Sunday, January 14, 2007

Proudhon e o Jornalismo

“ Quando evoco esta máquina a que chamamos jornal e medito de todo o bem que pode fazer e no mal que faz quase todos os dias, não sei qual importa na minha alma, a cólera ou o desgosto. ( Advertência aos proprietários, 1842). Desde um dos seus primeiros escritos, Proudhon deixa aparecer a aliança complexa de atracção e de repulsa que não deixará de caracterizar a sua atitude em relação à imprensa. Tendo a “demopedia” – a educação do povo- pela primeira finalidade da acção social, sonha bem antes de Péguy do verdadeiro jornal que dirá os factos, os esclarecerá e fornecerá os meios de se libertar dos seus constrangimentos. Mas, ao mesmo tempo, a sua indignação é igualmente grande a verificar que tantos jornalistas viram as costas e este ideal ao entregar-se à futilidade, quando não é mesmo à venalidade. Que não possa ele próprio mostrar a via, pondo os seus conhecimentos e a sua pluma ao serviço da Revolução.
Isso realizar-se-à em 1848 e durante os anos seguintes. Período relativamente curto que é também aquele que foi o mais intimamente misturado nas lutas públicas, com aliás os mesmos sentimentos contraditórios de ardor e de decepção. Mas, bem antes desta confrontação quotidiana com o acontecimento, o jovem Proudhon tinha sido com várias repetições sobre o ponto de abordar o jornalismo, chocando cada vez com o insucesso. Na outra extremidade da sua vida, frustrado de não ter mais nenhum periódico para se exprimir, tentará inutilmente em recriar um. De modo que, paradoxo ajuntando-se a tantos outros, se o teórico que conhecemos foi também um dos grandes jornalistas do século XIX, foi em parte devido a si e sempre por eclipses. Nunca integralmente publicado, a sua obra puramente jornalística não fornecerá mesmos matéria de vários grossos volumes.
Vamos então ao começo, ou antes ao que poderia ter sido. No fim de 1832, tipógrafo na tipografia Gauthier em Besançon, Pierre-Joseph é solicitado pelo fourierista Just Muiron, que lhe pede de tomar conta da redacção da sua folha o “Imparcial”. Com a idade de 27 anos, é ainda completamente desconhecido, a não ser duma mão cheia de notáveis locais que desvendaram as suas aptidões. O jovem homem está tentado, mas na conclusão dum curto ensaio, acaba por recusar. “ Sou o homem do mundo incapaz de fazer o trabalho que iria empreender”, escreve na primeira carta dele que foi conservada ( Cor., I- 13). Nalguns dias experimentou as servidões do jornalismo local, que o regime político e o estado da sociedade faziam na época ainda mais pesados que o são hoje em dia. O que não é dizer pouco.
Pouco tempo depois, na sua carta de candidatura à Pensão Suard que lhe vai abrir uma nova carreira, o mesmo recorda o seu início marcado por um evidente alívio, colorido dum certo desprezo se não pelo jornalismo em geral, pelo menos por aquele que tinha sido tentado em comprometer-se: “ (...) Vi-me talvez, pressionado pela fome, obrigado em colocar-me no testemunho de qualquer jornalista.” ( Cor., I-28). Uma maneira de dizer que tinha escapado de boa.
Todavia, quatro anos mais tarde, enquanto que o autor de “O que é a Propriedade?” está em vias de se tornar o terror da burguesia e o porta-voz dos proletários, o jornalismo vem de novo buscá-lo. Em Agosto de 1843 dois militantes republicanos Ferdinand Flocon e um certo Dessirier transmitem-lhe a oferta feita por Louis Blanc de se juntar à futura equipa do jornal “A Reforma”, do qual os iniciadores ambicionam fazer a parelha, na extrema esquerda, do “Nacional” de Ledru-Rollin. É mesmo questão da função de redactor em chefe.
Fixado em Lião, onde se ocupa com interesse mas sem conseguir dominar-se do assunto de transportes fluviais, Proudhon está decidido desta vez a aceitar e parece mesmo entusiasmado: “ Conto este Inverno estar em Paris onde comecerei a minha carreira de jornalista; então mostrarei um outro homem. Enquanto que me crêem enterrado na metafísica, irei revelar de súbito conhecimentos práticos, adquiridos sobre um conjunto de pontos, e com os quais irei enraivecer, espero, muita gente.”, escreve ao seu amigo Ackermann (Cor., II-100). Quase simultaneamente duas outras proposições, mais modestas, lhe são feitas. O comunista Cabet, que pretende dispor de fundos, solicita-o para o seu projecto do “Populaire” e por outro lado, fala-se dele para a direcção do “Franc-Comtois”, um semanário da sua vila natal.
Em definitivo nenhuma destas ofertas é concretizada. A desconfiança de Louis Blanc, que se manifestará de novo logo das discussões em vista da criação do “peuple”, fecha-lhe as portas de “La Réforme”. Uma outra das eventualidades que não terá também continuidade, por causa da sua própria exigência de ter “a direcção superior e absoluta” (Carnets, I-39). Reencontraremos esta atitude constante nele, pelo menos se o assunto o interessa profundamente. Quanto a Cabet, mais sonhador que homem de negócios, não conseguirá reunir a soma necessária para a caução que a legislação impunha para qualquer orgão de imprensa.
Continuando a proclamar nos seus momentos de pessimismo a sua “grande repugnância pelo jornalismo” (Cor, II-121), Proudhon não renunciou no entanto a entrar. No curso do período de efervescência que precede os acontecimentos de 48, pensa sucessivamente na “Revue indépendante” de Pierre Leroux, do mesmo modo que noutras publicações às quais poderia – com defeito do conduzir- pelo menos colaborar. Os seus “Carnets” guardam não somente o traço destas eventualidades mas também aquela, mais precisa, dum quotidiano que será verdadeiramente o seu. Estipula o orçamento, construído na perspectiva sobretudo temerária de 20000 assinantes no segundo ano e de 50000 no terceiro (Carnets, I-99/100). O vírus parece portanto possuí-lo logo que a história ajudando-o, o período de incubação está nas vésperas de acabar.
Com efeito uma oportunidade menos aleatória se apresenta. Desde o mês de Março de 1847, quando está ainda em Lião, Proudhon está associado às transacções complicadas, que se esforçam de superar as divisões do socialismo nascendo para dar como resultado a criação dum jornal comum: “Le Peuple”. Apesar do desacordo com muitos dos participantes, que aliás não têm menos preconceitos a seu respeito, o autor das “Contradictions économiques” ( aparecidas justamente por esta altura) doravante tem suficiente peso para fazer prevalecer as suas opiniões. Entusiasma-se com a ideia do futuro jornal, sobre o qual não hesita a escrever em letras capitais que marcará “ Inauguração da Revolução Social” ( Carnets, II-252). Na realidade esta aurora tarda a aparecer: após conflitos inúmeros, “Le Peuple” só sairá dezoito meses mais tarde.
No intervalo a revolução, política aliás social, estalou bela e bem. Tomando a dianteira sobre um projecto que se atolava, um publicista hábil de nome Jules Viard, vindo da imprensa de variedades dita “humorista”, tomou a dianteira. Sózinho, conseguiu em fazer sair desde o 27 de fevereiro de 1848 um quotidiano aparentado ao que foi o “Le Peuple”. Admirador de Proudhon sem verdadeiramente partilhar todas as suas ideias, pergunta-se no mês seguinte que segue à saída, de colaborar no seu jornal. Proposição de seguida aceite. Em plena febre política o filósofo da economia realiza enfim o voto que não sem apreensão, trazia no fundo de si.
O orgão de Viard é suspenso no dia 21 de Agosto. Um intermediário terá entretanto sido assegurado quase simultaneamente pois que, no 2 de Setembro, “Le Peuple”, “ Jornal da Republica democrática e social”, vê enfim o dia. Mas cessa de aparecer desde o dia seguinte, em falta dum depósito completo de caução. O verdadeiro impulso não poderá ter lugar que no dia 3 de Novembro, e o aparecimento será contínuo até ao dia 13 de Junho de 1849.
Eleito para a assembleia, na ocasião das eleições complementares do 4 de junho, Proudhon é doravante elevado à condição de vedeta. O primeiro papel que lhe foi reservado desde o período preparatório – fornece a Louis Blanc um pretexto para se retirar – aparece sem contestação, com o título ( que não figura que após alguns números) de redactor em chefe. O director- administrador segundo a lei é Victor Pilhes, Do qual a lealdade não será desmentida. O programa é no essencial aquele que foi traçado desde o primeiro prospecto de apresentação na Primavera de 1847. O original foi perdido mas conhecemos a substância pelo livro de lembranças de Alfred Darimon, onde é precisado que Proudhon tinha sido o principal redactor. Num estilo bem da época, este texto dá como objectivo ao futuro jornal “ que o Peuple, quer dizer cada trabalhador do mesmo modo que a colecção inteira dos trabalhadores, possa adorar Deus sem padre, trabalhar sem mestre, permutar sem usura, possuir sem hipoteca, formar o seu coração e a sua razão sem preconceitos participar no governo da sua pátria sem se fazer representar por heróis ou por vivaços”.
A apresentação figurando no número de amostra distribuído na véspera do dia do aparecimento é mais simples, pois que ela se limita a indicar que “ O jornal “Le Peuple” é fundado por uma reunião de representantes, de capitalistas, de proprietários, de comerciantes, de operários e de pessoas de letras. Tem como finalidade a propagação e a defesa dos princípios da Republica democrática e social, fora de toda a escola, e sob a inspiração exclusiva das necessidades e das tendências da sociedade.” É precisar igualmente que a empresa será uma sociedade por acções e em comandita, da qual as acções de 100 francos serão colocadas em subscrição junto ao público.
As precedentes reservas de Proudhon, dizendo respeito ás dependências da imprensa, foram dissipando-se no calor da acção. Somente contam doravante os imperativos da obra comum que vem de tomar o seu progresso. O seu principal animador repete numa carta entusiasta que ela será “ o primeiro acto da revolução económica” ( Cor., II-272). Para ele, espera não somente uma mais larga difusão das suas ideias mas o princípio duma decisiva etapa na sua realização. “Da critica passo à acção, continua, e esta acção principia por um jornal.”
O solitário, o homem de gabinete que tinha sido até aí, dá-se a fundo às suas novas responsabilidades que são pesadas. Certos “Le Peuple”, como a maior parte dos seus concorrentes, contenta-se com quatro páginas no formato 41 cm x 20,5 cm, à razão de quatro colunas por página. Isso não impedirá o programa de redacção de ser copioso, pois que ele ambiciona cobrir o conjunto da política nacional – o que não é insignificante tendo em conta o período – a informação vem dos departamentos e do estrangeiro. Ainda por cima um suplemento semanal de 8 páginas mais consagrados às questões económicas. Comparado às páginas que conhecemos, o conteúdo é bastante maciço. Fora do sumário seguido de alguns “avisos práticos”, a primeira página é toda ela consagrada ao artigo de cabeça. Este, do próprio Proudhon continua no interior e faz cerca de uma dezena de colunas ou mais ainda, o equivalente a um capítulo de livro.
A equipa de redacção era naturalmente reduzida – e pelo número dos seus membros dispersos por outras actividades – o redactor em chefe em seguida promovido “director” deve ocupar-se de tudo. Reler o conjunto e fazer a ligação com a gráfica é, para o antigo tipógrafo, quase uma distracção. Mas quando é que encontra o tempo para preparar e redigir as suas próprias contribuições, o de Ter assento na Assembleia ou de se consagrar aos outros trabalhos que não pode inteiramente remeter? Quando foi aprisionado, condenado precisamente por delito de empresa, disporá infelizmente para ele, de mais tempo e continuará, à distância, a assegurar a direcção. Para nosso proveito é deste período que data uma carta ao seu principal colaborador, graças à qual podemos ter uma ideia da maneira que deveria levar, quando estava presente, os conselhos de redacção:
“ Meu caro Darimon, o folhetim literário é uma excelente coisa; desejo somente que se lhe dê o maior espaço possível. A brochura de M. Raudot, por exemplo, merece três artigos de três colunas, duas de citação. Se os folhetins- romances fazem vender o jornal, tomá -los; não tenho nada a objectar. Escolhei –os bem, curtos, positivos e substanciais(...). Se o teatro não existe mais, como você diz, não compreendo a utilidade do folhetim, a menos que seja para verificar a morte do teatro, e as probabilidades do seu renascimento. (...) Quanto aos Italianos, não digo nada de mal, se não é o povo que não vai mais que eu, e nada conhece. Ainda se os relatórios eram uma revelação feita aos operários de coisas que deve saber e ver; mas, macaqueamos a moda, e não somos mais que mortos de fome. A republica disse-vos que estáveis vendidos. Citaste o propósito e não respondeste (...). Tendes boas inspirações, boas ideias, fazeis excelentes artigos. Mas(...) a camaradagem cerca-vos (...) A que propósito os dois anúncios de B*** à cabeça do jornal? Isso sente-se a comércio a cem léguas” ( 7 de Janeiro de 1850, Cor., III – 76/77).
Não acreditamos estar a entendê-lo? Preocupado do mínimo detalhe, atento ao seu público, com o bom senso popular e a autoridade sem arrogância do democrata.
Não era somente jornalista de instinto mas um autêntico homem de jornal. Sob o seu impulso, da qual a empresa directa foi no total bastante fugaz, “ Le Peuple” acaba por se tornar num lugar bem dele no meio as numerosas publicações que vêm de aparecer – e morrer- os primeiros meses da II Republica. Se o destino deste jornal ia ser interrompido como aliás o de muitos, isso não é devido a fraquezas do seu director que não tem responsabilidades neste facto.
No dia 28 de Março de 1849, apesar da sua qualidade de representante do povo, Proudhon é condenado a três anos de cadeia devido aos seus ataques contra o principe-presidente Louis-Napoléon Bonaparte. Trata-se dos famosos artigos do “Peuple” de 26 e 27 de Janeiro do mesmo ano, nos quais o polemista, apesar do rigor da lei, apela à desobediência civil, e se esta não chega à insurreição popular, para barrar o caminho ao golpe de Estado prevê:
“ A reacção não ia tão depressa segundo o gosto de L. Bonaparte. Ousou desafiar a Assembleia, desafiar a revolução, significando aos representantes a ordem da sua dissolução. Bem! A revolução ergueu a luva. O pacto foi aceite: na segunda o combate. Que a Assembleia ouse contar com ela própria, que ela conte com o Povo de Paris, e a vitória não será um instante céptico.
L. Bonaparte colocou a questão da dissolução da Assembleia. A uma boa hora! Segunda próxima, a Assembleia colocará por sua vez a questão da demissão do presidente(...).
Representantes da Republica! A ocasião nunca foi para vocês bela, a situação mais favorável (...). Ah! Certos, se o Povo, como o macaco da fábula, tomando por falta de atenção o nome dum porto por um nome de homem, tinha eleito presidente da Republica o urso Martim ou o bode Dagobert, se esta eleição do sufrágio universal ordenasse fazer como ele e de caminhar com as quatro patas, acreditaria Ter de obedecer?” ( Citado por P. Haubtmann, P-J. Proudhon, sa vie et sa Pensée, pp. 1031-1032).
No dia seguinte da sentença, o primeiro movimento do condenado é de se refugiar na Bélgica. Aí fica alguns dias, e de seguida volta a Paris para se dirigir clandestinamente ao seu jornal. Pouco após as eleições do dia 19 de Maio Proudhon, cujos traços fisionómicos estavam popularizados pela caricatura e que não tomava qualquer precaução, é reconhecido no dia 5 de Junho na praça de “La Fayette” – sem dúvida por uma denúncia – preso imediatamente e encarcerado na prisão de “Sainte-Pélagie. No dia 13 do mesmo mês, “Le Peuple”, esmagado por multas e com grandes possibilidades de perseguições judiciais, deve cessar o seu aparecimento. Será substituído, a partir de Outubro seguinte, pelo “La Voix du Peuple” que não é mais que a reprodução do mesmo.
O nome de Proudhon não figura mais no cabeçalho mas o prospecto não receia mencionar a sua colaboração e para sublinhar este laço, os mil primeiros assinantes recebem como prémio “Les Confessions d`un révolutionnaire” que vem de aparecer. De facto, beneficiando das condições relativamente favoráveis da prisão política, o detido dá regularmente ao novo orgão artigos não assinados mas todavia identificáveis. Logo que o jornal será também suspenso, um novo título “Le Peuple de 1850” tomará o seu lugar até á sua morte definitiva no dia 13 de Outubro de 1850.
Libertado no fim da sua pena, no dia 4 de Junho de 1852, Proudhon é condenado ao silêncio jornalístico. Por acréscimo, casado durante o seu encarceramento e doravante chefe de família, as colaborações alimentares monopolizam-no para o futuro. Mesmo se voltam a tornar-se as suas preocupações fundamentais como foi o caso para “Manuel du spéculateur à la Bourse”, estas preocupações desviam-no das lutas da praça pública.
Longe de estar consolado e parecendo totalmente esquecido das suas repugnâncias anteriores, é como uma falta que sente e se aborrece na nostalgia do tempo onde, dispondo dum tribuno, os seus ataques e as suas réplicas intervinham em plena contenda. A febre do jornalismo tomou-o e não o deixará mais, como o confia a um dos seus companheiros: “...Nós não queremos nada, nada, a não ser jornalistas e dizer a verdade. ( A Langlois, Cor., IX-12). O que é talvez um exagero num outro sentido, aliás conforme ao seu temperamento. Mas o facto está em que o desejo dum periódico graças ao qual poderá escoar a quente o grosso dos seus humores e comunicar as suas ideias ao grande público não o deixará jamais. Sem nunca ter a satisfação de reencontrar totalmente este papel, estará à espreita por uma ocasião de se tornar a aproximar.
No decurso dos anos de 52-53, o projecto duma revista por sua vez científica r empenhada socialmente, aparecerá diversas vezes na “Correspondance” ou nos “Carnets”, sem nunca ir por diante. A partida par o exílio, para escapar a uma segunda estadia na prisão após a condenação do livro “De la justice”, impedi-lo-à do meio parisiense durante mais de dez anos. É portanto em Bruxelas que o proscrito irá encontrar uma modesta folha, o “Office de Publicité” para acolher as suas reacções à actualidade. Este mesmo editor publica também em fascículos, a partir de 1860, a Segunda edição bastante aumentada de “De la Justice”. Com o título “Nouvelles de la révolution”, o autor acrescenta a cada entrega explicações polémicas ou documentais que são verdadeiros artigos de imprensa, ou, pelo menos, o seu substituto.
Entrado tardiamente em Paris, devido ao facto da sua recusa de beneficiar da amnistia, um dos primeiros pensamentos do homem doravante consumido e assaltado pela doença é de sondar de novo o puro jornalismo. Mas, mais que nunca, à condição de ser sozinho o mestre a bordo: “ É preciso portanto que eu seja redactor, ou melhor, director da minha folha; fora disso recuso todas as proposições.” ( De 9-1-61, Cor. X-294). Não tendo aparentemente nenhuma, pelo menos conforme a esta exigência, pouco tempo antes da sua morte acarinha ainda o projecto duma publicação intitulada “Le Fédéraliste”, para o aparecimento da qual uma autorização é pedida ao ministro do interior. Será o canto do seu cisne jornalístico, abafado como muitos dos precedentes.
Crítico da imprensa mas também o seu apaixonado repelido, Proudhon é também, um jornalista verdadeiro, grande leitor de jornais. Para os condenar frequentemente, como na célebre invectiva: “ Os jornais são os cemitérios das ideias” ( Carnets, II-281), ou ainda este julgamento sem amenidade sobre os que nunca chamou de seus colegas: “ Um jornalista é um bisbilhoteiro que acredita que a retórica é a chave de tudo” ( Cor., II-92). Aforismos vingadores do qual encontramos sob a sua pena inumeráveis exemplos. O moralista que domina sempre nele não pode que estar chocado pela futilidade, a versatilidade e a corrupção duma imprensa que não escapa o mais das vezes à insignificância da política de negócios.
A convivênvia com Émile de Girardin, do qaul admira os múltiplos talentos, inspirou palavras duras para a “astúcia selvagem” ( Cor, IV-25) do fundador da imprensa moderna. Fatal ou não, a corrida às tiragens que tem por motor o abaixamento do preço de custo com o recurso maciço à publicidade não pode receber o aval por parte daquele cuja obra condena a assimilação do pensamento a uma mercadoria. A sua leitura pessoal é, antes de tudo, o do “Journal des Débats”, orgão da alta burguesia liberal à qual é esbanjada uma admiração que acorda a poucos:” Não jornal que estimo mais. Para a destreza da sua redacção (...) e quem sabe melhor aguentar-se nos maus tempos.” ( Justice, III-240). Portanto , eclético à sua maneira, quer dizer bom conhecedor, o ex director do “Peuple” igualmente apreciou Prévost-Paradol, analista por sua vez brilhante e profundo. Mas também Nefftzer, antigo colaborador de Girardin em seguida fundador do “Temps”, jornalista segundo o seu coração porque ele “sabe calar-se registando os factos” (Cor., X-183). No fundo de si, sem dúvida pensava que ele próprio não merecia quase nada o primeiro destes elogios! Diferente igualmente a bem dos olhares mas próximo por eloquência e a força das convicções, o católico Veuillot tem um lugar à parte. Esta consideração era aliás recíproca pois que, logo que Proudhon for privado de meio de expressão, ver-se-à provisoriamente oferecido uma tribuna no ultraconservador “Univers”.
Só se fustiga o que merece. A severidade de Proudhon em relação à imprensa explica-se, já o dizíamos desde o início desta conversa, pela importância que atribuía e é o corolário da atracção que ela não deixou de exercer sobre ele. Em muitos aspectos esta forma de comunicação correspondia ao seu temperamento como ao seu ideal duma filosofia destinada ao povo e não a um círculo estreito de intelectuais. À seu imensa necessidade de ser entendido, também. Este homem macambúzio só o foi por força, reconhecendo um dia do fundo do seu isolamento que privado de interlocutor dialogaria com o seu chapéu. À vez porta voz e eco, este instrumento privilegiado do diálogo social que é o jornal foi feito para ele.
Ou sobretudo, teria sido com a condição que a sociedade fosse melhor feita. Eis a razão final da ambivalência proudhoniana a respeito do que lhe parece uma confusão monstruosa. Informar, explicar, retomar a verdade e combater o erro, não é a essência da própria revolução? Que um tal poder seja colocado ao serviço dos interesses particulares é um escândalo que nunca será demais denunciar. Não é a imprensa enquanto tal que é objecto dos anátemas de Proudhon mas o comportamento daqueles que tiram partido da injustiça reinante para se apropriar. As suas cóleras não são mais que desprezo, ou sobretudo raiva. Primeiro em ter consciência, na véspera de se lançar numa aventura que lhe fazia por sua vez medo e vontade, confiava a um amigo que não era mais que a dupla face duma única paixão contrariada: “ O vosso horror pela imprensa e o jornalismo, horror que é igualado pelo meu, rende-vos injustiça sobre um outro ponto: saber a minha determinação de tornar-me jornalista; (...) é porque estou irritado contra o jornalismo que abraço esta profissão, como Juvénal, que, de cólera se tornou satírico.” ( A Micaud, de 27-8-47, Cor. VI-366/367). Não podemos melhor dizer em poucas linhas a violência dum apelo que, antecipadamente, se sabe inevitavelmente não realizado.