ESTADO FEDERAL OU FEDERALISMO ? A PROPÓSITO DA QUESTÃO JUGOSLAVA
Os acontecimentos de que algum tempo a esta parte vão acontecendo um pouco por toda a República da Jugoslávia vêm mostrar como fundamental uma reflexão cuidada sobre o problema de Federalismo.
Quando diariamente nos chegam notícias e imagens através dos vários meios de comunicação social da guerra civil que de há muitos meses a esta parte vai sucessivamente tendo lugar nas várias regiões daquela zona dos balcãs, não deixa de ser pertinente interrogarmo-nos sobre a valorização que os poderes políticos têm feito das consequências resultantes para cada Estado da futura Comunidade Económica Europeia.
Fala-se da Jugoslávia como sendo um país onde existe(iu) implantado o Federalismo e certos autores (basta pensar em Georges Gurvitch) valorizam o seu tipo de sociedade porque demissionário em relação a Moscovo e onde se ensaiavam, conjuntamente com a Argélia numa certa fase do seu desenvolvimento histórico, um projecto de vida social chamado de autogestionário. Ora tudo isto necessita de clarificação para se poder compreender a situação actual. Nem nunca existiu autogestão na Jugoslávia como é abusivo, melhor dizendo, falso chamar-lhe federalista.
A palavra "autogestão" é relativamente recente; surgiu no começo dos anos sessenta em França. Não se encontra nos dicionários ou enciclopédias francesas anteriores a essa data. Esta palavra é a tradução literal da palavra servo-croata "samoupravlje" (sendo "samo" o equivalente eslavo do prefixo grego "auto" e "upravlje" uma palavra que significa aproximadamente "gestão"). Portanto, a palavra autogestão foi introduzida em França para designar a experiência político-económico-social da Jugoslávia de Tito, quando do rompimento com o estalinismo. Mas na própria Jugoslávia, o sistema de autogestão não era apresentado como uma inovação, mas, pelo contrário, como um regresso ao marxismo autêntico, pervertido por Moscovo.
Mas na verdade nunca houve autogestão, mas somente uma simples participação nas instâncias dirigentes das empresas; nestas condições, estaríamos perante um conjunto de cooperativas co-geridas, ou um conjunto industrial mais ou menos controlado pelos trabalhadores. Mas participar não é autogerir; é apenas ser admitido a tomar parte numa actividade que já existe, que tem a sua própria estrutura e finalidade; a participante mistura-se quase individualmente com o grupo preexistente; junta-se aos outros e colabora com eles, mas não tem iniciativa, a não ser decidir prestar a sua cooperação, contribui com a sua parte. Nesse sentido será mais correcto falar de co-gestão.
Da mesma maneira não existe Federalismo na Jugoslávia mas trata-se somente dum Estado Federal. Estado Federal habitado por étnias várias e minorias dominadas pela Sérvia. Se se pretende reduzir o Federalismo à teoria do Estado Federal, estamos a impedir o conhecimento conveniente deste tipo de Estado. Com efeito, sabe-se pouco dum Estado na medida em que só se conhece o mecanismo do seu funcionamento enquanto se ignora o tipo de sociedade onde ele se pode estabelecer dum modo durável.
É insuficiente operar esta redução para se isentar do problema da sociedade federal, noutros termos, do problema posto pelo modo federalista de pensar e agir.
A Jugoslávia federada sucumbiu porque o pacto, o contrato (do latim foedus, federação) era uma falsa aliança uma pseudo convenção baseada na força e no medo e alicerçada na conjuntura internacional da guerra fria. Com a queda do horizonte, o contrato foi quebrado. Como dizia o autor do Princípio Federativo "o problema político, reduzido à sua expressão mais simples, consiste em encontrar o equilíbrio entre dois elementos contraditórios: a autoridade e a liberdade. Equilibrar duas forças é submetê-las a uma lei que as conserve em respeito e as ponha de acordo uma com a outra". Torna-se urgente o retorno ao estudo da obra do filósofo de Besançon.
Publicado n' A Batalha , nr.136, Abril-Junho, 1992
Os acontecimentos de que algum tempo a esta parte vão acontecendo um pouco por toda a República da Jugoslávia vêm mostrar como fundamental uma reflexão cuidada sobre o problema de Federalismo.
Quando diariamente nos chegam notícias e imagens através dos vários meios de comunicação social da guerra civil que de há muitos meses a esta parte vai sucessivamente tendo lugar nas várias regiões daquela zona dos balcãs, não deixa de ser pertinente interrogarmo-nos sobre a valorização que os poderes políticos têm feito das consequências resultantes para cada Estado da futura Comunidade Económica Europeia.
Fala-se da Jugoslávia como sendo um país onde existe(iu) implantado o Federalismo e certos autores (basta pensar em Georges Gurvitch) valorizam o seu tipo de sociedade porque demissionário em relação a Moscovo e onde se ensaiavam, conjuntamente com a Argélia numa certa fase do seu desenvolvimento histórico, um projecto de vida social chamado de autogestionário. Ora tudo isto necessita de clarificação para se poder compreender a situação actual. Nem nunca existiu autogestão na Jugoslávia como é abusivo, melhor dizendo, falso chamar-lhe federalista.
A palavra "autogestão" é relativamente recente; surgiu no começo dos anos sessenta em França. Não se encontra nos dicionários ou enciclopédias francesas anteriores a essa data. Esta palavra é a tradução literal da palavra servo-croata "samoupravlje" (sendo "samo" o equivalente eslavo do prefixo grego "auto" e "upravlje" uma palavra que significa aproximadamente "gestão"). Portanto, a palavra autogestão foi introduzida em França para designar a experiência político-económico-social da Jugoslávia de Tito, quando do rompimento com o estalinismo. Mas na própria Jugoslávia, o sistema de autogestão não era apresentado como uma inovação, mas, pelo contrário, como um regresso ao marxismo autêntico, pervertido por Moscovo.
Mas na verdade nunca houve autogestão, mas somente uma simples participação nas instâncias dirigentes das empresas; nestas condições, estaríamos perante um conjunto de cooperativas co-geridas, ou um conjunto industrial mais ou menos controlado pelos trabalhadores. Mas participar não é autogerir; é apenas ser admitido a tomar parte numa actividade que já existe, que tem a sua própria estrutura e finalidade; a participante mistura-se quase individualmente com o grupo preexistente; junta-se aos outros e colabora com eles, mas não tem iniciativa, a não ser decidir prestar a sua cooperação, contribui com a sua parte. Nesse sentido será mais correcto falar de co-gestão.
Da mesma maneira não existe Federalismo na Jugoslávia mas trata-se somente dum Estado Federal. Estado Federal habitado por étnias várias e minorias dominadas pela Sérvia. Se se pretende reduzir o Federalismo à teoria do Estado Federal, estamos a impedir o conhecimento conveniente deste tipo de Estado. Com efeito, sabe-se pouco dum Estado na medida em que só se conhece o mecanismo do seu funcionamento enquanto se ignora o tipo de sociedade onde ele se pode estabelecer dum modo durável.
É insuficiente operar esta redução para se isentar do problema da sociedade federal, noutros termos, do problema posto pelo modo federalista de pensar e agir.
A Jugoslávia federada sucumbiu porque o pacto, o contrato (do latim foedus, federação) era uma falsa aliança uma pseudo convenção baseada na força e no medo e alicerçada na conjuntura internacional da guerra fria. Com a queda do horizonte, o contrato foi quebrado. Como dizia o autor do Princípio Federativo "o problema político, reduzido à sua expressão mais simples, consiste em encontrar o equilíbrio entre dois elementos contraditórios: a autoridade e a liberdade. Equilibrar duas forças é submetê-las a uma lei que as conserve em respeito e as ponha de acordo uma com a outra". Torna-se urgente o retorno ao estudo da obra do filósofo de Besançon.
Publicado n' A Batalha , nr.136, Abril-Junho, 1992
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