PROUDHON E A QUESTÃO DAS NACIONALIDADES
Proudhon foi o único pensador socialista da sua época a mostrar-se reticente diante da aspiração das diversas “nacionalidades” a constituírem-se como nações. Os partidários do princípio de nacionalidade só aspiravam com efeito a libertar os povos tendo em vista a sua reunião em Estados- nações que sob verniz pseudo democrático, reproduzem qualquer do velho absolutismo. Escrevia em 1858 na Da Justiça na Revolução e na Igreja: “ o que chamamos hoje em dia restabelecimento da Polónia, da Itália, da Hungria, da Irlanda, não é outra coisa, no fundo, que a constituição unitária de vastos territórios, no modelo das grandes potências, onde a centralização pesa tão fortemente sobre os povos; é de imitação monárquica em proveito da ambição democrática; não é de liberdade, ainda menos de progresso...”Pela perspectiva do unitário – populações supostamente querendo e falando “como um único homem” -, a monarquia do antigo regime reaparece na modernidade e desvia o sentido. O mito dum sujeito colectivo, uma saída sobre uma centralização onde o centro, que é também o cume, domina largamente a periferia, que é também a base. Se o chamarmos “nação” este sujeito supostamente ser unitário, acaba por se concentrar fora e por cima dela própria, num centro que se chama em geral “Estado”. A esfera fecha-se, reenviando a nação ao Estado e o Estado à nação; o que cai fora desta esfera o que apaga ou nega, não é negligenciável, pois trata-se por sua vez de pluralidade, de igualdade e de liberdade.Pluralidade, portanto discussões, controvérsias e polémicas são indispensáveis para que constitua a Razão. Ora, longe de todo o populismo e de todo “nacionalismo”, Proudhon afirma e reafirma que só a razão pode ser soberana. Igualdade: não somente a centralização cria uma distância entre governados e governantes que se verifica ser quase uma diferença de essência, mas ainda é correlativa da colocação no lugar, na sociedade, duma dominação de tipo feudal do qual o “feudalismo industrial”, denunciado na Ideia Geral da Revolução no XIX Século, não é mais que uma última trituração. Ora, as desigualdades sociais assim criadas, têm, na volta, necessidade dum estado forte para serem mantidas. Novo círculo, que desta vez vai de Estado a Estado passando pela desigualdade. Ao novo “feudalismo”, Proudhon não censura tanto de repousar na concorrência que usurpa o monopólio, quer dizer, impedir uma concorrência mais geral. Confiscação, portanto, de liberdades...A crítica dos movimentos “nacionalitários” encontra a sua energia na crítica do mito da nação concebida como unitária. Sem dúvida Proudhon poderia, a partir de tais premissas, tentar pensar a nação com novos encargos. Se encontramos bem alguns elementos nele que vão neste sentido, as linhas de força da sua reflexão comprometem-no numa direcção diferente. É da Razão, da igualdade, da liberdade, da justiça, que partilha, quer dizer princípios e não deste misto de realidades e de sonhos que é a nação. Assim o princípio federativo não será somente para ele uma maneira de reordenar e de distribuir doutro modo os poderes no quadro, supostamente inalterável, da nação: o princípio federativo é também uma maneira de ultrapassar este quadro.Que caminho para a nação: mundialismo, internacionalismo, federalismo? A lista das possibilidades permanece aberta do mesmo modo na direcção do pior como do melhor. Se a questão se coloca, é porque à hora actual, quer se lastime quer se felicite, uma verificação se impõe: o modelo pluri-secular do Estado-Nação encontra-se, de facto, abalado. Isso acontece de múltiplas formas:- pelos tratados internacionais que à escala europeia pelo menos, tendem a criar poderes supranacionais do qual a existência leva a reinterrogar a noção de soberania;- pela vontade de criar, num quadro mais largo que o quadro europeu, as instâncias dum justiça internacional. Pensemos por exemplo na conferência da O.N.U. que, em Julho de 1998 em Roma, colocou os estatutos dum futuro tribunal Criminal Internacional permanente;- por um processo dito de “globalização” ou de “mundialização”que, se é antes de tudo económica, não é por isso que produz menos laços de poder supra ou internacionais, seja sob a forma de instâncias que têm ao menos o mérito de se apresentar como tais – o F.M.I. por exemplo, seja de maneira muito menos visível, sob a forma de poderes que restabelece o que Proudhon chamava de “Feudalismo industrial” (ou financeiro), embora seja a uma outra escala que no seu tempo...- por aspirações “regionalistas” que podem oscilar entre uma aspiração “federalista” e uma aspiração “nacionalitária”.- Pelo ímpeto cada vez mais sensível dum individualismo que se reproduz, de maneira complementar e contraditória, duma procura de raízes e de identidades...Em resumo, se bem que apareça à evidência que estas tendências não convergem sempre, nem se combinem satisfatoriamente e que elas formem muitas vezes um nó de antagonismos onde o pior caminha ao lado do melhor, não resta menos que o Estado-Nação parece sacudido por sua vez do interior e do exterior, por cima e por baixo, ver de maneira transversal.Excepto a abandonar-se pura e simplesmente ao jogo contraditório destes processos heterogéneos, a questão impõe-se: Que caminho para a nação? Dispomos de diferentes tradições de pensamento que convém esclarecer confrontando-os com os problemas actuais, a fim de experimentar as suas capacidades em orientar estes últimos em direcção a uma solução plausível e aceitável. É necessário, por exemplo, pensar o futuro em termos de mundialização ou de cosmopolitismo, no sentido em que poderíamos todos tornar-nos cidadãos do mundo? No que se tornaria a política neste caso? Seria necessário um Estado mundial?É necessário sobretudo apostar no internacionalismo, que pretende ultrapassar a nação apesar da conservar? Sem dúvida, nesta perspectiva, seria um direito, justamente chamado de “internacional”, que seria chamado a impor-se cada vez mais às nações.Ou é preciso optar resolutamente pelo federalismo, que é ainda uma outra figura, apesar de se poder combinar com os outros dois...?Cada uma destas direcções é bastante complexa em si para tornar necessário distinções e explicações internas. Deste modo há várias versões do internacionalismo. Ou, no quadro desta vez do federalismo, qual é a especificidade da óptica proudhoniana?O que se torna primordial é de reinterrogar diversas possibilidades do caminho da nação ao dar por tarefa primordial esclarecer os encoradouros e o que está em jogo no mundo contemporâneo.
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