Monday, March 12, 2007

O Contrato Cívico para Alargar a Democracia à Economia


1 - O problema maior da nossa época é o do desemprego, da exclusão e da miséria que daí resulta. Como Alain Lebaube bem o disse: “ o que chamamos crise é com efeito uma mutação” e só descreveu o seu aspecto a propósito do trabalho. Ora a nossa sociedade está de tal modo assente no trabalho que a educação não tem como fim formar homens, mas trabalhadores, é o emprego que define a condição social, a ausência de emprego é entendida não como uma isenção, mas como uma exclusão, e mesmo toda a actividade que não se exerça no quadro dum emprego, logo “rentável”, é tratado com desprezo como “marginal”. É portanto uma mutação de toda a sociedade que está em curso, e a questão a colocar é: será uma catástrofe fatal ou somos nós capazes de pilotar esta mutação para que ela escoe sobre uma sociedade humanamente mais consistente?
Fatalidade? O que é fatal, é, em todos os seres vivos, a necessidade de procurar sobreviver. Mas o homem, e é o que o distingue dos outros animais, esmerou-se, ao longo dos milénios, a tornar esta obrigação o mais ligeiro possível, e soube, de geração em geração, acumular saber, saber fazer e mesmo saber fazer. E eis que esta progressão, muito lenta ao princípio acelerou-se consideravelmente, ao ponto que nalguns decénios pôs os meios que lhe permitem hoje fazer produzir o que tem necessidade por encomenda, pela natureza e por autómatos! Encontrou como assegurar a sua sobrevivência sem consagrar a isso toda a sua vida.. Uma tal mutação na sua maneira de assegurar as suas necessidades vitais transforma evidentemente o seu modo de vida e assistimos a uma perturbação tão grande que aquele que se produziu ao neolítico, mas infinitamente mais rápido. Como não nos havemos de admirar, por consequência, que a adaptação a tais mudanças não se faça sozinha? O homem adquiriu os conhecimentos necessários para exorcizar a fatalidade, mas o que ainda não conseguiu, é adaptar-se.
Como pilotar a adaptação? A atitude mais geral releva efectivamente da incapacidade política. Consiste a agarrar-se ao passado, a recusar ver a importância da mudança, olhar para ela para a negar. É ao fechar os olhos que se obstina ainda a falar de crise e a fazer crer que se vai encontrar o meio de criar novas aplicações para regressar à situação anterior do pleno emprego que assegurava a todos um amplo rendimento… Sem ver que esta fuga para a frente implica um crescimento irrealista e perverso. Pois o crescimento nunca cessou, a produção mundial foi multiplicada por 2,5 entre 1960 e 1990, mas paralelamente o número de horas de trabalho salariado não cessa de diminuir ( no caso francês passou de 40 para 35 biliões, entre 1973 e 1994), de modo que o crescimento acompanha-se agora dum desemprego igualmente crescente o que , no sistema económico em vigor, engendra a exclusão.
2 - Se o sistema fosse perfeitamente liberal, todos os que não se podem vender no mercado de trabalho seriam eliminados. Mas lutas sociais persistentes forçaram as instituições a tomar medidas para evitar semelhante catástrofe, e é assim que o Estado, no nosso sistema de mercado emendado, organiza uma certa redistribuição . Mas esta redistribuição não satisfaz ninguém, nem aos quais se retoma uma parte do que ganharam, nem os que se sentem assistidos quando têm a mostrar que são capazes também do mesmo modo daqueles que têm um emprego. Mais, a redistribuição atingiu os seus limites: o fosso que separa um pequeno número de ricos, cada vez mais ricos, duma massa de pobres, cada vez mais miseráveis, não cessa de aumentar, e isto em todo o mundo. E no mesmo tempo, a pressão da competitividade exerce-se para restringir esta redistribuição e a por fim ao que chamamos o Estado-providência.
Os programas políticos que no entanto se proclamam de “progressistas” obstinam-se em sonhar com criações de emprego: é a absurdidade do emprego pelo emprego, quando é necessário render-se à evidência: as empresas só podem pagar os empregos de que têm necessidade. E a sua produtividade é tal que terão cada vez menos necessidade.
Partilhar o emprego que resta? Sim, é claro. Mas não como se partilha a miséria, continuando a pensar que toda a riqueza só pode vir dum emprego. È totalmente absurdo na nossa época onde se produz cada vez mais, mesmo com cada vez menos labor humano.
Ao contrário, sentimos que existe uma infinidade de actividades úteis, e mesmo necessárias, mas o sistema capitalista não as pode financiar que por redistribuição logo, indirectamente, graças ao emprego de produção, e é cada vez menos possível.
É necessário ver a diferença: o emprego que desaparece, é o emprego mercador, aquele que contribui à produção de riquezas que, vendendo-se, ( reembolsam) pagam o emprego.
Quando o trabalho de todos era necessário à produção, o salário assegurava, mais ou menos equitativamente, mas automaticamente, o equilíbrio entre produção e consumo.
Desde que a produção não tem necessidade do trabalho de todos, é este equilíbrio emprego/lucro que é rompido, o poder de compra das riquezas que são produzidas não é mais distribuído pelo sistema capitalista entre todos os consumidores que têm necessidade.

3 - O salariado, após ter durado cerca de dois séculos, desde o início da era industrial, teve portanto o seu tempo. É urgente mudar as regras do jogo. È necessário um projecto social para adaptar a nossa sociedade aos meios de que dispomos hoje em dia.
O que foi proposto por uns quantos sob o nome de economia distributiva embora com origem em Proudhon pareceu a muitos nos anos 50, muito avançado para o seu tempo. Mas hoje, os factos demonstraram as pertinências das análises e das proposições distributivas. E outras exigências apareceram: por um lado, a centralização das decisões impõe receios, após a experiência soviética, por outro o desenvolvimento da bula especulativa mostrou a impotência dos governos, mesmos ditos democráticos, face à finança internacional, e enfim a mundialização da economia suscitou, por reacção, o desenvolvimento de economias locais, à escala humana. Tudo isto fez nascer, ou revelou, a necessidade de estender a democracia à economia. Vou tentar mostrar como o contrato cívico, em economia distributiva, responde a estes diversos objectivos.

4 - Vamos por tudo em pratos limpos. O problema não é de produzir mais. Sabemos fazer, sob encomenda, e poderíamos produzir bem mais, sem resolver a “crise” do emprego. Produzimos muitas vezes coisas inúteis, coisas nocivas, e com desprezo de toda a consideração ecológica, sempre por causa da rentabilidade, Só produzimos em consideração dos únicos bens que se podem pagar. O problema situa-se agora ao nível do acesso a esta produção, logo à distribuição do poder de compra.
É o câmbio dum trabalho contra um poder de compra que é a repensar.Não somente pelas razões indicadas anteriormente, mas principalmente por outras: a parte do trabalho humano diminuiu bastante ao nível da produção, mas por outro lado, a parte de cada um é cada vez mais de contorno impreciso: o essencial faz-se a montante, não é mais o trabalho presente que conta, é o da concepção, da informação, da organização e os seus novos métodos são o fruto dum progresso geral anónimo e comum. Como pretender avaliar a aparte de cada um numa produção tornada colectiva? E para além disso, é necessário reconhecer e mesmo estimular toda a actividade útil que não entra no campo das que são qualificadas de rentáveis.
Para quê substituir o salariado para responder a estes diversos objectivos?
A minha resposta é: pelo contrato cívico. E passo a explicar.
A permuta quase pontual e quantitativa dum trabalho preciso, limitado e portanto a maior parte das vezes sobre um tempo bem determinado ( por exemplo para a duração legal do trabalho semanal) fornecido por um empregado em troca dum salário convencionado ( à hora ou tanto por mês) pago pelo seu empregador, enquanto que a sua empresa é beneficiária, deve dar lugar doravante a um outro tipo de troca, a uma troca menos pontual, um contrato personalizado entre o cidadão e a sociedade na qual vive. Quer dizer em troca dum rendimento como meio de subsistência pela sociedade, contra um compromisso de participação, segundo as aptidões do indivíduo e segundo as necessidades do conjunto, à vida desta sociedade.

5 - Sem entrar em grandes detalhes, vamos rapidamente compreender que este novo tipo de contrato social não somente vai dar a cada um a possibilidade de organizar a sua vida ( e é essencial para que ele possa desabrochar e desenvolver o melhor dele mesmo: escolhendo as suas actividades, vai escolher também o seu modo de vida para exercê-los nas melhores condições); mas mais ainda, os debates em redor dos contratos vão permitir conciliar as necessidades de liberdade e de autonomia dos indivíduos com as necessidades duma produção definida em vista de satisfazer as necessidades de todos: a iniciativa deixada ao cidadão vai desenvolver a criatividade geral e o debate político que vai suscitar vai permitir adaptar democraticamente a nossa civilização à complexidade que caracteriza a nossa época.
O ensino inicial não terá mais por objectivo tornar um jovem assalariado, mas o de lhe mostrar todas as possibilidades que se abrem diante dele. Assegurar um rendimento suficiente para viver decentemente, este jovem poderá prosseguir esta formação até encontrar a sua voz, e mesmo, eventualmente, fazer vários ensaios, fazer viagens, antes de se consagrar, por exemplo a tempo inteiro, durante vários anos numa empresa. Tal poderá decidir, mesmo jovem, de se comprometer a meio tempo numa empresa, e de consagrar o resto do seu tempo, ou a ocupar-se dum parente, ou duma administração, ou ainda empreender uma nova formação e reorientar-se. Tal outro, após alguns anos numa empresa, ou num serviço público, ou dum trabalho de produção artesanal, poderá tomar um ano sabático para cultivar o seu jardim. Ou poderá mudar de casa, construir a casa, iniciar-se à apicultura antes de se transformar em produtor de mel e conselheiro em apicultura. Outro ainda, fazendo valer a experiência adquirida, poderá pedir os meios de prodigalizar os conselhos a partir dele. Um outro ainda, inspirado, quererá tempo para escrever um livro um uma ópera, para fazer uma investigação, ou seguir o treino intensivo dum desporto, ou para se consagrar à vida política, ou então pedirá os meios de explorar um alvará, etc. etc. Imagine-se a infinidade de combinações de todas as actividades possíveis.
Mas, bem entendido, o facto de vivermos em sociedade implica leis e certos constrangimentos. O primeiro deriva da necessidade de assegurar a continuidade da produção, organizando-a em função das necessidades. Isto implica que haja um mínimo de pessoas que dedicam ao menos uma parte do seu tempo à produção de bens e de serviços. Mesmo que estas possam ser realizadas utilizando as técnicas mais avançadas, e que o progresso técnico diminuirá deste modo o tempo alienado, será necessário impor a cada um o consagrar-se ao longo da sua vida um mínimo de tempo, medido por exemplo no número total de dias ou de horas, este tempo podendo aliás variar consoante o tipo de actividade escolhida.
Compreende-se portanto que a decisão de aceitar, de corrigir ou de rejeitar uma proposição de contrato cívico é essencialmente política e deverá, por consequência, fazer objecto dum debate público e democrático.
Importa que todo o indivíduo tenha a possibilidade de definir ele próprio o seu contrato, mas é evidente que um grupo pode ter posto a funcionar uma proposição comum, do mesmo modo que ofertas de contrato podem emanar de empresas tendo necessidade de se desenvolver. O mais simples dos contratos é evidentemente aquele que consiste em continuar o que se faz: será de todos os activos, satisfazer a sua sorte; para eles a proposição de contrato não será mais que a descrição do que fazem, eventualmente com o pedido duma promoção ou duma mudança no seio da mesma empresa. Os contratos mais complicados dirão respeito as proposições originais de actividades novas, como o estudo ou a obtenção de um diploma, será preciso, naturalmente, descrever a motivação, o objectivo a alcançar, mostrando a possibilidade de realização e a utilidade esperada.
Em todos os casos, é preciso que todas as propostas sejam publicadas, com antecipação, em seguida publicamente debatidas. Segundo a envergadura da proposição, o debate terá lugar ao nível municipal ou regional, ver mesmo internacional, seguindo o princípio de subsidiaridade, por assembleias públicas suficientemente abertas, constituídas pelo menos por tantos utentes interessados pelo projecto como de profissionais que lhe digam respeito, e também a especialistas do meio ambiente, de saúde, do direito, etc. Podemos muito bem imaginar que pessoas se encarreguem de trazer informação assistindo aos debates em diferentes lugares, sobre certos tipos de contrato, para comparar as experiências, ver para aconselhar os proponentes: novas profissões são a inventar!
A maior parte dos contratos necessitarão, com efeito, de avaliações: avaliações de competências, provas de experiência já adquirida, avaliação dos meios, dos investimentos necessários à execução do contrato, e enfim, a avaliação dos produtos do contrato e das gratificações particulares pedidas pelos proponentes para eles próprios. Certos contratos comportarão o empenhamento duma produção, em quantidade e em qualidade. Naturalmente que toda a avaliação preveja uma margem de erro que, deverá também ela, ser estimada. São estes empenhamentos e estas estimativas que servirão de base a uma verdadeira prospectiva económica, evidentemente necessária se temos a preocupação de bem gerar a economia geral, mas impossível no sistema actual, onde o que chamamos desde há pouco o desenvolvimento “sustentável” não é mais que um voto piedoso.
6 - É desta maneira que as decisões económicas poderão finalmente ser tomadas não mais, como actualmente, por bancos e organismos similares, com o único critério de rentabilidade financeira ( atribuído aos accionistas), mas tendo em conta todos os aspectos pertinentes: desde o interesse prático do consumidor até ao preço de produção, em tempo de trabalho e em matérias primas para o conjunto da sociedade, passando por considerações de ordem ética, ecológica, moral, cuidados de saúde, de não poluição, de qualidade do meio ambiente, de preservação dos recursos não renováveis, etc. Por exemplo, no caso de empenhamento de grandes investimentos, será necessário exigir que os contratos definem cláusulas de insucesso, a fim de prever a reconversão possível dos investimentos, e que se pare de ver estes terrenos industriais, na maior parte das vezes poluentes e dos quais ninguém hoje em dia se sente responsável e onde não se pode financiar nem a reconversão nem a destruição.
A duração ideal dum contrato parece ser o ano. No vencimento, todo o contrato deve poder ser reconduzido, seja melhorado ou mudado, mas em todos os casos dando conta da sua execução. Se o empenhamento foi mal executado, será evidentemente difícil ao titular do contrato de obter a recondução. Se a produção foi mal estimada, será levado a fazer a correcção necessária, etc. Mas se a execução foi melhor que a prevista, a sua renovação poderá implicar um bónus, um aumento dos rendimentos do ou dos titulares. São também estes relatórios dos contratos havidos que permitiram repartir o mais equitativamente possível os anos sabáticos e os anos de “labor” duma vida, a partilha entre tempo ao serviço dos outros e tempo de férias, de lazer para si.
Compreende-se como o empenhamento dos contratos cívicos permitem avaliar publicamente e em contínuo, os investimentos necessários, os custos de produção no mesmo tempo que as riquezas que vão ser produzidas. Tecnicamente, trata-se de gerar os dados fornecidos pelos centros de decisão exactamente como a Bolsa gera hoje em dia, e em contínuo, e no mundo inteiro, instantaneamente pois trata-se da velocidade da luz, de enormes quantidades de dados que lhe provem de todo o lado. Os sistemas informáticos estão prontos para estabelecer uma verdadeira prospectiva e uma gestão democraticamente concertada da economia em diferentes escalas, desde a escala local até à escala mundial.
Em economia distributiva, o financiamento é evidente: para que haja equilíbrio entre os bens a vender e os rendimentos dos consumidores, o poder de compra total destes últimos é igual à diferença entre o valor das riquezas produzidas e os seus custos de produção.
Isto realiza-se muito simplesmente com a ajuda duma moeda de consumo, quer dizer duma moeda que não circula, que só serve uma vez para assegurar a passagem dum bem ou dum serviço do seu produtor ao seu consumidor, como um bilhete de comboio. O montante da massa monetária produzida durante um período dado é igual ao preço total dos bens postos à venda. Deste modo, a toda nova produção corresponde a emissão duma nova quantidade de dinheiro. Todos os cidadãos têm uma conta individual, que é periodicamente reabastecida. Estas contas são debitadas a cada compra, a conta correspondente estando anulada. Isto não pede nenhuma técnica nova, todos os meios existem para a realizar: só é preciso que um organismo público seja habilitado a alimentar cada uma das contas pessoais. Para os débitos, a maior parte dos retalhistas estão já equipados com máquinas que debitam as contas lendo, por exemplo um cartão magnético.
Por outro lado, os processos de criação monetária e de anulação de crédito são clássicos: os bancos praticam-nos todos os dias: abrem um crédito por um simples jogo de escrita, quer dizer que agora a soma é registrada num computador, e anulam o crédito, logo que os clientes os reembolsam, por um outro jogo de escrita contabilizável, seja ainda pela cunhagem da soma, mas desta vez precedida dum signo negativo, sobre um registo do mesmo computador que precedentemente. A diferença está em que no sistema actual estes meios são privilégio dos bancos, que criam a moeda segundo os seus próprios critérios e reservam o seu interesse sob a forma duma percentagem; enquanto que em economia distributiva, são organismos públicos que assumem a responsabilidade executando as decisões democraticamente tomadas considerando todos os critérios pertinentes, e que não adiantam nenhum interesse. É deste modo que os conselhos económicos e sociais onde são debatidos os contratos cívicos, substituem, em economia distributiva, por sua vez os conselhos municipais ( ou regionais, etc.) e os bancos.
Como deve ser repartido o poder de compra disponível? É fundamentalmente um problema político, e que é essencial.
Hoje em dia esta repartição resulta da lei do mais forte, ou do mais rico. Inversamente, poderíamos decidir que é igualmente repartido entre todos os cidadãos é a igualdade económica descrita por Proudhon ou o salário social segundo os termos actuais. Mas esperando que todo o mundo esteja de acordo para esta igualdade dos direitos no domínio económico, é o contrato cívico que permite estabelecer democraticamente a maior equidade possível.
O que sugiro, é que separemos em dois a massa de poder de compra a repartir: que uma parte constituíndo o rendimento social, igual para todos, e que a outra parte seja distribuída em rendimentos personalizados, definidos nos contratos cívicos. A relação entre as duas partes, o montante dos rendimentos sociais sobre o montante dos rendimentos personalizados, resultará dum debate de política geral. Entre a igualdade económica, que corresponde a um valor infinito para este rendimento, e o valor zero que existe hoje em dia para os desempregados declarados “ em fim de direitos” ( que bela expressão a comparar com a declaração dos direitos do homem!), pode decidir-se um valor intermédio e, segundo as necessidades, para estimular mais ou menos as pessoas, fazer variar este rendimento.
Cada conselho ( local, regional, etc.) vai deste modo dispor duma cobertura para discutir os contratos que lhe serão submetidos. Se o conjunto dos contratos espontâneos permite assegurar a produção desejada, será fácil encorajar contratos de inovação e de aceitar anos sabáticos. Se pelo contrário certas produções, serviços públicos não estão ainda em pleno funcionamento, será possível encontrar candidatos publicando ofertas atraentes, ou estimulando as pessoas através de rendimentos personalizados maiores.

7 - O que isto mostra é que contrariamente, talvez às aparências, a economia distributiva não suprime o mercado. Ela não o suprime: remete-o ao seu lugar, à escala humana, mesmo individual, ao nível dos contratos. Ela devolve-lhe o seu papel essencial que é de confrontar as necessidades de uns com as de outros, as aspirações e os meios de os satisfazer.
Vendo toda a elasticidade que este projecto permite, compreende-se que ele é a chave da extensão da democracia em matéria económica.
Em economia de mercado capitalista, pelo contrário, quem decidiu do tipo de desenvolvimento que levou populações inteiras a abandonar as suas culturas de subsistência e a dever a sua sobrevivência à cultura da droga? Como financiar aqui todos os contratos cívicos, quer dizer do mesmo modo os empregos produtivos e as actividades úteis mas não rentáveis, todo este terceiro sector associativo que não é “competitivo” mas que se desenvolve porque corresponde a uma necessidade de convivência?
Não há dinheiro para devolver a dignidade a todos os excluídos do sistema produtivo, mas os paraísos fiscais permitem às multinacionais de subtrair aos estados somas mais importantes que os orçamentos nacionais. Não há fundos que permitem, por exemplo, aos intermitentes do espectáculo, ter uma vida decente, mas já se encontra para construir em tempo record um gigantesco estádio para ser a moldura duma competição. Considera-se que a saúde é arrastada a despesas insuportáveis à sociedade, mas os espectadores podem ganhar milhões instantaneamente, sem mesmo ter os fundos que comprometem! Será que todas estas escolhas foram objecto dum debate?
No sistema capitalista, pondo de lado os meios ilegais como o roubo ou a violência, há somente dois meios para corrigir estes excessos e estes absurdos. Oficialmente, é a redistribuição, para financiar algumas necessidades insolventes com a ajuda de taxas pagas por aqueles que ainda têm um emprego. Mas o limite está prestes a ser atingido. Em França a taxa Tobin, que iria permitir taxar ( 1 por mil!) as fortunas construídas com base nas especulações sobre as taxas de câmbio nunca foi aceite, tão contrária ela é ao espírito do capitalismo. O outro meio é marginal, é a organização espontânea e um pouco o desenrascanço individual, como os sistemas de trocas locais.Mas é uma gota de água no oceano, que não pode impedir as grandes catástrofes, nem gerir o conjunto da economia, nem por termo às mafias. Podemos, talvez, esperar que estas gotas de água façam grandes rios, que comunas, em seguida cidades, e por aí em diante, tomem a iniciativa de criar as suas moedas locais, se dotem dum banco próprio em seguida gerir as suas produções segundo os seus próprios critérios, mas podemos também duvidar que se vá desta maneira muito longe, quando vemos que há tentativas para recuperar estes esforços ao serviço do liberalismo, dizendo em substância: “ Se se organizam à margem do estado, este último não é mais responsável pela miséria, cada um por si, e o Estado para os melhores”.

8 - É claro, que a economia distributiva perturba os nossos hábitos. É uma maneira nova de raciocinar e de viver em conjunto. Se até agora a competição era natural, se era inculcada nas crianças, é porque o nosso sistema económico tinha sido concebido numa época onde os bens produzidos eram raros, era portanto a corrida para ser o melhor servido.
Somos levados a pensar e a agir doutro modo quando estamos diante dum bufete bem guarnecido e assegurado que será reabastecido por encomenda. Pois que a grande substituição da mão da obra humana pela ciência, em primeiro lugar pela máquina e agora pela informação, permite assegurar a produção das riquezas, é a ocasião de nos desembaraçarmos ao máximo destas tarefas materiais, e de nos libertarmos para outras actividades. Inventemos portanto outras relações sociais para primeiramente, que a produção seja assegurada utilizando ao máximo as tecnologias mais competitivas, e em segundo que ela seja distribuída entre todos, satisfazendo o mais que possível as suas necessidades segundo os seus desejos.
Ousemos por em questão as ideias feitas para procurar em conjunto como organizar a nossa sociedade, não mais num espírito de competição onde cada um procura ser o melhor, ser aquele que bate ou mesmo elimina todos os outros para desengatar o bocado, mas num espírito de cooperação, procuremos como nos organizar para que justamente, cada um possa expandir-se aproveitando o mais possível este património de conhecimentos do qual as gerações precedentes, tacitamente associadas, souberam fazer-nos a todos co-herdeiros.