe da ordem. (Sol. du Probl. social.)B. Posição prática: o contrato federativo, base dum governo democráticoUm facto, que eu não tentarei amesquinhar, é o de que a sociedade, a julgar pelas aparências, nas pode privar-se de governo. Nunca se viu uma nação, por pouco civilizada que fosse, privada deste órgão essencial. Por toda a parte, a força pública é proporcional à civilização; ou, se preferirem, a civilização é proporcional ao seu governo. Sem governo, soas, nem liberdade, nem propriedade, nem segurança; para as nações, nem riqueza, nem moralidade, nem progresso. O governo é, ao mesmo tempo, o escudo que protege, a espada que vinga, a balança que determina o direito, o olho que vigia. À menor perturbação, a sociedade contrai-se e agrupa-se em volta do seu chefe; a multidão só espera dele a sua saudação; os mais ousados contra toda a disciplina invocam-no, eles próprios, como uma divindade presente, omnipotente.Tais palavras na minha boca, não são suspeitas, e é de tomar em consideração, para o futuro, esta concessão decisiva. A anarquia, segundo o testemunho constante da história, já não tem aplicação na humanidade, a não ser a desordem no universo... (Justice, l’État.)Acontece, tanto em relação ao governo como à propriedade... tomado em si próprio, é estranho ao direito... é um instrumento de força...O problema consiste pois em, depois preparado o terreno económico, tornar o governo capaz de aplicar a Justiça, libertando-o assim da fatalidade e do arbitrário: tal é o objectivo da revolução. (Justice, l’État.)É preciso suprimir, numa palavra, tudo o que resta de divino no governo da sociedade e reconstruir o ediflcio debaixo da ideia humana do contrato... Então, se o contrato que faço com alguns, eu pudesse fazê-lo com todos; se todos o pudessem renovar entre si; se cada grupo de cidadãos, comuna, cantão, departamento, etc. formado com base num contrato semelhante e considerado como pessoa moral, pudesse em seguida, e sempre nos mesmos termos, tratar com cada um dos outros grupos e com todos, isso seria exactamente como se a minha vontade se repetisse até ao infinito. Então, eu estaria seguro de que a lei, assim estendida a todos os pontos da República, sob milhões de iniciativas diferentes, nunca seria outra coisa senão a minha lei, e de que, se esta nova ordem das coisas fosse chamada governo, esse governo seria o meu. (La Rév. ao XIXE siècle, 4.º estudo.)Para que o contrato político preencha a condição bilateral e comutativa que a ideia de democracia sugere, é preciso que o cidadão... 1.º, tenha tanto a receber do Estado como o que se sacrifica por ele; 2.º, conserve toda a sua liberdade, a sua soberania e a sua iniciativa, menos no que é relativo ao objectivo especial para o qual o contrato foi formado, e que é garantido pelo Estado. Assim regulamentado e compreendido, o contrato político é o que se chama uma federação...Neste sistema, os contratantes, chefe de família, comuna, cantão, província garantem para si mais direitos, liberdade que não abandonam. (Princ. Fédér., l.ª parte, cap. VII.)C. Condições para uma república democrática e socialSó há direito ao trabalho com uma transformação da propriedade; como, república digna deste nome, só há a república democrática e social.... Se lhe tirarem o socialismo, a vossa república tornar-se-á o que foram todas as repúblicas: burguesa, feudal, individualista, com tendência para o despotismo e para a reconstituição das castas: numa lavra - insocial. (Droit au Trav. et à la Propr.)A república é a forma de governo para a qual tende a humanidade. Podemos defini-la: um governo no qual o direito e a liberdade desempenham o papel principal, em oposição a todas as outras formas de governo, baseadas na preponderância da autoridade e da razão do Estado. Desta definição, podemos concluir que a república não existe ainda em parte alguma, e que ela nunca existiu.Para estabelecer o governo republicano na sua verdade, cinco condições são requeridas:1.º Definição do direito económico;2.º Equilíbrio das forças económicas, formação dos grupos agrícolo-industriais, organização dos serviços de utilidade pública (crédito, desconto, circulação, estaleiros, etc.) de acordo com o principio de mutualidade, e de gratuidade ou preço de revenda;3.º Garantias políticas: liberdade de imprensa e de tribuna, iniciativa parlamentar, publicidade de controlo; extensão do júri, liberdade de reunião e de associação, inviolabilidade da pessoa, do domicilio, do segredo das cartas: separação completa entre a justiça e o governo;4.º Descentralização administrativa, ressurreição da vida comunal e provinciana;5.º Cessação do estado de guerra, demolição das fortalezas e abolição dos exércitos permanentes.Nestas condições, o princípio da autoridade tende a desaparecer; o Estado, a coisa pública, res publica, está assente sobre a base, para sempre inabalável, do direito e das liberdades locais, associativas e individuais, do exercício das quais resulta a liberdade nacional... (Justice, L’État.)2. - UM MÉTODO EXPLORADOR:A ANALISE SÓCIO-POLITICAÉ preciso mudar de método. A ciência política não pode ser... senão um ramo da ciência social... Nós concebemos a priori que, sendo o homem um ser moral e livre, vivendo em sociedade e submetido à justiça, na sociedade não pode deixar de se constituir uma ordem, isto é, de haver um governo...(Contr. Pol., cap. III.)A política, na sua expressão pura ... é o direito imanente da sociedade, a sua ordem interior; numa palavra: a sua economia. Esta política... liberta-se das relações sociais e das revelações da história. (Rév. Sociale, cap. IX.)O organismo político, tanto em cada uma das fases ou fonnas que o compõem como no seu conjunto, é antinómico. Resulta daqui que ele é essencialmente móvel. O imobilismo, muitas vezes tomado como sinónimo de estabilidade, é tão estranho às sociedades como a inteligência à pedra... Aí está o mistério da vida política. A sociedade, quer avance, quer recue, está sempre em acção, sempre em criação de si própria...Sendo a mobilidade o resultado dinâmico, no sistema político, das antinomias, sobre as quais assenta, pode dizer-se que ele é autocinético, motor de si próprio, gerador do seu próprio movimento.Do equilíbrio do sistema político resulta a vida normal do ser colectivo, nação, Estado. Se o equilíbrio for destruido, o movimento não continua por isso menos de modo subversivo. A oposição entre os elementos torna-se antagonismo. O Estado da sociedade torna-se revolucionário. (Contr. Polit., cap. V.)A sociedade é um vasto sistema de ponderação...Equilíbrio das forças económicas...Equilíbrio das comunas, das províncias, das nações. (Justice, Les Biens.)A. Realidade social do poder políticoAté aqui consideramos o governo como uma forma de acção. Não nos interrogamos se esta forma ocultava algo de real...... Afirmo que a instituição política exprime, não uma convenção, nem um acto de fé, mas uma realidade.P. -Se toda a manifestação oculta. uma realidade, o que ocasiona a realidade do poder social?R. -É a força colectiva...P. -Como é que a força colectiva, fenómeno ontológico, mecânico, industrial, se torna uma força política?R. - Em primeiro lugar, todo o grupo humano, família, fábrica ... pode ser visto como um embrião social... mas, em geral, não é de grupos como os que acabámos de conceber que nasce a cidade, o Estado.O Estado resulta da reunião de vários grupos, diferentes na natureza e no objectivo, cada um formado para o exercício duma função distinta e para a criação dum produto próprio, depois reunidos sob uma lei comum e num interesse idêntico. É uma colectividade de ordem superior, na qual cada grupo, formado ele próprio por indivíduo, concorre para o desenvolvimento de uma força nova, que será tanto maior quanto mais numerosas forem as funções associadas, mais perfeita for a harmonia entre estas, mais obstinada for a prestação de esforços, por parte dos cidadãos.P. -No grupo industrial, a força colectiva nota-se sem dificuldade, comprovada pelo crescimento da produção. Mas, no grupo político, através de que indício a reconheceremos?R. -Os grupos activos que compõem a cidade diferem entre eles, tanto pela organização como pela ideia e pelo objectivo. Aquilo que os une já não é tanto uma ligação: de cooperação como uma ligação de comutação. A força social terá pois, com carácter, ser essencialmente comutativa; e não será por isso menos real...P. - Qual a diferença entre a política e a economia?R. - No fundo, são duas maneiras diferentes de conceber a mesma coisa. Nas condições actuais, a política é a arte equívoca e incerta de estabelecer a ordem numa sociedade onde todas as leis da economia são desconhecidas, todo o equilíbrio destruido, toda a liberdade reprimida, toda a consciência deformada, toda a força colectiva convertida em monopólio. (Justice, l'État.)B. A apropriação das forças colectivas e o antagonismo sociedade-poderP. -Qual foi, para os povos e para os Estados, a consequência do atraso no conhecimento do ser colectivo ?R. -A apropriação de todas as forças colectivas, e a corrupção do poder social; em termos menos severos: uma economia arbitrária, e uma constituição artificial da força pública...Pelo agrupamento das forças individuais e pelas ligações entre os grupos, a nação inteira transforma-se num corpo. É um ser real... cujo movimento conduz toda a existência. O indivíduo está imerso na sociedade... de que ele não se separaria senão para cair no nada...Segundo a ordem natural, o poder nascido da sociedade é a resultante de todas as forças singulares, agrupadas pelo trabalho, pela defesa e pela justiça. De acordo com a concepção empírica, sugerida pela alienação do poder, é, pelo contrário, a sociedade que nasce daquele; ele é o gerador, o criador, o autor dela; ele é superior a ela: de modo que o príncipe, de simples agente da república, é o soberano dela...P. -Depois de tudo isto, qual pode ser a organização social e política?R. -É fácil imaginá-la: uma vez apropriadas as forças colectivas... a sociedade constitui-se em hierarquia... O que, sob a aparência duma autocracia fatal é a própria instabilidade... a alienação de toda a força colectiva.Estabelece-se assim o antagonismo entre o poder e a sociedade.P. - Deste modo, a não ser por uma revolução, qualquer estabilidade política... é impossível... ?R. -Não é só a história que nos revela isso, nem a justiça... ; é a ciência económica, no que ela tem de mais elementar, de mais positivo, de mais real; uma vez apropriadas as forças colectivas, reprimida e alienada a força social, o governo oscila da demagogia ao despotismo e do despotismo à demagogia.C. Emergência dialéctica das leis dum Estado democráticoP. -Não haverá mais nada a recolher, para o filósofo, neste estudo da formação, crescimento e decadência dos antigos Estados?R. -Eles constituíram pelo seu próprio inorganicismo, a revelação dum novo Estado e como que uma embriogenia da revolução:- desenvolvimento das forças económicas, entre as quais o primeiro lugar é ocupado pelas forças colectivas;- descoberta da força social, na junção de todas as suas forças;- razão das formas governamentais...- ideia da solidariedade ou da força humanitária, emergente, ora da luta, ora do acordo entre os Estados;- ideia dum equilíbrio entre forças económicas e sociais experimentadas, sob o nome dos equilíbrios de poderes;- elaboração do direito, expressão superior do homem e da sociedade;- maior compreensão da história, estudo a recomeçar sob o ponto de vista da fisiologia do ser colectivo.Eis o que, acima das revoluções e dos cataclismos, o pensamento filosófico descobre. Isto para o constituição da ordem que um dia virá...P. -Como é que em vez do Estado livre... adequado à própria sociedade, conservamos o Estado feudal, real, imperial, militarista, ditatorial?R. -Isso deve-se a duas causas, fáceis de avaliar a partir daqui: uma, é que o equilibro entre produtos e serviços não deixou de ser um desideratum da economia; a outra, é que a apropriação das forças colectivas manteve-se, desenvolveu-se, como se fosse de direito natural...O sistema das garantias políticas não é senão uma roda dentada, no vasto conjunto das sociedades. Não estando definido o direito económico:, sendo deixada ao livre arbítrio a organização agrícolo-industrial, o Estado permanece ínstável.P. -Supondo a revolução feita, a paz assegurada exteriormente, através da federação dos povos, a estabilidade garantida internamente, pelo equilíbrio entre os valores e os serviços, pela organização do trabalho e pela reintegração do povo na propriedade das suas forças colectivas,... a república organizada segundo os princípios da economia e do direito, acredita que o Estado ficasse ao abrigo de qualquer... catástrofe?R. -Certamente... O edifício político... teria conquistado o que lhe faltava anteriormente: a estabilidade. (Justice, l'État.)D. A organização socio-económica e a organização socio-políticaRealidades autónomas e complementaresDistingo, em qualquer sociedade, duas espécies de organizações: uma, a que chamo organização social; outra, que é a organização política... O homem está destinado a viver em sociedade, e essa sociedade só pode existir de duas maneiras: ou pela organização dos recursos económicas e pelo equilíbrio dos interesses; ou então pela instituição duma autoridade que... serve de árbitro, reprime e protege.Esta última maneira... é o que se chama o Estado ou governo. A organização social não é outra coisa senão o equilíbrio dos vários interesses, baseados no contrato livre e na organização das forças económicas... A organização política tem como principio a autoridade... a separação dos poderes, a centralização administrativa, a representação da soberania pela eleição...Estas duas organizações são, por natureza, diferentes e mesmo incompatíveis, mas sempre alguma coisa escapa a uma e surge na outra É segundo este ponto de vista que vamos apreciar a teoria geral das organizações... Direito ao trabalho, ideia de progresso... estes elementos, nos quais convém ver uma expressão incompleta, disfarçado, da organização social, são em si incompatíveis com o governamentalismo... O direito ao trabalho está fora da competência do governo...O direito ao trabalho, o direito à assistência, o direito à propriedade encontram numa outra organização a sua realidade...A resolução do problema social consiste em pôr os diferentes termos do problema, não em contradições uns com os outros, como aparecem nas primeiras épocas de formação social,... mas em dedução: de tal modo que o direito ao trabalho, o direito ao crédito, se deduzem duma primeira mudança exterior e superior para a ordem política, tal seria a organização da propriedade...Quereis, com a propriedade, garantir a todos... o trabalho... numa palavra, a igualdade de recursos? Só a organização das forças económicas vos pode satisfazer. Mas longe de esta organização se poder estabelecer por via da autoridade e se inserir, de qualquer maneira, na organização política, ela é a negação da própria autoridade. O seu princípio... é uma mudança, um contrato...Votar a constituição de 1848, em que as garantias sociais são consideradas como uma emanação da autoridade, era pôr a organização social abaixo da organização política, os direitos do produtor depois dos direitos do cidadão...Organizar o trabalho, o crédito, a assistência, é impor a organização social...Sem a distinção entre o legislativo e o executivo, o governo não deixa nenhuma garantia à liberdade, sem uma declaração dos direitos sociais, ele não é mais que a força dada como sanção à riqueza contra a miséria. (Conf. dun Révol., cap. XIV.)O governo devia então, previamente, distinguir a questão orgânica da questão executiva noutros termos, o que era da competência do poder e o que não o era. Uma vez feita esta distinção, convidar os cidadãos a criar por eles próprios através do pleno exercício da sua liberdade, os novos acontecimentos. (Conf. dun Révol., cap. VI.)A república tinha de construir a sociedade, e só pensou no governo.Quanto a isto, não nos enganemos, o organismo industrial destruido em 89 só desapareceu para dar lugar a um outro...Sob o aparelho governamental, à sombra das instituições políticas, a sociedade produzia lentamente e em silêncio o seu próprio organismo. Criava-se uma nova ordem, expressão da sua vitalidade e da sua autonomia. (Id. Génér. de la Rév., 7.º estudo.)3. - A SOLUÇÃO: O FEDERALISMOA. O equilíbrio: autoridade-liberdadeAntes de dizer o que se entende por federação, convém lembrar a origem e a filiação da ideia.A ordem política assenta fundamentalmente sobre dois princípios contrários, a autoridade e a liberdade: o primeiro, iniciador; o segundo, determinativo; este tendo como corolário a livre razão, - aquele a fé que obedece.Estes dois princípios formam, por assim dizer, um par, cujos termos, indissoluvelmente ligados um ao outro, são contudo irredutíveis um no outro, e permanecem, seja o que for que se faça, em luta perpétua.O movimento político resulta da sua tendência fatal e da sua reacção mútua...Então, onde me propus eu chegar, ao rebater aquele lugar-comum?Vou dizê-lo: é que todas as organizações politicas, todos os sistemas de governo, incluindo a federação, podem resumir-se nesta fórmula: o equilíbrio da autoridade pela liberdade, e vice-versa. (Principe Féd., cap. I.)O problema político, reduzido à sua expressão mais simples, consiste em encontrar o equilíbrio entre dois elementos contrários: a autoridade e a liberdade. Equilibrar duas forças é submetê-las a uma lei que as conserve em respeito e as ponha de acordo uma com a outra.Quem nos fornecerá este novo elemento?... o contrato. (Princ. Féd., cap. VIII.)No sistema federativo, o contrato é mais do que uma ficção: é um pacto positivo, efectivo, realmente proposto, discutido, votado, adoptado, e que se modifica regularmente por vontade dos contratantes. Entre o contrato federativo e o de Rousseau e de 93 há toda a distância que vai da realidade à hipótese...Federação, do latim foedus... quer dizer pacto, contrato, tratado, convenção, aliança, etc., é uma convenção, pela qual um ou vários chefes de família, uma ou várias comunas, ou vários grupos de comunas ou Estados se obrigam, reciprocamente e igualmente, uns para com os outros, para um ou vários objectivos particulares, euja responsabilidade pertence, neste caso especial, exclusivamente aos delegados da federação. Neste sistema, os contratantes, chefes de família, comunas, cantões, províncias ou Estados, não se obrigam só bilateralmente e comutativamente, uns para com os outros - eles garantem para si, formando o pacto, mais liberdades... que não abandonam. (Príncipe Fédér., 1.ª parte, cap. VII.)B. Federalismo e mutalismo: correlação e complementaridadeO que torna o Estado fatalmente instável, é a desigualdade de condições e de fortunas. Tal é a causa geral das revoluções; todas as outras causa, são secundárias.O remédio para a instabilidade política... é renunciar à hipótese preconcebida duma desigualdade necessária, e... dar ao Estado, como base, o equilíbrio económico... (Justice, l’État.)É preciso que o governo, estabelecido com base na democratização e mortalidade dos grupos industriais, sedes das forças colectivas, seja reformado segundo a lei da sua ponderação. (Justice, Le Travail.)É necessário ao direito político o contraforte do direito económico. (Principe Fédér., cap. VI.)Na democracia operária, a política é o corolário da economia... Ambas são tratadas segundo o mesmo método e segundo os mesmos princípios...Transportado para a esfera política, o que até ao presente chamamos mutualismo... toma o nome de federalismo. Numa simples sinonlmia é-nos dada a revolução completa, política e económica... Assim como... o território foi primitivamente dividido pela natureza e delimitado num certo número de regiões, depois em cada região... subdividido entre as comunas... do mesmo modo ainda, os trabalhos e as indústrias distribuiram-se reciprocamente segundo a lei da divisão orgânica e formaram por sua vez grupos...A estas funções económicas vai juntar-se então uma série de outras, chamadas políticas, que formam o seu complemento...Entre as funções económicas e as funções politicas existe uma relação análoga à que a fisiologia apresenta, no caso dos animais, entre as funções da vida orgânica e as funções; da vida de relação...Na nova democracia, o principio político deve ser... adequado ao princípio económico... Esse principio é... o principio federativo, sinónimo de mutualidade...Vimos, por uma série de convenções mutualistas, as grandes instituições mutualistas libertarem-se, umas a seguir às outras e formarem este vasto organismo humanitário... Do mesmo modo, o aparelho governamental resulta, por sua vez, dum contrato real, onde os poderes supremos dos contratantes, em vez de se concentrarem numa majestade central, mística, servem de garantia à liberdade dos Estados, das comunas e dos indivíduos...Aqui, as massas trabalhadoras são real e positivamente soberanas... Como não o seriam?... O organismo económico pertence-lhes todo ... Como, senhoras absolutas das funções orgânicas, o não seriam das funções de relação?...O que há a fazer... é dar... como base do direito federativo, o direito económico. (Cap. Pol., liv. II, cap. XIV-XV.)A ideia de uma federação industrial que servisse de complemento e de sanção à federação política... é a aplicação ao mais elevado nível dos princípios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidariedade económica...A economia política e a política encontram-se aqui de acordo... A sociedade, o mais produtiva posslvel; o trabalho, dividido da melhor maneira; a propriedade, mais legal,... as indústrias, melhor garantidas umas pelas outras... o governo, mais livre; os poderes, melhor divididos; a independência dos grupos, mais respeitada; as autoridade provinciais, eantonais, municipais, melhor servidas pela autoridade central: é... o governo federativo.O princípio federativo... tem como primeiro corolário a independência administrativa das localidades... como segundo corolário... a separação do poderes, como terceiro corolário... a federação agrí colo-industrial. (Princ. Féd., 1.ª parte, cap. XI.)4. - A APLICAÇÃO: AS ESTRUTUPAS FEDERALISTASA. O federalismo nacional: a república federativaAo desenvolvimento do Estado autoritário monárquico ou comunista, opõe-se o desenvolvimento do Estado livre, contratual e democrático...Reconhecemos que o contrato social era po excelência um contrato de federação, um contrat bilateral e comutativo... cuja condição essencial que os contratantes guardem para si uma parte de soberania e de acção maior do que a que abandonam Nos governos centralizados, os atributos do pode supremo multiplicam-se, estendem-se, arrastam imediatamente para a competência do «Príncipe» a questões das províncias, comunas, corporacões, particulares. Daí, o esmagamento em que desaparece toda liberdade, não só comunal e provincial, mas mesmo individual e nacional. (Princ. Féd., cap. VII.)Todos os artigos duma constituição podem resu mir-se a um artigo único, que diz respeito ao papel e à competência deste grande funcionário que é Estado.A delimitação do papel do Estado é uma questão de vida ou de morte para a liberdade colectiva individual...A história e a análise, a teoria e o empirismo conduziram-nos, por meio das agitações da liberdade do poder, à ideia de contratos políticos.Só o contrato de federação... cuja essência é de reservar sempre mais para os cidadãos do que para o Estado, para as autoridades municipais e provinciais do que para a autoridade central, poderia colocar-nos no caminho da verdade ...As atribuições federais nunca podem exceder em número e em realidade as das autoridades comunais e provinciais. Se isto fosse de outro modo, a república de federativa passaria a unitária... Ela estaria a caminho do despotismo. (Princ. Féd., cap. VII.)Todo o mistério consiste em distribuir a nação por províncias independentes soberanas ou pelo menos que, administrando-se a elas próprias, disponham duma força de iniciativa e duma influência suficientes. (Pr. Féd., cap. X.)Mas enquanto se organizava o parlamentarismo das câmaras contra os ministérios... enquanto que se opunham palavras a palavras, ficções a ficções, confiasse ao governo, sem qualquer reserva, sem outro contrapeso que não fosse uma crítica vã, a prerrogativa duma administração imensa, punha-se nas suas mãos todas as forças do país, suprimiam-se... as liberdades locais... Criava-se enfim uma formidável força de opressão, à qual, em seguida, se davam ao prazer de fazer uma guerra de epigramas ... os ministérios calam uns sobre os outros... Colocava-se império sobre república; o despotismo centralizador não parava de crescer, e a liberdade de decrescer... Resultado inevitável dum sistema onde se punham, dum lado, a soberania metafísiea e o direito crítico, do outro, todas as realidades do domínio nacional, todas as energias de acção dum grande povo.No sistema federativo, tais apreensões não poderiam existir. A autoridade central, iniciadora de preferência a executora, só possui uma parte bastante restrita da administração pública. (Princ. Féd., cap. X.)O governo, expressão da Autoridade, é insensivelmente subalternizado pelos representantes ou órgãos da Liberdade, a saber: o poder central, pelos deputados dos departamentos ou províncias; a autoridade provincial, pelos delegados das comunas; a autoridade municipal, pelos habitantes; deste modo, a Liberdade aspira a tornar-se preponderante, a autoridade a tornar-se serva da liberdade, e o principio contratual a substituir por toda a parte, nos assuntos públicos, o princípio autoritário...Não é somente entre sete ou oito eleitos, saídos duma maioria parlamentar e criticados por uma minoria oposicionista, que deve ser partilhado o governo dum pais, mas entre as províncias e as comunas: erro através do qual a vida política abandona as extremidades em favor do centro, e o marasmo atinge a nação tornada hidrocéfala.A organização da sociedade é essencialmente progressiva, o que significa cada vez mais liberal: este fim só pode ser conseguido num sistema em que a hierarquia governamental, em vez de ser considerada no seu cume, seja estabelecido com firmeza na sua base... (Princ. Fédér., cap. VII.)Governo, autoridade, Estado, comunidade, associações, companhias, cidades, família, cidadão, classificados em dois, grupos e indivíduos, pessoas morai e pessoas reais, todos são iguais perante a lei. (Capac. Pol., liv. II, cap. IV.)Através da representação nacional, a nação marca a sua unidade; através das suas federações, pela independência municipal e provincial, ela atest as suas liberdades locais, corolário e complemento da liberdade do cidadão. (Justice, 4.º estudo, cap. V.)a) A organização regional e a descentração dos poderes: limitação do Estado pelos gruposO unitarismo político - ou seja, a centralização - enquanto consiste em reter na indivisão governamental os grupos que a natureza criou autónomos é uma ficção constitucional... pois como tal é, para as sociedades modernas, a verdadeira tirania: absorção das soberanias locais numa autoridade central, com um objectivo, quer de glorificação dinástica, quer de exploração nobiliária, burguesa ou republicana... Partamos pois do principio, princípio tanto da experiência como da razão, que em todo o organismo a força de unidade está na razão inversa da massa... Em qualquer colectividade, a força orgânica perde em intensidade o que ganha em extensão, e reciprocamente...O defeito do sistema político, defeito a que podemos chamar constitucional, consiste na condição, posta ao poder, de que as províncias, as cidades de que se compõe o Estado, devem gozar a sua ampla e total autonomia e não serem, contrariamente, governadas e administradas - não por elas próprias, como convém a cidades e províncias associadas por uma autoridade central, como população conquistada... Procurou-se um contrapeso para esta centralização esmagadora numa organização municipal e departamental... (Contr. Polit., cap. VI.)A divisão artificial da França em 86 departamentos teve a sua utilidade para destruir a Gália feudal... Todavia, parece que deveríamos preparar-nos para uma divisão mais natural do solo, de acordo com as diferenças de climas, de raças, de indústia, etc., tendo por objectivo dar a cada parte do Estado o seu carácter e a sua fisionomia. (Créat. de l’O., cap. III.)Proceder-se-ia à divisão em doze regências independentes, tendo cada uma poder legislativo e poder executivo, nomeados pelo povo; mais universidades, organização judicial, banco central, bolsa, etc. (La Guerre et la Paix, liv. IV, cap. X).Cabe às províncias serem as primeiras a fazer ouvir a sua voz. Paris, passando de capital a cidade federal... encontraria nisso uma nova e melhor existência. A absorção que exerce sobre a província, congestionam... Menos sobrecarregado, menos apoplética, Paris seria mais livre, progrediria e teria melhor rendimento... (Princ. Fédér., conclusão.)b) Organização socio-económica dos poderesPara reformar o nosso sistema político, pedimos... a divisão, a especialização, a coordenação e a responsabilidade de funções e de poderes, em conformidade com as leis da economia poli ca. (Créat. de l’O., cap. VI.)O defeito de toda a organização, política ou social, que provoca os conflitos e cria o antagonismo na sociedade, é... que a separação dos poderes, ou dizendo melhor, das funções, é mal feita e incompleta... A maior parte das funções políticas não foram distinguidos e agrupadas segundo as leis da economia... Por outro lado, a centralização, não respeitando o bastante a lei da especialidade, é insuficiente. Donde resulta que a força colectiva está quase por toda a parte sem acção, e o pensamento, ou sufrágio universal, sem exercício.É preciso levar a separação, ainda mal começada, tão longe quanto possível, e centralizar à parte cada poder; organizar o sufrágio universal de acordo com o seu género e a sua natureza, na sua plenitude, e devolver ao povo a energia, a actividade que lhe faltam.Para que uma nação se manifeste na sua unidade... é preciso que a centralização se efectue de baixo para cima, da circunferência para o centro... (Conf. d'un Rév., cap. XIV.)l.º Divisão e ponderação dos poderesEm face do direito divino, a Revolução supõe pois a soberania do povo, a unidade, a indivisibilidade da República. Palavras vazias de sentido, próprias unicamente para servir de máscara à mais pavorosa tirania, mais cedo ou mais tarde desmentidos pelo acontecimento, se elas não se relacionarem com o organismo superior, formado pela ligação dos grupos industriais, e com a força comutativa que deles resulta...Em relação ao governo, a Revolução diz formalmente que ele deve ser constituído de acordo com o duplo principio da divisão dos poderes e da sua ponderação. Ora, o que é a divisão dos poderes? A mesma coisa a que os economistas chamam divisão do trabalho, e que não é outra coisa senão um aspecto particular da força colectiva.Quanto à ponderação, aliás tão pouco compreendida, não necessito dizer que é a candição de existência dos seres organizados, para quem a ausência de equilíbrio acarreta doença e a morte...Para que tal poder social aja na sua plenitude, para que dê todo o fruto que a sua natureza promete, é preciso que as forças em função de que se compõe estejam em equilíbrio. Ora, este equilíbrio não pode ser o efeito duma determinação arbitrária; deve resultar do balanço das forças, agindo umas sobre as outras com toda a liberdade, equacionando-se mutuamente. O que supõe que, sendo conhecido o balanço, ou a média proporcional de cada força, todos, indivíduos e grupos o tomarão para medida do seu direito... (Justice, l'.État.)2.º Os quatro poderesEm linguagem parlamentar... o soberano, o ser colectivo, figurado pelo trabalho, divide-se em quatro p-oderes iguais e paralelos:1. Poder consular: tendo como missão conseguir a acção social, centralizar as forças, vigiar a economia das funções, estimular por toda a parte o trabalho e preparar os caminhos para o progresso...O chefe do poder consular, procurador supremo da república,... seja através dele próprio, seja através dos seus procuradores gerais, especiais ou substitutos,... propõe, pede, requer, relata, denuncia, avisa,... mas sem nunca se imiscuir nem na administração nem na justiça... - vigiar a aplicação das leis económicas... exigir o trabalho, o poder consular tem uma espécie de acção instigadora, exortativa, desaprovadora e repressiva que faz dele ... a alma do progresso...O poder consular deve ser separado da administração e da justiça, porque, na sociedade, não é bom que o poder que vigia seja o mesmo que julga, rem o mesmo que opera, sem o que a vigilância poderia ser ilusória, o julgamento resultar parcial.2. Poder executivo: compreenderia o domínio públioco, a agricultura, a indústria, o comércio, as finanças, as relações exteriores - numa palavra: a produção propriamente dita. Hoje, o poder executivo, confundido com o precedente, e reduzido, a menos que não haja guerra, a funções de secretaria, não executa realmente nada: isso levou Smith a colocar todos os seus agentes entre os improdutivos.3. Poder arbitral: encarregado de aplicar a lei e o direito... e compreendendo todas as espécies de jurisdição: civil, administrativa, comercial contenciosa e voluntária, gratuita e criminal...O poder arbitral só tem dois graus de jurisdição, mas divide-se em especialidades, segundo a natureza das causas, e resume-se a um tribunal supremo, cujos membros, todos nomeados pela Câmara dos Deputados, por apresentação do procurador geral, escolhem entre eles os seus presidentes, vice-presidentes e secretários...Muitas pessoas pensam que a ordem judicial é o que temos de melhor definido. O Conselho de Estado é tribunal administrativo e máquina administrativa. O prefeito é juiz administrativo e chefe de administração; os juizes, comerciantes e industriais, quer dizer, que fora dos tribunais civis, os homens que ministram a justiça são, ao mesmo tempo, juizes e parte...A ordem judicial, reduzida, por assim dizer, a nada, pela competência usurpadora dos tribunais de comércio, das jurisdições administativas, do Conselho de Estado e do Júri, tornar-se-á um dos quatro grandes poderes da sociedade, logo que as espécies de que se compõe, determinadas pela organografia, estejam coordenadas entre elas e formem grupo, e que a nova jurisprudência (3ª parte da Ciência Económica) seja definida...4. Finalmente, poder docente: compreendendo, nas suas atribuições, a educação da juventude e a instrução dos aprendizes...O poder docente ou a Universidade compõe-se de todas as escolas de artes, ciências e ofícios, de todos os graus, centralizados no Instituto. O Instituto é recrutado por ele próprio e é governado em república.O poder consular só tem acção sobre ele reiativamente à manutenção das escolas, cujos inspectores dependem todos da autoridade central e são nomeados pelo seu chefe...Estes quatro poderes dizem-se constituídos porque formam a primeira divisão... do Ser social ou colectivo a que se chama por esta razão poder constituinte.O poder constituinte é fundamentalmente o povo.Depois dele, a Câmara dos deputados, os conselhos municipais e departamentais: por último, as assembléias associativas como outras tantas fracções inteiras do soberano.Os colégios eleitorais, as assembléias comunais e departamentais, as sociedades industriais... etc., são poderes constituintes.Todo o indivíduo que faça parte do corpo social goza, devido a este facto único, do direito de exercer as suas funções, salvo as condições determinadas pela lei. (Créat. de l’O., cap. VI. )Único entre os poderes constituídos, o poder consular é monocéfalo, isto é, resume-se a um chefe único: ele é contrário a todas as noções de que a força da impulsão, o princípio do movimento e da vida, o pensamento directo e centralizante, partem dum ser múltiplo, colectivo e seriado; pelo menos tal é a opinião invencível e espontânea do género humano.Cabe ao corpo dos eleitores e à assembléia nacional tomar medidas para que o Chefe do Estado seja a expressão completa e sincera das suas ideias, dos seus votos e das suas tendências...Os outros poderes ostentam formas particulares. O poder executivo ou administrativo, que abarca só para ele a imensa maioria da nação, divide-se à primeira vista em várias grandes categorias (agrícola, industrial, comercial, etc.) que dão lugar a outros tantos ministérios, depois vão-se subdividindo, como o próprio trabalho... (Idem.)c) A organização regional e socio-económica do sufrágio universalComo último meio de equilíbrio e de refrear a autoridade central, de proteger contra usurpações as liberdades públicas, organizou-se o sufrágio universal... (Contr. Pol., cap. VIII.)Aos nossos olhos, o sufrágio universal... é a própria constituição da democracia. Não podemos permitir nada que lhe cause prejuízos: a inviolabilidade do sufrágio universal é a salvaguarda da liberdade... Nós pensamos que, de todas as formas de governo, uma única é verdadeira e que esta forma é precisamente a que resulta da constituição ou organização do sufrágio universal...Posto isto, recusamo-nos formalmente a todo o procedimento arbitrário, e se qualquer coisa nos horroriza, é essa indiferença das formas governamentais, essas alianças de opiniões incompatíveis, essas associações de sufrágio...Chamem-nos agora sectários, revolucionários... estes nomes não nos espantam, desde que os definam. (Lettre à M. Rouy, 29 de Maio de 1863.)l.º Dificuldades e necessidades do sufrágio universalDepois de ter instituído o sufrágio universal, nomeamos um imperador! (Pornocratie, notas e pensamentos.)Qual a relação entre o produto elástico dum escrutínio e o pensamento popular, sintético e individual? Como conseguirá o sufrágio universal manifestar o pensamento, o verdadeiro pensamento do povo, quando o povo está dividido, pela desigualdade de fortunas, em classes, subordinadas umas às outras, que votam por servilismo ou por ódio; quando esse mesmo povo, seguro pela trela pelo poder, não pode, apesar da sua soberania, fazer ouvir o seu pensamento sobre coisa alguma; quando o exercício dos seus direitos se limita a escolher, todos os três ou quatro anos, os seus chefes e os seus charlatões; quando a sua razão, moldada com base no antagonismo das ideias e dos interesses, só sabe ir duma contradição a outra contradição; quando a sua boa fé está à mercê dum despacho telegráfico, dum acontecimento imprevisto, duma questão capciosa; quando, em vez de interrogar a sua consciência, se evocam as suas recordações; quando, devido à divisão dos partidos, não pode evitar um perigo senão precipitando-se num outro, e que sob pena de não alcançar a sua segurança, é forçado a mentir à sua consciência?... (Conf. dun Révol., cap. XIV.)Quem quer que seja que pregue o sufrágio universal como princípio único de ordem e de firmeza, é mentiroso, charlatão: engana o povo. A soberania sem a ciência é cega.Quem quer que seja que, admitindo a realidade duma ciência social, rejeite como inútil a reforma política, é mentiroso e charlatão. A ciência sem a sanção do povo é impotente.A ciência de alguns, imposta à vontade do maior número, isso é humilhante: ela compromete a igualdade. A soberania popular, mantida no desconhecimento da ciência, é injuriada: há nisso um ataque à liberdade. (Créat. de l’O., cap. VI.)O sufrágio universal é o modo pelo qual a maioria e a minoria se manifestam; é através dele que a maioria garante o seu direito, ao mesmo tempo que lhe é reconhecida a existência; assim, se o sufrágio universal fosse suprimido, uma minoria poderia, sem ser contestada, dizer-se maioria e, consequentemente, apelar para a insurreição.Em duas palavras, e não obstante qualquer voto contrário do povo ou dos seus representantes, o assentimento, tácito ou manifesto, do povo contra o sufrágio universal, não: se pressupõe... (Conf. d'un Révol., cap. XVII.)2.º A síntese eleitoralHá na colectividade do povo um pensamento sui generis, capaz de representar ao mesmo tempo o interesse colectivo e o interesse individual, e que podemos resgatar, com mais ou menos exactidão, por um procedimento eleitoral ou escrutinador qualquer... O povo não é só um ser de razão, uma pessoa moral, como dizia Rousseau, mas, efectivamente, uma pessoa verdadeira, que tem a sua realidade, a sua individualidade, a sua essência, a sua vida, a sua razão própria.O que tendes a fazer então, para vos aproximardes da razão colectiva, que é a própria essência do povo, é - depois de ter recolhido a opinião motivada de cada cidadão - operar a verificação de todas as opiniões, de comparar os motivos, de operar a sua redução, a seguir tirar deles, através duma indução mais ou menos exacta, a síntese, isto é: o pensamento geral superior, que unicamente pode ser atribuído ao povo. (La Révol. au XlXe siècle, 4.º estudo.)Todo o voto implica um debate contraditório, a menos que se trate da simples constatarão dum facto...O principio que pretende que a maioria faça lei, não é senão um puro probabilismo, uma forma rudimentar de solução, convencionalmente aceite por falta duma melhor... O verdadeiro método consiste...1.º em proceder, para cada objectivo, a um voto e a um contra-voto, a fim de conhecer em que proporção numérica são as opiniões ou interesses contrários;2.º em procurar a ideia superior, síntese ou fórmula, na qual as duas propostas contrárias se equilibrem e encontrem a sua legitima satisfação; depois de votada essa síntese - proveniente duma relação entre opiniões contrárias - estará, naturalmente, mais próxima a verdade e o direito. Nisto reside o princípio da sinceridade representativa, garantia da sinceridade da lei. Fazer votar assembléias numerosas, populações em massa, através de sim ou não, sobre questões da nacionalidade, de forma governamental, de política, de propriedade, de ciência, até mesmo de moral pública, é organizar a tirania e consagrar, em nome da soberania popular, a injustiça e a imoralidade. (Justice, Les Idées.)3.º As bases regionais e sócio-profissionaisUma nação que se faz representar, deve ser representada em tudo que a constitui: na sua população, nos seus grupos, em todos os seus recursos e condições. A síntese eleitoral deve compreender, não só em teoria, mas na prática, como base da eleição, não só a população como o território, as propriedades, os capitais, as indústrias, os grupos naturais, regionais e provinciais... (Contr. Pol., cap. VII.)O sufrágio universal exige tantos representantes quantos os grupos naturais que existem... ou, se preferirmos, tantas delegações quantas as «soberanias provinciais».Para que o sufrágio seja directo, não basta que ele seja directamente estabelecido do eleitor ao eleito; e preciso que represente, não menos directamente, opiniões, direitos, interesses e questões: porque, um Estado, uma sociedade, não se compõem só de vontades; compõem-se também de coisas... (Capac. Pol., liv. III, cap. III.)Para tornar o sufrágio universal inteligente, moral, democrático, é preciso, depois de ter assegurado o equilíbrio dos serviços e assegurado, pela discussão livre, a independência dos sufrágios, fazer votar os cidadãos por categoria de funções, de acordo com o princípio da força colectiva, que constitui a base da sociedade e do Estado... (Justice., L’État.)Concluindo: uma representação sincera e verídica, num pais como o nosso, supõe um conjunto de instituições, de tal modo combinadas, que todo o interesse, toda a ideia, todo o elemento social e politico, possa produzir-se nele, exprimir-se a si próprio, fazer-se representar, obter justiça e garantia, exercer a sua parte de influência e de soberania.Porque, a representação nacional, onde exista como condição política, não deve ser só uma peça dum maquinismo e um contrapeso, a base do edifício governamental; ela deve ser, ao mesmo tempo, sob pena de ilusão, uma base, uma peça do mecanismo, um contrapeso, e além disso uma função, - função que abranja a totalidade da nação em todas as suas categorias de pessoas, de territórios, de fortunas, de capacidades, e mesmo de miséria. (Contr. Pol., cap. VIII.)d) O Parlamento e a sua transformação económicaHouve homens que... chamados ao governo da República e à representação do povo, não souberam compreender... que o sufrágio universal era diferente duma gigantesca fornada de eleitores e que, com ele, tudo mudava, de alto a baixo, no sistema político e económico... Para regulamentar os interesses gerais, é feito apelo directo aos interesses locais... e é do seu debate, do equilíbrio de uns pelos outros, da sua convenção mútua que resulta depois a lei, e com a lei a acção da autoridade central. (Cap. Pol., liv. III, cap. III.)Quem põe o pé no Sinai parlamentar, deixa de estar em ligação com as massas: de tanto se absorver nos seus trabalhos legislativos, perde completamente de vista as coisas correntes... É preciso ter vivido nesse isolador que se chama Assembleia nacional, para compreender como os homens que mais completamente ignoram o estado dum pais são, quase sempre, os que o representam. (Conf. dun Révol., cap. X.)Sistema parlamentar: de 1789 a 1799, de 1814 a 1851, a tribuna foi a glória do génio francês: o seu silêncio é a nossa vergonha; com isso concordo. Mas, traindo todos os partidos, defendendo todas as causas, dando o espectáculo das mais vergonhosas palinódias, servindo menos a verdade que a intriga, enviando sucessivamente, para o cadafalso e para o exílio, a monarquia, a Gironda, os frades franeiscanos, os jacobinos, os termidorianos, os cliehyens, os socialistas, não se terá contradito a ela própria? (Justice, Phil. Popul.)P. - Que vaticina para o sistema parlamentar?R. - Apesar dos seus equívocos precedentes, do equilibrismo no poder, que o desacreditou durante tanto tempo, agarrando-se a causas puramente económicas, a sua reaparição é inevitável. O Parlamento tornou-se uma forma do pensamento francês: sobreviverá a todas as dinastias. A revolução económica, constituindo, segundo os verdadeiros princípios, o poder social, modificará talvez os hábitos parlamentares; não abolirá a instituição. (Justice, L'.État.) ' As questões económicas, sobretudo, repugnam-me; o povo... esteve de tal modo distraído dos seus verdadeiros interesses... devido às agitações da tribuna, da praça pública e da imprensa, que, quase de certeza quem renunciar à política em favor da economia, será imediatamente abandonado pelos seus leitores... É, contudo, preciso convencermo-nos... que, acima desses fantasmas políticos, há os fenómenos da economia social...Com tantas preocupações políticas, perdemos de vista a economia social. .. (Idée Gén. de la Róvol., 2.º estudo.)Ao lado do corpo legislativo será criado um serviço de jurisprudência, repartição de informações históricas, jurídicas, económicas, políticas, estatísticas, para elucidar os representantes nos seus trabalhos. (Justice, L’État.)e) O Estado e o governo democráticoExiste, em todas as sociedades, pelo simples facto de haver sociedade, uma coisa positiva, real, a que é permitido chamar Estado. Consistiu, essa coisa: 1.º, numa certa força, essencial ao grupo, a que chamamos forca de colectividade; 2.º, na solidariedade que esta força cria entre os membros do corpo social; 3.º, nas propriedades e em outras vantagens comuns que a representam e que dela resultam. Eis o que é o Estado, metade força ou poder, metade propriedade, coisa aliás completamente objectiva, como a própria matéria...Mas a autoridade, princípio subjectivo, não é absolutamente nada disto. É o meio de que se serve um indivíduo, uma associação ou uma casta, para dispor à sua vontade para um fim só dele conhecido, e sem garantia nem responsabilidade da sua parte-da força pública, dos interesses gerais; isto é, do próprio Estado, e até certo ponto das fortunas e propriedades particulares, tudo isto em virtude dum direito que se pretende divino ou de conquista, da superioridade de raça, ou mesmo duma procuração do povo. Este princípio de autoridade, que foi até aqui o verdadeiro apanágio, não do Estado, mas do pessoal governamental, negamo-lo e repelimo-lo como incompatível com a dignidade do homem e do cidadão, incompatível com a Justiça, incompatível com a própria noção de Estado.O Estado, com efeito, resulta da força colectiva de um pais, forca produzida pela relação, não de hierarquia ou de subordinação, mas de comutação que existe entre os cidadãos, de modo que, afirmar o Estado, isto é, a força pública, a coisa pública, rem publicam, é, no fundo, negar a autoridade, e reciprocamente... (Justice, L'État.)O direito moderno, implantando-se na voz do direito antigo fez uma nova coisa: colocou em presença uma da outra, na mesma linha, duas forças que até então tinham estado numa relação de subordinação; essas duas forças são o Estado e o indivíduo; noutros termos, o governo e a liberdade.l.º Papel político: protector, vigilante, justiceiroEfectivamente, a revolução não suprimiu esta força oculta, mística, a que se chamava o soberano e a que nós chamamos, de boa vontade, Estado.Ela não reduziu a sociedade aos simples indivíduos transigindo, contratando entre eles e da sua livre convenção resultando uma lei comum, como o dava a entender o contrato social de J. J. Rousseau. Não, o governo, o poder, o Estado,... reencontrou-se sob as ruínas do antigo regime... mais forte que anteriormente. O que é novo depois da revolução, é a liberdade, quero dizer a condição posta à liberdade, o seu estado civil e político...O Estado, tal como o concebeu a revolução, não é coisa puramente abstracta, como o supuseram alguns, entre outros Rousseau... é uma realidade tão positiva como a própria sociedade, como o próprio indivíduo. O Estado é a força da colectividade, que resulta de toda a aglomeração de homens dentro das suas relações mútuas, da solidariedade entre os seus interesses, da sua comunidade de acção, do entusiasmo das suas opiniões, e das suas paixões.Sem dúvida que o Estado não existe sem os cidadãos. Ele não lhes é anterior nem superior; mas ele existe pela mesma razão que eles existem, distinguindo-se de cada um e de todos, através de recursos e atribuições especiais.O Estado é o protector da liberdade... O Estado vigia a execução das leis. O Estado é o justiceiro por excelência... Por este motivo, o Estado tem os seus direitos... Dir-se-á que tudo isto existia outrora no Estado. Nada mudou... Há porém isto, na mudança do antigo para o novo regime: outrora, o Estado incarnava num homem; outrora, o interesse do Estado confundia-se com o interesse dos príncipes Depois da revolução, o cidadão trata com o Estado de igual para igual o Estado conservou o poder - a força, que o torna apreciável, que constitui o seu crédito lhe cria atribuições e privilégios mas perdeu a autoridade.Primeiro entre os seus paresEle próprio é, se assim se pode dizer, uma espécie de cidadão; ele é uma pessoa civil, como o são as famílias, as sociedades de comércio, as associações, as comunas... Ele é o primeiro entre os seus pares.Deste modo, a liberdade, que não contava para nada no Estado, subordinada, absorvida como estavq, pela vontade do soberano, a liberdade tornou-se uma força igual, em dignidade, ao Estado. A sua definição em presença do Estado é a mesma aue em presença do cidadão: «A liberdade no homem é o poder de criar, de inovar, reformar, modificar, numa palavra de fazer... tudo o que não prejudique o direito de outrem. Quer este outrem seja um simples cidadão ou o Estado.» É segundo este princípio que o Estado deve abster-se de tudo o que não exige a sua iniciativa, a fim de deixar um campo mais vasto à liberdade... (Th. de l’impôt, cap. II.)O fim supremo do Estado é a liberdade individual e colectiva. (Princ. Féd., cap. V.)2.º Papel socio-económico: iniciador, incitador e reguladorO que é o governo?O governo é a economia pública, a administração suprema dos trabalhos e dos bens de toda a nação. (Prem. Mém.) A nação é como que uma grande sociedade, em que todo o cidadão é accionista.Numa sociedade livre, o papel do Estado ou do governo é, por excelência, um papel de legislação, de instituição, de criação, de inauguração, de instalação; é, o menos possível, um papel de execução.Com respeito a isto, o nome de poder executivo, pelo qual se designa um dos aspectos da força soberana, contribui singularmente para deturpar as ideias. O Estado não é um empresário de serviços públicos, o que seria compará-lo aos industriais que se encarregam de empreitada dos trabalhos da cidade. O Estado, quer promulgue leis, quer aja ou vigie, é o gerador e o director supremo do movimento; se por vezes uma obra é conduzido pela sua mão, é na qualidade de primeira manifestação para dar o impulso e dar um exemplo. Uma vez realizada a criação, feita a instalação ou a inauguração, o Estado retira-se, abandonando às autoridades locais e aos cidadãos a execução do novo serviço...Compreendo, admito - em caso de necessidade, reclamo - a intervenção do Estado em todas as grandes criações de utilidade pública; só não vejo a necessidade de deixá-las debaixo da mão dele, logo que sejam entregues ao público. Uma semelhante, concentração, quanto a mim, constitui um verdadeiro excesso de atribuições. Pedi em 1848 a intervenção do Estado para o estabelecimento de bancos nacionais, instituições de crédito, de previdência, de seguros, como para os caminhos de ferro; nunca coube no meu pensamento que o Estado, tendo concluído a sua obra de criação, devesse ficar para sempre banqueiro, segurador, transportador, etc. Certamente, não creio na possibilidade de organizar a instrução do povo sem um grande esforço da autoridade central, mas não fico por isso menos adepto da liberdade do ensino, como de todas as liberdades... Que haja um tribunal de contas, assim como uma repartiçã de estatística, instituídas para coligir, verificar e generalizar todas as informações, todas as convenções, todas as operações de finanças à superfície da República, ainda bem! Mas porque razão todas as despesas e receitas haveriam de passar pelas maos de um tesoureiro, recebedor ou pagador único, ministro do Estado?...Numa sociedade regularmente organizada, tudo deve estar em crescimento contínuo, ciência, indústria, trabalho, riqueza, saúde pública; a liberdade e a moralidade devem caminhar com o mesmo passo. O movimento, a vida, não param um instante. Órgão principal deste movimento, o Estado está sempre em acção; porque, ele tem, sem cessar, novas necessidades a satisfazer, novas questões a resolver. Se a sua função de primeiro motor e de importante director é incessante, as suas obras, em compensação, não se repetem. Ele é a mais elevada expressão do progresso. Ora, que acontece quando, como vemos quase que por toda a parte, como vimos quase sempre, ele se atrasa nos serviços que criou, e cede à tentação do açambarcamento? De fundador, torna-se manobra; já não é o génio da colectividade, que fecunda, dirige e enriquece, sem impor qualquer constrangimento: é uma vasta companhia anónima, de seiscentos mil empregados e de seiscento mil soldados, organizada para fazer tudo, e que, em vez de vir em ajuda da nação, em vez de servir os cidadãos e as comunas, as espolia e as oprime. Cedo a corrupção, a defraudação, o desmazelo entram neste sistema; totalmente ocupado em se manter, em aumentar os seus privilégios, em multiplicar os seus serviços e aumentar o seu orçamento, o poder perde de vista a sua verdadeira missão, cai na autocracia e no imobilismo; o corpo social sofre, e a nação, ao contrário da sua lei histórica, começa a declinar. (Princ. Fédér., cap. VIII.)O Estado já não deve comandltar o trabalho, fazendo-se industrial ou comerciante: a sua missão é advertir, estimular, e depois abster-se... (Th. de la Prop., apêndice.)Contabilista e promotor nacionalPeço que se estabeleça a contabilidade da França. A França é uma casa comercial que não efectua as suas contas. (Carnets, 29 de Nov. de 1847.)A estatística... existe a custo, sem a qual o Estado e a sociedade não têm senão uma existência instintiva, e não podendo dar conta de nada, navegam de escolho em escolho, de naufrágio em naufrágio. (Programme Révol.)É preciso, para obter uma ideia justa, completa, dos fenómenos, comparar os mínimos e os máximos, tirar as médias... A economia dum povo é tanto mais perfeita... a ciência tanto mais avançada quanto todas as coisas se encontrem reguladas, cada vez mais, pela lei das médias... (Jutice, Les Biens.)Estatistieas pormenorizadas, informações precisas sobre as necessidades e as existências, uma análise leal dos preços de revenda, as previsões de todas as eventualidades...Vê-se como a produção e o consumo... se regularizariam... por meio duma inteligência mercurial e duma boa polícia económica... Mas é evidente que uma instituição tão preciosa só poderia ser proeza da vontade geral, e é justamente contra esta vontade que a pretexto de governamentalismo se erguem os liberais da economia. (Cap. Pol., liv. II, cap. VIII.)Dizer como os produtos da obra colectiva sairam da sociedade... mostrar a gênese dos problemas de produção e de repartição, é preparar a sua resolução. (Contr. Écon., cap. III.)O que faremos no dia seguinte à revolução:... Lei para a organização dum serviço de esta'tlstica em toda a França.... Lei sobre a contabilidade; esta lei é fundamental. (Carnets, 5 de Jan. de 1848.)O povo não pedia... que o governo se apoderasse do comércio, da indústria e da agricultura, para os juntar às suas atribuições e fazer da nação francesa uma nação de assalariados; mas que se ocupasse das coisas do comércio, da agricultura e da indústria, de maneira a favorecer, segundo as leis da ciência, que são as da justiça, o desenvolvimento da riqueza pública... (Solut. du Prob. Social.)Queremos que a obra especial do governo seja precisamente explorar o futuro, procurar o progresso, conseguir para todos liberdade, igualdade, saúde e riqueza. (Contr. Écon., cap. IV.)Progresso, é saber, é prever. (Th. du Progrès, cap. IX.)B. O federalismo internacional: a ConfederaçãoUma Confederação não é precisamente um Estado: é um grupo de Estados soberanos e independentes, ligados por um pacto de mútua garantia. Uma constituição federal não é o que se entende em França por carta ou constituição... É o pacto que contém as condições da Liga, isto é, os direitos e obrigações reciprocas dos Estados. O que se chama autoridade federal, finalmente, não é um governo; é uma agência criada pelos Estados para a execução em comum de certos serviços a que cada Estado renuncia e que se torna assim atribuição federal. (Princ. Fédér., cap. VII.)Segundo estes princípios, o contrato de federação - tendo por objectivo, em termos gerais, garantir aos Estados confederados a sua soberania, o seu território, a liberdade dos seus cidadãos; de solucionar as suas questões; de providenciar, com didas gerais, a tudo o que diz respeito à segurança e à prosperidade comum... - é essencialmente restrito.Se fosse de outro modo, a autoridade federal, de simples mandatário e com a função subordinada que deve ter, seria considerada como preponderante; em vez de estar limitada a um serviço especial, pretenderia abarcar toda a actividade e toda a iniciativa; os Estados confederados seriam convertidos em prefeituras, intendências, sucursais ou administrações. O corpo político, assim transformado, poderia chamar-se república, democracia ou tudo o que lhes agradar: já não seria um Estado constituído na plenitude das suas autonomias, já não seria uma Confederacão...Em resumo: o sistema federativo é o oposto da hierarquia ou centralização administrativa e governamental... A sua lei fundamental, característica, é esta: na federação, os atributos da autoridade central especializam-se e restringem-se, diminuem de número, de dependência, à mdida que a Confederação se desenvolve, pelo acesso de novos Estados. (Princ. Fédér., l.ª parte, cap. VII.)a) A organização políticaAté à presente data, o federalismo não tinha despertado nos espíritos senão ideias de desagregação; estava reservado à nossa época concebê-lo como sistema político.a) Os grupos que compõem a Confederação são eles próprios Estados, governando-se, julgando-se, administrando-se em toda a soberania segundo as suas próprias leis;b) A Confederação tem por finalidade reuni-los num pacto de mútua garantia;c) Em cada um dos Estados confederados, o governo é organizado segundo o princípio da separação dos poderes: a igualdade perante a lei e o sufrágio universal formam a sua base: eis todo o sistema. (Princ. Fédér., conclusão.)Cada grupo ou variedade de população, cada raça, cada língua é senhora no seu território... A unidade já não é definida: - No direito, a não ser pela promessa que os diversos grupos soberanos fazem uns aos outros; 1.º De mutuamente se governarem a si próprios e de tratarem com os vizinhos segundo certos princípios;2.º De se protegerem contra o inimigo do exterior e a tirania do interior;3.º De se combinarem, no interesse das respectivas explorações e empreendimentos, como também de prestarem assistência uns aos outros nos seus infortúnios;- No governo - a não ser por um conselho nacional, formado pelos deputados dos Estados, e encarregado de velar pela execução do pacto e pelo melhoramento da coisa comum... (Cap. Polit., liv. II, cap. XIV.)l.º A agência federalEm vez de absorver os Estados federados... numa autoridade central, reduzir as atribuições desta a um simples papel de iniciativa geral, de garantia mútua e de vigilância em que os decretos não são admitidos para execução senão com o visto dos governos confederados e por agentes à sua ordem. (Princ. Fédér., l.ª parte, cap. VIII.)2.º O conselho federalSe os Estados confederados forem iguais entre si, basta uma única assembleia; se são de importância diferente, restabelece-se o equilíbrio criando, para a representação federal, duas câmaras ou conselhos; uma, cujos membros foram nomeados em número igual pelos Estados qualquer que seja a sua população e a extensão do seu território, a outra em que os deputados são nomeados pelos mesmos Estados proporcionalmente à sua importância. (Cap. Pol., liv. II, cap. XV.)3.º A Justiça federalA instituição dum Tribunal Superior federal seria, pois, em princípio, uma anulação do Pacto. Sê-lo-ia, do mesmo modo quanto a um Supremo Tribunal pois, sendo cada Estado soberano e legislador, as legislações não são uniformes. Todavia como podem ser cometidos delitos e crimes contra a Confederação, há, para estes casos particulares, tribunais federais e uma Justiça Federal. (Princ. Fédér., l.ª parte, cap. XII.)4.º O orçamento e o exército federalExiste um orçamento federal, administrado pelo Conselho federal, mas que só diz respeito aos assuntos da Confederação...As milícias, os depósitos de armamento, as fortalezas, só passam para as mãos das autoridades federais nos casos de guerra e com o fim especial da guerra. (Princ. Fédér., l.ª parte, cap. VIII.)b) A organização económical.º Um mercado comumPresume-se que eu não vou, a propósito de federação, apresentar o quadro da ciência económica, e mostrar minuciosamente tudo o que havia a fazer segundo essa ordem de ideias. Digo simplesmente que o governo federativo depois de ter reformado a ordem política, tem como complemento necessário uma série de reformas a operar na ordem económica: eis em duas palavras em que consistem essas reformas:Do mesmo modo que sob o ponto de vista politico, dois ou vários Estados independentes podem confederar-se para garantirem mutuamente a integridade dos seus territórios ou para a protecção das suas liberdades, do mesmo modo, sob o ponto de vista económico, podem confederar-se para a protecção recíproca do comércio e da indústria, naquilo a que se chama união alfandegária. (Princ. Fédér., cap. XI.)Liberdade de troca, excepto a antecipação do fisco, e em certos casos debatidos em Conselho federal, uma taxa de compensação - eis o que diz respeito aos negócios. Liberdade de circulação e de residência, salvo o devido respeito às leis de cada país - eis o que diz respeito às pessoas... (Princ. Fédér., conclusão.)2.º Uma estrutura mutualistaO que a aglomeração das forças económicas é, no interior, para a classe trabalhadora, passa a sê-lo, no exterior, para as nações vizinhas; reciprocamente, o que representa para o bem-estar dumá nação e para a liberdade dos cidadãos a repartição igual dos instrumentos de trabalho e das fontes de riqueza, representa-o também para a comunidade dos povos. A causa do proletariado e a do equilíbrio europeu são solidárias... (Princ. Fédér., 3.ª parte, Cap. XI.) Tão irrepreenslvel quanto seja na sua lógica a constituição federal, qualquer garantia que ela ofereça na explicação só se manterá a si própria enquanto não encontrar na economia pública causas incessantes de dissolução. Noutros termos: é necessário ao direito político o contraforte do direito económico. Se a ordem federativa só servir para proteger a anarquia capitalista e mercantil, se... a sociedade se encontrar dividida em duas classes: uma de proprletários-capitalistas-empresários, a outra de proletários-assalariados... mais valeria para os povos a unidade imperial que a federação... O verdadeiro problema a resolver não é realmente o problema político; é o problema económico... Livrar os cidadãos dos Estados contratantes da exploração capitalista e bancocrática, tanto do interior como do exterior... semelhante revolução... é o caso duma federação. (Princ. Fédér., 1.ª parte, cap. XI.)O que há a fazer para tornar a Confederação indestrutível. é dar-lhe finalmente a sanção que ela espera, proclamando como base do direito federativo e de toda a ordem política o direito económico... o que constitui o direito económico,... é o regime da mutualidade.Numa confederação mutualista, o cidadão não abandona nada da sua liberdade... numa confederação baseada no direito económico e na lei da mutualidade, a guerra civil só poderia ter um motivo: a religião... Quanto a uma agressão do estrangeiro, qual poderia ser a sua causa?... Um simples caso de guerra... isto seria no caso em que a existência duma Confederação mutualista fosse declarada pelos Estados ambientados a uma grande exploração e a uma grande centralização, incompatível com os seus próprios princípios... Colocar fora da alçada da lei uma Confederação baseada no direito económico e na lei da mutualidade seria, justamente, o que poderia acontecer de mais feliz, tanto para exaltar o sentimento republicano federativo e mutualista, como para, com isso, acabar com o mundo do monopólio e determinar a vitória da democracia operária em toda a superfície do globo. (Cap. Pol. des classes ouv., liv. II, cap. XV.)c) O federalismo e a independência da ArgéliaDeveriamos ter na Argélia... uma Confederação marítima... admínistrando-se e governando-se ela própria, tendo as suas assembléias de província e a sua assembléia geral, o seu conselho executivo e os seus municípios; e sem outra relação com a mae-patria a não ser as trocas.O sistema não o quis...Então, a centralização, incompatível com qualquer liberdade, tornou-se mais forte na Argélia, pela prepotêneia do poder militar, incompatível com o trabalho... Entretanto, que imaginaram os nossos deputados da oposição para fazer reviver, entre as nossas desgraçadas mãos, esta terra africana? Uma única coisa: dobrar a sua deputação...Nunca o teríamos acreditado, se não tivéssemos sido testemunhas disso, que tanto disparate pudesse cair scibre um pais do alto duma tribuna. (Capac. Pol., liv. III, cap. V.)Um dia, surgirá a independência da Argélia. Mas, então, a sociedade europeia estará transformada... (Carnets, 8 de Julho de 1847.)d) O federalismo e as nacionalidadesP. - Que pensa do equilíbrio europeu?R. - Pensamento glorioso de Henrique IV, a que a revolução pode, por si só, dar a verdadeira fórmula: o federalismo universal, suprema garantia de toda a liberdade e de todo o direito...O federalismo é a forma política da humanidade.P. - Em que se transformam as nacionalidades?R. - As nacionalidades serão tanto melhor asseguradas quanto o principio federativo tiver recebido uma aplicação mais completa. A este respeito, pode-se dizer que, desde há trinta anos, a opinião seguiu um caminho errado.O sentimento da pátria é como o da família, da posse territorial, da associação industrial; um elemento indestrutível da consciência dos povos...Mas há muita diferença entre o reconhecimento das nacionalidades e a ideia de pô-los ao serviço de certas restaurações, tornadas inúteis, para não dizer perigosas... Os que falam de restabelecer essas unidades nacionais apreciam pouco as liberdades individuais. O nacionalismo é o pretexto de que se servem para evitar a revolução económica. (Justice, L’État) Uma das melhores coisas que foram feitas em Viena, e em que menos pensaram as potências signatárias, foi o entrecruzamento das raças e das línguas, proveniente da irregularidade dos recortes geográficos... Elas ensinaram ao povo que a justiça, como a religião, está acima da língua, do culto e da figura; que o que faz a pátria, muito mais que os acidentes do solo e a variedade das raças, é o direito...Aos princípios proclamados em Viena opõem-se outros, mais relacionados com as fantasias, mais atraentes no seu materialismo: por um lado, o principio das nacionalidades, simples na aparência e de aplicação fácil, e, no fundo, indeterminável, sujeito a excepção e a contradição, fonte de inveja e de desigualdade; em segundo lugar, o princípio, ainda mais ambíguo, mais arbitrário no seu fatalismo, das fronteiras naturais...Sob o ponto de vista fisiológico, não existem nacionalidade belga, nem tão pouco nacionalidade suíça; trata-se duma associação política entre duas ou mesmo três fracções de raças diferentes, neerlandesa ou batávica, gaulesa e germânica. Quanto às fronteiras, a diplomacia pode traçá-las a lápis no mapa; impossível é justificá-las de acordo com a configuração do solo. (Si les Traités de 1815 ont cessé d'exister.)e) O federalismo e a EuropaÉ certo que a Europa é uma federação de Estados, que o interesse deles é solidário e que esta federação é provocado, fatalmente, pelo desenvolvimento do comércio e da indústria. (Philos. du Progrès 1.ª carta.)A Europa seria ainda muito grande para uma confederação única: só poderia formar uma confederação de confederações... Então toda a nacionalidade regressaria à liberdade; então concretizar-se-ia a ideia dum equilíbrio europeu, previsto por todos os publicistas e homens de Estado, mas impossível de obter com grandes potências de constituição unitária. Foi muitas vezes alvitrada, entre os democratas de França, uma confederação europeia, ou seja, os Estados Unidos da Europa. Sob esta designação, parece nunca se ter compreendido outra coisa que não fosse uma aliança de todos os Estados, grandes e pequenos, existentes, actualmente, na Europa, sob a presidência permanente dum Congresso. Subentende-se que cada Estado conservaria a forma de governo que melhor lhe conviesse. Ora, dispondo cada Estado, no Congresso, dum número de vozes proporcional à sua população e ao seu território, os pequenos Estados encontrar-se-iam, dentro em breve, nesta pretensa Confederação, enfeudados aos grandes; ainda mais: se fosse possível que esta nova Santa Aliança pudesse ser animada dum princípio de evolução colectiva, vê-la-iamos prontamente degenerar, após uma conflagração interior, numa potência única, ou grande monarquia europeia. Uma semelhante federação não seria pois senão uma cilada ou não teria nenhum sentido, (Princ. Fédér., l.ª parte, cap. VIII.)f) O federalismo e a república dos povosApós a revolução francesa, um novo espírito se ergueu no mundo. A Liberdade colocou-se diante do Estado; generalizando-se rapidamente a sua ideia, compreendeu-se que ela não era somente um facto para o indivíduo, mas que devia também existir no grupo. À liberdade individual, quis-se juntar a liberdade associativa, municipal, cantonal, nacional; de modo que a sociedade moderna se encontra colocada ao mesmo tempo sob uma lei de unidade e uma lei de divergência, obedecendo ao mesmo tempo a um movimento centrípeto e a um movimento centrífugo. O resultado deste dualismo, antipático para os homens de Estado, e que as massas pouco compreendem, é fazer com que, um dia, pela federação das forças livres e pela descentralizarão da Autoridade, todos os Estados, grandes e pequenos, reunam as vantagens da unidade e da liberdade, da economia e do poder, do espírito cosmopolita e do sentimento patriótico. (Th. de l'impôt, cap. II.)Toda a questão é saber, tomando as coisas pela rama, se o homem moderno, duas vezes libertado, em primeiro lugar pela reforma, mais tarde, pela revolução, consente em prosseguir a obra da sua liberdade, se ele pretende permanecer senhor de si próprio, dispor do seu pensamento, do seu trabalho, da sua riqueza, governar-se por uma ciência positiva, fazer respeitar a sua soberania e consequentemente ter sempre a mão sobre o Estado; ou se faremos melhor em voltar ao sistema duma hierarquia do dinheiro e da espada, dum comunismo agrícola e industrial...Porque, tais serão o direito civil, o direito politieo e o direito económico, tal será a ideia que deveremos fazer do direito internacional; tal, consequentemente será ou deverá ser, para cada país, a sua política externa. O debate europeu resulta essencialmente desta oposição. Digamos finalmente que se o progresso da humanidade deve efectivar-se no sentido da liberdade individual, associativa, local, comunal, provincial, nacional, a primeira tendo por suporte as seguintes e a última servindo por assim dizer a todas as outras de base... acontecerá forçosamente, depois de um certo número de oscilações, que os grandes Estados perderão insensivelmente as suas características centralizadoras, aproximar-se-ão da forma federativa; e do absolutismo unitário só conservarão a mutualidade das garantias e a comunidade das leis. (La Fédér. et l’unité em Italie.)Somente nestas condições a república dos povos poderá, finalmente, sair do seu misticismo, sob a forma concreta duma federação de federações. (Princ. Fédér., 1.ª parte, cap. IX.)Esta nova ordem, que a revolução francesa, segundo a tradição popular, é chamada a fomentar, reunindo todos os povos numa confederação das confederações, ei-la aqui. (Capac. Pol., liv. II, cap. V.)Uma Filosofia PluralistaIA IDEIA-FORÇA DE JUSTIÇA1. - UMA FILOSOFIA DEMOCRATICA E SOCIALA filosofia, - procura... e descoberta da razão das coisas... - (entendendo como coisas todas as manifestações do ser humano),... não é a procura, muito menos a descoberta da sua natureza... O que o espírito vê das coisas são as suas diferenças, espécies, séries e grupos, numa palavra, a sua razão... A filosofia apoiasse em relações... A fenomenologia das coisas e suas leis...Justifcar, numa palavra, o que lhe acontece interiormente, o que ele observa ou executa exteriormente, o que os seus sentidos e a sua consciência lhe testemunhara, eis para o homem o que é a filosofia.Deste modo, o objectivo é ensinar ao homem a pensar por ele próprio, a raciocinar com método, a ter ideias justas das coisas, a formular a verdade em juizos exactos, tudo com o fim de dirigir a sua vida, de merecer pela sua conduta a estima do se semelhante e a sua, e de assegurar para si, com a paz do coração, o bem-estar do corpo e a tranquilidade do espírito...Um principio de garantia para as nossas ideias; uma regra para as nossas acções; como consequêneia deste duplo critério e do acordo entre a nossa inteligência prática e a nossa inteligência especulativa, uma síntese de todos os nossos conhecimentos e uma suficiente concepção da economia do mundo e do nosso destino: eis o que nos deve a filosofia.(Justice, Philos. Popul.)O seu destino é servir-nos... É preciso... que ela se torne democrática e social...2. - A JUSTIÇA, LEI DA FILOSOFIAA lei da minha filosofia... procurá-la-ei... numa relação entre mim e um outro eu que não seja eu...Sei que qualquer homem, meu semelhante, é um eu; penso igualmente que os animais... são também eus, de uma dignidade inferior, é certo, mas criados no mesmo plano... Como já não faço uma demarcação nítida entre o animal e a planta, entre esta e o mineral, pergunto a mim mesmo se os seres inorgânicos não são ainda... membros dum eu de que ignoro a vida e as operações.Sendo pois todo o ser classificado em eu e não-eu, que posso eu fazer de melhor, nesta ambiguidade ontológiea, senão tomar para ponto de partida da minha filosofia a relação, não de mim a mim mesmo... mas de mim a um outro eu, o que já não constitui uma dualidade metafísica... mas uma dualidade real, viva...Agindo assim... tenho a vantagem, descendo da rhumanidade para as coisas, de nunca perder de vista o seu legítimo conjunto... enfim, presume-se racionalmente que a lei que rege os indivíduos entre si rege também os objectos, pois que, sem isso, haveria contradição entre a natureza e a Humanidade.Tomemos pois por cetro que... este princípio deve ser, ao mesmo tempo, subjectivo e objectivo, formal e real, inteligível e sensível, deve indicar uma ligação do eu ao não eu, deve ser dualista como a própria observação filosófica...Qual é então essa Ideia, ao mesmo tempo objece subjectiva, real e formal, de natureza e de humanidade, de especulação e de sentimento, de lógica e de arte, de política e de economia; inteligência prática e inteligência pura, que rege, ao mesmo tempo, o mundo da criação e o mundo da filosofia; sobre a qual são construidos um e outro; ideia, enfim, que, dualista pela sua fórmula, exclui entretanto qualquer anterioridade e qualquer superioridade e abarca, na sua síntese, o real e o ideal? É a ideia de justiça...3. - A JUSTIÇA, FORÇA IDEO-REALISTA DO UNIVERSOA sua mais evidente característica é exprimir uma relação... A Justiça é produto, não simplesmente duma impressão do não-eu sobre o eu... uma troca entre dois eus... A Justiça é bilateral. Mas não basta que a Justiça seja a relação entre duas vontades: ela não cumpriria a sua missão se só fosse isso... É preciso que a Justiça... para se tornar eficaz, seja mais que uma ideia; é preciso que ela seja, ao mesmo tempo, uma realidade... (Justice, Position du probl. de la Just.) É preciso que ela seja realidade e idealidade; que, além disso, conserve, com a força de síntese que acabámos de lhe reconhecer, um carácter de primordialidade suficiente, para servir ao mesmo tempo, uma realidade... (Justice, Position du princípio a todo o conhecimento. Ora, a Justiça reúne ainda estas vantagens: ela é o ponto de transição entre o sensível e o inteligível, o real e o ideal - as noções da metaflsica e as percepções da experiência.Esta Justiça, de que consideramos sobretudo, as nossas relações com os nossos semelhantes, o comando, não se impõe à compreensão e à imaginação com menos autoridade do que à consciência; a sua fórmula rege o mundo inteiro. (Justice, Philos. Pop.)O que é a Justiça... senão o equilíbrio entre forças? A Justiça não é uma simples relação, um concepção abstracta, uma ficção do entendimento ou um acto de fé da consciência: ela é uma coisa real, tanto mais obrigatória quanto assenta sobre realidades, sobre forças livres. (Théorie de la Propr.,. cap. VI.)A Justiça toma nomes diferentes, conforme as faculdades a que se dirige. Em ordem à consciência, a mais elevada de todas, a Justiça propiramente dita, é a regra dos nossos direitos e dos nossos deveres; em ordem à inteligência, lógica, matemática, etc., ela é igualdade ou equação; na esfera da imaginação, ela tem por nome ideal; na natureza, é o equilíbrio. Em cada uma destas categorias de ideias ou de factos, a Justiça impõe-se sob um nome próprio e como condição sine qua non; ao homem isolado, ser complexo, cujo espírito abarca, na sua unidade, os actos da liberdade e as opearções da inteligência, as coisas da natureza e as criações do ideal, ela impõe-se, sinteticamente, sempre com a mesma autoridade; e é por isso que o indivíduo que, nas suas relações com os semelhantes, falhando nas leis da natureza ou do espírito, falha na Justiça.O homem raciocina, e a sua lógica não é senão um desenvolvimento da sua gramática, da qual aquela aproveita os termos copulativos: todavia, como a lógica se ocupa menos com a forma do que com o fundo, aproxima-se mais da Justiça, de que é, se permitem esta expressão, o secretário. Aqui aparece ainda o dualismo da Justiça. Quando Kant, depois de ter feito a enumeração das suas categorias, as distribui em seguida em quatro grupos, formados cada um duma tese e duma antítese, equilibradas por uma síntese; quando Hegel, seguindo aquele exemplo, constrói toda a filosofia sobre um sistema de antinomias: que fizeram, um e outro - mesmo enganando-se quanto ao papel e ao valor da síntese - senão revelar-nos esta grande lei, que domina toda a sua crítica... a Justiça, noção pura, e também jacto da experiência.Alguém disse - Platão, se não me engano que o belo é o esplendor do verdadeiro.Precisão na forma e na expressão, Justiça na vida social: a lei é sempre a mesma... Está ai o segredo do misterioso nó que une num conjunto a arte e a moral.Falaremos da política e das suas reflexões? da economia política, da divisão sem fim das funções. do equilíbrio dos valores, da relação entre a oferta e a procura, do comércio e do seu equilíbrio?Do mesmo modo que a noção de precisão - isto é, de Justiça - aplicada à forma das coisas, é transição entre o real e o ideal, também a noção económica de valor, ao mesmo tempo objectiva e subjectiva, é essencialmente de Justiça: transição entre o mundo da natureza e o mundo da sociedade.Diremos, enfim, que a guerra, o antagonismo a todo o transe, não é senão uma investigação, pela juta das forças, da Justiça? (Justice, Philos. Popul.) O antagonismo, lei universal da natureza e da humanidade, o corolário da lei de Justiça, ou de equilíbrio.Mas... o trabalho oferece ao antagonismo um campo de operação, doutro modo vasto e fecundo, tal como a guerra. (Guerra et Paix, cap. V, liv. V.) É sempre a luta... ou concorrência entre as forças, não a luta sangrenta... (Guerre et Paix, concl. gerais.)Acção inteligente do homem sobre a matéria... o trabalho considerado sinteticamente nas leis da produção e da organização dá origem à Justiça... (Création de l'O., cap. IV.)Esta justiça ideal é, ela própria, o produto da determinação cada vez mais exacta das relações sociais observadas quanto à objectividade económica, (Justice, 9.º estudo.)Compreendeu-me perfeitamente, quando diss que a minha teoria sobre a Justiça era uma teoria realista... que, nisso, afastava-me sobretudo dos juristas, para quem a justiça não é senão um ideal, para não dizer uma abstracção. (Lettre à Langlois, 12 de Abril de 1862.)A justiça, em si, é o equilíbrio entre as antinomias, isto é, a redução ao equilíbrio das forças em luta; numa palavra: a equação das suas respectivas pretensões. (Lettre à Langlois, 30 de Dez. de 1861.)Em duas palavras, uma força de justiça, e não simplesmente uma noção de justiça.Mas, para que serve insistir... É pela sua consciência, muito mais que pela sua compreensão, que o homem abarca... o Universo e a Humanidade; é esta consciência, para dizer tudo, que produz nele a razão, em que o próprio nome, conforme a etimologia, não significa outra coisa senão justificação do facto... a Justiça.A Justiça é, ao mesmo tempo, para o ser racional, princípio e forma do pensamento, garantia do juízo, regra de conduta, fim do saber e fim da existência. Ela é sentimento e noção, manifestação e lei, ideia e facto. Do mesmo modo que, na natureza, tudo concorre... para o equilíbrio, também, na sociedade... todas as relações dos homens entre si são erradas pela Justiça; todas as leis da natureza derivam daquela, pela qual os seres, e os elementos que os compõem, estão ou tendem a ficar em equillbrio; todas as fórmulas da razão se reduzem à equação ou a séries de equações. A lógica, arte de raciocinar com precisão, pode definir-se, como a Química depois de Lavoisier, a arte de manter o equilíbrio... Com este indício, não se reconhece a existência duma filosofia..., filosofia ao mesmo tempo da razão e da natureza?Ora, o povo possui, no seu intimo, a Justiça.O povo, no que toca a Justiça, não é, falando com propriedade, um discípulo; muito menos ainda um neófito. A ideia está nele: a única iniciação que exige, como outrora a plebe romana, é a das fórmulas. Que ele tenha fé em si próprio, é tudo o que lhe pedimos; depois, que tome conhecimento dos factos e das leis: a nossa função não vai além disso. Somos os monitores do povo, não os seus iniciadores.O filósofo deve ser, antes de tudo... um demonstrador prático.4. - A JUSTIÇA NA HUMANIDADE: DEFINIÇÃO Segundo as manifestações da consciência universal e da ciência... esta Justiça deve ser em nós qualquer coisa de perdurável e de real-indicando uma relação de conexidade e de solidariedade... pelo menos dois termos, duas pessoas unidas pelo respeito comum da sua natureza, diferentes e rivais para todo o resto...O homem, em virtude da razão de que é dotado, tem a faculdade de sentir a sua dignidade na pessoa do seu semelhante como na sua própria pessoa, de se afirmar ao mesmo tempo como indivíduo e como espécie.A Justiça é o produto desta faculdade: é o respeito, espontaneamente sentido e reciprocamente garantido, da dignidade humana, em qualquer pessoa e em qualquer circunstância em que ela se encontre comprometida, e em qualquer risco a que nos expõe a sua defesa...Estar pronto, em qualquer circunstância, a tomar com energia - em caso de necessidade, contra si próprio - a defesa dessa dignidade, eis a Justiça.Isso equivale a dizer que, pela Justiça, cada um de nós se sente ao mesmo tempo como pessoa e colectividade, indivíduo e família, cidadão e povo, homem e humanidade...Da definição de Justiça deduz-se a do direito e do dever. Sentir e afirmar a dignidade humana, primeiro em tudo o que se relaciona com nós próprios, depois na pessoa do próximo, e isto sem reconhecimento de egoísmo como sem qualquer consideração de divindade ou comunidade: eis o Direito.O direito é, para cada um, a faculdade de exigir dos outros o respeito da dignidade humana na sua pessoa: o dever, a obrigação para cada um de respeitar esta dignidade noutrem.No fundo, direito e dever são termos idênticos, to que são sempre a expressão do respeito, exigível ou devido: exigível, porque ele é devido; devido, porque ele é exigível; só diferem, no sujeito: eu tu, em quem a dignidade está comprometida. (Justice, Les Personnes.)Sociedade, Justiça, Igualdade são três termos equivalentes, três expressões que se traduzem. (l.er mémoire, cap. V.)A Justiça é a fórmula da sociedade. (Capac. Pol., liv. II, cap. V.)A Justiça é, pois, uma faculdade da alma, a primeira de todas, a que constitui o ser social. Mas ela é mais do que uma faculdade: ela é uma ideia, implica uma relação, uma equação. Como faculdade, é susceptível de desenvolvimento: é este desenvolvimento que constitui a educação da humanidade. Como equação, não apresenta nada de antinómieo... e como toda a lei... ela é altamente inteligível. É através dela que os factos da vida social, indeterminados pela sua natureza e contraditórios, se tornam susceptíveis de definição e de ordem. (Justice, Les Personnes.)5. - AS SUAS TRÊS CARACTERISTICASA. O seu foco: Justiça e imanência moralTerá esta força de Justiça o seu foco em qualquer parte dentro do homem ou fora do homem?Aqui dividem-se de novo as opiniões ...a) Justiça, lei inerente a toda a naturezaQualquer que seja a Justiça, e seja qual for o nome que lhe chamem, a necessidade de um princípio que aja sobre a vontade, como uma força, e a determine no sentido do direito ou da reciprocidade dos interesses, independentemente de toda a consideração de egoísmo, esta necessidade é incontestável. Constatar a realidade da Justiça... é hoje inteiramente ética. Ora há duas maneiros de conceber a realidade da Justiça:- Ou como uma pressão do exterior, exercida sobre o eu;- Ou então como uma faculdade do eu, que, sem sair do seu foro intimo, sentiria a sua dignidade na pessoa do próximo com a mesma vivacidade que sente na sua própria pessoa, e julgar-se-ia assim, esmo conservando a sua individualidade, idêntico dequado ao próprio ser colectivo.No primeiro caso, a Justiça é exterior e superior ao indivíduo, quer ela resida na colectividade social, considerada como ser sui generis, euja dignidade ultrapassa a de todos os membros que a compõem - o que encaixa na teoria comunista - ; quer se coloque a Justiça mais alto ainda, no ser transcendente e absoluto, que anima, inspira a sociedade, e a que se chama Deus.No segundo caso, a Justiça é íntima ao indivíduo, homogénea à sua dignidade, igual a esta mesma dignidade, multiplicada pela soma das relações que supõe a vida social.b) Justiça, força moral comum ao homem e à sociedadeDêmos uma ideia dos dois sistemas.Sistema da Revelação:O primeiro destes sistemas e o mais antigo em data, aquele que faz aderir a si a massa das populações do globo, ainda que perca, cada dia, terreno nas nações civilizadas, é o sistema da transcendência vulgarmente, da revelação.Todas as religiões e quase-religiões têm por objectivo inculcá-lo: o Cristianismo, desde Constantino, tem sido o principal órgão. Aos teólogos, ou teodiceianos, é preciso juntar a multidão dos reformados que, mesmo separando-se da Igreja e do próprio Teísmo, permanecem fiéis ao princípio de subordinação externa, pondo no lugar de Deus a Sociedade, a Humanidade, ou qualquer outra Soberania, mais ou menos visível e respeitável... Quanto aos filósofos que negam todas as espécies, de revelação - ou que não têm estas em conta, tais como Saint-Lambert, d'Holbach, Bentham, Hobbes, Hegel, e os panteístas modernos - esses caem, sob o nome de Lei Natural, uns, no comunismo e no despotismo; os outros, no egoísmo, no utilitarismo, no organicismo, e no fatalismo; quer dizer: eles negam, com a liberdade, a Justiça...Sistema da Revolução:O outro sistema, radicalmente oposto ao primeiro, a que a revolução teve por objectivo assegurar o triunfo, é o da imanência, ou do facto de a Justiça estar inata na consciência. Segundo esta teoria, o homem, ainda que vindo duma completa selvajaria, produz incessantemente, pelo desenvolvimento espontâneo da sua natureza, a sociedade. Só por abstracção ele pode ser considerado no estado de isolamento e sem outra lei que não seja o egoísmo. A sua consciência não é dupla, como o ensinam os transcendentalistas; não revela, por um lado, animalidade, e pelo outro, Deus; ela só está polarizada.Sem dúvida, antes da sua imersão na sociedade - ou, melhor dizendo, antes que a sociedade tenha começado a provir dele, pela descendência, pelo trabalho e pelas ideias - o homem, circunscrito no seu egoísmo, limitado à vida animal, nada sabe da lei moral... A experiência das coisas, necessária à produção da ideia não é menos necessária ao desenvolvimento da consciência... Mas... por mais que se produzam os factos da vida social e a inteligência deles apreenda a relação, esta relação nunca se traduzirá, para a vontade, numa lei obrigatória, se uma preformação... que faça notar ao indivíduo, nas relações sociais que o abarcam,... uma espécie de comando secreto dele próprio a ele próprio.A ciência da Justiça e dos costumes... assenta, por um lado, numa faculdade especial... pelo outro, na experiência.Parte integrante duma existência colectiva, o homem sente a sua dignidade, ao mesmo tempo, nele próprio e noutrem e alberga em si o princípio duma moralidade superior ao individual. Este princípio, não o recebe ele doutro lado; ele é-lhe íntimo, imanente. Constitui a sua essência, a essência da própria sociedade. É a forma própria da alma humana, forma que não faz senão tornar-se precisa e aperfeiçoar-se cada vez mais, pelas relações que em cada dia a vida social faz nascer...A Justiça é humana, inteiramente humana, somente humana... ela não supõe nem exige a existência de Deus e a imortalidade das almas. Ela seria uma mentira se tivesse necessidade de semelhantes sustentáculos. Eis em que sentido preciso, livre de qualquer reminiscência teológica e supranaturalista, me sirvo da palavra imanência. A Justiça tem o seu foco na humanidade, ela é progressiva e infalível na humanidade, porque é da humanidade: tal é o meu pensamento, extraído, ele próprio, do mais profundo da consciência...c) Justiça, direito revelado progressivamente pela experiência socialNo sistema da Revelação, a ciência da Justiça e dos costumes fundamenta-se necessariamente, à priori, na palavra de Deus, explicada e comentada pelo sacerdócio... Tal é o direito divino, tendo como máxima a autoridade: dai todo um sistema de administração para os Estados, de policia para os costumes, de economia para os bens, de educação para a juventude, de restrição para as ideias, de disciplina para os homens.Na teoria da imanência, pelo contrário, o conhecimento do Justo e do Injusto resulta do exercício duma faculdade especial e do juizo que a Razão formula depois sobre os actos. De modo que, para determinar a regra dos costumes, basta observar a fenomenalidade jurídica, à medida que ela se produz nos factos da vida social. ln preciso acrescentar que, nesta teoria, devendo o homem chegar, por si próprio e por si, ao conhecimento da Justiça, a sua ciência é necessariamente progressiva, revelada conforme a experiência. Donde se segue que, sendo a Justiça o produto da consciência, cada um é juiz, em última instância, do bem e do mal, constituído em autoridade perante si próprio e os outros...Tal é o direito humano, tendo por máxima a liberdade: daí também todo um sistema de coordenações, de garantias reciprocas, de serviços mútuos, que é o inverso do sistema de autoridade ... (Justice, Posit. du probl. de la Just.)B. A sua condição orgânica: Justiça e personalismo sociala) Justiça, adequação da pessoa e da sociedadeA Justiça é maior que o eu. Ela não vive solitária. Supoe uma reciprocidade... consequentemente ela pede uma dualidade. (Justice, 12.º estudo.)Pela Justiça, cada um de nós sente-se ao mesmo tempo pessoa e colectividade. (Justice, 12.º estudo.)A realidade... a personalidade do homem colectivo é tão certa como a realidade e a personalidade do homem indivíduo. (Contr. Êcon., conclusão.)A sociedade, enquanto ser moral, tem por base a Justiça, isto é, o princípio que torna a sociedade e o indivíduo adequado um ao outro e homólogos. (Justice, Les Biens.)A primeira lei social é a personalidade, a individualidade colectiva, manifestada por costumes e instituições próprias. (à margem da Bíblia de Proudhon.)Sociabilidade, Justiça, equidade, tal é, no seu triplo grau, a definição exacta da faculdade instintiva que nos faz procurar a intimidade com os nossos semelhantes. Estes três graus de sociabilidade apoiam-se e admitem-se: a equidade sem a justiça nada é; a sociedade sem a justiça é um contra-senso.Sociedade, justiça, igualdade, são três termos equivalentes, três expressões que se traduzem e cuja conversão mútua é sempre legitima. (Prem. Mém., cap. V.)b) Justiça, equilíbrio das forças individuais e colectivasMas é possível que nós, homens, não sejamos todos associados?... Mesmo que não quiséssemos ser associados, a força das coisas, as necessidades de consumo, as leis da produção, o principio matemático da troca, associam-nos.Trabalhamos todos uns para os outros, nada podemos por nós próprios, sem a assistência dos outros, fazemos entre nós trocas continuas de produtos e serviços: que é tudo isto, senão actos de sociedade?...- O que é então praticar a Justiça? É cada um participar igualmente nos bens sob a condição de igual trabalho; é agir societariamente...Fora da sociedade, o homem é uma matéria explorável, um instrumento capitalizado, muitas vezes um objecto de adorno, incómodo e inútil...O homem só é homem através da sociedade, a qual, por seu lado, só se mantém pelo equilíbrio e harmonia das forças que a compõem.No seio da universalidade social, existem, para cada um de nós, tantas sociedades particulares quantos os indivíduos; e, em virtude do próprio principio da sociabilidade, devemos cumprir as obrigações que elas nos impõem, segundo a ordem de proximidade com que se formaram em nosso redor.Esta teoria das sociedades particulares, formadas, por assim dizer, concentricamente, por cada um de nós no seio da grande sociedade, dá a chave de todos os problemas que as diversas espécies de deveres sociais podem levantar, devido a oposições e conflitos. (Premier Mém., cap. V.)c) Justiça, personalizarão da sociedade e socialização da pessoaUnião do eu com a sociedade, fusão do individualismo com o socialismo: ponto comum, onde vêm reunir-se a filsofia alemã e a democracia francesa...A humanidade inteira está na alma de cada um de nós, e ninguém me pode impor nem fé nem lei, se eu não a encontrar em mim próprio. A razão individual confirma a razão social que a confirma por sua vez. (Carnets, 14 de Junho de 1847.)Se o individualismo é o facto primordial da humanidade, a associação é o seu termo complementar; mas ambos estão em manifestações incessantes, e, à face da terra, a justiça é eternamente a condição do amor. (Contr. Écon., cap. VII.)Quando se tiver reparado como, na espécie humana, o indivíduo e a sociedade, indivisivelmente unidos, formam contudo dois seres distintos, ambos pensantes, actuantes e progressivos; como o primeiro recebe uma parte das suas ideias do segundo e exerce por sua vez sobre ele uma influência; como logo as relações económicas... contraditórias entre si enquanto são consideradas nas pessoas, se resolvem... na sociedade... Quando se der conta desse dualismo orgânico... que compõe ao mesmo tempo a existênci colectiva e as existências individuais ... em lugar dos sistemas... - teremos a ciência progressiva. (Philos. du Progrès, 2.ª carta.)A Sociedade, isto é, a união das forças, assenta sobre a Justiça. A Justiça tem como condição orgânica um dualismo, sem o qual se reduz em breve a uma noção pura, ineficaz...A sociedade subsiste pela subordinação de toda as forças e faculdades humanas, individuais e colectivas, à justiça. (Pornocratie, cap. III.)C. O seu desenvolvimento: Justiça e evolucionismo revolucionárioa) As revoluções: manifestações sucessivas da JustiçaAs revoluções são as manifestações sueessiv da Justiça na humanidade. É por isso que toda a revolução tem o seu ponto de partida numa revolução anterior.Quem diz pois revolução, diz necessariamente progresso, diz por isso mesmo conservação. Donde se conclui que a revolução está permanentemente na história, e que falando com propriedade não houve várias revoluções, houve uma única e mesma revolução. (Toast à la Révol.)A revolução... declara todos os homens iguais em direitos... Esta justiça igualitária é a lei d revolução. (Justice, Les Biens.)A revolução de há dezoito séculos chamava-se o Evangelho... A igualdade de todos os homens perante Deus... o Cristianismo criou o direito das pessoas, a fraternidade das nações... Tal foi o carácter da primeira e da maior das revoluções... Ela renovou o mundo, e renovando-o, conservou-o.Mas... esta revolução... não era suficiente para a emancipação do homem... ela pedia uma outra revolução...Por volta do século XVI, a revolução explodiu. A revolução, nessa época, sem se renegar a si própria, tomou um outro nome... chamou-se a filosofia. Teve por dogma a liberdade da razão, por divisa, a igualdade de todos perante a razão...Eis qual foi a segunda revolução, a segunda grande manifestação da justiça. Também rejuvenesceu o mundo, salvou-o...Aproximadamente a meia do século passado começou... uma nova elaboração, e como a primeira evolução tinha sido religiosa, a segunda filosófica, a terceira revolução foi política. Chamou-se o contrato social. Tomou como dogma a soberania do povo... A sua divisa foi: a igualdade perante a lei...Deste modo, em cada revolução, a liberdade aparece-nos sempre como o instrumento da justiça, e a igualdade como o seu critério...A justiça deu a sua quarta hora... a sua divisa: a igualdade perante a fortuna...A revolução, depois de ter sido sucessivamente religiosa, filosófica, política, tornou-se económica, e, como todas as que a precederam, é nada menos do que uma contradição do passado, uma espécie de derrubamento da ordem estabelecido que ela nos traz. Sem esta mudança completa dos princípios e das crenças, não há revolução... (Toast à la Révol.)b) A Justiça revolucionária e o direito da forçaHoje o trabalho está à mercê do capital... A Relução diz-vos para mudar esta ordem. (Toast à Révol.)O trabalhador cria com a Revolução: Justiça... A gente idosa responde: Fatalidade...Qual será a saída para o debate? Quanto a mim, ela não tem qualquer dúvida: credo in revolucionem. (Justice, Le Travail.) Como na sociedade as ideias são os interesses, e como os interesses são os homens, é difícil que os homens que reinaram pelos seus interesses... consintam em eclipsar-se. É preciso vencê-los, eles só cederão à força. (Créat. de l’O., n.º 539.)Existe um direito real, positivo, incontestável, o da força; este direito é o mais antigo, reconhecido na história, o mais vivamente sentido pelas massas... Sem o direito da força, a história inteira é inexplicável, absurda, os tratados, nulos, a civilização, tragicomédia... Direito e força nao são idênticos... Mas a força faz parte do ser humano, contribui para a sua dignidade... Ela tem também o seu direito, que não é todo o direito... mas que não podemos desconhecer...A força é, como todas as nossas outras faculdades: sujeito e objecto, princípio e matéria de direito... parte constituinte da pessoa humana... pode tornar-se, em certos casos, justiceira ... Será o mais baixo grau da justiça...A força não é somente coisa física e muscular; sobretudo coisa moral... O que concorre para a vitória é, mais que a força material, a energia moral... A matéria é uma força, tal como o espírito... De todas as forças a maior, tanto de ordem espiritua como de ordem moral, é a associação.... encarnação da Justiça...O que provoca a agitação permanente da sociedade - e a sua ameaçadora divisão em burguesia proletariado - senão o facto de o direito da força nunca ter sido reconhecido, como devia, às massas? A força popular, colocada à parte, não foi reconhecida. O povo é sempre o monstro que se amordaça que se sangra pela colonização e pela guerra, que se reprime o mais que se pode, fora do direito e da política... (La Guerre et la Paix, liv. II, cap. VII.)Se alguma vez a guerra se reaeender entre a burguesia e o proletariado e que este seja o senhor, porque não haveria o proletário de usar também da vitória em presença do burguês?... (Idem, liv. IV, cap. X.)A guerra... não parece... poder ser doravante outra coisa senão uma guerra pela exploração e propriedade... uma guerra social. O direito da força está longe de ter dito a sua última palavra, quer seja por uma batalha ou por uma constituição consentida... O povo mudará a relação entre o trabalho e o capital... (La Guerre et la Paix, liv. II, cap. IX.) Defender que um derrubamento pode, sozinho, trazer a reforma, é... procurar a verdade no desconhecido. (2.e Mémoire.)A questão resume-se em acelerar o movimento... em fazer a sociedade viver velozmente, durante um lapso de tempo, e em obrigá-la a realizar, num século, o trabalho de vários séculos. A ordem social cria-se através duma série de transformações, em que a primeira contém os rudimentos das outras, ainda que, essencialmente, ela difira das outras... A sociedade só se reforma crescendo e desenvolvendo-se sempre. (2.e Mémoire.)O que constitui a prática revolucionária, é que ela já não se conduz por pormenores e por diversidades, ou por uma transição imperceptível, mas por simplificações e transposições. Ela transpõe, em extensas equações esses meios termos que propõe o espírito de rotina..., o egoísmo dos felizes ou a inércia dos governantes... Essas grandes equações de princípios, essas transições gigantescas nos costumes, têm também as suas leis: nada de menos arbitrário, de menos abandonado ao acaso que a prática das revoluções...O poder revolucionário, o poder de conservação e de progresso... está dentro do povo. O povo sozinho, operando sobre si próprio, sem intermediário, pode completar a revolução económica... o povo sozinho pode salvar a civilização e fazer avançar a humanidade. (Toast à la Révol.) Uma revolução é coisa orgânica, coisa de criação, e o poder é coisa mecânica ou de execução. Entendo por orgânico aquilo que faz a constituiáção íntima da sociedade... ; cabe a um desenvolvimento espontâneo... modificar o que pode ser modificado... ; uma revolução é uma explosão da força orgânica, uma evolução da sociedade do interior para o exterior; ela é legítima tanto quanto é espontânea. (Conf. d'un Révol., cap. IV.) O povo,... é a natureza humana na sua espontaneidade. (Carnets, 1.º de Outubro de 1845.)Uma revolução verdadeiramente orgânica, produto da obra universal, ainda que tenha os seus executores, não é verdadeiramente obra de ninguém... Ela só subsistirá pela justiça..., a justiça fórmula própria da sociedade ... É a justiça que a democracia operária, na sua intuição inteiramente espontânea, invoea hoje... (Cap., liv. II, cap. V.)6. - A SUA SUPERIORIDADE COMO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL: JUSTIÇA E COMUTAÇÃO DAS LIBERDADES... Entre as abelhas, a comunidade resulta da organização dos indivíduos, ou melhor dizendo, esta organização é que é determinada pelas exigências da vida comum...As obreiras não têm sexo, isto é, nada que as leve ao cisma e à divisão. Todo o seu amor, toda a sua alma, toda a sua felicidade está na colmeia, no bem-estar da comunidade...Também a natureza não parece ter querido para o homemuma subordinação mortífera. Ela deixa-lhe personalidade. Ela quer que, mesmo associando-se, ele permaneça livre. Qual será a forma de sociedade humana, por que virtude, através de que lei, o homem, multiplicando a sua força pela associação, conservará, apesar disso, a sua acção pessoal e o seu livre arbítrio?Eis o que, há séculos, a espécie humana procura com ardor. (Justice, Posit. du Probl. de la Justice.) Poderá haver nisso uma constante social? Começa aqui uma série de problemas que constituem o desespero dos filósofos e o triunfo dos teólogos...Como satisfazer ao mesmo tempo vontades antagónicas, em que cada uma exige o que constitui o objectivo das reclamações das outras? Para estabelecer o equilíbrio, recorre-se a diversas hipóteses:- Uns, considerando que o homem só tem valor para a sociedade, tendem -com todas as suas forças, em nome de todos os interesses particulares e sociais - a absorver o indivíduo pela colectividade.Tal é o sistema comunista, preconizado por Licurgo, Platão, pelos fundadores de ordens religiosas, e pela maior parte dos socialistas contemporâneos. Este sistema, que se poderia definir como a degradação de personalidade em nome da sociedade, encontra-se, ligeiramente modificado, no despotismo oriental, na autocracia dos Césares e no absolutismo do direito divino. É a base de todas as religiões. A sua teoria reduz-se a esta proposição contraditória: subjugar o indivíduo, a fim de tornar a massa livre. Evidentemente, a dificuldade não é resolvida: ela é cortada...- A hipótese duma liberdade ilimitada. Os adeptos desta opinião defendem que não há, no fundo, oposição entre os interesses; que, sendo todos os homens da mesma natureza, tendo todos necessidade uns dos outros, os seus interesses são idênticos, portanto fáceis de conciliar.Como se vê, é ainda não resolver a dificuldade; é negar que ela existe ...Estando afastadas, tanto a hipótese comunista como a hipótese individualista, a primeira como destrutiva da personalidade, a segunda como quimérica, resta tomar um último partido: é o da Justiça...-Para que exista sociedade entre criaturas racionais, é preciso que haja engrenagem de liberdades, transacção voluntária, compromisso recíproco: o que só se pode fazer com a ajuda dum outro principio, o principio mutualista do direito. A Justiça é comutativa por natureza e na forma: ainda que a sociedade possa ser concebida acima dos indivíduos e exteriormente a eles, como acontece na comunidade, ela só tem existência através das pessoas individuais; ela resulta da sua acção recíproca e da sua energia comum; ela é, para eles, a expressão e a síntese. Graças a este organismo, os indivíduos, semelhantes pela sua indigência original, especializam-se, através das suas aptidões, das suas habilidades, das suas funções; desenvolvem e multiplicam até um grau desconhecido a sua própria acção e a sua liberdade. De modo que chegamos a este resultado decisivo: tudo querendo fazer pela liberdade, só a minoramos; obrigando-a a transigir, aumentamo-la.- Só a Justiça pode, portanto, ser considerada progressista, porque supõe uma revisão continua da legislação, de acordo com a experiência das relações quotidianas, fornecendo, por conseguinte, um sistema cada vez mais fecundo de garantias.De mais a mais, o que provoca o triunfo da ideia jurídica sobre as duas formas hipotéticas do comunismo e do individualismo, é que, enquanto o direito se basta a si próprio, o comunismo e o individualismo, incapazes de se realizarem unicamente em virtude do seu principio, não podem passar de prescrições do direito. Ambos são forçados a chamar a justiça em seu socorro.Das três hipóteses postas, para, através da oposição de interesses, criarem uma ordem na humanidade, e converterem a multidão das individualidades em associações, realmente só subsiste uma válida, a da Justiça. A Justiça, pelo seu princípio mutualista e comutativo, assegura a liberdade e aumenta a sua força, cria a sociedade, e dá-lhe uma força irresistivel... A liberdade, erguendo-se a um mais elevado nível, mudou de carácter: do mesmo modo o Estado, já não é o mesmo que se apresentara incialmente na hipótese comunista: ele é a resultante, não a dominante dos interesses... Então, nem comunidade: nós temos muitos hábitos de independência, de personalidade, de responsabilidade, de amor pela família, de crítica, de revolta.Nem liberdade ilimitada: nós temos muitos interesses solidários, muitas coisas comuns, muita ne essidade uns contra os outros do recurso ao Estado.Só a Justiça, vez mais explícita, sábia, severa: eis como se encontra a situação, o que pedem todas as vozes da Humanidade. (Justice, Position du Probl. de la Justice.)