Friday, December 29, 2006

O Socialismo Proudhoniano de Antero de Quental

Jacques Alibert depois de recordar as previsões do "mal social" do século XX feitas por Proudhon e Antero, conclui:"A nossa época será salva no dia em que quiser voltar os olhos para aquele que, em França, desprezaram, tratando-o de utopista, e para o homem que em Portugal, desenvolveu a ideia do seu Mestre. Seja como for, o certo é que os nomes de Proudhon e de Antero de Quental ficarão para sempre ligados na História do Pensamento Humano.
Em Outubro de 1997 teve lugar em Ponta Delgada o Congresso Anteriano Internacional que durante quatro dias, terá animado a Universidade dos Açores, realizado para comemorar o centenário da morte do autor das prosas da época de Coimbra. O próprio reitor da dita Universidade terá avançado que "não é possível estudar o século XIX em Portugal sem estudar a o obra de Antero". Terá também inclusivamente dito que "Antero é a sua obra". Nesses quatro dias de Congresso foram apresentadas algumas dezenas de comunicações sobre vários aspectos da obra de Antero, mas não deixa de ser significativo que nenhuma delas (pelo menos daquelas que publicamente foram anunciadas) se tenha referido à influência de Proudhon, influência essa que pretendemos mostrar que foi decisiva. Tão decisiva que se é verdade que Antero é a sua obra é igualmente verdade que a sua obra não é só Antero... Seria aliás relativamente fácil citarmos alguns excertos de estudos dedicados ao filósofo português onde se apresenta esta ligação umbilical com o filósofo francês. Vejamos alguns exemplos para a nossa exposição ser mais facilmente compreensível: "Antero tinha tal entusiasmo por Hegel e Proudhon que escrevia e dizia: Cristo, Proudhon e Hegel ! Ao proferir estes nomes, assumia um aspecto grave e os olhos exprimiam certa beatitude" (Bulhão Pato, Memórias) ou de José Bruno Carreiro na sua obra de 1948, Antero de Quental, onde a páginas tantas diz que: "Proudhon é citado em 17 páginas das Prosas, em 10 das Cartas, em 10 das Cartas Inéditas a Oliveira Martins e em 2 das Cartas a A.A. Castelo Branco. Na carta da página 15, contemporânea do primeiro escrito em que alude a Proudhon (1865) Antero dizia sentir-se como uma alma proudhoniana, capaz de dizer as verdades todas do sistema solar... quanto mais a este gentio nacional!" Vejamos agora o que o próprio Antero de Quental diz de Proudhon: "O que me alegra intimamente é vê-lo por o pé na grande e sólida estrada da escola proudhoniana; por esse caminho vai-se direito e sente-se o terreno cada vez mais firme. Há oito anos que estudo Proudhon, e cada dia acho mais que aprender nele. Não fala só à inteligência, fala-me a todas as minhas potências humanas. Na convivência dum tal Mestre não se ficará tão sábio (quero dizer tão erudito, etc) como nas dos outros; mas adquire-se, como em nenhuma outra escola, a inteira compreensão do que é a grande verdade humana, social, nacional e efectiva. Ora isto é que é o essencial, não lhe parece? Assim, pois, na comunhão da grande escola proudhoniana, saúdo-o, meu caro Magalhães Lima, e digo-lhe avante! Como a um irmão nas crenças. (carta de Antero de 1873 a Sebastião de Magalhães Lima). António Sérgio dedicou muitas das suas páginas a Antero e a Proudhon. Vejamos alguns excertos significativos: "O revolucionarismo de Antero foi sempre de fundamentação ético-voluntarista, como o de Proudhon (com base na ideia de Justiça, em Proudhon; na ideia de Justiça e no Amor, em Antero) e não de fundamentação histórico-automático-dialéctica, como o de Carlos Marx." E também: "A nota mais constante, no Proudhon e no Antero, fica sendo sempre a da afirmação moral - a do revolucionarismo ético, voluntarista, apriorista, Kanteano: - o contrário do que sucede na doutrinação do Marx, onde o tom fundamental é o do argumento histórico, empirista, dialéctico-naturalista, heteronomista, fundado numa lei histórica que não é uma lei da consciência". E mais ainda: "Proudhon, mestre de Antero, não concebe o socialismo como um conceito puramente económico: é a sua doutrina uma espécie de cúpula das concepções jurídicas da Democracia. Para Proudhon, os homens não precisam unicamente de acção organizadora e colectiva: requerem, outros sim, liberdade e cultura, - e não ao cabo de muito tempo, mas desde já. Dir-se-ia que o materialismo de Carlos Marx só aquela necessidade tomou em conta; Proudhon viu as duas, e Antero de Quental seguiu Proudhon." Por estas citações e por mais uma mão cheia que ainda poderíamos apresentar, podemos desde já dizer que quando agiu, ou quando pensou sobre a realidade, Antero foi um proudhoniano. Foi Proudhon o principal agente da sua libertação ideológica, seguiu sempre com ele na acção e no pensamento, mesmo quando a síntese hegeliana se lhe apresentou. Daí podermos concluir que no campo político nunca houve o embate de Hegel com Proudhon, o primeiro apologista do estado prussiano, o segundo do radicalismo e do socialismo realizados pela "Federação Democrática". É na presença de Proudhon que o arrasta para fora das angústias religiosas e das perplexidades especulativas, que brotam os seus primeiros contactos com a filosofia. Na nota final que escreve para as Odes Modernas, sobre a Missão Revolucionária da Poesia, Proudhon surge já então com toda a pujança. Está aí claramente proclamado "o ateísmo social e anarquismo individual" que emergiam sobretudo da Création de l'Ordre dans l'Humanité, de Révolution Sociale demonstré par le Coup d'État e sobretudo do De la Justice dans la Révolution et dans l'Église, as obras de Proudhon que até então mais o deviam ter influenciado, embora sempre acompanhado de outras leituras de outros escritores revolucionários do tempo. A concepção de arte de Proudhon está expressa com clareza na Nota Final das Odes Modernas, pois "a missão revolucionária da poesia" é apenas uma consequência do destino social da arte de Proudhon. Antero diz: "A poesia que quiser corresponder ao sentido mais fundo do seu tempo, hoje tem forçosamente de ser uma poesia revolucionária." A acção académica de Antero já teve a direcção ideológica de Proudhon. Ao terminar o seu curso de Direito, Antero já era um socialista militante, ele próprio o reconhecia em carta a Anselmo de Andrade, datada de 1866. A vertente idealista proudhoniana colocava a doutrina e a ordem moral como a última etapa duma revolução, que partindo do cataclismo, da desordem e da confusão só depois de acções e reações sem conta, é que poderia ser realizada como grande renovação da Humanidade. Quer dizer, em Antero eram a doutrina e a ordem que constituiam simultaneamente a cúpula e a base de toda a acção socialista, que partindo de um ideal devia realizar outro ideal. A sua experiência de operário foi um duro golpe no seu idealismo, mas ele continuou sem vacilar a luta pelo seu ideal socialista, isto é, pela doutrina e pela ordem moral. Ao regressar a Portugal ele vinha mais ainda fiel ao seu mestre, ao "grande Proudhon", como ele escrevia ao seu mais íntimo amigo, Germano Meireles, o cúmplice das Odes Modernas. De regresso dos Açores, escreve o panfleto, "Portugal perante a Revolução de Hespanha", onde defende a Democracia Ibérica. Continua a demonstrar-se um proudhoniano convicto. Para Antero a "unidade" matava a "liberdade", a "delegação" a "iniciativa", a "organização unitária e republicana", a "república democrática". Para evitar a "República Unitária e Indivisível". À cabeça dos partidários da "República Democrática Federativa" como forma ideal de governo, estava Proudhon. As causas que Antero aponta como as provocadoras da Decadência são: o catolicismo de Trento, o absolutismo e a questão económica, que surge como uma sequência das duas primeiras - emergem da filosofia proudhoniana. O ataque ao catolicismo é mais ou menos aquele que resulta De la Justice dans la Revolution et dans l'Église embora se encontre também a influência de outros autores. O combate ao absolutismo é o combate ao poder unitário - republicano ou monárquico - que se opõe ao federalismo de Proudhon. O combate à estagnação económica, tem também, nitidamente a marca de Proudhon, ou melhor, é precisamente aí que o Proudhonismo de Antero salta mais evidente. O conceito de "concorrência" coincide num e no outro. Para Proudhon "Elle est l'impression de la spontaneité, l'embleme de la democratie, mas elle conduit au monopole que est anti-social." Para Antero " ela é espontânea - expressão de origem proudhoniana - mas é também anti-social e também conduz ao monopólio. Quer dizer, Antero é partidário do trabalho livre, a industria do povo, pelo povo e para o povo, "não dirigida ou protegida pelo Estado", e é tal concepção de origem proudhoniana, que se opõe à anarquia de livre concorrência." Onde, no entanto, se pode ver mais claro do que em qualquer outro escrito, o socialismo proudhoniano de Antero, é no panfleto "O que é a Internacional". É quase totalmente, uma exposição ortodoxa da filosofia e do socialismo de Proudhon. Lá está a concepção colectiva da propriedade opondo-se à concepção individual, o que resulta da célebre premissa proudhoniana "La propriété c'est le vol". Lá estão os conceitos proudhonianos de naturalidade e de cooperação. Lá está o que Proudhon sustentou com mais veemência no seu livro De la Capacité Politique des Classes Ouvrières considerando o seu testamento político, sobre a luta de classes, isto é, a divisão da sociedade em dois grupos antagónicos, burgueses e proletários. Lá está a concepção proudhoniana do Banco do Povo, como chave de uma economia transformadora. Lá está a concepção da História e da conciliação ou pelo menos de que as classes trabalhadoras agindo pela Internacional devem ir procurando dirigir a evolução dos factores no sentido do seu socalismo. Isto é, no panfleto de Antero encontra-se tudo o que caracterize o colectivismo de Proudhon, eis porque ele o define: "Daqui o nome de "colectivismo" dado à doutrina. Não é comunismo, porque admite e garante a propriedade individual, a liberdade do trabalho, e o debate nos preços dos produtos. Não é também o individualismo estreito e egoísta, que em nome da liberdade Industrial, serve de máscara à profunda anarquia e injustiça de regime actual. É simplesmente o direito económico na sua realidade: o direito do individuo garantido pelo direito de sociedade. A cada um que é seu." Antero não escreveu, poder-se-à refutar, um panfleto onde expusesse as suas ideias políticas, pois, como ele próprio afirma, o seu panfleto era apenas um resumo das discussões e resoluções dos Congressos da Internacional em Genebra (1866), Lausanne (1867), Bruxelas (1869), e em tais Congressos, sobretudo neste três primeiros, foi grande a influência dos Proudhonianos, o que de resto era licito esperar dele dadas as bases da sua cultura política. Em todo o panfleto O que é a Internacional, Antero não sita sequer o nome de Marx ou de Engels e era natural que o fizesse, visto já nessa altura a concepção marxista do socialismo combater até nos próprios Congressos da Internacional, as concepções federalistas do socialismo. Inquieto como intelectual, insatisfeito como artista, Antero encontrou nas teorias proudhonianas, na sua veemente filosofia sociológica, um mundo de concepções, capaz de preencher os seus permanentes cepticismos metafísicos. Nem o pensamento anteriano, nem muito do seu procedimento de militante socialista, poderão ser devidamente compreendidos pelas novas gerações, se não forem analisados em confronto com os de Proudhon. Quanto mais se conhecer Proudhon, melhor se compreenderá que Antero é a sua melhor tradução em português.