Wednesday, January 03, 2007

É PROUDHON UM AUTODIDACTA?

Os traços essenciais do pensamento de Proudhon não podem ser bem compreendidos a não ser que se apresente as tendências mestras do seu carácter e das circunstâncias da sua vida. Isto acontece pois não estamos em presença dum filósofo de gabinete, dum pensador à maneira dum Taine ou dum Renan, dum Marx no período da sua formação, que livre de preocupações materiais demasiado urgentes assimila os métodos da alta cultura e pode dar-se inteiramente à elaboração da sua obra. Temos diante de nós um militante das lutas sociais e políticas - embora não tenha sido, propriamente falando, um homem de acção - , um polemista tanto como um filósofo, um investigador que a despeito dum trabalho encarniçado nunca conhecer o ócio duma meditação desinteressada.Várias vezes foi qualificado de autodidacta; mas um tal epíteto, se se tomar no seu sentido difamante, seria uma indecência, aplicada a um espírito de vasta cultura e de vida toda ela dedicada à procura do justo e do verdadeiro. O que é exacto - o próprio Proudhon o reconheceu - os obstáculos da sua vida impediram-no sempre de seguir a direita via dos puros intelectuais, e por vezes interpretou duma maneira mais pessoal que objectiva os autores donde foi buscar inspiração; mas não explorou menos, empurrado pela sua insaciável curiosidade, todas as regiões das ciências ditas morais, sociais e políticas, apesar dele ter estado bem menos familiarizado com as ciências da natureza.Este bolseiro do liceu de Besançon, que escrevia o latim como o françês, com o estofo dum excelente humanista, e podia ter sido, dando crédito ao julgamento de Sainte-Beuve que o encorajava, um crítico literário de envergadura, se não tivesse sido constantemente tocado pelas questões de direito e de ciência social, da qual estava a par de tudo o que lhe dizia respeito. Leu, com a caneta na mão, os economistas, os filósofos, os historiadores da sua língua e os traduzidos, e até os teólogos. Seguiu em Paris os cursos de ensino superior, conheceu os economistas no seu editor Guillaumin e iniciou-se na filosofia alemã pelos revolucionários de além Reno refugiados em Paris. Por fim - e isso pertence-lhe por inteiro - o guarda-livros que se lisonjeava de ser encontrou-se misturado na prática dos negócios, o que para um teórico social, o salvaguardava dum saber demasiado livresco. Esta experiência, ele próprio o escreveu, permitiu-lhe “ estudar a economia política na oficina, sobre o rio e no balcão” e de começar ab experto um curso sobre Adam Smith e Say. (1) Um tal remate vale bem mais que uma mão cheia de discursos abstractos.Para além disso, Proudhon conheceu-se bem e julgou-se melhor. Chamou-se numa carta a Cournot um “ aventureiro do pensamento”, que é algo bem diferente que um pensador académico. Do mesmo modo os verdadeiros filósofos, a despeito da sua severidade, reconheceram nele as características essenciais dos autênticos pensadores. Acrescentemos para acabar de o caracterizar, que a vida deste “ aventureiro” foi o de um herói do povo. Herói e arauto, este último traduzindo as misérias, as grandezas e as esperanças daquele. Mais precisamente do povo artesão e camponês, mais que o industrial e citadino, apesar de unir no mesmo amor a “ Mariana dos campos” e a “ Social das cidades”. Este é um dos traços que o tornam suspeito aos continuadores do socialismo marxista, orientados para a grande produção e o poder das massas, mas que o fazem um dos representantes mais fiel do povo françês de tal modo que o desenvolvimento desenfreado do industrialismo não lhe fez perder a sua fisionomia tradicional.1 - Correspondência II, 20 de Setembro de 1843 e 15 de Agosto de 1844.