Sunday, January 21, 2007

ANTOLOGIA PROUDHONIANA Parte V

O IDEO-REALISMO1. - RECONHECIMENTO DUM ABSOLUTO METAFISICOAfirmando a Justiça, afirmais o absoluto, afirmais Deus? Sim, como concepção, de modo algum como autor, soberano diante de quem devo prostrar-me e confundir-me.Afirmando a Justiça, afirmo o absoluto, como afirmando as descobertas da física, as leis da geometria ou da mecânica, afirmo o absoluto (matéria, espaço, atracção, ete.) nem mais nem menos.Um não é de mais importância que o outro. Que o homem agisse então, com respeito a todos esses absolutos, quanto ao maior como ao menor, como em relação a si mesmo; que os considere, mas que não faça deles uns idolos...Deste modo, a revolução teve o cuidado de assinalar os limites da metaflsica, cuja necessidade e cujo objectivo proclama contra o ateísmo... (Justice, Les Idées.)Não sou ateu; sempre protestei, e muito seriamente, contra esta qualificação. Não discutamos sobre a natureza e os atributos de Deus; detenhamo-nos na definição vulgar: é ateu quem nega dogmaticamente a existência de Deus. Ora, eu declaro acreditar e dizer que não podemos, legitimamente, negar nada nem afirmar nada do absoluto: é uma das causas pelas quais rejeito o conceito divino de moral. Que se diga que uma tal dúvida é insustentável, que só por isso é que Deus é possível, está certo; não posso, com respeito a isso, ficar na indiferença: compreendo a objecção, e, se ela me for feita, tentarei responder-lhe. Mas que não me façam ateu, quando a minha própria filosofia a isso se opõe. (Justice, Les Personnes.)Deus ... não existe, não pode existir no sentido que os metaflsicos dão a esta palavra, porque a privação de toda a condicionalidade, longe de indicar a mais elevada potência do ser, assinala, pelo contrúrio, o seu grau mais baixo; Deus só pode transformar-se; é só nesta condição que ele existe... (Philos. du Prog., l.ª carta, cap. VI.)2. - A SUA REJEIÇÃO NAS CIÊNCIAS HUMANASNão nego o absoluto enquanto concepção da razão, servindo x para marcar o aliquid inacessível que sustenta o fenómeno; nego-o enquanto que objecto da ciência e, como tal, não podendo servir de ponto de partida para qualquer conhecimento legítimo... rejeito pois a qualificação de ateu... Admito o absoluto em metafísica, admito consequentemente Deus, mas em metafísica também, na condição de que não se saia do absoluto, illa se jacet in aula Aeolus; nego-o noutra parte qualquer da ciência experimental, racional, na física, na psicologia, na ética... (Justice, Les ldées.)Não estabeleço controvérsia sobre o dogma. Deixo de lado o dogma, e nada critico dos artigos de fé. É possível que tudo o que se conta da essência de Deus e do mundo sobrenatural seja verdade: que posso eu saber ao certo disso? Nada. Com que fundamento posso eu negá-lo? Nenhum. É possível que no fundo do meu coração palpite um desejo secreto de sobrevivência, testemunho dum destino ulterior: não me darei ao trabalho de o verificar nem de o combater. Instalo-me ao lado da crença e deixo-lhe, até nova ordem, todas as suas fantasias. A minha crítica recusa-se a entrar nas regiões do Absoluto. (Justice, Philos. Popul.)Só porque a visão dos fenômenos nos faz necessariamente conceber o absoluto, resultará que tenhamos o direito de raciocinar sobre o próprio absoluto, como sobre uma coisa acontecido no nosso empirismo e na nossa razão prática? Não, mil vezes não...Um metafísico positivista constata que a razão humana forma naturalmente o conceito de Deus, e pára aí. Que pode ele dizer ou saber além disso?...O absoluto é apresentado como postulado em todo o conhecimento, mas não resulta que ele próprio se possa tornar objecto do conhecimento... (Justice, Philos., Popul.)O método científico consiste... não em negar o em si das coisas, mas em afastar esse em si do aspecto transcendental... para se interessar exclusivamente pela fenomenalidade, pelas relações...A ciência das leis da inteligência chamar-se-á, se quereis, a lógica; a ciência das leis ou dos direitos e deveres da consciência será a Justiça, ou, ainda mais geralmente, a moral. Para uma e para a outra, assim como para todas as ciências sem excepção, a primeira condição do saber será precaver-se, com o maior cuidado, contra toda a ingerência do absoluto. (Justice, Les Idées.)3. - RECUSA DUMA «RELIGIAO ATEIA»A. O espiritualismo idealistaDistinguimos, quer queiram quer não, no conhecimento dois aspectos: a dedução e a aquisição. Pela primeira, o espírito parece criar, com efeito, tudo o que aprende: tal é a matemática. Pela segunda, contrariamente, o espírito, incessantemente detido no seu progresso científico, só caminha com a ajuda iduma excitação perpétua, cuja causa é inteiramente involuntária, e fora da soberania do eu. Como explicar então, no espiritualismo, a razão deste fenômeno, que é impossível menosprezar? Como, vindo toda a ciência do eu isolado, não é ela espontânea, completa desde a origem, igual em todos os indivíduos, e, para o mesmo indivíduo, em todos os momentos da existência? Finalmente, como explicar o erro e o progresso? Em vez de resolver o prbolema, o espiritualismo desvia-se: menospreza os factos melhor adquiridos, os mais indubitáveis, como sejam as descobertas experimentais do eu; tortura a razão; é forçado, para se manter, a pôr em dúvida o seu próprio princípio, negando o testemunho negativo do espírito. O espiritualismo é contraditório, inadmissível.B. O materialismo dogmáticoEntretanto, outros se apresentaram na defesa de que só a matéria existe, e que é o espírito que constitui uma abstracção. Nada é verdadeiro, disseram eles, nada é real fora da natureza; nada existe, a não ser o que podemos ver, tocar, contar, pesar, medir, transformar; nada existe, excepto os corpos organizados e vivos; o que chamamos alma, espírito, consciência, ou eu, é unicamente uma entidade que serve para representar a harmonia desse organismo. É o objecto que pelo movimento inerente à matéria dá origem ao sujeito: o pensamento é uma modificação da matéria; a inteligência, a vontade, a virtude, o progresso, não são senão determinações de uma certa ordem, atributos da matéria, cuja essência de resto é para nós desconhecida. - Mas, replica o senso comum, si satanas in seipsum divises est, quomodo stabit? A hipótese materialista apresenta uma dupla impossibilidade. Se o eu não é outra coisa senão o resultado da organização do não-eu; se o homem é o ponto culminante, o chefe da natureza; se ele é a própria natureza, elevada à sua mais alta potência, como tem a faculdade de contrariar a natureza, de a atormentar, e de a refazer? Como explicar esta reacção da natureza contra ela própria, reacção que produz a indústria, as eiência,s, as artes, todo um mundo extra natureza, e que tem por fim único vencer a natureza? Finalmente, como sujeitar a modificações materiais aquilo que, de acordo com o testemunho dos nossos sentidos, a que só os materialistas dão crédito, se produz fora das leis da matéria?Por outro lado, se o homem não é mais que a matéria organizada, o seu pensamento é a reflexão da natureza: então como é que a matéria, como é que a natureza se conhece tão mal? Donde vêm a religião, a filosofia, a dúvida? A matéria é tudo, o espírito nada: e quando esta matéria atinge a sua mais elevada manifestação, a sua evolução suprema, quando se torna homem, enfim, ela já não se conhece; perde a memória de si; perturba-se, e só caminha com a ajuda da experiência, como se ela não fosse a matéria, isto é, a própria experiência! Qual é então esta natureza, esquecida de si própria, que tem necessidade de aprender a conhecer-se desde que atinge a plenitude do seu ser, que só se torna inteligente para se ignorar, e que perde a sua infalibididade no preciso instante em que adquire a razão?O espiritualismo, negando os factos, sucumbia sob a sua própria impotência; entretanto, os factos esmagam o materialismo com o seu testemunho: quanto mais estes sistemas trabalham para se fixarem, mais mostram a sua contradição. (Contr. Êcon., cap. XI.)É próprio das ideias místicas subjugar o entendimento; pela superstição, acorrentar a vontade, regulamentar as acções, em última análise, absorver num interesse anónimo todos os interesses particulares.Pode-se verificar a exactidão desta observação em todas as seitas místicas, existentes ou desaparecidas: é uma regra sem excepção. O próprio materialismo, que poderíamos definir como o misticismo da matéria, não se desvia em nada do que acaba de ser dito... (Justice, Les Biens.)C. O panteísmo lógicoO falanstério abrange tudo, explica tudo, basta a tudo... Na prática vulgar, e quando só se trata de angariar partidários, esta dialéetica pode, até certo ponto, defender-se e oferecer mesmo certas vantagens: não tendo o convertedor nada a contestar, nenhum erro a destruir, nenhum preconceito a combater, todo o seu trabalho, com respeito ao neófito, consiste numa simples super-infusão de ideias e de dogmas. Desde que o discípulo retenha fielmente a profissão de fé do mestre, e saiba repeti-la a propósito, ele recebeu a luz: resta apenas arregimentá-lo.Mas, em teoria, e quando é preciso explicar a razão da sua crença, este modo de proselitismo está sujeito a graves inconvenientes.Como é tão impossível tornar verdadeira uma ideia falsa através da justificação de outras ideias como fazer crescer figos sobre silvas excitando um transbordamento da seiva, cedo ou tarde, acontece que o novo convertido, apercebendo-se das contradições que abundam no seu espírito, ou procura conciliar-se consigo próprio, o que o conduz ao cisma, ou então desanima com a verdade, o que o arrasta para o cepticismo. Esta infelicidade aconteceu já a vários falansterianos.Quanto a mim, sempre pensei que... o erro permanecia para sempre inconciliável com a verdade. É por isso que detesto o panteísmo lógico tal como o religioso: porque se este último é a moral, o outro é a negação da razão. (Avert. aux Pr.)D. O humanimo ateuPara mim, lamento dizê-lo - porque sinto que uma tal declaração que separa da parte mais inteligente do socialismo é-me impossível, por mais que pense nisso, concordar com esta deificarão da nossa espécie, que não é, no fundo, para os novos ateus, senão um último eco dos terrores religiosos; que sob o nome de humanismo, reabilitando e consagrando o misticismo, traz para a ciência o preconceito, para a moral o hábito, para a economia social a comunidade, isto é, o enfraquecimento e a miséria; para a lógica o absoluto, o absurdo. É-me impossível, digo-o, aceitar esta nova religião, pela qual procuram em vão interessar-me dizendo-me que sou seu deus. (Contr. Écon., cap. XI.)4 - O IDEO-REALISMOA. Seu fundamento:a acção trabalhista, processo criativo serial e relação funcional entre a realidade e a ideia... A condição por excelência da vida, da saúde e da força num ser organizado é a acção. É pela acção que ele desenvolve as suas faculdades, aumenta a sua energia e atinge a plenitude do seu destino.Acontece do mesmo modo em relação ao ser inteligente, moral e livre. A condição esencial da existência, para ele, é também a acção, acção inteligente e moral, bem entendido, pois que é sobretudo da ordem intelectual e moral que se trata.Ora, o que é agir? Para que haja acção, exercício físico, intelectual ou moral, é preciso um meio relacionado com o sujeito actuante, um não-eu que se coloque diante do eu, como lugar e matéria de acção, que lhe resista e o contrarie. A acção será então uma luta: agir é combater. (La Guerre et la Paix, liv. I, cap. V.) A vida é um combate... combate do homem contra a natureza. (Prem. Mémoire, cap. III.) O trabalho é a acção inteligente do homem sobre a matéria, com um fim previsto de satisfação pessoal. (Créat de l’O., cap. VI.) É sempre a luta... luta de trabalho e de destreza. (La Guerre et la Paix, concl. geral.) É através dele que se cria ao mesmo tempo a riqueza e a sociedade. (Contr. Êcon., cap. II.) O trabalho é o acto gerador da ciência económica. (Créat. de l’O., cap. IV.) O trabalho é a força plástica da sociedade, a ideia-tipo que determina as diversas fases do seu crescimento e consequentemente o'seu organismo tanto interno como externo. (Créat de l’O., cap. IV.)O trabalho, considerado sinteticamente nas leis de produção e de organização, cria a justiça. (Créat de l’O., cap. IV.)O que é destreza e trabalho? O exercício, ao mesmo tempo físico e intelectual, dum ser composto por corpo e espírito. O trabalho não é só necessário à conservação do nosso corpo; ele é indispensável ao desenvolvimento do nosso espírito. Tudo o que possuímos, tudo o que sabemos provém do trabalho; toda a ciência, toda a arte, do mesmo modo que toda a riqueza lhe são devidos. A filosofia não é senão uma maneira de generalizar e de abstrair os resultados da nossa experiência, isto é, do nosso trabalho... Pelo trabalho espiritualizamos cada vez mais a nossa existência... (La Guerre et la Paix, liv. IV, cap. II.)Já o definimos: acção inteligente do homem sobre a matéria. (Créat. de l'O., cap. IV.)... A ideia, como as suas categorias, nasce da acção e deve voltar à acção, sob pena de degradação para o agente ... Isto significa que todo o conhecimento, dito a priori... saiu do trabalho e deve servir de instrumento ao trabalho. (Justice, Le Travail.)A filosofia inteira está oculta no fundo de toda a manifestação natural ou industrial... Pela noss parte, estabelecemos a identidade constante dos fenómenos económicas com a lei pura do pensamento, a equivalência do real e do ideal nos actos humanos...Seguindo este método do desenvolvimento paralelo da realidade e da ideia, encontramos uma dupla vantagem: em primeiro lugar, a de escapar à censura do materialismo, tantas vezes dirigida aos economistas, para quem os factos são verdade só porque são factos e factos materiais... Os factos só constituem prova segundo a medida da ideia que eles representam...Por outro lado, já não nos podem acusar de espiritualismo, idealismo ou misticismo: porque admitindo somente como ponto de partida a manifestação exterior da ideia - ideia que ignoramos, que não existe, enquanto ela não se reflecte, como a lu que não seria nada se o sol só existisse num vazio infinito - afastando... toda a pesquisa sobre a substância, a causa, o eu e o nao-eu, limitamo-nos a procurar as leis do ser, e a seguir o sistema das suas aparências tão longe quanto a razão possa chegar.Sem dúvida que, no fundo, todo o conhecimento pára diante dum mistério: tais são, por exemplo, a matéria e o espírito, que admitimos, um e outro, como duas essências desconhecidas, suportes de todos os fenômenos. Mas não se quer com isto dizer que o mistério seja o ponto de partida do conhecimento, nem o misticismo a condição necessária da lógica; pelo contrário, a espontaneidade da nossa razão tende a repelir perpetuamente o misticismo... (Contr. Écon., cap. IV.)B. Seu ponto de partida:o desempenho de relações seriais e a relativização do espírito e da matériaO princípio das ilusões filosóficas é aquela espécie de transporte, algumas vezes passageiro, muitas vezes durável e persistente, que se segue à percepção súbita duma importante verdade, ou de relações imprevistas. Esta doença mental, própria dos espíritos contemplativos, nunca foi assinalada pelos psicólogos, talvez porque estando a maior parte deles atingidos por ela, não a podiam reconhecer... Tão depressa é uma crença supersticiosa que os importuna, e que, agindo sobre todas as suas ideias, parece alterar a sua razão,... como apreendendo de soslaio uma verdade geral, e aprofundando-a com um ardor incrível, os vemos esforçarem-se a realizar hipóteses fantásticas, e entregarem-se a especulações extravagantes.Em todos, remontando à origem da sua doença, se descobre constantemente, como causa determinante... uma ideia.A ideiomania... resume, por si só, todas as superstições científicas, políticas e religiosas ... (Créat. de l’O., cap. II.)Segundo Platão, as ideias vêem de Deus, em quem existem substancialmente; elas estão preformadas nas almas antes da sua saída do Eliseu e da sua união aos corpos: as sensações não fazem senão evocar no espírito a reminiscência. Assim, nós não adquirimos as nossas ideias, segundo Platão, lembramo-nos delas. A ideia pura (o ideal) de cada objecto existe em Deus... As ideias, numa palavra, são os exemplares eternos das coisas...Aristóteles, ou dizendo melhor, a escola que o tomou para chefe, fazia depender todas as ideias da sensação; daí o célebre aforismo: nada existe na razão sem ter estado antes nos sentidos.Objectou-se, contra este sistema, que a sensação era, quando muito, a ocasião, meio ou veículo da ideia, mas não a causa... Eu resumo tanto quanto osso a história destas querelas...Os filósofos mais eminentes desvanecem-se, com incrível ardor, na procura da solução deste problema, o acordo da percepção com a realidade, do subjectivo com o objectivo, do nómeno com o fenômeno, uns absorvendo o objecto no sujeito e idealizando o mundo, que, assim, era o sonho elo espírito; outros exteriorizando, materializando, panteizando o eu, ou melhor, identificando o eu e o não-eu, o subjectivo e o objectivo, numa unidade superior... fazendo do mundo, do homem, do pensamento... uma espécie de evolução deste absoluto... Tais foram, em resumo, as hipóteses de Fichte, Schelling, Hegel e duma multidão de outros......Proponho-me provar aqui que conceitos e universais, não são outra coisa senão intuições empíricas...Para mim, todas as nossas ideias, quer de intuições, quer de concepções, provêm da mesma origem: a acção simultânea, conjunta, adequada, e no fundo idêntica, dos sentidos e da razão. (Créat. de l’O., cap. III.)O que o espírito vê nas coisas são as suas diferenças, espécies, séries e grupos; numa palavra, a sua razão. (Justice Philos. Popul.) A série é um conjunto de unidades reunidas por uma ligação comum, a que chamamos razão ou relação. (Créat. de l’O., cap. III.)O que o espírito não saberia descobrir é a natureza na essência das coisas, porque esta natureza, despida das suas diferenças, da sua unidade de composição, etc., torna-se então, como o próprio espírito, qualquer coisa de amorfo, inacessível, invisível...Comparando as faculdades de uns com as pro. priedades dos outros, ele concebe a vida., a inteligência, a alma; e em oposição, a matéria, a morte, o nada: abstracções, ficções, ele não sabe nada disso. (Justice, Philos. Popul.)Esse eu, aquele a que chamo a minha alma, já não o considero como uma mónada, governando, com a sublimidade da sua natureza intitulada espiritual, outras mónadas consideradas materiais: estas distinções da escola são, para mim, desprovidas de sentido.Não me ocupo do caput mortuum dos seres... a que os doutores chamam... substância... A substância pura... é equivalente a nada, é o ponto matemático. Em cada ser, só considero a sua composição, a sua unidade, as suas propriedades, as suas faculdades que o conduzem a uma razão única, variável, susceptível de elevação ao infinito, o grupo... como o nomeei, uma série.A ciência moderna confirma esta definição do ser. Quanto mais a física e a química avançam, mais elas se desmaterializam, e tendem a constituir-se sobre noções puramente matemáticas. (Philos. du Progr., 1.ª carta.)C. Sua formulação:a ideia-relação, criação da experiência serialO que é uma ideia? A intuição duma série... A série, isto é, uma relação diferencial, originando síntese, totalização, grupo...A ideia de série é inteiramente de experiência...O espírito, percorrendo o encadeamento das séries... passa continuamente da ideia à sensação, e ivice-versa. O que dá lugar à ideia chama-se relação.Que a diversidade exista na natureza, e a síntese no eu, ou então que ambas existam no objecto, e somente exista a faculdade de as aperceber no sujeito: não será, pelo que respeita ao conhecimento, sempre a mesma coisa?... Que importa para a ciência esta diferença de opinião? Uma coisa permanece constante: para que o eu se defina, para que ele pense, para que ele se conheça a si mesmo, são-lhe precisas sensações, intuições; é-lhe preciso um não-eu, cujas impressões respondam à sua própria capacidade. O pensamento é a síntese de duas forças antitéticas, a unidade subjectiva e a multiplicidad objectiva, de modo que temos o direito de admitir este aforismo: o que os sentidos revelam é equivalente ao que a razão pensa, e reciprocamente: toda a série construída na razão é possível à experiência. (Créat. de l’O., cap. III.)Deste modo, a ideia é a percepção duma série... a compreensão da relação que, sob um determinado ponto de vista, constitui essa série... A série não uma forma da razão... ela é, antes de tudo, uma impressão da realidade sobre a razão.Mas a verdade não é somente a realidade, a natureza das coisas levada ao conhecimento do homem: em virtude da actividade própria da razão, ela é ainda, em certos casos, uma criação operada pelo espírito, à margem da natureza...Existem séries reais e séries ideais. As primeiras formadas por elementos ... indissolúveis; as segundas compostas por unidades, por assim dizer, convencionais, criadas por uma seriação lógica da razão, consequentemente, susceptíveis... de transcrição. De facto, a destreza humana consiste no manejo de realidades dispostas em séries ou se preferirmos na substituição das séries naturais dos corpos por séries ideias... sendo a série ideal um decalque da série real. Daí o axioma: tudo o que a observação revela é lei da razão, tudo o que é inteligível à razão é possível à experiência...É então igualmente verdadeiro dizer que as coisas são os modelos das ideias, e que elas são ideias realizadas: o objectivo e o subjectivo são equivalentes um ao outro, senão quanto à substância, pelo menos quanto à forma.Mas se for possível, pela observação, descobrir as leis essenciais de qualquer série... o conhecimento das leis do verdadeiro em nada substitui a experiência; ele unicamente a dirige e a serve. (Créat. de l’O., cap. VI.)A experiência, em filosofia, não é outra coisa senão a arte de surpreender a natureza em flagrante. (Pornocratie, cap. II.) O ideal é dado, ou antes, sugerido pelo real, não o real pelo ideal... O ideal só se mantém apoiado pelo real. (Justice, Progrès et décadence.)D. Processo revelador:o trabalho, acção serial e relação real entre a matéria e o espíritoTodas as leis, formas e faculdades da série encontram no trabalho a sua aplicação.A divisão do trabalho, que me perdoem a expressão, é a série incarnada na sociedade. Resulta dai que, sendo o trabalho uma operação serial, é rudimento de ciência... e que toda a inteligência... é chamada a exprimir-se pelo trabalho, a série para lá da qual não há nada no espírito. (Créat. de l’O., cap. VI.)É o que resulta da proposição que se segue, e a demonstração constituirá o objectivo deste capitulo:A ideia, com as suas categorias, nasce da acção e deve regressar à acção sob pena de degradação para o agente.Isto significa que todo o conhecimento dito a priori incluindo nele a metafísica, saiu do trabalho... o que quer dizer que a filosofia e as ciências devem ingressar na indústria, sob pena de degradação para a humanidade...O sábio que só é sábio, é uma inteligência isolada... mutilada. Pode dizer-se que, sem essa ligação, a inteligência do operário não está unicamente na sua cabeça; está também nas suas mãos. (Justice, Le Travail.)Aquele que tem a sua ideia no côncavo da mão é, muitas vezes, um homem de mais inteligência; é, em todo o caso, mais completo do que aquele que a traz na cabeça, incapaz de a exprimir de outra maneira que não seja através duma fórmula. (Majorats Littéraires.)Mas o sábio recebe a participação da acção; é em vista da execução que ele caminha para a descoberta... O homem de acção recebe a participação da ciência, porque, executando o pensamento do sábio, é preciso que adquira a compreensão.A actividade aparece como a causa primeira da excitação das ideias... A passagem do pensamento instintivo ao pensamento filosófico consiste em que o homem, pela sua actividade espontânea, faz sinal a si próprio, excita pelos actos do seu instinto a reflexão da sua inteligência...«Qualquer coisa»..., cujos sinais foram imitados, serviu de primeiro tema à inteligência e determinou o seu movimento: são os primeiros engenhos da indústria, a que podemos chamar, indiferentemente, elementos do saber e elementos do trabalho...A indústria é... ao mesmo tempo especulativa e plástica; ela supõe nas mãos uma habilidade de execução adequada à ideia concebida pelo cérebro.O movimento, só por si, imprimido à matéria... não constitui o trabalho. É preciso que este movimento esteja relacionado com o fim a atingir... Que as operações do trabalho não sejam dele senão n aplicação; vemos como o homem passou da operação sintética e espontânea à ideia reflectida e abstracta, como decompôs o produto da sua habilidade, inventou os sinais da fala e do cálculo, criou a matemática pura, distinguiu, nomeando-as, as categorias da sua razão... Ao homem importava forçosamente ingressar na carreira intelectual, porque ele foi levado a isso devido a uma série de operações emanadas dele... Qual será, para o homem primitivo, esta circunstância? Disse-o já, a sua própria habilidade.... Não há uma habilidade predeterminada... o homem age de acordo com uma intuição simples, única mas sintética, positiva, experimental... Ora esta intuição, que fundamenta o gênio humano, que fundamentará a sua filosofia, é a própria ideia de afinidade, conveniência, equação, igualdade, acordo, equilíbrio; e a variedade com que surge essa habilidade é o aguilhão que faz sair a inteligência do seu sono e origina a filosofia.A ideia abstracta sai da análise forçada do trabalho; com ela, o sinal, a metafísica, a poesia, a religião, e finalmente a clencia, que não é senão o regresso do espírito à mecânica industrial. Estes conceitos transcendentais, de substância, causa, espaço, tempo, alma, vida, espírito, matéria, que nós colocamos como divindades no topo da nossa inteligência, são produtos da nossa experiência, como eu o adiantava desde 1842... (Création de l’Ordre.) A natureza é por nós apreendida em cima dos acontecimentos: a ideia metafísica nasce, para o espírito, da decomposição da imagem sensível, operada pela actividade espontânea... Em duas palavras: a inteligência humana começa na espontaneidade da sua habilidade, e é contemplando-se a si mesma na sua obra que ela se encontra. (Justice, Le Travail.)E. Seu resultado prático:a criação social, relação evolutiva entre a matéria e o espíritoÉ em nome do espiritualismo que alguns hoje pretendem estabelecer a igualdade: como se o espiritualismo não fosse, por si próprio, a degradação da carne, do mesmo modo que o materialismo... é a degradação do espírito.Agora, uma coisa é cetra: a ciência humana não foi enriquecido com o mais pequeno fragmento de factos ou ideias por meio deste procedimento exclusivamente pneumático; tudo o que sabemos, aprendemo-lo invariavelmente pelos meios conhecidos: observação, experiência, reflexo, cálculo, análise e síntese ...A metafísica do ideal nada ensinou a Fichte, a Schelling, a Hegel: quando estes homens, de que a filosofia se honra em justiça, imaginavam deduzir o a priori, só estavam, sem o saberem, a sintetizar a experiência... (Justice, Le Travail.)Como se demonstraria pelas ideias qualquer coisa que não fosse Ideia? A teoria serial parece... incompetente: o seu axioma fundamental diz que, fora das leis e das suas combinações, o espírito nada pode conhecer. É por ela, no entanto, que recusamos o idealismo...As representações de que se ocupa o espírito humano dividem-se em duas grandes categorias: a primeira, séries ideais; a segunda, séries reais.O carácter desta divisão consiste em que, na série ideal, as unidades podem ser transpostas, formar outras séries, sem que a sua essência seja destruida; enquanto na série real, as unidades são incomutáveis e inconvertíveis...Na série real, há uma natureza... que resiste, que se defende... e quebra antes de se submeter a qualquer metamorfose, à mais leve alteração... enfim qualquer coisa de intratável para o pensamento do homem. O que quer dizer que os seres de que a natureza se compoe sao mais qualquer coisa que ideias... Eles não se deixam manejar, fazer e desfazer, decompor e recompor à vontade, o que é característica da ideia pura...Segundo esta teoria ideo-realista, a realidade do ser iria crescendo do mineral ao vegetal, do vegetal ao animal e ao homem: ela atingiria o seu máximo na sociedade, a coisa ao mesmo tempo mais livre e que menos sofre as arbitrariedades dos que a governam. (Créat. de l’O., cap. IIII.)Organizar a sociedade é descrever uma séríe: série real e série ideal ao mesmo tempo... Organizar a sociedade é operar a síntese da matéria e do espirito, é renovar a criação. (Créat. de l’O., cap. VI.)É o homem, quem, dispondo como soberano da terra... começa pela transposição das séries naturais, uma segunda criação no seio da propria criaçao... uma espécie de complemento da criação. (Créat. de l’O., cap. III.)A sociedade não pode ossificar-se... descobre-se nela um pensamento, uma visão íntima, colectiva, que evolui fora das leis da geometria e da mecânica... de que a lógica fatalista... é incapaz de dar justificação... Sendo assim, porque não vertamos nesses factos a execução da criaçõo directa da sociedade por si própria..., do jogo de forças.... forças livres indo e voltando, aproximações indefinidas, latitude de acção e de reacção, elasticidade de natureza, diapasão extenso, que é próprio da vida, da liberdade?...É uma prova de que a fatalidade não governa sociedade... Há nela uma vida, uma alma, uma liberdade que escapa às medidas precisas que governam a matéria. O materialismo, no que diz respeito à sociedade é absurdo. (Th. de la Prop., concl.)F. Sua incidência científica: a relatividadeO movimento, ou como dizem os teólogos, a criação, o estado natural do universo. O movimento é a forma de qualquer vida... O espaço e o tempo são duas maneiras de conceber o intervalo que separa os dois supostos limites do movimento, ponto de partida e ponto de chegada, origem e objectivo, começo e fim. Considerados em si próprios, o tempo e o espaço, noções indiferentemente objectivas ou subjectivas, mas essencialmente analíticas, não são contudo senão uma relação transformada... (Ph. du Progrès, l.ª carta, cap. II.)Os conceitos de espaço e de tempo, correlativos entre si... são dados pela principal condição de toda a série: a divisão... O espaço e o tempo não são mais do que aspectos particulares desta força, de diferenciação infinita... É preciso distinguir a diversidade enquanto atributo... e a diversidade enquanto condição absoluta de toda a fenomenalidade. A mesma objectividade que se encontra nos conceitos de espaço e de tempo pertence também ao conceito que nos revela, particularmente, a divisibilidade da matéria: ele próprio não é nem mais nem menos que a inevitável síntese do espaço e do tempo. (Création de l’Ordre, cap. III, 1843.)G. Sua tradução filosófíca:a relação ideo-realistainter-relação do subjectivo e do objectivoA definição da filosofia supõe estes dois termos: 1.º Alguém que investiga, observa, analiza, sintetiza, e a que se chama o sujeito ou eu;2.º Alguma coisa que é observada, analisada, de que se procura a razão e a que se chama o objecto ou não-eu.O primeiro, o observador, sujeito, eu, ou espírito, é activo; o segundo, a coisa observada, objecto, não-eu, ou fenômeno, é passivo. Não nos assustemos com as palavras; isto quer dizer que um é o artífice da ideie e que o outro fornece a matéria para ela. Não há estátua sem estatuário... mas não há estátua... sem mármore. Ora passa-se o mesmo com as ideias. Suprimam um ou outro destes dois princípios, o sujeito e o objecto, e não haverá mais ideia que se forme, nem mais saber possível... Toda a produção artística e industrial se baseia nisto. Tirem o operário, ficam eternamente com a vossa matéria-prima. Tirem ao operário os seus materiais... e digam-lhe que produza unicamente pelo seu pensamento, ele pensará que estão a troçar dele... (Justice, Philos. Popul.)Aquele que alguma vez tiver compreendido a teoria da formação das ideias e se tiver apercebido destes três pontos capitais:1.º Intervenção de dois agentes, o sujeito e o objecto;2.º A diferença do seu papel, resultado da diferença das suas naturezas;3.º A distinção das ideias em duas espécies, ideias sensíveis, dadas imediatamente pelos objectos e ideias extra-sensíveis ou metafísicas, resultado da acção do espírito solicitado pela contemplação do exterior - esse, dizemos, pode gabar-se de ter transposto o obstáculo mais difícil da filosofia. Libertou-se do fatalismo e da superstição. Sabe que todas as suas ideias são necessariamente posteriores à experiência das coisas. (Justice, Philos. Popul.)A ideia surge-nos organicamente... . em concorrência e ex-aequo de duas origens: uma, subjectiva, que é o eu, sujeito ou espírito; a outra objectiva, o não-eu ou as coisas... dupla origem, a filosofia apoia-se em relações. (Idem.)A relação, eis, em última análise, a que se reduz toda a fenomenalidade, toda a realidade, toda a força, toda a existência. Do mesmo modo que a ideia de ser envolve a de força e de relação, também a de relação supõe invencivelmente a força e a substância, a transformação e a existência. De modo que por toda a parte onde o espírito apreenda uma relação, e a experiência não descubra nenhuma outra, devemos concluir desta relação a presença duma força, e consequentemente uma realidade. (Justice L’Êtat.)IIIA DIALÉCTICA SERIAL:DUM PROCESSO EFECTIVOA UM MÉTODO EFICIENTEA teoria das ideias conduziu-me à do raciocínio... O raciocino, ou a arte de ordenar as ideias é uma certa evolução... uma série...Passa-se... com o ordenamento das ideias o mesmo que com o dos animais e das plantas e com o das operações matemáticas...A lei, reconhece-se na unidade na diversidade no que constitui a séie, o gênero, a espécie, numa palavra, o grupo. (Philos. du Progrès, 1.ª carta cap. III.1. - UM PROCESSO DIALÉCTICO REALTudo muda, tudo corre, tudo se transforma, consequentemente, tudo se mantém e se encadeia; por conseguinte, tudo é oposição, oscilação, equilíbrio no universo. (Philos, du Prog., prefácio.)Para alguém que observe de perto o movimento da civilização, o progresso aparece como uma imensa corrente dialéetica. (Idée Gén. de la Révol.)A oposição, o antagonismo, a antinomia, manifestam-se por toda a parte: a verdadeira verdade está:1.º No equilíbrio, coisa que a nossa razão concebe às mil maravilhas...2.º No conjunto, que nunca poderemos compreender. (Théorie de l'impôt, cap. V.)O antagonismo, acção-reacção, constitui lei universal do mundo... a justiça é uma faculdade soberana da alma, princípio da nossa razão prática, que se manifesta na natureza pelo equilíbrio. (La Guerre et la Paix, concl. geral.)Sem equilíbrio, como sem movimento, não há existência ...Quem diz movimento diz série, unidade diversificada, grupo...A condição de toda a existência depois do movimento é... uma unidade de composição. (Philos. du Progrès.)O que produz a unidade na multiplicidade? A série... A série é a lei do progresso como a forma da razão e da natureza. (Créat. de l’O., cap. I.) ,A. Sua lei motriz: o antagonismo antinómico;O mundo da sociedade, do mesmo modo que o mundo da natureza, é estabelecido a partir de forças... as forças são, por si próprias, expansivas, invasoras, por consguinte, opostas e antagónicas; tal é a grande lei da criação, sendo, ao mesmo tempo, a lei da conservação e da renovação dos seres. (La Guerre et la Paix, liv. V, cap. V.)O jogo das forças não se assemelha à dança das musas... As forças não fazem nada por figuras, a sua acção acaba necessariamente numa realização; por isso é preciso que elas se entrechoquem... somente nesta condição elas produzem. (La Guerre et la Paix, liv. V, cap. IV.)O mundo, a sociedade, o homem, são compostos por elementos irredutíveis, por princípios antitéticos, e por forças antagonistas.Quem diz organismo, diz complicação, quem diz pluralidade, diz contrariedade, independência. (Théorie de l'impôt, cap. V.)Os fanáticos da unidade não querem ver que o mundo moral, como o mundo físico, assenta sobre uma pluralidade de elementos irredutíveis e antagónicos, e é da contradição entre estes elementos que resultam a vida e o movimento do universo. (Th. de la Propr., conclusão.)Esta lei capital não é outra senão a lei do antagonismo, que nós próprios reconhecemos como lei universal da natureza e da humanidade; corolário da lei de justiça ou de equilíbrio: uma ve explicado a lei do antagonismo, tudo se explica. (La Guerre et la Paix, liv. V, cap. V.)A condição por excelência da vida é a acção... Para que haja acção... é preciso que haja... e ligação com o sujeito actuante um não-eu que se coloque diante do seu eu como local e matéria de acção, que lhe resista e o contrarie... A acção é, pois, uma luta...Ser organizado, inteligente, moral e livre, o homem está pois em luta, isto é, em relação de acção e reacção, em primeiro lugar com a natureza. Mas o homem não tem somente relações com a natureza, ele encontra também o homem no seu caminho, o homem seu igual que lhe disputa a posse do mundo e o sufrágio dos outros homens... que lhe faz concorrência, que o contraria, lhe opõe o seu veto. Isto é inevitável e bom. Isto é inevitável... É impossível que duas criaturas... progressivas, que não caminha com a mesma passada, que partam de pontos de vista diferentes, que tenham interesses opostos... e trabalhem para se engrandecerem, estejam alguma vez totalmente de acordo.A divergência das ideias, a contradição dos princlpios, a polémica, o choque das opiniões, são efeito certo da sua aproximação. Acrescento que... isso é bom... É através da diversidade de opiniões e sentimentos, e pelo antagonismo que ela origina, que se cria, acima do mundo orgânico, espeeulativo e afectivo, o mundo das convenções sociais, mundo político, mundo moral. Mas antes da convenção, há necessariamente luta, e isto sempre em cada instante da existência. As mesmas causas... querem que este antagonismo seja eterno. (La Guerre et la Paix, liv. I, cap. VI.)B. Sua lei reguladora: a justiça-equilíbrioDo mesmo modo que a vida supõe a contradição, a contradição, por sua vez, apela para a justiça; dai a segunda lei da criação e da humanidade: a penetração mútua dos elementos antagonistas, a reciprocidade. (Solution du Problème social.)A justiça é a lei do homem e da natureza. (Lettre à Chaudey, 15 de Janeiro de 1859.)Nunca há, na natureza, como na lógica, destruição; só há transformações... O remédio é o equilíbrio... é... a justiça. (Carnets, 6 de Março de 1846.)A justiça é... equilíbrio entre... as forças livres. (Th. de la Propr., cap. VI.)A justiça não cria os factos... não lhes impõe, leis estranhas. Ela limita-se a constatar a sua natureza variável e antinómica. Nesta antinomia, ela apreende uma lei de equilíbrio, e desta lei de equillbrio faz um princípio prático, uma verdade geral para a sociedade. Toda a natureza contém em si a sua lei, por meio da qual se manifesta e desenvolve, contra a qual desaparece e morre. Esta lei é contemporânea do ser. É-lhe imanente e adequada. É inseparável dele. É através dela que este desempenha um papel na criação... Ele entra na realidade e torna-se positivamente qualquer coisa. Ele implica contradição, porque o ser, a natureza, se coloca contra a lei ou ao lado da lei... O facto e a ideia são realmente inseparáveis... Ora a Justiça é a lei fundamental do universo. llmanente à humanidade, através dela que a humanidade se manifesta e s desenvolve Mas a humanidade reflexiva e livre não conhece primeiramente a sua lei completa preciso que ela experimente Daí as suas impaciências, mas daí o progresso das leis e dos costume resultante dos vaivéns das revoluções. (Justice L’Êtat.)C. Sua lei realizadora: o processo serialDivisão.... primeira condição de existência, dis tinção em grupos da quantidade dividida, segund condição de existência... (sem remontar à criação suponho o universo no primeiro momento como sendo uma massa indistinta, não diferenciada, indivisa e sirvo-me da palavra divisão para designar o primeiro momento cosmogénico) (n.º 157, 158).A física e a química oferecem-nos numa divisã levada ao infinito: colecções, grupos, progressões.. A química e todas as suas leis de proporção não são mais que as expressões das séries atómicas equilibradas, proporcionais, progressivas, e transformam do-se uma na outra... (n.º 161).No reino animal, tudo é gênero e espécie, diferenciação, progressão e séries (n.º 162.)Se dos animais passarmos às plantas, encontra mos sempre a mesma lei: divisão e grupos, o séries... A glória dos grandes homens consistiu sem pre em descobrir as leis das divisões, dos grupo das séries... estes jogos da natureza (n.º 163).Espectador da criação... O homem é o seu imitador em tudo o que as suas mãos e o seu pensamento produzem. Aplicando à sucessão das sua ideias a série dos movimentos siderais, ele faz cronologia dos seus dias e traça as divisões das história... Todas as suas obras são marcadas pela divisão, pela série... (n.º 164-165).Tais são os factos que nos revelam, na natureza, a presença duma lei geral: a lei serial (n.º 174).A série não é nem coisa essencial nem causal; é ordem, conjunto de relações ou de leis (n.º 173).A série, essa lei suprema, governa a natureza, dá forma aos nossos pensamentos, corrige os nossos juizos e constitui a ciência. Ela pode definir-se: a intuição sintética na diversidade, a totalização na divisão (n.º 300).Descobrir uma série é desbocrir a unidade na diversidade, a síntese na divisão; não é criar a ordem... é colocar-se na sua presença, e através do despertar da inteligência, receber dela a imagem (n.º 255).A criação... é a série posta em acção (n.º 421). A série é a lei formal... da natureza e da inteligência (n.º 196). (Création de l’O., cap. III.)A série, facto da consciência... lei da inteligência, é ainda sentida or nós na consciência comum ou laço familiar, quando, mais tarde, na força da colectividade, cada um de nós reclama, como trabalhador, a sua parte do produto colectivo, e, como cidadão, a sua cooperação com o governo. (Justice, Sanction Morale.)2. - A SUA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM DINÂMICA DUMA ORDEM IDEO-REALISTATodo o pensamento verdadeiro... se apresenta numa ocasião e em dois momentos. Sendo cada um destes momentos a negação do outro...Resulta que a antinomia é a própria lei da vida e do progresso, o princípio do movimento... a vida indestrutlvel da humanidade.Na economia social... se uma das forças antagonistas for entravada, porque a actividade individual sucumbe sob a autoridade social, a organização degenera... Se pelo contrário, a iniciativa individual falha como contrapeso, o organismo colectivo corrompe-se.A antinomia é o principio... do movimento, a razão do equilíbrio... Vem em seguida a lei de progressão e de série...Suprimam a antinomia, e o progresso dos seres torna-se inexplicável - pois onde está a força que produziria esse progresso? Eliminem a série, o mundo não será mais do que uma contenda de oposição estéril, uma ebulição... sem objectivo e sem ideia... Deste modo a sociedade estabelece-se pouco a apouco por uma espécie de oscilação. (Contr. Écon., Cap. XIV.)Na sua marcha oseilatória, a sociedade balanceia-se... sobre ela própria. A marcha consiste por assim dizer neste balanceamento alternativo sobre os dois pés,... assim é a sociedade. (Carnets, 4 de Set. de 1846.)A igualdade não surge, na sociedade, como um nlvel inflexível. É, como todas as grandes leis da natureza, um ponto abstracto, para cá e para lá do qual o facto oscila sem cessar, descrevendo arcos maiores ou menores, mais ou menos regulares... A igualdade... é a média duma infinidade de equações... (Contr. Écon., cap. XIV.)A. Do antagonismo à competição antinómicaTrata-se de saber se todas essas espontaneidades, de que se compõe a criação, se conciliam ou se combatem... enfim se a ordem... não é antes um efeito do equilíbrio entre forças antagónicas. No que se refere a mim, a minha opinião é insuspeita: o que torna a sociedade possível é, a meus olhos, a mesma coisa que torna a, liberdade possível: a oposição das forças. (Justice, conscience et liberté.)Há, no conflito... uma força organizadora...(Justice, Les Idées.)Este termo contradição não deve tomar-se no sentido vulgar dum homem que diz e depois se desdiz - trata-se duma oposição inerente a todos os elementos e a todas as forças que constituem a sociedade, e que faz com que esses elementos e essas forças se combatem destruir-se-iam, se o homem, pela sua razão, não encontrasse o meio de os compreender, de os governar e de os manter em equillbrio. (Lettre à Char, 24 de Agosto de 1856.)Há, por parte da humanidade, a tendência, não para uma extinção, mas para uma transformação do antagonismo, a que se convencionou chamar, desde o princípio, a paz...A guerra e a paz são duas forças diferentes dum único e mesmo movimento, duma única e mesma o antagonismo.Resta-nos tomar um único partido... organizar com base noutros dados o antagonismo humanitário... uma paz emuladora, em que as forças ao combaterem-se se reproduzem... (La Guerre et la Paix, concl.)O erro dos juristas, com respeito ao direito da força, é que da força só compreenderam a violência e o abuso. Cada força leva o seu direito consigo própria; as forças no homem e na sociedade devem equilibrar-se e não aniquilar-se. (Idem, cap. VII, liv. II.) ... Numa sociedade bem ordenada, as forças só lutam um momento para se reconhecerem, se controlarem, se confirmarem e se classificarem... A oposição entre as forças tem pois por fim a sua harmonia... Todo o antagonismo no qual as forças, em vez de se porem em equilíbrio, de destroem mutuamente... é uma subversão. (La Guerre et la Paix, cap. II, liv. IV.)Conclui-se daqui que o antagonismo, que aceitamos como lei da humanidade e da natureza, não consiste essencialmente, para o homem, num pugilato, ou numa luta corpo a corpo. Trata-se, afinal, duma luta de inteligência e de progresso... (Idem, cap. IV, liv. V.)A paz não é o fim do antagonismo, o que quereria dizer o fim do mundo; a paz é o fim do massacre, o fim do desgaste improdutivo dos homens e das riquezas...O antagonismo, com efeito, não tem por objectivo uma destruição pura e simples, um desgaste improdutivo... Tem por objectivo a criação duma ordem superior, dum aperfeiçoamento sem fim. Sob este aspecto, é preciso reconhecer que o trabalho oferece ao antagonismo um campo de operação doutro modo vasto e fecundo como a guerra. (Idem, cap. V, liv. V.)Pelo trabalho bem mais do que pela guerra, o homem manifestou a sua coragem. (Justice, Le Travail.)Trata-se sempre da luta ou concorrência entre as forças, não da luta armada e sangrenta, mas da luta do trabalho e da inteligência. (La Guerre et la Paix, concl. gerais.)No mundo, nada se destroi, nada se perde: tudo se desenvolve e se transforma sem cessar: tal é a lei dos seres, a lei das instituições sociais... O governo, imagem visível da unidade política, a propriedade, forma concreta da liberdade individual, não podem aniquilar-se totalmente.Qualquer transformação a que tenham de submeter-se, estes elementos subsistem sempre, pelo menos na sua virtualidade, a fim de incessantemente imprimirem ao mundo, devido à sua contradição essencial, o movimento. (Conf. dun Révol., cap. XIX.)É bem certo que a ciência do direito, como a da economia política... rola sobre perpétuas antinomias... (Lettre à Langlois, 30 de Dez. de 1861.)É pela sua oposição mútua, e não por uma restrição arbitrária, que as forças económicas se contêm entre si. (Idées gén. de la Révol.)B. Da justiça-equilíbrio à equilibração-balanceamentoAdmito como lei da natureza, do espírito e da consciência este facto universal: justiça, igualdade, equilíbrio... (Th. de la Propr., cap. VIII.)Justiça, igualdade,...: verdade... não antinómica. (Carnets, 4 de Maio de 1847.) A antinomia não vem da própria justiça; a consciência não é antinómica. (Lettre à Langlois, 30 de Dez. de 1861.)A razão não é mais antinómica que a consciência... O principio de justiça para a consciência é o mesmo que o princípio de igualdade ou de equação para a razão,... doutro modo não haveria certeza, verdade, e o pensamento seria um eterno baloiço... A razão como a consciência, ainda que compreenda, abranja todas as antinomias, não pode nem deve ser antinómica... Faculdades principais e criadoras, são-no por natureza, sem sistema e não em série. (Lettre à Langlois, 17 de Jan. de 1862.)A justiça em si é o balanço das antinomias, isto é, a redução das forças em luta... Por isso não tom -el como divisa a liberdade, que é uma força indefinida e absorvente, que se pode esmagar mas não vencer, e coloquei acima dela a justiça que julga, regula e distribui - A liberdade é a fo;rça da colectividade soberana, a justiça é a sua lei. (Lettre à Langlois, 30 de Dez. de 1861.)Não se trata dum princípio; não pode, porém, r uma força na sociedade que produza tanta miséria como riqueza, se não for equilibrada por uma força cujo lado útil neutralize o efeito destruidor da primeira. A sociedade é um vasto sistema de ponderação, cujo ponto de partida é a liberdade, a lei, a justiça... (Justice, Les Biens.)Tornar um homem livre é equilibrá-lo aos outros homens, quer dizer, pô-lo ao nível deles. (Prem. Mém., concl.)Mutualidade e reciprocidade: a liberdade igual a sí própria. A liberdade apresentando-se em dois termos em busca do equilíbrio. (Carnets, 25 de Julho de 1847.)A economia, a política, a organização da fábrica, própria razão pública resolvem-se por um sistema ,de equilíbrios. (Justice, Sanction Morale.)C. Do processo serial à ordem serialToda a verdade de conjunto implica série entre vários termos, isto é, relação. (Pornocratie.)Destas pretensas generalidades, destes aforismos hipotéticos e destas abstracções causais, a filosofia só deduziu na maior parte das vezes proposições falsas, que a experiência teve de rectificar todos os dias, destruindo assim por um trabalho contraditório, o que a teoria silogistica tinha edificado.Antes de ter estudado a lei dos seres, antes de ter classificado os factos,... a filosofia não é senão um método ilusório que consiste em ir do geral ao particular... (Créat. de l’O., n.º 112, cap. II.)Entre esses factos, incluo sobretudo as leis gerais da natureza, os géneros, espécies... e todas as séries. (Carnets, 28 de Julho de 1847.)O que produz a unidade na multiplicidade? A série. (Créat. de l’O., cap. I, n.º 1.)O conceito de unidade... não é outro senão a intuição da série, ou de termos da série. O espírito distingue, em primeiro lugar, uma série, isto é, um grupo circunscrito, uma totalidade determinada; depois, nesta totalidade reconhece partes e adquire o principio de pluralidade; finalmente, apreendendo quer a relação de identidade que as une, quer a própria parte, chega ao conceito de unidade. (Créat. de l’O., n.º 341.)Todo o saber humano consiste... em descobrir generos e espécies, séries... Esta lei (é) ao mesmo ,tempo objectiva e subjectiva, essencial à natureza e ao espírito.A verdade nunca existe numa apercepção isolada ou simples, mas numa série de apercepção análogas dando pelo seu conjunto síntese, unidade. (Carnets, 18 de Out. de 1847.)A teoria serial não é um método de descobertâ... A teoria serial é... essencialmente demonstrativa...Mas, uma vez descoberto o ponto de vista da série, uma vez determinadas as ligações entre as unidades seriais, a teoria... progride com uma marcha segura de série em série ... Foi assim que procederam os Kepler, os Newton, os Lavoisier, os Bichat. (Créat. de l’O., n.º 255.)A série nem é coisa substancial nem causativa: é ordem, conjunto de relações ou de leis ... A matemática é um cálculo de séries, é das propriedades das séries que ela extrai o seu rigor. Toda a ciência, nascida ou a nascer... é um cálculo de séries (n.º 173).Os nossos filósofos famosos, os nossos grandes publicistas, do mesmo modo que os nossos mais ilustres sábios, são todos... fabricantes de séries. A série é a lei do progresso como a forma da razão e da natureza (n.º 319).Organizar a sociedade é descrever uma série real e individual. A sociedade é um sistema de séries, de que a natureza oferece analogias: depois dos reinos mineral, vegetal, animal, constitui-se e define-se em cada dia o reino industrial (n.º 441). (Créat. de l’O., cap. III.)3. - A SUA TRANSPOSIÇÃO FILOSõFlCA EM MÉTODO DE PENSAMENTO E DE ACÇAOQue o leitor se precavenha, para nao ver neste antagonismo, nestas oposições, nestas equilibrações, um semples jogo do meu espírito... O culpado não sou eu, simples investigador de série... se o nosso sistema.... cuja lógica... fatalista, unitária, é incapaz de justificar.... se explica com a ajuda duma filosofia mais vasta, admitindo a pluralidade dos princípios, a luta entre os elementos, a oposição entre os contrários. (Th. de la Propr., cap. VIII.) A lógica tem as suas manifestações espontâneas... A lógica retoma os dados gerais... da ciência humana. Com a ajuda destes dados constrói ela própria... por exemplo... a ideia de antinomia.... e.... com o naturalista,... a série. (Carnets, 9 de Maio de 847.)É devido à sua impressão no espírito que as formas universais da natureza se tornam, por sua vez, formas universais do espírito. O espírito age em seguida, usando da liberdade sobre a natureza, e provoca fenômenos novos, leis novas, uma matéria de experiência, e uma ciência... Eis o verdadeiro sistema da filosofia. (Carnets, 5 de Junho de 1847.)A série, forma geral do raciocínio, não é outra coisa, quanto a mim, senão a arte de classificar as ideias e os seres.Se a série for reduzida a dois termos em oposição essencial, em contradição necessária e reciproca, como acontece, por exemplo, na formação dos conceitos, ele indica uma análise e toma o nome de antinomia... (Philos. du Prog., cap. VIII.)A. A antinomiaAntinomia literalmente, contra lei, quer dizer oposição no principio ou antagonismo na relação, como a contradição ou antilogia, indica oposição, contrariedade no discurso... A antinomia é a concepção duma lei de face dupla, uma positiva, a outra negativa... A antinomia não fez mais do que exprimir um facto, e impõe-se imperiosamente ao espírito: a contradição propriamente dita é um absurdo. Esta distinção entre a antinomia (contra lei) e a contradição (contra-dicção) mostra em que sentido se pôde dizer que num certo número de ideias e de factos, o argumento da contradição já não tem o mesmo valor que em matemática.Em matemática, é regra que, sendo demonstrada uma proposição como falsa, a proposição inversa é verdadeira, e reciprocamente. Tal é mesmo o grande meio de demonstração matemática. Em economia social, já não acontecerá do mesmo modo... Resulta, como se disse com uma ênfase bastante ridícula, que tova a verdade, toda a ideia, provém duma contradição?... Esta tagarelice é digna de sofistas... Como a antinomia, logo que é menosprezada, conduz infalivelmente à contradição, foram tomadas uma pela outra, sobretudo em francês, em que se gosta de ada coisa pelos seus efeitos. Mas nem a contradição, nem a antinomia que a análise descobre no fundo de qualquer ideia simples, é o princípio verdadeiro. A contradição é sempre sinónimo; quanto à antinomia, a que chamam por vezes o mesmo nome, ela é, com efeito, a percursora da verdade a quem ela fornece por assim dizer a matéria; mas ela não é a verdade, e, considerada em si própria, ela é a causa eficiente da desordem...A antinomia compõe-se de dois termos, necessários um ao outro, mas sempre opostos... O primeiro destes termos recebeu o nome de tese, posição, e o segundo, o de antítese, contraposição...A resolução de duas ideias antitéticas numa terceira de ordem superior é o que a escola chama síntese... (Contr. Écon., cap. II.)B. O balanço-equilibraçãoa) Primeira etapa: o balanço: «síntese formal»A síntese não destrói realmente, mas formalmente, a tese e a antítese... (Créat. de l’O., cap. III.)Afirmação-Negação, isto é, balanço - todas as ideias sobre relações procedem deste equilíbrio. (Carnets, 10 de Março de 1847.)Kant, ao ter dividido, os conceitos em quatro famílias, cada uma composta por três categorias, mostrou que estas categorias se criavam, por assim dizer, umas às outras, sendo a segunda constantemente a antítese ou a oposta da primeira, e a terceira procedendo das duas outras, por uma espécie de composição...Depois de Kant, a dialéctica foi enriquecido com uma figura anteriomente pouco conhecida, e à qual o balanço parece ter servido de modelo;... ela consiste no facto de que, sendo dados dois termos antitéticos, resulta da sua união um 3.º termo, diferente os outros dois, e convertendo-os por uma espécie de balanço ou equação...Hegel generalizou esta engenhosa ideia... É uma vasta classificação da natureza e das ideias em três grandes séries...O sistema de Hegel valeu ao seu autor graves censuras; lamentou-se de que a sua série não era, muitas vezes, senão um artifício de linguagem, em desacordo com os factos; que a oposição entre o 1.º e o 2.º termo não era sempre suficientemente acentuada e que o 3.º não os sintetizava...Hegel, numa palavra, tinha-se aprisionado numa série particular, e pretendia, com ela, explicar a natureza, tão variada nas suas séries como nos seus elementos... (Créat. de l’O., cap. III, 1843.)b) Segunda etapa: o balanceamento:a não resolução da antinomiaOs termos opostos não fazem nunca senão balancear-se um ao outro; o equilíbrio entre eles não nasce pela intervenção dum terceiro termo mas pela sua acção reciproca. (Pornocratie, cap. V.)Apercebi-me de que a dialéctica, de Hegel... era falível num ponto e servia mais para confundir as ideias do que para as esclarecer... A antinomia é uma lei da natureza e da inteligência, um fenômeno do entendimento; como todas as noções que afecta, ela não se transforma; permanece eternamente aquilo que é, causa primeira de todo o movimento, princípio de toda a vida e evolução, por contradição entre os seus termos; unicamente pode ser balanceada, seja pelo equilíbrio dos contrários, seja pela sua oposição a outras antinomias... (Th. de la Propr., cap. VII.)Os termos antinómicos não se transformam, tal como os polos opostos duma pilha eléctrica não se destroem... eles são a causa geradora do movimento da vida, do progresso ... O problema consiste em encontrar não a sua fusão que seria a morte mas o seu equilíbrio, equilíbrio incessantemente instável, variável, conforme o próprio desenvolvimento das sociedades. (Th. de la Propr., Cap. I.)Resulta dai que o instrumento de crítica que procuramos é necessariamente dualista ou binário: ele poderá não ser triádico, pois conteria em si elementos mais simples do que ele, ideias que não explicaria, o que era tomar a série em vez do seu elemento; além disso é fácil convencermo-nos pela análise, de que toda a trlade, trindade ou ternário não é senão a síntese duma dualidade, obtida pela identificação ou confusão de dois dos seus termos... A fórmula hegeliana só é uma triade pelo bel-prazer ou erro do mestre, que conta três termos onde verdadeiramente só existem dois, e que não viu que a antinomia não se transforma, mas que indica uma oscilação ou antagonismo, unicamente susceptível de equilíbrio. Sob este único ponto de vista, todo o sistema de Hegel teria de ser reconstruido. (Justice, Phílos. Popul.)A antinomia não se transforma; aqui reside o defeito fundamental de toda a filosofia hegeliana. Os dois termos de que ela se compõe balanceiam-se, quer entre eles, quer com outros termos antinómicos: o que conduz ao resultado procurado. Um balanço não é uma síntese. (Justice, Les Biens.)C. A série dialécticaAs ideias, depois de terem sido determinadas individualmente pelas suas relações contraditórias, têm ainda necessidade de uma lei que as agrupe, as simbolize, as sistematize ...Torna-se então necessário um último instrumento dialéctico; ora este instrumento só poderá ser uma lei de progressão, de classificação e de série; uma lei que abranja... a própria antinomia. (Contr. Écon., cap. XI.)Progressão, série, associação das ideias em grupos naturais, tal é o último passo da filosofia na organização do senso comum. Todos os outros instrumentos dialécticos se resumem a este: o silogismo e a indução não são senão fragmentos destacados de séries... A série abrange todas as formas possíveis de classificação das ideias, ela é unidade e variedade, verdadeira expressão da natureza, consequentemente, forma surprema da razão. Só se torna inteligível ao espírito o que pode ser relacionado com uma série, ou distribuído em série... (Contr. Écon., cap. XI.) Demonstrar é percorrer sucessivamente os termos duma série e constatar neles a presença dessa relação: para falar a nossa linguagem, é verificar a razão, numa palavra, é seriar. (Créat. de l’O., cap. III.) Uma série quer dizer:1.º A divisão, a multiplicidade, o número; 2.º Uma relação diferencial criando... síntese, totalização, grupo.A série só existe sob duas condições: divisão e grupo...A série não é uma forma do entendimento, amorfa, pela sua natureza; ela é antes uma impressão da realidade sobre o entendimento. Mas, a verdade não é somente a realidade, a natureza das coisas apreendida pelo conhecimento do homem: em virtude da actividade própria do entendimento, ela é ainda, em certos casos, uma criação operada pelo espírito, à imagem da natureza.Sabemos, com efeito, que há séries reais e séries ideias... sendo a série ideal um decalque da série real.Raciocinar, é serrar... Raciocinar, é classificar: operação que compreende duas partes distintas:1.º A análise dos termos;2.º A descoberta da sua relação...Toda a série se compõe de unidades agrupadas sob uma lei comum. A série é um conjunto de unidades reunidas por um laço comum a que chamamos razão ou relação.A série decompõe-se em três elementos: o ponto de vista; a matéria ou a unidade... ; finalmente, a razão, ou a relação entre as unidades...A mais pequena série possível contém pelo menos duas unidades: uma tese e uma antítese, uma alternância, um vaivém...A lei serial exclui toda a ideia de substância e de causa, ainda que reconheça a sua realidade objectiva: ela indica uma relação de igualdade, de progressão ou de analogia...Para que a série exista, é preciso que a relação entre as suas unidades seja fixa e invariável. O que dá a forma à série simples é a relação... que reúne os membros da série.Quando os diferentes termos da série resultam da transformação sucessiva de cada um deles, ou o que resulta no mesmo, quando sãp formados pelos diversos pontos de vista que apresenta o primeiro termo, ou ainda finalmente quando o ponto de vista e a razão sob os quais se reúnem as unidades seriais são múltiplos... forma-se... uma série composta, há o sistema...A série é natural quando é própria e especial do objecto, porque resulta da sua natureza e das suas propriedades.A série é artificial quando é transportada do objecto que lhe é próprio a um outro que lhe é estranho. A maior parte dos produtos da arte e da indústria são séries artificiais...Na série ideal, as unidades podem ser transpostas, formar outras séries e converterem-se umas nas outras sem que a sua essência seja destruido, enquanto que, na série real, as unidades são inconvertíveis...Estudámos a série nos seus elementos, razão e formas, assinalámos os principais obstáculos a evitar na classificação dos métodos.1.º Distinguindo a série artificial da série natural e prevenindo-nos contra os perigos de transposiçao;2.º Reduzindo ao seu justo valor as induções baseadas na semelhança exterior e fortuita das séries;3.º Fixando o papel puramente abreviador da série lógica, sem a qual o discurso e a própria ciência seriam impossíveis. (Créat. de l’O., cap. III.)IVA LIBERDADE, FORÇA DE COMPOSIÇÃOA antinomia e a força da colectividade são os dois princípios sobre os quais assenta toda a teoria da liberdade...1. - O JOGO DAS FORÇAS: POSSIBILIDADE DA LIBERDADEO que torna a criação possível é... a mesma coisa que torna a liberdade possível, a oposição das forças...Do antagonismo que observamos entre os seres, somos levados a concluir da independência das substâncias, das causas, das vontades, dos juízos; de tal modo que, pondo de parte o universo, de que nada sabemos como universo, podemos pelo menos afirmar que cada uma das existências de que ele se compõe é governada por duas leis em oposição diametral: uma que é a espontaneidade, força de absorção, de invasão, de negação; outra que é a necessidade, influência recebida de fora, à qual é preciso que o ser sucumba se a ela não se adaptar.A espontaneidade - do mais baixo: grau nos seres inorgânicos, mais elevada nas plantas e nos animais - atinge, sob o nome de liberdade, a sua plenitude no homem, que tende a libertar-se sozinho de todo o fatalismo, tanto objectivo como subjectivo, e que efectivamente se liberta dele...A liberdade está em emergência, isto é, no ataque; a necessidade em defesa, isto é, em retrogradação...O universo está estabelecido sobre o caos, e a sociedade humana sobre o antagonismo... Mas,... se, neste universo, toda a acção acabar por encontrar uma reacção igual, e se as forças se balanceiam, não se passa o mesmo entre ele e a humanidade, que triunfa incessantemente sobre a fatalidade das coisas e sobre a fatalidade do seu organismo, e sozinha se constitui soberana... Esta liberdade franca, livre de qualquer condicionalismo, é confirmada pela história e pela Justiça, que se podem definir, a primeira como a evolução da liberdade, a segunda como o pacto que a liberdade faz consigo própria para a conquista do mundo e para a subordinação da natureza.2. - A LIBERDADE:FORÇA DA COLECTIVIDADE HUMANAO campo aberto diante da espontaneidade humana. Já não se trata senão de saber como esta espontaneidade se torna liberdade ou livre arbítrio; como, através da energia do seu eu, o homem se liberta, não só da necessidade externa, mas também da necessidade da sua natureza... Nos seres inferiores, a espontaneidade explode, fatalmente, diante das provocações do exterior; ela não é capaz de reagir, ou de não reagir, muito menos ainda de se dominar e de desobedecer às suas próprias leis, que segue cegamente, sem nunca se poder desviar delas... O homem tem o privilégio... não só de reagir ou de não reagir, à sua escolha, contra o exterior, mas também de resistir à sua própria espontaneidade... orgânica, intelectual, moral, social; de usar e de abusar desta espontaneidade, de a destruir, numa palavra: de negar, em si e fora de si, todo o fatalismo... O homem, porque não é uma espontaneidade simples, mas um composto de todas as espontaneidades ou forças da natureza, goza do livre arbítrio. (Justice, Conscience et Liberté.)O homem, ser organizado, é um composto de forças. (La Guerre et la Paix, liv. II, cap. VII.)O homem é complexo, é um composto de matéria, de inteligência... (Justice, Consc. et Lib.)O homem vivo é um grupo (Philos. du Prog., l.ª carta, cap. IV.)Digo então que ele é livre, em nome da síntese da sua natureza.Por toda a parte onde haja grupos, se produz uma resultante, que é a força do grupo - distinta não só das forças particulares que compõem o grupo, mas também da sua soma, e que exprime a sua unidade sintética - a função de base, central.Qual é, no homem, essa resultante? É a Liberdade.O homem é livre, e não pode deixar de sê-lo, porque é composto; porque, a lei de todo o composto é produzir uma resultante, que é a sua própria força; porque, sendo o composto humano formado por corpo, vida, espírito, subdivididos em faculdades cada vez mais especificas, a resultante, proporcional ao número e à diversidade dos princípios constituintes, deve ser uma força superior a todas as leis do corpo, da vida e do espírito: precisamente aquilo a que chamamos livre arbítrio... Foi assim que vimos os grupos industriais, faculdades constituintes do ser colectivo, criarem, através da sua ligação, uma força superior, que é... poderemos dizer, a liberdade do ser social. (Justice, Consc. et Liberté.)3. - AS RELAÇÕES SOCIAIS MULTIPLICADOR DE LIBERDADEA liberdade é de dois tipos... uma, simples, a do bárbaro ou do próprio civilizado que não reconhece outra lei a não ser a de cada um consigo, cada um para si; outra, composta, quando supõe, para a sua existência, o concurso de duas ou várias liberdades.Sob o ponto de vista bárbaro, liberdade é sinónimo de isolamento; é-se tanto mais livre quanto menos a acção for limitada pela acção dos outros...Sob o ponto de vista social, liberdade e solidariedade são termos idênticos: encontrando a liberdade de cada um na liberdade de outrém, não um limite.... mas um auxiliar, o homem mais livre é aquele que tiver mais relações com os seus semelhantes.A liberdade é a acção... A troca cria... relações que tornando as suas liberdades solidárias, lhes aumentam a extensão: a liberdade cresce, como a força, com a união, vis unita major. Este facto elementar revela-nos todo um sistema de novos desenvolvimentos para a liberdade, sistema no qual a troca dos produtos não é senão o primeiro passo. (Confes., cap. XV.)Para que haja sociedade é preciso que haja engrenagem de liberdades, transacções voluntárias, obrigações reciprocas... graças a este organismo, os indivíduos... especializam-se segundo o seu talento, a sua habilidade, as suas funções, e desenvolvem e multiplicam... a sua acçao propria e a sua liberdade... de modo que chegamos a este resultado decisivo: querendo fazer tudo pela liberdade, só a minoramos; obrigando-a a transigir, aumentamo-la. (Justice, Posit du Probl.)4. - A FUNÇÃO DA LIBERDADE:DESFATALIZAÇÃO E IDEAL OU DECADÊNCIADe acordo com a teoria que apresentei, sobre. a liberdade, disse que o homem dava o confirmatur a todas as demonstrações do entendimento, em virtude da sua liberdade; isto é, ele demonstra a força da colectividade, física e mental, que o eleva acima de todas as considerações do entendimento, da consciência e da experiência. (Lettre à Langlois, 17 de Janeiro de 1862.)A função da liberdade consistirá, pois, em manter o sujeito livre acima de todas as manifestações, desejos e leis, tanto da matéria, como da vida e do espírito; em dar-lhe um carácter, por assim dizer, de «sobrenatureza». Donde se conclui que o homem, colocado sob a direcção do seu próprio arbítrio, poderá, se o quiser, não permanecer tal como o criou a natureza; dependerá dele conformar-se, aperfeiçoar-se, transfigurar-se, como também, no caso em que ele colocaria a sua liberdade e ao mesmo tempo a sua inteligência ao serviço da sua paixão, será senhor de desonrar a sua pessoa, de depravar o seu ser e de o aviltar abaixo do que a animalidade produziria sozinha. Em suma, conforme a via que escolher, o homem, em virtude da sua liberdade, dará à sua figura, ao seu pensamento, à sua linguagem, aos seus actos, aos seus costumes, às suas produções, um carácter de grandeza, de poesia, ou de baixeza que, mais que a própria inteligência, o distinguirá dos outros animais, e testemunhará a sua força sobre si próprio...Relativamente à criação... a acção do homem... será semelhante à que ele exerce sobre a sua própria pessoa ele embelezá-la-á... fá-la-á à sua própria imagem como também poderá deformá-la, destrui-la...O sublime e o belo, numa palavra o ideal; inversamente, o ignóbil e o feio, ou o caos: eis o que constitui no homem a obra própria, a função da berdade...A justiça, como instinto de sociabilidade preexiste ao livre arbítrio... mas é o livre arbítrio que, pela sua potente idealizarão, dá a esse sentimento o anofísico força penetrante...O princípio de todas as utopias que agitam a sociedade é ainda o mesmo: o ideal, produto da liberdade...É este sentimento profundo, anti-governamentalista, anti-mistico da liberdade, o sentimento mais vivo dos nossos dias, que nunca morrerá entre os homens, que provocou, nestes últimos angs, a repugnância universal contra todas as utopias de organização política e de fé social, propostas em substituição das antigas, e que fez abandonar os seus autores, Owen, Fourier, Cabet, Enfantin, Auguste Comte.O homem ja nao quer que o organizem., que o mecanizem; a sua tendência é... para a desfatalização - Passe o termo - por toda a parte em que sinta o peso dum fatalismo ou dum maquinismo...A função da liberdade... tem como objectivo... permitir ao homem variar à vontade as suas operações, e governar a sua existência... Mas qual é o fim de tudo isto?...- Libertação progressiva da pessoa humana pela ciência e pelo trabalho;...- Aperfeiçoamento da espécie e equilíbrio da sociedade, pela Justiça;- A Justiça, na sua mais excelente ideia, é, a palavra da liberdade; e ambas acabam por se confundirem... As próprias obras da liberdade, desde que separadas da obra de base, para a uem, seriam igualmente de valor nulo; como fins, elas são más. O nosso fim é a Justiça. (Justice, Consc. et Lib.)VA HISTORIA-TRABALHOE O PROGRESSO-JUSTIÇA1. - A HISTORIA, EDUCAÇÃO DA HUMANIDADEHá duas maneiras de estudar a história: uma, a que chamamos o método providencial; outra, que é o método filosófico. O primeiro método consiste em atribuir a causa dos acontecimentos... a uma vontade superior, que dirige do alto o curso das coisas... O método filosófico, reconhecendo que os factos particulares nada têm de fatal, que podem variar até ao infinito, à medida das vontades que os produzem, considera-os todos, no entanto, como dependendo das leis gerais inerentes à natureza e à humanidade. (Conf. dun Révol., cap. X.)A história... é a educação da humanidade...O homem... faz a sua educação, e os momentos desta educação compõem a sua história. História simples e nua, no principio, como a vida do patriarca, mas que se complica, à medida que as ideias aparecem e tendem a realizar-se. Aqui, a natureza já só figura como auxiliar; ela fornece os materiais e os instrumentos, e passa a segundo lugar; a iniciativa é deixada ao espírito... A justiça é o motor supremo da civilização: a sua consumação seria a consumação da história. Justice, Éducation.)A. Crítica ao fatalismo históricoA ideia duma transformação sucessiva da sociedade tem algo de tão plausível, apresenta-se tão naturalmente ao espírito, a experiência de duas ou três gerações dá-lhe tanta evidência, que tem de recorrer aos mais antigos filósofos. Com base em dados emplricos antigos, não foi difícil aos historiadores dividir o curso conhecido dos séculos em épocas mais ou menos características, que, tendo origem umas nas outras, pareciam tender para um fim marcado...Dizem-me para resumir em algumas palavras a teoria dos progressistas, pois é... na orgânica da civilização que é preciso procurar o progresso e é ai que a história universal o denota... A esta respeito, a civilização não faz mais que continuar a escala dos seres que a natureza concebeu e organizou segundo uma série ascendente, imagem principal e paradigma do progresso. Confesso que, outrora, fui iludido com esta patetice fisiológico-politica...É precisamente a teoria... do fatalismo, materialismo ou mística. Nela, nada lembra a liberdade,, a justiça, o progresso...a) A evolução materialistaQuanto mais interrogo os filósofos contemporâneos, mais fico convencido de que todos se dedicaram exclusivamente a determinar o modo da evolução histórica - noutros termos: o organismo humanitário, o que na civilização pertence ao fatalismo ...As ideias de Hegel não são outra coisa senão a descrição do organismo intelectual que governa o homem e a natureza, do mesmo modo que a sua liberdade não é outra senão a força cega que impele este organismo... Hegel dedica-se pois a descrever o movinento orgânico do espírito, do qual deduz em seguida o organismo da natureza e o da sociedade: o que equivale a dizer que ele apresenta a teoria da fatalidade natural e social de acordo com a teoria da fatalidade da ideia... Aceitemos pois, como teoria da necessidade histórica, todo o sistema de Hegel: eu pergunto apenas qual é o lugar da liberdade. Provavelmente, ele reserva-o para o pormenor, para aquela parte acidental que, primeiramente, tinha julgado indigna da sua atenção. Não, não há nenhuma missão atribuída à liberdade, no sistema de Hegel; portanto, nenhum progresso. Hegel consola-se com esta perda, do mesmo modo que Spinoza. Chama liberdade ao movimento orgânico do espírito, dando ao da natureza o nome de necessidade. No fundo, diz ele, estes dois movimentos são idênticos: deste modo, acrescenta a filosofia, a mais elevada liberdade, a maior independência do homem consiste em saber-se determinado pela ideia absoluta, ciência ou consciência.A mais elevada liberdade política consiste, para o cidadão, em saber-se governado pelo poder absoluto: o que deve pôr à vontade os partidários da ditadura perpétua e do direito divino.Tudo é... para o alemão, evolução orgânica, fatalidade, morte; no seu sistema, os destinos dos indivíduos (estão) absorvidos pelo organismo colectivo.Não foi assim, da nossa parte, que concebemos a liberdade. A liberdade, de acordo com a definição revolucionária, é apenas a consciência da necessidade; não é a necessidade do espírito, em desenvolvimento conjunto com a necessidade da natureza: é uma força de colectividade que abrange, ao mesmo tempo, a natureza e o espírito, e que, como tal, é senhora de negar o espírito, de se opor à natureza, de a submeter, de a destruir e de se destruir a si própria; que recusa, para si, qualquer organismo; cria para si, pelo ideal e pela justiça, uma existência divina, cujo movimento é consequentemente superior ao da natureza e ao do espírito; e incomensuravelmente com um e outro: o que é totalmente diferente da liberdade hegeliana... (Justice, Prog. et Décadence.)b) O evolucionismo místicoA teoria de Pierre Leroux, segundo a qual cada termo da série é superior ao que o precede e inferior ao que o segue, constitui um progresso. Ele baseou esta ideia no reino animal, onde os géneros e as espécies se escalonam segundo uma razão crescente; de maneira que, a cadeia não pode voltar atrás e tende para infinito. É a negação da morte... Como se, depois de se ter desenvolvido na criação, o absoluto devesse, um dia, dobrar-se sobre si próprio...Homem de religião... viu bem que o cristianismo estava acabado... pelo menos para a porção da sociedade que raciocina... Concluiu por isso que a essa forma de religião devia suceder uma outra, e foi à descoberta dessa outra religião que ele dedicou a, sua existência...O progresso,... conduz-nos a Deus e à outr-a vida. Fora disto, o fenômeno fica sem fim, a teoria é truncada, desprovida de sentido. É o que Jean Reynaud, em Terra e céu... demonstra, através das mais sublimes considerações da geografia, da astronomia, da embriegenia e de todos os recursos do cálculo diferencial e integral...Tal é agora o dilema que, graças a estas inteligências progressistas, nos desventra com os seus dois chifres: ou a fatalidade pura, tal como se encontra no fundo de todas as filosofias da história - de acordo com Aristóteles, Maquiavel, Vico, Herder, Hegel, Saint-Simon, Fourier e seus discípulos - ou a religião... uma humanidade pecadora e desprezível, esperando de Deus a sua explaçao e a sua libertação...O progresso que nos mostraram escapa-nos, pois, sempre: é organicismo, vitalismo, psiquismo, é tudo o que se quiser; não é liberdade, não é moral... uma face da teologia cristã e ... o materialismo de certos humanistas... é ainda um simulacro...B. A história movimento ideo-realista da sociedadea) A história-negação e a história-revelaçãoA história é a demonstração dos erros da humanidade pela redução ao absurdo. (2e Mémoire.)A história é a sucessão do:s diversos estados, pelos quais a inteligência e a sociedade passam, antes de atingirem, a primeira, a ciência pura; a segunda, a realização das suas leis. É um panorama das criações que estão a produzir-se... A história... é... testemunho; a sua utilidade consiste, por um lado em confirmar ou desmentir pelos factos as hipóteses da teoria, por outro, em revelar-nos o trabalho... da criação da ordem... o filósofo procura nela a emersão das leis. (Créat. de l'O., cap. V.)Destruir os ídolos, os prestígios, os preconceitos tradicionais,... desfigurar os falsos grandes homens,... fazer a história, ao mesmo tempo, realista e filosófica...Descobrir o segredo e a mecânica das grandes mistificações, mostrar então a trama secreta dos acontecimentos...É tempo de renovar o estudo da história. Durante muito tempo só se viu nela o produto de algumas vontades individuais. É preciso apresentá-la, apresentar as revoluções, a política, as guerras nas suas causas sociais. (Napoléon 1.er.)Toda a história deve ser escrita sob dois pontos de vista:1.º O ponto de vista geral que é o das forças superiores, das forças preponderantes, das tendências que decidem do carácter da história;2.º O ponto de vista pessoal que é o das individualidades, para dar a feição aos actos. (Commentaire des Mémoires de Fouché.)Opor a teoria da liberdade à da fatalidade. (Parallèle entre Napoléon et Wellington.)Ocuparam-se muito, nestes últimos tempos, em saber quais eram as leis do desenvolvimento histórico... É fácil agora compreender até que ponto se iludiam...Não há leis históricas universais, porque não há ciência universal. Portanto, perdem o seu tempo e perseguem uma sombra ilusória os que, semelhantes aos filósofos, lançando-se fora de qualquer especialidade conhecida e agarrando-se a generalidades imaginárias, agrupam os factos, sem discernimento e sem método, e creem, à força de seriações lógicas e de analogias, adquirir o dom de profetizar... O progresso... não pode servir para formular nem a história dum século, nem a totalidade da história...Tinha-se notado. na história da civilização, o alargamento progressivo dos direitos políticos concedidos aos proletários. Imediatamente este facto, muito importante em si mesmo e muito significativo, foi tomado como lei de desenvolvimento histórico e MM. Ballanche e Lamennais formularam-na deste modo... : elevação do plebianismo ao poder.Mas, independentemente da libertação do proletariado ser unicamente um facto particular da história, à qual, por conseguinte, não pode servir de interpretação... estará nela a expressão duma lei?Qualquer sociedade começa pela antítese entre o patriciado e a servidão: posto isto... como cresce o proletariado e suplanta, por fim, a aristocracia? A lei da evolução do proletariado, lei complexa... só se podia encontrar na ciência económica. (Créat. de l’O., cap. V.)b) O trabalhismo histórico:história, realização do ser colectivoAcção inteligente do homem sobre a matéria, com um objectivo previsto de satisfação pessoal, o trabalho -campo de observação da economia politica - considerado... historicamente nas suas determinações científicas... aparece como a força plástica da sociedade que determina as diversas fases do seu crescimento... e por conseguinte, o seu organismo tanto externo como interno. (Créat. de l’O., cap. V.)Sob o ponto de vista de organização, as leis da economia política são as leis da história. Uma vez que temos que constatar pelos factos a certeza da ciência económica, é sob o ponto de vista do trabalho - isto é: 1.º Do produto, do valor, da formação dos capitais, do crédito, da troca, das moedas, etc.; 2.º Da especialidade e da síntese do trabalho, da coordenação das funções, da solidariedade e da responsabilidade do trabalho; 3.º Da distribuição dos instrumentos de trabalho e da repartição dos produtos, segundo o mérito e a justiça - que temos que estudar a história...O trabalho age sobre a economia das sociedades, liberta o proletariado, dá e retira as riquezas às nações, provoca pouco a pouco a aliança entre os povos e a igualdade das condições...Depois de ter observado a influência do trabalho sobre a sociedade, no que diz respeito à produção e à circulação das riquezas, convém seguir as suas manifestações orgânicas nos movimentos revolucionários e nas formas de governo... Sob este novo ponto de vista, o sistema social e tudo o que ele encerra - culto, guerra, comércio, ciência e arte, ete. - determina-se realmente e constitui-se realmente segundo as leis da organização, que descrevemos. (Créat., de l'O., cap. V.)A propriedade é o principio fundamental, com a ajuda do qual se podem explicar as revoluções da história... fazer a história da propriedade de um povo, isto é, como atravessou as crises da sua formação política, como produziu os seus poderes, os seus órgãos, equilibrou as suas forças, regulou os seus interesses, dotou os seus cidadãos, como viveu, como morreu. (Th. de la Propr., concl.)O progresso das reformas na sociedade-não é outro senão a própria determinação da ciência económica... A economia política abrange a organização da fábrica e do govemo, a legislação, a instrução pública, a constituição da família, a administração do globo: ela é a chave da história.A história é explicado... pela economia política...A história... é a mesma coisa que a economia política considerada sob determinado ponto de vista. (Créat. de l’O., cap. V.)Movimento da sociedade, sob a acção das leis económicas: no primeiro grau da evolução social, as especialidades científicas e industriais estão envoltas na raça... A constituição da sociedade tem lugar pela reunião incessante das diferentes especialidades de trabalho no corpo político... A atracção parte do centro, e estende-se à circunferência. O organismo social aparece, pois, primeiro sob a imagem duma série piramidal, cujo cume é ocupado pelo príncipe e cuja base se apoia no proletariado. Mas já uma centelha percorre esta matéria orgânica... Aqui está, como no Oriente, como na Grécia - o que chama a atenção do economista - a tendência invariável da sociedade para, em primeiro lugar, se constituir como corpo político; para produzir no exterior... os seus órgãos de conservação, antes de se desenvolver interiormente, como centro de produção e de consumo... O despotismo oriental, depois de ter ressuscitado, cinco ou seis vezes, das cinzas, sucumbiu pela insuficiência da sua divisão; a Gréeia democrática perdeu-se não só pelo excesso de oposição, como pelo desprezo a que votava as funções industriais; Roma, republicana e imperial, perdeu-se porque, depois de ter constituído a sua forte hierarquia, parou perante a propriedade indivisa, os latifúndios, a escravidão e a usura, e não soube republieanizar a agricultura, a indústria e o comércio...Tanto sangue derramado, por ocasião das leis agrárias! Era a ordem agricolo-industrial que tentava constituir-se, a par da ordem política: mas a ideia não estava amadurecido: em lugar duma ciência económica, vieram os códigos, o Digesto, as Pandectas... em lugar da igualdade, o Império... Tendo abortado este imenso trabalho de organização, foi preciso recomeçar tudo de novo...A continuação é conhecida... O último aparelho orgânico ainda não viu a luz do dia, o mal ainda dura, a dor está lá, surda, devoradora, até forçar a sociedade a explodir...Como sistema político, a feudalidade caiu sob os esforços reunidos das comunas e dos reis; mas, na administração, na indústria... a feudalidade ainda nos sufoca...O proletário do século XIX... é sobretudo o trabalhador parcelar, sem aptidão e sem iniciativa... O proletário é, pois, menor na sociedade... Se a história o quadro, desenrolado no tempo, do organismo colectivo, o escravo, o plebeu, o servo, o proletário, é o símbolo do cidadão menor...Autores eminentes contaram as dores desta miserável categoria de homens que, sob o nome de escravidão de plebianismo, de servidão e de proletariado aparece em todos os povos e em todas as épocas da história... Eles profetizaram a extinção do pauperismo; mas ninguém, que saibamos, determinou as verdadeiras causas desta anomalia... O princípio do pauperismo reside na falta de equilíbrio entre o produto e o salário do trabalhador, isto é, no rendimento levantado pelo capitalista ocioso: esta tese foi superabundantemente demonstrada: Qu’est-se que la Proprieté? (Lettre à M. Blanqui, Paris, 1841.)Para que o povo subsista e a sociedade dure, é preciso centralizar o comércio, a agricultura e a indústria; proporcionar a produção às necessidades... é preciso regulamentar a fábrica, policiar o mercado, converter em imposto o rendimento do capitalista, republicanizar a propriedade... A agricultura, o comércio e a indústria devem ser centralizados como a administração... nunca o trábalho... organizado pelo Estado. (Créat. de l’O., 1843, cap. V.)Evolução das leis económicas: Constituição progressiva da sociedade.Referimo-nos à história no passado... Mesmo, agora, expô-la-emos no futuro... Há leis que nos conduzem segundo uma linha... Podemos determinar a forma geral da sociedade... porque na concepção do trabalho, nas suas transformações e nas suas leis, a economia política, não são dados o possível, e o real, a ordem e a anomalia. (Créat. de l’O., cap. VI.)Os homens que observavam com atenção o movimento económico... faziam realçar... a incoerência dos elementos sociais, e mostravam o seu antagonismo e as suas inumeráveis contradições... Era a anarquia industrial.Uma tal situação... diziam eles... deve conduzir fatalmente... a uma feudalidade industrial... À feudalidade industrial... deve suceder, segundo as leis das antinomias históricas, uma democracia industrial, resultado este da oposição dos termos... qual sera o agente desta revolução?... A história ainda no-lo revela: entre a antiga feudalidade e a Revolução, houve, como regime transitório, o despotismo.Entre a nova feudalidade e a liquidação, teremos um Império industrial. (Man. dun Spéc.)Depois de termos determinado... as leis do trabalho, mostrámos as suas manifestações espontâneas e as suas aplicações na história... A ordem cria-se, na humanidade, pelo conhecimento que o ser oclectivo adquire das suas leis... O trabalho, considerado sinteticamente nas leis da produção e da organização, cria a justiça... (Créat. de l’O., cap. V.)c) O justicialismo histórico:história, idealização do ser colectivoQual é então esse movimento pelo qual o livre arbítrio, conduzindo ao mesmo tempo à manifestação e à idealilzaçõo do ser social cria a história e o destino? (Justice, Consc. et Liberté.)Independentemente das evoluções orgânicas constatadas, em que todas realçam necessidades da natureza, da nossa constituição intelectual e social... existe na humanidade um movimento mais profundo, que abrange todos os outros e os modifica: este movimento é o da Liberdade e da Justiça. (Justice, Progrès et Décadence.)Objecção: A história da espécie humana demonstra um fatalismo ou providencialismo... o nome não interessa...Resposta: A objecção não tem valor... sem dúvida que a necessidade desempenha um papel nas evoluções da humanidade, não é um trabalho medlocre fazer a sua determinação, os historiadores-filósofos estão ai para isso; mas o livre arbítrio tem também a sua participação...A liberdade apoiasse na necessidade... esta antinomia não é uma objecção, mas uma prova...A liberdade é, na emergência... a necessidade... em retrogradação... Estabelecida sobre o antagonismo... a humanidade triunfa incessantemente sobre a fatalidade das coísas e sobre a fatalidade do seu organismo... Esta liberdade sincera... é conf irmada pela história e pela justiça que podemos definir a primeira como a evolução da liberdade e a segunda como o pacto que a liberdade faz consigo própria.A ordem social, tal como a quer a justiça e como a pretende o livre arbítrio, não é um organismo, um sistema, mas o pacto da liberdade: a sua equação de pessoa a pessoa, o que permite... a maior variedade de combinações, a maior independência dos indivíduos e dos grupos...Para o homem, o livre arbítrio mostra-se tanto mais enérgico quanto os elementos que o criam são, eles próprios, mais desenvolvidos em poder: filosofia, ciências, indústria, economia, direito. É por isso que a história, redutível a sistema, pelo seu lado fatal, se mostra progressiva, idealista, superior a qualquer teoria, pelo lado do livre arbítrio... A filosofia da história, a razão das coisas... é impotente... para explicar a sua totalidade... (Justice, Liberté et Conscience.)2. - O PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO DA JUSTIÇA,A. O progresso, movimento da justiça e da liberdade O progresso é a mesma coisa que a justiça e a liberdade, consideradas no seu movimento através dos séculos... Uma teoria do progresso, para ser completa e verdadeira, deve... tomar como ponto de partida a liberdade e a justiça e dai propagar-se a todas as faculdades do homem colectivo e individual...Mostrar o progresso libertado de toda a fatalidade, como o livre arbítrio e a justiça...Enfim, dar a explicação de todas as decadências e retrogradações sociais. (Justice, Progrès et Décadence.)O vulgo, a maior parte dos sábios ou dos ignorantes, entende o progresso num sentido completamente utilitário e material. Acumulação de descobertas, multiplicação de máquinas, crescimento do bem-estar geral, a máxima extensão do ensino e melhoramento dos métodos... numa palavra: aumento da riqueza material e moral e participação de um número de homens cada vez maior nos prazeres da fortuna e do espírito: tal é para eles, pouco mais ou menos, o progresso. Infalivelmente, isso também é progresso... mas do progresso tudo isso só nos dá uma expressão restrita ... como direi? Um produto... (Philos. du Progrès.)O progresso é, antes de tudo, um fenômeno de ordem moral, cujo movimento irradia em seguida, quer para o bem, quer para o mal, sobre todas as faculdades do ser humano, colectivo e individual. Esta irradiação da consciência pode ser levada a cabo de duas maneiras, conforme seguir a via da virtude ou a do pecado. No primeiro caso, chamo-lhe justificação ou aprefeiçoamento da humanidade por si própria; tem c:omo efeito fazer crescer indefinidamente a humanidade em liberdade e em justiça; consequentemente, desenvolver cada vez mais a sua força, as suas faculdades e os seus meios, e consequentemente elevá-la acima do que nela há de fatal: é nisto que consiste o progresso. No segundo caso, chamo ao movimento da consciência corrupção ou dissolução da humanidade por si própria, manifestada pela perda sucessiva dos costumes, da liberdade, do gênio, pela diminuição da coragem, da fé, pelo empobrecimento das raças, ete. É a decadência. Nos dois casos, digo que a humanidade se aperfeiçoa ou se destrói a si própria, porque neste caso tudo depende, exclusivamente, da consciência e da liberdade de modo que o movimento, tendo na justiça a sua base de operação e na liberdade a sua força motriz, já não pode conservar nada de fatal...Sendo a justiça, como disse, o pacto da liberdade, consiste o seu movimento numa série de mudanças, sucessivamente produzidas ou anuladas, entre um número maior ou menor de pessoas e relativamente a um maior ou menor número de objectos. É claro que este movimento, livre no seu principio, livre nos seus motivos, é independente das leis orgânicas ou fatalidades da natureza. Ele é ad libitum totalmente facultativo, podendo, à medida do livre arbítrio, precipitar-se, retardar-se, interromper-se, retrogradar, renascer. No momento em que uma necessidade se deixe perceber no movimento social, pode dizer-se, a priori, que ela é estranha ao progresso.Esta concepção geral da marcha da justiça permitir-nos-á ter em conta a multiplicidade dos acidentes, hesitações, atrasos e decadências que abundam na história da humanidade, diante dos quais, os teóricos vulgares do progresso fecham bravamente os olhos, a exemplo de Hegel, que só olhava para o conjunto e negligenciava o pormenor, um pormenor que afecta milhares de gerações e milhares de milhões de homens!...Fixado deste modo o problema... nada de mais fácil de conceber que o seu avanço; a dificuldade real, a única dificuldade, reside no recuo. (Justice, Progrès et Décadence.)B. A liberdades motor de progresso ou de decadênciaO que é então que, por momentos, entrava a justiça ?Em duas palavras: como é que a humanidade, capaz, pela energia da sua consciência, de se engrandecer, em certas alturas, no bem, pode, em seguida, sucumbir voluntariamente no mal?...Acusar aqui as instituições, o governo, seria pueril. Por que razão são estabelecidos as instituições e as leis? Pela razão do direito, sem dúvida. Então como é que a mesma razão não basta para corrigir os costumes, logo que seja reconhecido o defeito latente? Como é que o poder, cada vez mais prevaricador, é consentido? A justiça é a primeira lei do homem, ora, nenhum animal desrespeita o seu instinto: como é que o homem pode não cumprir a sua lei?...O progresso... conforme a noção da justiça e conforme os factos, não é só possível: ele é o estado natural da humanidade. Donde, é preciso concluir que, se apesar disso, o progresso for suspenso, se ele próprio mudar para retrogradação, a causa não pode vir senão dum principio capaz de provocar violência ou ilusão à consciência.Qual é essa causa?A natureza? Perante a consciência, a natureza é positiva; ainda mais: vimos que, tratando-se da justiça distributiva e das leis naturais da economia, a natureza está de acordo com a justiça...A única força capaz de pôr em situação critica a justiça é a liberdade. De que maneira? É o que vamos investigar imediatamente. Deste modo, depois de termos apresentado a liberdade como a força motriz do direito, somos conduzidos, por uma rigorosa indução, a assinalá-la perante o seu obstáculo...Que a liberdade possa resistir ao apelo da consciência, tal como às influências da fatalidade, nada há nisso que nos deva escandalizar, porque, doutro modo, a liberdade deixaria de o ser, e a nossa moralidade desvanecer-se-ia...A questão está, neste caso, em perguntar como é que a liberdade, que só persegue o seu proveito, chega a separar-se da justiça, que é o seu pacto... que não é outra coisa senão a liberdade, mas a liberdade dualizada, socializada, multiplicada ao infinito pela força do grupo social. (Justice, Progrès et Décadence.)C. O progresso, pela justiça idealizadaPara compreender bem de que maneira o homem é inclinado para o mal... é preciso, antes de tudo, ter compreendido bem por qual influência ele é inclinado para o bem e impelido para a justificação...No caso... em que o homem é colocado entre um interesse puramente pessoal, mas imediato e considerável, e a justiça - isto é, o interesse colectivo, que é, ao mesmo tempo, o seu interesse habitual e bem compreendido - como preferirá este, se ele não é determinado por outras considerações senão as do cálculo?...É pois preciso um novo appoint... Qual será então esta influência determinante, capaz de dar superioridade à justiça... Quanto a nós... é o ideal, que já anteriormente reconhecemos... como sendo o carácter, a prerrogativa, a função e o produto da liberdade...A própria justiça está submetida a esta acção da liberdade.A justiça sem ideal parece defeituosa e falsa...Esta idealidade... enquanto que em nada a obscurece, assegura o seu triunfo. De modo que a consciência, no homem, obedece a um triplo impulso: ao interesse geral, que é, ao mesmo tempo, o nosso, mas que não se mostra sempre de acordo com o egoísmo; ao sentimento de sociabilidade, a mais constante das nossas afecções, ainda que não seja sempre a mais vemente; à justiça idealizada pelo livre arbítrio enfim, o homem em posse do belo moral pela justiça, deve sair vencedor da tentação. (Justice, Progrès et Décadence.)D. O idealismo, factor de decadênciaMostrámos como o homem é levado à justiça...É por um movimento inverso... que o homem abandona a lei... Então, acontece que a sociedade tende para a decadência, e só se pode recompor por uma revolução...Se o livre arbítrio ultrapassa a natureza, ele não a cria, supõe-na; só produz o seu ideal, sobre o fundamento duma realidade certa... O ideal, ainda que ultrapasse a razão das coisas, não existe nesta razão; ainda mais, ele é-lhe proporcional.Mas falta muito para que o nosso conhecimento da justiça caminhe tão depressa como o requeriria a necessidade da nossa imaginação e, consequentemente, a segurança da nossa consciência; falta muito, digo, para que a política, a economia política... a pedagogia, a filosofia, a moral, se nos revelem com esta rapidez e este rigor de intuição, consequentemente que provoquem esta força de ideal, das quais dependem a salvação dos costumes e a ordem das sociedades. Causas numerosas, complexas, atrasam em nós a razão prática e rebaixam o ideal.Antes de tudo, ao homem... repugna a mudança...O princípio de todas as retrogradações sociais está na separação, mais ou menos fortuita, do que o homem possui em si de mais elevado, o justo e o ideal...Onde a justiça permanecer preponderante, o progresso será contínuo... Muitas vezes, pelo contrário... a justiça é, por assim dizer, suplantada no coração humano pelo ideal... Avaliação da qualidade das coisas... o erro é tomá-lo, a ele próprio, para razão, princípio e substância das coisas...Produto da liberdade, o ideal, pela sua natureza, ultrapassa toda a lógica e todo o empirismo: haverá uma razão para subordinar a ele a lógica e a experiência? Longe disso, o ideal não se mantém a si próprio, não caminha e não cresce senão pelo conhecimento cada vez mais perfeito da razão das coisas.O ideal, transformando em nós o instinto obscuro de sociabilidade, eleva-nos à excelência da justiça: haverá razão para tomarmos as nossas idealidades políticas e sociais para fórmulas de juizo? Pelo contrário, esta justiça ideal é, ela própria, o produto da determinação, cada vez mais exacta, das relações sociais, observadas na objectividade económica. Não é o ideal quem produz as ideias, ele depura-as; não é ele que cria a riqueza, que ensina o trabalho, que distribui os serviços, que pondera as forças e os poderes, que nos pode dirigir na descoberta da verdade e mostrar-nos as leis da justiça; ele é radicalmente incapaz disso, em tal ponto, só serve de embaraço, só cria o erro. Mas, uma vez organizado o trabalho, criada a riqueza, constituído o Estado, feita a ciência, definido o direito, o ideal aparece no seio de todas estas criações, como sua eflorescêneia.Ora, naquilo em que o ideal é impotente, pela sua natureza, a dar - quero dizer, a solução dos problemas sociais, as regras da razão prática e as leis da natureza - o homem, pelo efeito da tentação que assinalámos, obstina-se em pedir-lho; e é este recurso ao ideal, é esta idolatria que, mesmo sustentando durante algum tempo a sociedade (mas convertendo-se, no final, em puro egoísmo) constitui, quanto a mim, a verdadeira causa das retrogradações sociais...A doutrina do progresos resume-se, deste modo, a duas proposições, das quais é fácil constatar historicamente a verdade:Toda a sociedade progride pelo trabalho, pela ciência e pelo direito, idealizados;Toda a sociedade retrocede pela preponderância do ideal... o idealismo.Eis toda a teoria do progresso: uma teoria da origem do mal moral, ou da causa que detém e faz retroceder o homem na justiça-e, por conseguinte, em todas as suas faculdades-causa que se explica pela cisão entre as duas forças superiores da alma: o direito e o ideal.Falando com propriedade, não há teoria do progresso, porque o progresso é dado pelo facto de o homem possuir a justiça, ser inteligente e livre, e a sua habilidade, como a sua ciência, ser ilimitada. Só há uma teoria... da retrogradação ... (Justice, Prog. et Décadence.)