Friday, December 29, 2006

Oliveira Martins e o seu Socialismo

"A Teoria do Socialismo é a evolução" O.M.
O Socialismo de Oliveira Martins evoluiu no sentido duma refinada argumentação anti-socialista.F.T.

Oliveira Martins, apesar de ter sido um dos doze signatários do manifesto programa das Conferência Democráticas, não se encontrava em Portugal durante o período crucial do lance casinense: desde 1870 que se achava em Espanha como administrador das minas de Santa Eufêmia, na província de Córdova, donde só regressaria a Portugal em fins de 1874. Entre os setentistas, Oliveira Martins seria assim, porventura o melhor conhecedor de Espanha, da vida e da história espanholas coevas, facto que pesou sem dúvida sobre a sua obra: não escreveu ele as Cartas Peninsulares (1895) e a História da Civilização Ibérica (1879)? Seja como for, não teve o nosso autor oportunidade de estar envolvido directamente nem nas palestras do Casino Lisbonenses nem nos contactos com os três espanhóis da A.I.T.: o seu nome nunca aparece nos fastos do socialismo luso, a não ser como teórico, e candidato a eleições um tanto desgarrado, metafísico... O paradoxo não deixa de ser curioso: o mais cogitativo dos nossos socialistas ditos proudhonianos, achando-se aliás a periferia do torando do Casino, que se articulou em Portugal com o advento do movimento socialista de raiz internacionalista, era afinal e desde logo o único homem que, por circunstâncias existenciais peculiares e atípicas, nada tinha a ver com os da geração de 70, pois não estudara em Coimbra, não era bacharel em leis e, muito ao invés, começara desde muito novo a ganhar a vida, que o levara precisamente a chefiar mineiros em Córdova... Assim, pois, o homem que mais capacitado parecia para teorizar o socialismo real português, por muito proudhoniamente morais e abstractas que fossem as suas origens e livrescas referências, não só não esteve no lugar exacto na altura exacta - leia-se: Lisboa, Abril-Junho de 1871 -, nem se orientou, apesar de uma tardia entrada para a falange socialista, para o papel que, ao fim e ao cabo, coube quase que inteiramente ao nosso já apresentado Antero de Quental. Colhe-se assim, estudando Oliveira Martins, a curiosa sensação de que o mais socialista dos nossos socialistas foi, ao mesmo tempo, o menos socialista de todos eles... O paradoxo resulta em larga medida do crescente desnível, entre uma teorização politológica e uma prática cada vez mais orientada para soluções vitimadas por uma espécie de entropia progressivamente desanimada e desanimadora, até culminar na "cloaca" de que falava ao sair, derrotado, do gabinete Dias Ferreira, em 1892, em carta a Eça de Queiróz: "Emergi da cloaca ministerial.... O único partido sensato a tomar é deixar seguir as coisas o seu caminho. A isso estou decidido, esfregando as mãos ao canto do meu sofá, enrolado num capote farto de egoísmo e desdém." Era pois, enrolado em "egoísmo e desdém" que este ex-jacobino feroz terminava a sua carreira ideológica-política, num estenderete de filósofo falhado e de trânsfuga do socialismo. Figura política, moral e científica que em todos estes vectores pode ser contestada ou, pelo menos, é altamente contestável, Oliveira Martins teve, assim, uma evolução que, em resumo por força violento, podemos sintetizar dizendo que partiu dum inicial proudhonismo, todo moral, alheio afinal ao operariado - tanto como entidade mítica, como realidade fruste do escasso país industrial que tínhamos, com granjas e bancos, mas sem oficinas, como ele mesmo disse em fórmula justamente celebrizada -, marcado pela sangrenta derrota da Comuna de 1871 e pelo fatal refluxo da bandeira vermelha, internacionalista e operária, observável em toda a Europa desde então, transitando depois o pensamento martiniano para uma busca de estratos progressistas das classes burguesas que em Portugal detinham o Poder, à sombra da aparentemente benévola fiscalização real, até, por um resvalar fatal, cair por fim na apologia do recurso ao próprio monarca e ao engrandecimento cesarista da Coroa como única salvação, numa conversão consternante que se acompanhou, além de mais, duma saudosa piscadela de olhos em direcção à velha nobreza portuguesa, aquela que, em confrangedora carta ao Conde de Sabugosa, o levava a dizer: "Os herdeiros das velhas famílias heróicas são ainda o que Portugal tem de melhor, pelo brio, pelo carácter, e sobretudo pelo sentimento herdado da vida histórica portuguesa. No momento actual as nações, e particularmente nós, devíamos apelar para os representantes da aristocracia da raça, que têm uma nobreza ingénita, uma distinção e uma superioridade moral inacessível à burguesia donde rebentam de um modo ridículo os tortulhos da pseudofidalguia plutocrática e burocrática". A derrota martiniana tende pois, após a passagem pelo Partido Progressista e pelas ilusões parlamentaristas, para uma radical assunção de cesarismo régio e do "socialismo catedrático", para soluções cada vez mais próximas daquelas que o futuro revelaria como sendo o franquismo, o sidonismo, e por fim, naturalmente - o salazarismo. Não será decerto exagero ou absurda tentação achincalhante incluir Oliveira Martins neste plano inclinado que vai dos tentames ditatoriais de D.Carlos à ditadura corporativa, conservadora e antidemocrática do Estado Novo: este soube sempre, como o tinham feito os Integralistas, ver em Oliveira Martins um mestre, um percursor óbvio (até o opúsculo, de 1878, sobre as eleições, ia no sentido da "democratas republicanos, nos quais, aliás, Oliveira Martins acertadamente denunciou a verborreia jacobina, pseudo-radical, afinal neoliberal, aquém do socialismo e nunca para além dele. Dez anos se passaram assim sobre o momento em que afirmara a revolução necessária e o socialismo como "a Ideia moderna aplicada à sociologia". Faltam ainda nove anos para a suprema desilusão do futuro Strafford: servir os "Barbadões" (que ele tanto maltratou na sua obra de historiador) como Ministro, por 96 dias, de 17 de Janeiro a 27 de Maio de 1892. Por fim, enrolado no tal capote grosso de "egoísmo e desdém", concluiria pela inanidade de tudo e de todos, a começar pelos políticos e a acabar no País que ele queria reconstruído pelo "socialismo catedrático", um socialismo que não tinha nem operários, nem cátedras - nem socialismo ! A concluir estas anotações sobre o socialismo de Oliveira Martins, sublinhemos que antes de qualquer outro, o nosso autor pôs o dedo no drama inicial do nosso vector socialista: a inexistência de indústria e, por via de consequência, a "ausência de numerosas classes operárias" (Portugal Contemporâneo, 1881), donde a impossibilidade de fazer uma revolução real. Sobre o período da Regeneração, dizia Oliveira Martins: "A Espanha teve Cartagena, a França teve ainda a Comuna de 71: nós tivemos umas greves apenas, por não possuirmos suficiente indústria fabril". Assim, pois, Oliveira Martins, ao montar a imponente e impressionante máquina de guerra contra o partido regenerador e a Regeneração, o livre-cambismo e o Sr. Fontes, que foi o seu Portugal Contemporâneo, despedia-se afinal do socialismo por o achar uma quimera: um país sem indústria, um operários não podia ter socialismo ou fabricar socialistas. Podia fazer umas greves, não podia fazer a Revolução. Havia que escolher entre a utopia e a república - ou uma qualquer solução no interior das instituições vigentes, ou seja, monárquicas. Era isto o que escrevia em 1887, um discurso todo régio, todo virado para o rei como tábua de salvação da comunidade nacional, para a ditadura real como solução positiva de todos os nossos problemas. Nesse mesmo texto sintetizava assim Oliveira Martins o seu novo credo cesarista, pseudobismarckiano, democrático e socialista: "...quando vemos a podridão miserável a que os doutores das leis conduziram as nossas classes médias; quando observamos, de uma lado, a força que há no trono, e do outro, a esperança passiva, a simpatia calorosa que há no povo, desejamos sobretudo, para a fortuna da nossa terra, um aperto de mão directo entre o rei e o povo. Basta de fórmulas! Basta de garantias, basta de liberdades. Todas, temo-las todas e hoje em dia, as monarquias ou hão-de ser democráticas, ou não podem ser". Longe vai 1872 e os tempos de Portugal e o Socialismo.