Friday, March 23, 2007

O Silêncio de Proudhon

À publicação da “Miséria da Filosofia” Proudhon ignorará totalmente Marx, não o lerá nem o citará nunca. Numerosas hipóteses foram propostas para explicar este silêncio de Proudhon ao contrário da “Miséria da Filosofia”. Consideremos as quatro mais importantes interpretações.
Em primeiro lugar, Benoît Malon que se pergunta qual o interesse que teria Proudhon em responder ao libelo de Marx, e portanto dá-lo ao conhecimento do público:
“Proudhon que não teríamos sabido tão hábil, sentiu toda a vantagem que lhe dava a obscuridade de seu terrível contraditor, e ele, que estava sempre pronto para a polémica e à invectiva, não responde a Marx, que continuará a ser ignorado do grande público françês. Esta situação durará bastante tempo (até à comuna)”.(21)
Daniel Halévy sugere uma outra explicação “mais digna da alma de Proudhon que a manobra conjecturada por Benoît Malon”:
“Se ele se calou, é talvez porque a resposta absolutamente honesta era difícil de dar, e repugnava-lhe comprometer, sobre um assunto que interessava o futuro do socialismo, uma briga de importância menor”.(22)
Finalmente, Pierre Haubtmann propõe duas outras hipóteses, a primeira, rapidamente afastada, segundo a qual Proudhon, após ter visto em Marx apenas o plágio, terá percebido a pertinência dos seus críticos. Então “incomodado por demonstrar a sua tese do plágio, por honestidade intelectual, cala-se”. (23) A segunda ideia reside nisto:
“Proudhon pensava bem numa resposta (os “Cadernos” assim o indicam), mas, pouco depois, a revolução de Fevereiro de 1848 estalava: empenhado na política, eleito representante do povo, Proudhon, tornado “o homem terror” teve outros adversários a combater, mais próximos e mais perigosos que Marx, o proscrito alemão”(24).
É provável que esta hipótese seja a mais sólida. Todavia, tomada como única explicação, não parece ser suficiente. Com efeito, é preciso lembrarmo-nos com que veemência Proudhon declarava ao seu editor, M. Guillaumin:
“Recebi o libelo de M. Marx, em resposta à filosofia da Miséria: é um composto de grosserias, de falsificações, de plágios...”(25).
Para compreender o silêncio de Proudhon, é necessário talvez transportarmo-nos ao que ele escreverá, em “Da Justiça na Revolução e na Igreja”, a propósito da crítica de Léon Walras:
“Não me alongarei demasiado neste momento sobre a refutação que o Sr. Walras se orgulha de ter feito das minhas doutrinas. Há vinte anos que me refutam, e estou sempre presente. Para que uma refutação mereça resposta, é preciso que aquele que a faz tenha primeiramente compreendido a obra que refuta, em seguida que ele conheça o que está em questão na dita obra. Ora, não me parece que o Sr. Walras tenha meditado na natureza dos factos económicos, e ainda menos que me tenha feito a honra de me compreender” (26).
Parece que os acontecimentos, sociais e pessoais, jogaram um grande papel no silêncio de Proudhon, mas mais ainda que com Walras, há fortes probabilidades que teria respondido pela injúria àquilo que pensava não ser mais que uma calúnia, e não uma refutação crítica. (27)
Inversamente, Marx, pelo seu lado, estará sempre à espreita dos menores gestos e escritos de Proudhon. A sua correspon-
dência, como as suas obras mencionam constantemente Proudhon ou o proudhonismo. Parece pois que, se a posição oficial de Marx está para o futuro fixada, os seus sentimentos permanecem menos nítidos. Com efeito, verificamos um certo embaraço, logo que chega a altura de ter que se pronunciar “em privado” sobre Proudhon. Foi nomeadamente o caso quando expôs a Engels o conteúdo de “Ideia Geral da Revolução no século XIX” irá limitar-se a um relato fiel, desprovido de toda a crítica, e mostrando-se mesmo sobretudo favorável à obra (“o livro compreende ataques bem fortes a Rousseau, Robespierre, a “Montanha”, etc.”) (28) e acaba por um apelo (“ escreve-me com detalhe sobre o que pensas desta receita.”) (29) Será então Engels que, na sua resposta, indicar-lhe-á, com uma certa habilidade, a atitude a observar face a esta obra.(30)
Assim, para além dos conflitos de ideias e de influências, Marx experimentou sem dúvidas toda a sua vida uma fascinação relativamente àquele que foi antes de Engels, o seu principal iniciador no pensamento científico do socialismo (31). E se as suas teorias são inconciliáveis, a marca do pensamento proudhoniano sobre Marx ficará indelével. Proudhon aparecerá em todas as obras críticas, filosóficas ou políticas, de Marx e de Engels, mas será sistematicamente, e sem dúvida significa-
tivamente, omitido das suas obras teóricas (e particularmente n‘O Capital) (32).
A calúnia marxista não parará nunca “o burguês intelectual, formado e marcado pelos seus estudos filosóficos nas Universidades alemãs” não mostrará mais o menor respeito por “o grande moralista plebeu” (33). Em 24 de Janeiro de 1865, 5 dias após a morte de Proudhon (34), Marx, num artigo necrológico, continua a atacá-lo (o proudhonismo permanece no seio da Primeira Internacional, um obstáculo à sua autoridade), mas as suas acusações tornam-se menos severas, e sobretudo menos sistemáticas, pois concede a Proudhon que “a sua intervenção na Assembleia Nacional, apesar de revelar a sua falta de discernimento, merece todos os elogios. Após a inssurecção de Junho, era um acto de grande coragem. Teve, por outro lado, a consequência feliz que o Sr. Thiers, no discurso que ele proporá contra as proposições de Proudhon e que foi publicado de seguida em brochura, mostrar a toda a Europa qual o catecismo puéril que servia de pedestal a este pilar espiritual da burguesia francesa. Em comparação com o Sr. Thiers, Proudhon tomava comportamentos de colosso antideluviano” (35).


NOTAS


21- “Proudhon, qu`on aurait pas cru si habile, sentit tout l`avantage que lui donnait l`obscurité de son terrible contradicteur, et lui, qui était si prompt à la polémique et à l`invective, ne répondit pas à Marx, qui continua à être ignoré du grand public français. Cela dura longtemps (jusqu`à la commune)”.
B. Malon - “K. Marx et Proudhon”, Paris, La Revue Socialiste, 15 de Janeiro de 1887, p. 15 e seguintes.
22- “s`il s`est tu, c`est peut-être parce que la réponse tout à fait honnête lui était difficile à donner, et qu`il répugnait d`engager, sur un sujet qui intéressait tout l`avenir du socialisme, une rixe de portefaix”.
D. Halevy - “Proudhon-Marx”, Paris, La revue Socialiste, p. 51-52.
23- “gêné pour démontrer sa thèse du plagiat, par honnêteté intellectuelle, il se tait”
Haubtmann - “Marx et Proudhon, leurs rapports personnels, 1844-1847”, Paris, revue Economie et Humanisme, 1947, p. 97.
24- “Proudhon songea bien à une riposte (les carnets l`indiquent), mais, peu après, la Révolution de février 1848 éclatait: engagé dans la politique, élu représentant du peuple, Proudhon, devenue “l`homme terreur” eut d`autres adversaires à combattre, plus proches et plus dangereux que Marx, le proscrit allemand”.
Haubtmann - “Marx et Proudhon, leurs rapports personnels, 1844-1847”, Paris, revue Economie et Humanisme, 1947, p. 97. Ao seu mandato eleitoral juntam-se outros acontecimentos longe desta querela, nomeadamente, a morte de sua mãe (17 de Dezembro de 1847 ou seja um pouco mais dum ano após o falecimento do seu pai (30 de Março de 1846), “Eis-me sózinho, sofrivelmente, desafeiçoado, desiludido, enfastiado (...)” e da sua tia.
25- “J`ai reçu le libelle de M. Marx, en réponse à Philosophie de la Misère: c`est un tissu de grossièretés, de falsifications, de plagiats...”
Proudhon - “Correspondance de P.J.Proudhon”, Paris, Lacroix, 1874-1875, “Lettre du 19 Septembre 1847 à M. Guillaumin”.
26- “Je ne m`étendrai pas davantage en ce moment sur la réfutation que M. Walras se flatte d`avoir faite de mes doctrines. Voilà vingt ans qu`on me réfute, et je suis toujours là. Pour qu`une réfutation mérite réponse, il faut que celui qui réfute ait d`abord compris l`ouvrage qu`il réfute, ensuite qu`il connaisse ce dont il est question dans le dit ouvrage. Or, il ne me paraît point que M. Walras ait médité la nature des faits économiques, bien moins encore qu`il m`ait fait l`honneur de me comprendre”.
Proudhon - “De la Justice dans la Eévolution et dans l`Église”, Paris, ed.Rivière, t.II, 1931, p. 150.
27- Proudhon - “Carnets de P.J.Proudhon”, Paris, ed. Rivière, t.II, 1961, p.290 (Carnet 6, p. 110, 20 de dezembro de 1847)
“Contradições económicas. - todos os que falaram até aqui fizeram-no com uma suprema má fé, vontade, ou estupidez.
“Contradictions économiques. - Tous ceus qui en ont parlé jusqu`icil`ont fait avec une sûpreme mauvaise foi, envie, ou bêtise.
Podemos aliàs, a respeito da “Misére de la Philosophie”, comprender a reacção proudhoniana; com efeito:
“Estranha maneira de arranjar a vítima (...) Marx começa por talhar bocados numa página de Proudhon, mas omite duas vezes os pontos de suspensão. Metemos isso na conta da negligência. Mas a última alínea é retirada do capítulo sobre a concorrência, impressa a cem páginas adiante, e completamente estranha à questão debatida. Não é tudo: nessa mesma alínea, Proudhon opõe-se ao “comunista” que muda para “econo-mista”...”
“Étrange façon d`arranger la victime (...) Marx commence par tailler des morceaux dans une page de Proudhon, mais omet deux fois les points de suspention. Mettons cela au compte de la négligence. Mais le dernier alinéa est tiré du chapitre sur la concurrence, imprimé à cent pages de là, et tout à fait étranger à la question débattue. Ce n`est pas tout: dans ce même alinéa, Proudhon s`attaque au “comuniste” (qui) change en “écono-miste”...”
M.Rubel- “Oeuvres de Karl Marx”, Paris, N.R.F., Biblio-thèque de La Pleiade, 1963, “Economie”, t.I, estabelecidos e anotados por M. Rubel, p.1548, p. 31.
(ver igualmente D.Meillier, “Poudhon et Marx: De “Philosophie de la Misère” à “Misère de la Philosophie”, D.E.A., Université Paris I, Nov. 1990.)
28- “Le livre comprend des attaques bien tournées à l`encontre de Rousseau, Robespierre, la “Montagne”, etc.”
K. Marx - “Lettre à Engels du 8 Août 1851”, “Sur l`anarchisme et l`anarcho-syndicalisme”, Moscou, Ed. du Progrés, 1982, p.35.
29- “Ecris moi en détail ce que tu penses de cette recette.”
K. Marx - “Lettre à Engels du 8 Août 1851”, “Sur l`anarchisme et l`anarco-syndicalisme”, Moscou, Ed. du Progrés, 1982, p.41.
30- F. Engels - “Lettre à Marx du 21 Août 1851”, “Sur l`anarchisme et l`anarco-syndicalisme”, Moscou, ed. du Progrés, 1982, pp. 42-43.
Engels apresenta as suas críticas como emanadas do próprio Marx, em seguida retoma as passagens que perturbavam mais Marx como provindo duma recuperação, duma apropriação por Proudhon do que Marx vinha de publicar no “O Manifesto do Partido Comunista” (que, seja dito em abono da verdade, nunca foi lido por Proudhon).
31-Bertrand - “P.J.Proudhon et les lyonnais”, Paris, Alphonse Picard, 1904, p.32:
“Esta desenvoltura de mau gosto na difamação sucedendo ao exagero nos elogios e na adulação só por si faria suspeitar no empréstimo e no plágio”.
“Cette désinvolture de mauvais goût dans le dénigrement succédant à une exagération dans les éloges et la flatterie ferait à elle seule soupçonner l`emprunt et le plagiat”.
32- O facto que Proudhon foi totalmente excluído do “O Capital” após a 1ª edição, reforça esta tese.
33- “le bourgeois intellectuel, formé et marqué par ses études philosophiques dans les Universités allemandes”
“le grand moraliste plébéien”
E. Dolleans - “La rencontre de Proudhon et de Marx (1843-1847), Paris, Revue d`Histoire Moderne, 1936, pp. 24-25.
34- 19 de Janeiro de 1865.
35- “son intervention à l`Assemblée nationale, bien qu`elle révèle son manque de discernement, mérite tous les éloges. Après l`insurrection de Juin, c`était un acte de grand courage. Elle eut, en outre, pour conséquence heureuse que M. Thiers, dans le discours qu`il proposa contre les de Proudhon et qui fut publié ensuite en brochure, montra à toute l`europe quel catéchisme puéril servait de piédestal à ce pilier spirituel de la bourgeoisie française. En comparaison de M. Thiers, Proudhon prenait des allures de colosse antédiluvien.”
K. Marx - “Lettre à Schweitzer du 24 Janvier 1865” , publicada no “Sozialdemokrat” em 1, 3 e 5 de Fevereiro de 1865, reproduzida em apêndice da “Misère de la Philosophie” “Oeuvres complètes de Karl Marx”, Paris, Ed. a. Costes, 1950.