Wednesday, January 24, 2007

O MUNDO DA INFORMAÇÃO E AS SOCIEDADES ABERTAS


Em nenhum outro caso, aparentam as reivindicações de diversidade democrática e de livre concorrência feitas em nome das "sociedades abertas" do capitalismo avançado, maior validade do que no campo da informação - imprensa, palavra escrita em geral, rádio, televisão, cinema e teatro. Isto porquanto, em contraste com os regimes comunistas e outros regimes monolíticos, os orgãos de expressão nos países capitalistas não são normalmente monopolizados pelo poder político dirgente, nem lhe são subservientes. Mesmo nos casos em que as agências de informação são instituições políticas ou mistas, como acontece amiúde com a rádio e a televisão, esses orgãos não se limitam a ser porta-vozes do governo que está no poder, nem se limitam à qualidade de orgãos da política e das opiniões oficiais. Eles emitem também pontos de vista da oposição.
Nem tão-pouco, como acontece em muitos países onde o Estado não monopoliza as comunicações, aqueles que trabalham no sector da informação têm de recear punições extremas quando aquilo que comunicam ou consentem seja comunicado tem o condão de ofender o governo ou outras personalidades ou organismos públicos. Não resta dúvida de que eles estão sujeitos a várias limitações e pressões de natureza legal ou de outro tipo oficial, por vezes bem severas. todavia, tanto essas restrições como essas pressões, que vão ser analisadas seguidamente, apenas imprimem uma maior parcela de autoridade à ideia de independência dos meios de comunicação social relativamente a ditames e ao controlo por parte do Estado - não a neutralizam.
Efectivamente, não pode sequer afirmar-se que os pontos de vista que ofendem profundamente o "sistema", sejam eles de ordem política, cultural, religiosa ou moral, estejam estreitamente confinados a canais de expressão marginais e de vanguarda, patrocinados unicamente por pequenas minorias.
Em todos os países de capitalismo avançado, as "opiniões controversas" são veiculadas em jornais e revistas de grande circulação; são apresentadas sob a forma de livro pelas grandes casas editoras; podem ouvir-se na rádio ou ver-se na televisão; inspiram filmes exibidos pelos mais importantes circuitos de cinema, e peças que vão à cena no teatro "comercial" - sem que ninguém, ou quase ninguém, vá por isso para a prisão.
Não deve subestimar-se o valor desta liberdade e oportunidade de expressão. Todavia, a noção de diversidade política e de equilíbrio competitivo é deveras superficial e enganadora, neste como em todo os outros campos. É que os agentes de comunicação e nomeadamente os mass media são, na realidade, e não obstante a manifestação de pontos de vista dissidentes, um elemento crucial na legitimação da sociedade capitalista. A liberdade de expressão não se torna por isso destituído de sentido. Porém, essa liberdade tem de ser vista no contexto real, político e económico, destas sociedades; e, nesse contexto, a livre expressão de ideias e de opiniões significa, primordialmente, a livre expressão de ideias e de opiniões que concorram em benefício do sistema vigente de poder e de privilégio.
A função ideológica dos orgãos de comunicação social é ocultada por inúmeras facetas da vida cultural destes sistemas como, por exemplo, e para citar apenas algumas, a ausência de uma intervenção de tipo ditatorial por parte do Estado, a existência do debate e da polémica, o facto de o conservantismo não constituir uma ideolgia hermética e de a sua flexibilidade tornar possíveis variações e divergências dentro da sua extrutura. Porém, e apesar destes factores, a verdade é que se os orgãos de comunicação social das sociedades capitalistas avançadas se destinam e desempenhar principalmente um papel altamente funcional. Também eles são tanto a expressão de um sistema de dominação, como um meio de reforçar esse sistema.
A imprensa pode ser considerada o exemplo mais flagrante deste papel. EWm qualidade, conteúdo e tendência, os jornais são muito diferentes de país para país. Temo-los sóbrios e graves, sensacionalistas acutilantes; intelegenetess ou estúpidos; escrupulosos ou não; reaccionários, conservadores, liberais ou "radicais"; isentos de lealdade exterioir, ou veículos de determinada faccção ou determinado interesse partidário; podem criticar a autoridade ou desculpá-la, e assim por diante.
Mas sejam quais forem as suas intermináveis diferenças, a maioria dos jornais do mundo capitalista tem uma característica comum, nomeadamente, a sua forte, mesmo apaixonada hostilidade a tudo quanto se situe mais à esquerda das formas mais suaves da social-democracia, quando não mesmo a oposição a estas formas sociais-democratas. Este comprometimento encontra as suas expressões mais explícitas durante o período eleitoral. É de esperar que a maior parte dos jornais apoie o lado conservador ou, pelo menos, critique energicamente os anti-conservadores, por forma vociferante e destítuida de quaisquer escrúpulos. Normalemte, esta preponderância conservadora é esmagadora.
No cerne deste comprometimento vamos encontara uma ceitação genérica dos modos de pensamento vigentes sobre a ordem social e económica, e uma aceitação específica do sistema capitalista. A maior parte dos jornais aceita um certo grau de intervenção do Estado na vida económica e social como algo digno de louvor e de elogio. Há mesmo os que corajosamente poderão apoiar este ou aquele aspecto de uma nacionalização inofensiva. Mesmo assim, a maioria dos orgãos da imprensa tem alimentado o princípio de que o alargamente do sector público é inimigo do "interesse nacional" e que o fortalecimento da empresa privada é condição da prosperidadde económica, do bem estar social, da liberdade, da democracia, e assim por diante.
Do mesmo modo, a imprensa tem sido sistematicamente uma força anti-sindical profundamente comprometida. Não que os jornais se oponham em regra aos sindicatos como tal. Não. Eles apenas se opõem aos sindicatos nessa linguagem bem familiar que, com todo o desrespito pelo bem estar do país e pelos próprios interesses dos seus mebros, procura irresponsavelmente alcançar conquistas a curto prazo que são cegamente auto-destrutivas. Por outras palavras, os jornais apreciam os sindicatos desde que eles cumpram mal a função que lhes compete, ignorando a razão da sua existência. tal como os governos e os patrões, os jornais lastimam profundamente as greves e, quanto mais mobilizadora é a greve, maior a hostilidade: malditos os dirigentes sindicais que estimulam ou não impedem formas de comportamento tão manifestadamente irresponsáveis, não -sociais e oboletas. A justiça ou injustiça de qualquer conflito de trabalho é de pouca monta; o que conta é a comunidade, o consumidor, o público, que tem de ser protegido, custe o que custar, dos actos de homens que cegamente obedecem aos apelos de dirigentes que andam errados e muito provalvelmente, mal intencionados.
Ainda no mesmo espírito, a maioria dos jornais do mundo capitalista tem-se precavido contra a "extrema"-esquerda variando a sua atitude para com esse sector de espectro polítco apenas no grau de virulência e hostilidade que tem manifestado. Para tal imprensa, a história do mundo a partir de 1945 tem sido, em grande parte, uma luta imposta pelas forças do bem, e comandad pelos Estados Unidos, contra as forças do mal, representadas pelo comunismo agressivo, soviético ou chinês. Os movimentos revolucionários são quase inspirados pelo comunismo e, por definição, por forças do mal, por mais revoltantes que sejam as condições sociais que os originaram. Nas batalhas de descolonização travadas neste século, a atitude da vasta maioria dos jornais tem oscilado entre uma forte antipatia e uma feroz hostilidade para com os movimentos e os dirigentes ou melhor, terroristas que lutam pela independência.
Saliente-se que tudo isto não é simplesmente uma de muitas correntes de pensamento. Tem sido, e continua a ser, a corrente de pensamento predominante, esmagadora, da imprensa nacional e local dos países capitalistas avançados.
Tal como foi repetidas vezes realçado, esta perspectiva profundamente conformista admite muitas variante e muistos desvios. Certamente não exclui uma visão crítica deste ou daquele aspecto da actual ordem das coisas. E se os governos, por mais conservadoras que sejam as suas políticas, deparam com um tratamento muito mais rude por parte da imprensa do que os partidos propriamente conservadores, os últimos não estão de modo algum imunes a críticas e ataques da imprensa. Neste sentido, a imprensa pode reclamar a sua "independência" e o desempenho de uma função de vigilância. O que se esquece, contudo, é que é à Esquerda que os cães de guarda geralmente ladram com mais ferocidade, e que aquilo que eles querem proteger acima de tudo é o status quo.
Muitos jornais "populares" de grande circulação preocupam-se extremamente com transmitir a impressão oposta, e sugerir uma impaciência radical para com todo e quqlquer tipo de sistema, e uma ânsia inquieta de mudança, reforma e progresso. Na realidade, quase todo o radicalismo irado representa pouco mais do que uma afectação de estilo. Por detrás da irreverência iconoclasta e do popularismo demagógico, há um singular vazio quanto a diagnósticos e as prescrições. O barulho é muito, falsa a batalha.
Por seu turno, a rádio e a televisão servem do mesmo modo uma finalidade conformista, mas não só. Também aqui deparamos com um quadro caracterizado por uma rica diversidade de pontos de vista e opiniões, pela controvérsia ardente e pelo debate apaixonado. Estes orgãos de comunicação social, comerciais ou nacionalizados, devem transmitir um elevado grau de imparcialidade política e objectividade. Os jornais podem ser partidários ou politicamente envolvidos, tendenciosos como muito bem entenderem na apresentação de notícias e pontos de vista. Mas a rádio e a televisão não deverão sê-lo.
Estas supostas imparcialidade e objectividade são artificias, poquanto só se aplicam a formações políticas que, mesmo que estejam divididas em muitas questões, são contudo parte de um consenso subjacente básico. Assim, a rádio e a televisão, em países com o Grâ-Bretanha e os Estados Unidos, podem preservar um certo grau de imparcialidade entre os partidos Conservador, Liberal e Trabalhaista, ou entre o Republicano e o Democrático, respectivamente . Isto não exclui, porém, um fluxo contínuo de propaganda adverso a todos os pontos de vista que saiam daquele consenso. Neste sentido político acaba - e quanto mais radical for a dissenção, menos imparciais e objectivos serão os media. Não será extravagante sugerir que em todos os países capitalistas a rádio e a televisão têm sido sistemáticamente e predominantemente agentes da doutrinação política conservadora, que têm feito o possível por inocular ouvintes e espectadores contra o pensamento dissidente. Isto não impede que as opiniões discordantes sejam abordadas. Basta apenas que o preconceito dos media esteja esmagadoramente a favor do outro lado. Este requesito tem sido amplamente satisfeito.
Em países onde a vida política é dominada por partidos que funcionam dentro de uma estrutura de consenso, este preconceito, para o qual aliás partidos opostos contribuem, é facilmente excluído. Em países como a França e a Itália, onde a principal oposição é constituida por partidos comunistas, é mais difícil a ideia da imparcialidade política. Nos outros países capitalistas, o preconceito ideológico tem menos conotações políticas imediatas, visto que os partidos e movimentos atingidos pela hostilidade e pela discriminação constituem um factor político de pouca importância. Já na França e na Itália, a rádio e a televisão estão muito mais directamente envolvidas na luta polítca e são efectivamente os instrumentos dos partidos governamentais que deverão ser utilizados contra a oposição, sem ideias absurdas de "tempo Igual" no ar ou qualquer outro luxo liberal que as circunstâncias políticas tornam inadequadas. em França, tanto a rádio como a televisão têm sido deliberadamente transformadas em instituições gaullistas, a ser usadas para vantagem do general, do seu governo e do partido que as apoia; também em Itália, rádio e televisão têm sido predominantemente instrumentos da social-democracia cristã e dos seus governos.
Em termos estritamente políticos, tratava-se de situações totalmente diferentes das que vigoram num país como a Grã-Bretanha, onde desde a última guerra o partido Trabalhista e os seus dirigentes viram assegurada a paridade com os seus rivais Conservadores. Em termos ideológicos mais latos, o contraste não tem sido tão pronunciado. O mesmo se pode dizer dos Estados Unidos, onde o negócio organizado e outros interesse menores, como por exemplo os partidos políticos mais importantes e grupos da Igreja, têm literalmente um monopólio psicológico dos media. Notícias e comentários, programas recreativos, publicidade, retórica política e exortação religiosa, todos estão muito mais interessados em fazer eco das crenças existentes do que em alterá.las radicalmente. Entre todas as gradações do consenso, por um lado, e as gradações da contra-ideologia, por outro, em todos os países capitalistas, a rádio e a televisão têm assegurado um lugar altamente prioritário para as primeiras.
Analisámos até agora os orgãos de comunicação social num contexto pol´tico e ideológico. Mas a sua influência é múltipla. Toda a imprensa dedica muito espaço a questões que não estão directa, enm mesmo indirectamente, relacionadas com política. Efectivamente, muitos jornais dedicam muito mais espaço a outros problemas. Do mesmo modo, a rádio, a televisão, o cinema e o teatro não são dirigidos como agências de comunicação política e doutrinação. Eles ocupam-se, predominantemente, com a "recreação". No caso dos orgãos de comunicação privados, o principal objectivo é o lucro. O mesmo se pode dizer dos jornais.
Por outro lado, fazer dinheiro não é incompatível com fazer política em num sentido mais lato, com doutrinação política. Assim, o objectivo da indústria da "diversão", nas suas varidas formas, pode ser o lucro; mas o conteúdo da sua produção não está de forma alguma livre de conotações políticas e ideológicas de um tipo mais ou menos defenido.
Os mass media são muitas vezes atacados pela pobreza cultural, pelo seu baixo comercialismo, a sua sistemática trivialidade, o seu vício de brutalidade e violência, a sua exploração do sexo e do sadismo, e muitas outras coisas do género. A acusação justifica-se plenamente.
Porém, ela tende com frequência a subertimar ou a ignorar o conteúdo ideológico específico destas produções e o grau em que são usadas como veículos de propaganda de uma vi~sao particular do mundo. Um inventário superficial do conteúdo e da motivação dos produtos da recreação na nossa civilização ocidental terá que incluir entre os seus temas a nação, a família, a religião, a livre iniciativa, a iniciativa individual. Tal inventário incluiria na verdade outros temas altamente funcionais; teria também de abranger o lugar marginal permitido a temas de tipo disfuncional.
Sobre o mundo dos magazines é necessário ter presente que eles contribuem pela extrutura das suas rubricas e aparente neutralidade dos seus artigos, para a formação deste clima de conformismo que é um dos melhores trunfos do capitalismo contemporâneo. A este respeito, o papel dos hebdomadários femininos é dar, sem o parecer, uma visão inteiramente falsificada do nosso mundo. A este argumento pode dar-se aplicação mais geral naquilo a que chamaríamos televisão de uma maioria, ou seja, que ela é uma expressão da falsa consciência das nossas sociedades.
Alêm disso, vale a pena notar que uma grande parte da mensagem dos mass media não é difusa, mas sim específica. Seria ridículo considerarmos certos autores escritores políticos em qualquer sentido verdadeiro. Mas não podemos também esquecer o facto de que os seus heróis são exemplos das virutdes conservadoras e das suas aventuras, incluindo as aventuras sexuais, se situam a maior parte das vezes no contexto de uma luta desesperada contra forças subversivas, externas e internas. Estas produções são entretecidas na textura de suposições da novela. Quem pensar o contrário, é ingénuo. Este tipo de crua ideologia de massas não penetra em todo o campo da cultura de massas. Penetra no entanto numa parte substancial das populações através dos mass média. A restante cultura de massas não é invadida por mateiral contra-ideológico. De um modo geral, não há homólogos de esquerda e revolucionários de James Bond, Rambo e outrso que tais. Talvez o género não se preste a isso. Certamente que o clima político das sociedades capitalistas avançadas a tal não se presta.