Tuesday, January 23, 2007

Pode a Teoria Proudhoniana Esclarecer a Questão do federalismo Europeu?


A questão pode parecer ligeiramente paradoxal tanto que Proudhon é um dos principais teóricos do federalismo. Se colocá-la deste modo quer dizer que podemos tentar medir a construção europeia actual em relação ao esquema ideal que constituiria o federalismo proudhoniana, mas também que podemos medir as dificuldades concretas ver as insuficiências deste esquema. No fim o que conta é de tomar a medida do que significa a reclamação de federalismo e de ver no que isto pode esclarecer os debates actuais sobre a Europa.
O federalismo proudhoniano pode interessar a questão europeia sob um duplo aspecto. De maneira directa, pelo federalismo externo, relembra que a paz na Europa só se fará pelo verdadeiro equilíbrio europeu. Proudhon criticou o princípio das nacionalidades como beligista. Convinha portanto para ele, de procurar um tipo de equilíbrio europeu que anulasse as relações de força e a corrida às armas; queria um equilíbrio fundado sobre o direito e não sobre o poder recíproco. O federalismo, neste sentido, constitui uma referência útil mas um pouco formal: trata-se duma adaptação jurídica de comunidades umas nas outras; a Europa é “uma confederação de confederações”. Indirectamente, com o federalismo interno, encontramos o mesmo formalismo jurídico na base contratual que divide uma unidade maior em unidades mais pequenas. Mas há ainda um aspecto material e ideológico muito importante: uma cultura política anti-autoritária. É talvez o que diz respeito ao mais alto nível a construção europeia.
Podemos rapidamente resumir agora o federalismo proudhoniano. É um conceito social global pelo qual Proudhon tem a ambição de descrever racionalmente a nova sociedade: o federalismo é "a forma política da humanidade”, tal qual o mutualismo é a forma económica. Constitui o laço social perfeito. Neste aspecto global diz respeito mais as subdivisões nacionais que a Europa propriamente dita. É por outro lado um sistema social que adopta como princípio a diferenciação e a estruturação da sociedade pela permuta. A ordem social compõe-se graças à diferença, e a vida social é concebida como uma troca, uma pura circulação dos bens, das ideias… Nestas condições Proudhon concebe a liberdade como o máximo de relações com os seus semelhantes. Politicamente o federalismo apresenta-se como um sistema geral de divisão e de separação de todos os poderes; é o único que pode garantir o equilíbrio dos poderes ( tanto políticos como económicos).
No que é que esta teoria proudhoniana pode esclarecer a realidade europeia actual?

1. Unidade e diversidade: os fundamentos da unidade e da identidade europeia.

Visto que nos situamos numa hipótese federalista, é preciso perguntarmo-nos no que é que reside a unidade da Europa e como se faz a conciliação da unidade e da diversidade.
Parece que podemos observar em Proudhon como nos fundadores da Comunidade europeia uma comunidade prioritariamente “saint-simoniana” da economia no que diz respeito à formação do laço social. No ponto de partida da sua análise económica e política, Proudhon coloca um fenómeno comum de divisão, de separação que extingue “ a velha lei de unidade”. Para ele a separação política dos poderes é da mesma ordem que a divisão económica do trabalho: “ A ideia duma federação industrial servindo de complemento e de sanção à federação política, recebe a confirmação a mais emocionante dos princípios da economia. É a aplicação na mais alta escala dos princípios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidaridade económica que a vontade do povo teria transformado em lei do Estado”.Em realidade Proudhon parte dum modelo único que generaliza ao conjunto da sociedade: o peso da interdependência económica resultasdo da divisão do trabalho. Esta torna-se o modelo do verdadeiro laço social que não depende mais da vontade humana e portanto duma vontade política; ela é ainda o modelo da paz social interna como da paz internacional.
A diligência pragmática dos fundadores da Europa apoia-se do mesmo modo sobre a interdependência económica para construir de seguida a interdependência política. Relembremos as fórmulas de Robert Schuman, em 9 de Maio de 1950: “ solidaridade de facto”, “solidaridade de produção”, “pôr em comum a produção de base”. Tudo isto estava todavia explicitamente destinado à criação duma futura “federação europeia”. Que significa todavia esta prioridade dada à economia como fundamento da unidade europeia? Para Proudhon, já o vimos, o laço económico ( a interdependência na divisão do trabalho) é o laço social racional por excelência; assegura a ordem não pela unidade mas na divisão e na diferenciação social. Pensa resolver deste modo o problema da unidade e da diversidade e poder afirmar, com este gosto pronunciado do paradoxo, que o princípio de divisão dá à sociedade a sua forma “decididamente orgânica”. Para os fundadores da Europa, trata-se vinte anos depois, de tomar a exacto contrapartida do Mémorandum Briand: em lugar de sublinhar fortemente “ a subordinação geral do problema económico ao problema político”, era necessário partir de realizações económicas parciais e concretas. Nos dois casos há uma minimização do debate político. Em 1950queria-se À justa evitar um debate demasiadamente difícil e paralisante a propósito da Europa; a questão da C.E.D. mostra que os crentes não eram inúties. Nem a questão dos valores comuns nem os interesses nacionais e a soberania dos Estados não podem ser abordados de frente e explicitamente sem incorrer no insucesso. Proudhon, reduz a significação dos afrontamentos políticos. A organização mutualista da sociedade constitui o laço social mais forte, quer dizer aquele que resistirá melhor aos conflitos entre os homens. Com efeito, numa sociedade deste tipo unitário “constituiu-se invisível, impalpável, permeável em todos os sentidos à liberdade, como o ar atravessado pelo pássaro e que o fazem viver e o sustêm.” Tudo se passa portanto como se se desse a prioridade à regulação económica da sociedade sobre a regulação política, quer dizer no fim deconta a uma ordem social implícita pois que nos dois casos trata-se duma economia de mercado. Portanto passando da anarquia ao federalismo Proudhon vai reconstruir uma forma de Estado; há portanto sempre lugar para uma regulação social política.
Isto conduz a colocarmos duas questões sobre a Europa contemporânea. A primeira consiste a perguntar no que é que consiste a identidade europeia que lhe permitirá de assentar a sua unidade. O que faz com que os homens das nações europeias vão sentir-se europeus, ou poderão identificar-se a uma imagem valorizante da Europa? A questão não parece colocar-se verdadeiramente para Proudhon porque a entidade à qual ele se identifica naturalmente ( e portanto fortemente) é infra-estadista: a província. Nele a Europa não é uma entidade fazendo objecto de afectos particulares e não é sensível ao aspecto simbólico do vínculo político. A Europa não é portanto para ele essencialmente que uma estrutura federal destinada a assegurada a paz nesta região e no mundo. Na Europa contemporânea a questão da identidade parece, ela também problemática. Os anos 90 marcam a perda do inimigo comum a Leste, poderoso federador europeu anteriormente. Pode ele ser substituído por inimigos económicos ( Japão, Estados Unidos, Terceiro Mundo…)? Não parece coisa fácil num contexto liberal de abertura dos mercados e de empurrar o livre câmbio e da divisão internacional do trabalho. Qual a identidade da europa pode forjar-se entre a abertura mundial pura e simples ( G:A:T:T) e as soberanias nacionais? Em tais condições a perspectiva do “grande mercado” ou do “mercado único” constitui ela uma identidade europeia suficiente e subretudo mobilizadora? Podemos relembrar a oposição entre a Europa dos inícios ( tarifa exterior comum,política agrícola comum, tendência à integração mais forte) e a Europa dos anos 70 à identidade política movediça alternando voluntarismo e progresso espontâneo.
A segunda questão diz respeito às diversidades europeias.O federalismo é sempre a aposta duma unidade na manutenção da maior diversidade possível. É portanto neste sentido, a recusa dum “super-Estado” europeu. É evidente que, em Proudhon, encontramos um grande cuidado de respeitar a diversidade individual: as diferenças resultam da liberdade individual. Mas o seu racionalismo tende simultaneamente a minimizar ou a considerar como arcaicos os conflitos políticos saídos das diferentes culturas (“as guerras de religião”). O seu racionalismo toma precisamente apoio sobre a evidência racional da interdependência económica. Para ele, as antigas divisões políticas entre os homens não são mais que diversidades. Como e porquê a mutualidade chega a operar uma tal transformação? Integra antes de tudo o cálculo utilitário segundo a qual a mudança vale mais que o conflito. Há mais uma unidade espontânea de toda a sociedade que nasce da sua submissão à verdade. Proudhon, aqui, apoia-se sobre a ideia que há uma unidade da ciência e uma unidade moral apesar a diferença das línguas. Minimizando o alcance desta última não pode que minimizar o papel do político que é precisamente assunto de opinião e portanto de línguas. Parece que há bem para ele uma realidade social subjacente à federação, que permanece sólida e assegurada apesar da imperfeição das línguas ( e portanto da política): é certamente a realidade económica. Na Europa contemporânea, podemos perguntar-nos se o poder de unificação pela economia e o livre câmbio não poderá conduzir, também ela, a um apagamento das diversidades e das diferenças, pelo menos daquelas que não correspondem mais com o movimento da economia ( certas diferenças regionais, culturais…). A questão coloca-se, em conclusão, de saber se a tomada em conta das diversidades europeias não passa por uma reabilitação do político face ao económico?

2. Autoridade e Liberdade: A questão do poder na Europa.

É necessário relembrar aqui os principais elementos que fazem do federalismo proudhoniano o representante duma cultura política anti-autoritária. Esta toma apoio sobre um individualismo para o qual cada um é mestre da sua existência; é a liberdade dos Modernos. Ela quer a soberania do direito bem mais que a do povo. A sua apreensão dos fenómenos de poder na sociedade é alargada. O federalismo desconfia do poder das élites como do povo em massa; as massas devem ser divididas. O federalismo aparece deste modo como um tipo de sociedade que divide e “dispersa” o poder ( todos os poderes) no defeito de ser capaz de o suprimir. Trata-se finalmente dum modelo de sociedade onde os indivíduos conservam uma proximidade com todos os lugares de poder que influenciam a sua existência. De maneira mais concreta podemos lembrar que para Proudhon são as pequenas unidades naturais que são importantes ( no máximo a província); deve existir uma forte autonomia dos grupos locais, representativo duma democracia directa; recusa uma Europa demasiado grande que deve tornar-se nesse momento “ uma confederação de confederações”. O federalismo apresenta-se como um ajustamento contratual de comunidades que se controlam mutuamente.
Um tal programa federal poderia fortemente convir à construção europeia. Com efeito, O Estado federal em Proudhon exige pouca intervenção etática: não tem que uma função de iniciativa e de criação mas nunca de repetição e de gestão. Reencontramos noutros termos o princípio de subsidaridade. O Estado é o regulador do espaço económico e o garante do respeito dos mecanismos de câmbio. É enfim um Estado de direito. Poderia quase ser o retrato robot duma futura confederação europeia. É preciso colocar-se antes de concluir, duas questões complementares à luz de outras experiências concretas dos problemas do poder.
A) Que poder europeu deve estabelecer? O problema parece, com efeito, saber combinar duma parte a desconfiança a respeito dum poder central europeu, e de outro lado, a dinâmica própria ao “grande mercado” ( quer dizer a dum espaço económico unificado pela livre circulação). Com efeito nesta hipótese o poder central vai receber dois tipos de atribuições. Terá antes de tudo a regulação do “grande mercado” que chama uma actividade normativa e uma actividade de controle administrativo e jurisdicional. Isto exige ainda por cima políticas de protecção da concurrência ( cumplicidades ilícitas, concentrações…) e liberdade de circulação ( homens, bens, capitais). Esta regulação conduz necessariamente a tomar em mãos a política das relações económicas exteriores. Enfim este mercado único exige logicamente uma moeda única. Para além das acções de regulação haverá inevitáveis acções de reequilíbrio no seio deste espaço europeu que não pode a não ser dificilmente passar duma política intervencionista e voluntária do centro para a periperia ( ordenação do território, políticas regionais, acções de salvaguarda…) Riscamos portanto de ter um poder europeu necessariamente poderoso mesmo se age através dos Estados nacionais.
O exemplo da federação americana é interessante a este respeito. Desde o fim do século XIX, há aparentemente uma tendência incoercível para a centralização federal; o “neo-federalismo” não pode nunca inverter o movimento. Esta evolução parece ligada a colocar no lugar dum espaço económico unificado através do território americano; por hipótese este espaço económico é não –federalista pois que a economia de mercado exige regras uniformes sobre um mesmo mercado. Não pode haver que uma forte atracção das competências em proveito daquele que assegura a regulação central do mercado único. Tem-se o sentimento que é isso que constitui durante estes últimos anos o motivo principal dos avanços da Comunidade europeia. Em princípio a distinção proudhoniana da iniciativa e da gestão deveria limitar o fenómeno de centralização, à semelhança do princípio de subsidiaridade destinado a ser inscrito no tratado constitutivo após a aceitação das proposições de Maastricht.
Mas na prática a distinção não parece ser fácil a fazer ou a manter como já o vemos na prática europeia. As directivas europeias que deveriam por precisamente em obra esta distinção entre os fins aprazados pelo centro e os meios deixados à escolha dos actores periféricos, tendem a tornar-se cada vez mais precisos e compreendidios sobre os meios postos em obra. Mais, uma jurisprudência do tribunal do Luxembourg aceita que se aceite em certos casos a ideia de efeitos directos da directiva o que tende a aproximá-la do regulamento. Ora era uma noção que, por excelência, retomava a distinção proudhoniana entre iniciativa e o por em marcha. O outro exemplo desta dificuldade a distinguir o local e o nacional ou o federal manifesta-se no desenvolvimento do federalismo “cooperativo”: o que renuncia a distinguir claramente as competências respectivas dos actores e prefere associá-los num projecto comum.
A questão é portanto, se o colocamos em termos proudhounianos, de saber que “proximidade” política é possível entre os cidadãos e o poder europeu. As respostas concretas não são evidentes. Reencontramos aqui o tema do “déficit democrático” da Europa actual.
b) É preciso também colocar a questão dos poderes económicos na Europa. Podemos, com efeito, sublinhar o paradoxo que há entre a unificação do espaço económico e a federalização do espaço político. Já notamos a este propósito o movimento de centralização nos Estados Unidos. Não é a única dificuldade dum ponto de vista federalista. O campo económico não está ao abrigo dos fenómenos de poder. Não há neutralidade deste espaço em termos de poder. Podemos assim imaginar dois tipos de dificuldades para uma Europa fedral. Face a uma concentração no centro do poder de decisão em matéria económica o poder político que resta o dos Estados, encontra-se disperso e parcelar. Teríamos portanto um poder político (nacional) em posição difícil, por sua vez no domínio em crescimento das regras comuns do espaço económico unificado que aumentam a competência europeia mas sobretudo impotente por aquilo que diz respeito outras políticas como as políticas regionais ou de compensação que aumentam do nível local ou nacional. A outra dificuldade provem da lógica actualmente dominante em economia. Parece, com efeito que actualmente as empresas não pensam mais em termos de Europa mas de economia mundial. Teriam assim tendência a contornar as regras europeias para se adaptar à concurrência mundial. Observar-se-ia nas políticas actuais de concentração ou ainda em matéria de investigação. A questão das políticas industriais, que são precisamente o local de encontro do político e do económico, mostra actualmente o todo poder da lógica de mercado no quadro duma abertura mundial mais ainda que europeia. Isto coloca a questão de saber se há um laço político europeu capaz de por em dia este tipo de problemas ede conflitos, no lugar que façam objecto de transacções tecnocráticas não públicas.
Proudhon dispõe duma resposta a este problema do poder no espaço económico: a solução federal vale igualmente em matéria política e económica. Segundo a sua fórmula bem conhecida o "mutualismo" é a "federação agrícola-industrial”; a mutualidade económica não é mais que a aplicação neste domínio do princípio de igualdade. É talvez mesmo o ideal duma economia de mercado donde teriam desaparecido os fenómenos de poder. A questão coloca-se a saber o que pode representar o modelo mutualista neste fim de século. Podemos pelo menos reter a ideia que existe uma relação entre o modelo político e o modelo económico a estabelecer na Europa.

3. O federalismo e a reconstrução do político

Há uma comum dificuldade em Proudhon e na Europa dizendo respeito ao lugar do político e a significação dum Estado federal. Podemos comparar deste ponto de vista duas evoluções. Proudhon parte da anarquia de que o princípio é a absorção do político no económico: a “dissolução do governo no organismo económico”. Reconstroi entretanto um Estado no seu esquema federalista mas sempre partindo da economia: trata-se de aplicar no domínio político o princípio económico da mutualidade; o direito público deduz-se imediatamente do direito económico. Sabemos que os fundadores da Europa tinham voluntariamente escolhido o domínio económico retirando as lições do revés do voluntarismo político expresso pelo Memorandum Briand. Actualmente, a europa é um espaço económico, jurídico e administrativo. O que lhe falta para se tornar um verdadeiro espaço político? Claro que é preciso instituições políticas mas é preciso também uma cidadania e portanto uma identidade europeia suficiente.

a) Porque é que é preciso construir um espaço político europeu? Para responder à questão devemos perguntar o que sifnifica o político ou o que significa o mesmo, porque é que Proudhon faz um retorno em direcção ao político após o seu período económico-anarquista. Podemos partir dum comum equívoco “saint-simoniano” da fim do político, quer dizer do sonho desta época em que a administração das coisas substituiria o governo dos homens. Temosa presente uma representação duma ordem social e humana não esplicitamente querida e debatida entre os cidadãos, comum ao optimismo tecnocrático de Saint-Simon, ou científico de Comte, ou ainda ao optimismo racionalista do anarqismo proudhoniano, ver a disparição do Estado marxista. Alguns podem na actual hora encontrarem-se tacticamente em terreno comum com o anti-voluntarismo dos neo-liberais que se apoioa com a ordem espontânea do mercado. Nestas condições que pode significar uma reabilitação do político face ao económico. O político neste contexto aparece antes de tudo como lugar de igualdade contrariamente à economia que é lugar de divisão do trabalho e portanto de formas de desigualdade, mas também de descriminações voluntárias ( polítivas intervencionistas, ordenação do território…) O político é também o lugar do voluntário ou mais exactamente do explícito, o que é ligeiramente diferente; mas em todos os casos é um lugar de afrontamentos e de conflitos. Supõe-se também a economia como lugar de regulação implícita das relações sociais neste sentido preciso que os problemas são resolvidos pelo mercado ( bens, trabalho, capitais) de maneira individual sem nunca colocar globalmente a questão ao nível da sociedade. Reencontramos a oposição entre o método de Briand e o de Schuman e Monet: seria necessário uma aproximação frontal e directa da questão europeia ou uma aproximação parcial e indirecta? Os resultados históricos dão a resposta; os limites desta escolha historicamente ajuizadas aparecem um pouco mais actualmente. Isto permite interpretar, por um lado, a resistência das soberanias nacionais. Podemos aí ver, com efeito, uma resistência do “político” neste sentido que ela manifesta um receio de não mais ter meio sobre o seu próprio destino, ou mais simplesmente sobre as grandes orientações económicas e sociais. Esta posição encontra-se nos que a cultura política faz a maior parte à gestão voluntária da sociedade. Nada impede de ver no vácuo o efeito da insuficiência política da Europa: o que não permite de desenvolver suficientemente uma identidade explícita e querida.
É claro que uma identidade puramente económica não émais que febril. O “grande mercado” não pode chegar a caracterizar a Europa sobretudo num momento em que a tendência é à abertura mundial das trocas. A Europa arrisca-se a não ter pouca diferença com o exterior. O privilégio dado aos elementos de utilidade sobre os aspectos simbólicops nos anos de fundação mostra aqui os seus limites. Ao persistir Schumannão via que uma etapa da construção da federação europeia. Mas este déficit de identidade europeia torna certamente mais difícil o abandono das soberanias nacionais. A identidade nacional não foi substituída; ora, esta manifesta o desejo, eventualmente carregado de ilusões, de conservar a capacidade de acção voluntária, ou pelo menos uma autoridade, sobre o seu futuro num momento onde a abertura internacional e a livre troca dão o sentimento de livrar as sociedades a regulações automáticas. Pwelo contrário o receio de ver desaparecer as diferenças num grande mercado não é compensado por uma outra identidade valorizante.
b) É preciso portanto interrogarmo-nos sobre a maneira da identidade política da Europa poderia constituir-se.Não se trataria simplesmente de criar instituições políticas, para além das já estabelecidas, mas de promover uma identidade europeia ( quer dizer um sentimento de pertença comum, ou de destino comum, uma cidadania…) Com efeito mais que uma carência institucional trata-se duma carência do político. A questão da legitimidade democrática não seria difícil de resolver; a eleição pelo sufrágio universal do Parlamento e um reforço das suas competências deveria chegar. A dificuldade está em que a Europa não é um lugar de identificação política para os seus habitantes, reconhecido e vivido como tal. A simples reprodução dos princípios da legitimidade democrática levada a cabo nos Estados não chegará provavelmente. É necessário um preliminar de carácter cultural.
c) Historicamente, o principal motor da construção foi o ideal da paz na Europa. É um dos motivos da evolução de Proudhon em direcção ao federalismo após o seu período anarquista: este constitui o verdadeiro equilíbrio europeu porque ele é o único a poder escapar ao princípio ilimitado da força nas relações internacionais ( natureza anexionista de todo o Estado; lei de expansão de todo o Estado unitário). Podemos perguntar se uma certa corrida ao crescimento económico no quadro de livre trocanão é um substituto equívoco: não teríamos feito mais que passar da guerra política à guerra económica. A queda do murro de Berlim põe fim a este aspecto da identidade europeia? O fim do afrontamento Este-Oeste torna a colocar em causa a integração europeia como o pensa certos autores, a paz na Europa poderia a partir daí ser assegurada por uma conferência diplomática clássica do tipo da C.S.C.E.; a menos que a Europa não veja surgir outros inimigos que a oprimem, de novo, a manter ou a prosseguir a sua integração: Japão, Terceiro Mundo, Estados Unidos…?
Para além das razões, é necessário ainda perguntar como é possível construir este espaço político europeu. A noção de déficit dempcrático da Europa é actualmente agitado e numa certa medida de justo título. Há quem tenha criticado este debate. Para muitos a Europa não tem vocação a tornar-se um Estado-nação; em consequência ela não se tornará democrática como estes últimos (princípio de maioridade, sufrágio universal… como os únicos meios de respeitar a soberania democrática do povo). Sublinha-se que a Europa é democrática logo aí ela respeita o princípio do Estado de direito: deve contentar-se em ser uma “democracia constitucional”. Na realidade a questão é saber se a Europa pode contentar-se em ser um espaço jurídico formal. A palavra democracia está carregada dum duplo sentido: é preciso diferenciar a legitimidade liberal que é evidente na Europa com a particularidade do mecanismo europeu de garantia dos direitos do homem e da legitimidade política que deve manifestar-se por uma capacidade de intervenção política. Não se pode assimilar a soberania do direito e a soberania do povo no momento que é preciso cobiná-los. Dito de outro modo o “déficit democrático” não é necessariamente um déficit liberal ou um déficit do direito mas é bem um déficit político.
A questão está portanto sempre colocada de saber qual é a proximidade dos cidadãos em relação aos locais de poder e de decisão. O federalismo proudhoniano apresenta-se como a solução desta questão. O problema concreto vem entretanto da complexidade consideravelmente crescente das sociedades desde o meio do século XIX. Podemos dizer que há uma possível proximidade democrática num ajustamento taõ complexo de comunidades e de sociedades? A acumulação dos escalões torna opaco o funcionamento da democracia. Haverá sempre a tentação de pôr em curto circuito as mediações demasiado numerosas. O raciocínio proudhoniano em termos de proximidade toca aqui um dos seus limites.
A questão fica portanto colocada de saber qual o espaço público de debate que se pode construir, que seja verdadeiramente europeu? Não é certo que Proudhon seja favorável, quando para ele a proximidade quase física parecia ser a garantia da democracia e a salvaguarda da liberdade. Resta-nos uma advertência a fazer por defeito duma solução assegurada; como Rousseau pensava é difícil fazer funcionar a democracia nas sociedades políticas demasiado grandes e demasiado complexas.