Sunday, January 21, 2007

A Federação das Nações como Alternativa à Mundialização

Se nos interessarmos ao problema da mundialização em Proudhon, é necessário referirmo-nos ao Sistema das contradições Económicas, no capítulo intitulado “A Balança do comércio”. A perfectibilidade progressiva da Humanidade é aí mencionada como o fundamento último da necessidade da liberdade do comércio:
“Vamos direitos ao fundo da questão: a humanidade é progressiva; é aí o seu traço distintivo, o seu carácter essencial. Por conseguinte o regime celular era inaplicável à humanidade e o comércio internacional era a condição primeira, e sina qua non, da nossa perfectibilidade.
Do mesmo modo que o simples trabalhador, cada nação tem necessidade de mudança: é deste modo que ela se eleva em riqueza, inteligência e dignidade. Tudo o que dissemos da constituição do valor entre os membros duma mesma sociedade é igualmente verdadeiro entre as sociedades . O comércio entre nações deve ser o mais livre possível, a fim que nenhuma sociedade não seja excomungada do género humano.
Uma prova não menos conclusiva da necessidade do comércio livre deduz-se da liberdade individual . segundo o princípio da apropriação individual e da igualdade civil, a lei não reconhece nenhuma solidariedade (nacional) de produtor a produtor, não mais que de empregador a assalariado, nenhum explorador tem o direito de reclamar, a subordinação ou a opressão dos outros monopólios.”
Respeitando este texto, notaremos em primeiro lugar lado a lado duas linhas de argumentação, uma nacional - federal, outra individualista; portanto, não foi tomado nenhum cálculo, o que é bastante surpreendente, se o sonho do Proudhon teórico é a força colectiva. Os indivíduos como as nações são membros particulares da humanidade enquanto totalidade, as nações sendo membros colectivos. Segundo estas duas linhas de
argumentação, podemos dizer: “Em resumo, a teoria do comércio internacional não é que uma extensão da teoria da concorrência entre os particulares”. Em virtude desta teoria, os actores da economia, quer se trate de indivíduos ou de nações, são perfeitamente independentes e não solidários. Isto significa que uma tendência à desolidarização está emanente à liberdade do comércio:
“Não é coisa evidente, que a liberdade do comércio, ao suprimir todo o entrave às comunicações e às trocas, rende por isso o campo mais livre a todos os antagonismos, sendo o domínio do capital, generaliza a concorrência, faz da miséria de cada nação, do mesmo modo que da sua aristocracia financeira, uma coisa cosmopolita, donde a vasta rede, doravante sem cortes nem soluções de continuidade, abraça nas suas malhas solidárias a totalidade da espécie.”
A liberdade do comércio degenera num “sistema de monopólios engrenados”. Proudhon põe o acento sobre o facto que:
“a liberdade absoluta do comércio, com a manutenção dos monopólios nacionais e individuais, não somente não é uma causa de riqueza, pois que com uma parecida liberdade o equilíbrio entre as nações é destruída, e que sem o equilíbrio não há verdadeira riqueza; mas ainda uma causa de enriquecimento e de penúria. O equilíbrio uma vez rompido, a subversão faz-se sentir de todas as partes.”
A desigualdade das trocas arruina não somente as nações que vendem, mas também as que compram, pois “a miséria reage contra o seu autor; o povo mais forte acaba por ser o mais pressionado”. Resultado: “as nacionalidades são sacrificadas sobre o altar do privilégio: eis, o que nós fizemos realçar, com uma evidência irresistível, da teoria do livre comércio”. Isto significa que a ideia do livre comércio, como qualquer outra ideia que depende da economia, não escapa à antinomia. Com efeito, esta ideia pode não ser aplicada tanto tempo que a liberdade permanece indeterminada e que o “livre comércio é exercido em condições desfavoráveis”, “sem causar imensos desastres sem render improdutivos de enormes capitais, sem tirar o pão e o trabalho de centenas de milhar de operários, sem matar a metade da construção dum país”. “É o comércio que cria tudo por sua vez a riqueza e a desigualdade das fortunas; é pelo comércio que a opulência e o pauperismo estão em contínuo progresso”. Se tivermos em conta o mercado mundial da finança e da dinâmica da globalização actual, a antinomia torna-se mais aguçada.
“Até ao que uma reforma radical na organização industrial, todos os valores produzidos foram constituídos e determinados como a moeda, o dinheiro conserva a sua realeza, e é dele unicamente que podemos dizer que acumular riqueza é acumular poder.
A análise de Proudhon mostra “como a liberdade, mais obtém de latitude, mais ela se torna para as nações que se dedicam ao comércio uma causa nova de opressão e de banditismo”. O que significa que cada vez mais se baixa a latitude à liberdade, menos as leis gerais do mercado constituem “o exercício da solidariedade industrial: é uma espoliação”. Como consequências da globalização, em particular da “realeza financeira”, “causa de enriquecimento e de miséria”, tem classificação independentemente: “o fenómeno tão importante da subalternização dos povos”, “o fenómeno de submissão e de dependência” “a dominação estrangeira e a pobreza”, “uma espoliação exercida de viva força”, a repartição no interior das nações “em nobres e servas”, o abandono dos operários à mercê do capital”, a prostituição da pátria pelo Estado endividado, face à “aristocracia banqueira da Europa” ou ao capital internacional, mais concretamente hoje em dia face ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, o desbarato “da independência do país”: “as nacionalidades sacrificadas sobre o altar do privilégio: eis, o que nós fizemos ressaltar, com uma evidência irresistível, da teoria do livre comércio”.
Neste estádio surge a questão decisiva que podemos endereçar ao conjunto da teoria de Proudhon enquanto teoria da liberdade, que se sucede na história da filosofia:
“Sem dúvida a liberdade, para os indivíduos, como para as nações, implica a igualdade; mas é somente quando ela se define, logo que ela recebe da lei a sua forma e o seu poder, e não tanto fica abandonada á sua sorte, desprovida de toda a determinação, como existe no insociável.”
Quais são os princípios da determinação da liberdade, suprimindo a anarquia que lhe é imanente. Proudhon não pode satisfazer a sua exigência de fornecer “as bases duma verdadeira associação entre os povos” que mostrando os princípios de determinação, fonte de relação e de harmonia, de solidariedade e de federalismo entre forças livres, irredutivelmente antagonistas; pois, sem estes princípios, as relações dramaticamente dialécticas da liberdade não seriam unicamente irredutivelmente antagonistas, mas antinómicas, bem mais: contraditórias, fatalistas e trágicas.
“Para que a lei do trabalho, a igualdade na mudança, se realize sinceramente, é necessário que as contradições económicas sejam totalmente resolvidas; o que significa, que fora da associação, a liberdade do comércio não é mais que a tirania da força.”
A antinomia, que convém distinguir do antagonismo inultrapassável das forças da liberdade e “que a análise descobre no fundo de toda a simples ideia”, é duma parte o signo “na dianteira da verdade, à qual fornece por assim dizer a matéria”, quer dizer que oferece o contexto que a verdade tem a determinar; ela própria portanto “não é a verdade, e, considerada nela própria ela é a causa eficiente da desordem, a forma própria da mentira e do mal”. Conduz infalivelmente à contradição, desde que se ignore o seu carácter anticipador, assim que a necessidade que ela tem de determinação e de conciliação. Deste modo, “a contradição é sempre sinónimo de nulidade”.
Para determinar se Proudhon traz uma resposta satisfatória a esta questão primordial, e na qual medida ele o faz, seria necessário se apoiar na sua teoria da verdade, a qual reside todavia num domínio largamente inexplorado nos estudos proudhonianos. Como a investigação o mostrou, há muito tempo, Proudhon transforma a doutrina kantiana das antinomias, compreendida como uma dialéctica da ilusão, numa dialéctica do conhecimento económico e do progresso. As investigações sobre Proudhon reconheceram que o Sistema das Contradições é muito próximo do modelo hegeliano da dialéctica da história.
Para sublinhar a importância fundamental deste problema, relembramos a solução proposta por Fitche no Estado Comercial Fechado. Se a solução proposta por Fitche assenta sobre as premissas do estado de direito, e de Proudhon funda-se sobre a ideia do direito social. Na concepção proudhoniana do direito social, há uma ideia que recebe uma significação particular a respeito da problemática da liberdade tornada explícita: a ideia da “medida ou proporção dos valores”, “a teoria da proporcionalidade dos valores”. “A teoria da medida ou da proporcionalidade dos valores é, tomando cuidado, a teoria mesma da igualdade”. Esta teoria é, para Proudhon, “o ponto de partida da economia política”, “ a pedra angular do edifício económico, o objecto e o fim da economia política”. Proudhon desenvolve esta teoria no primeiro tomo das Contradições, no capítulo intitulado “Do valor”, que fixa a medida e confere por isso a legitimidade, a verdade e norma ao valor, é “uma lei de proporcionalidade variável, mas certa”. Se reportarmos esta lei ao conceito de harmonia e de função, a sua significação torna-se clara. Proudhon sustém a ideia: “quem diz harmonia ou acordo, com efeito, supõe necessariamente termos em oposição”. O conceito de função, que os gregos tinham inventado, para procurar a realidade nas suas proporções harmónicas, é “simplesmente a noção de duas quantidades que variam proporcionalmente sem cessar de serem ligadas por uma relação fixa.”
Deste modo, para Proudhon,
“a riqueza é como uma massa sustentada por uma força química em permanente estado de composição, e na qual elementos novos, entrando sem cessar, se combinam em proporções diferentes, mas segundo uma certa lei: o valor é a relação proporcional ( a medida) segundo a qual cada um destes elementos faz parte do todo.”
A proporcionalidade é a lei à qual estão submetidos as relações de valor económico sempre em mudança: “a lei seguindo aquela que os produz se proporcionam na riqueza social”. Na Justiça, Proudhon acrescenta:
“As funções sociais encadeiam-se por laços tão íntimos, tocam-se e interpenetram-se pelos lados, que o exercício de cada um supõe sempre o conhecimento, pelo menos geral e sumário, de vários outros.”
Na minha opinião, a partir de Heraclito que convém interpretar o conceito proudhoniano de relação no Sistema das Contradições. Proudhon admite com efeito como Heraclito “que há uma relação interna entre uma parte a doutrina dos contrários e o conceito de medida, e doutra parte, o conceito de proporção. A minha tese, que a harmonia escondida de Heraclito, mais poderosa que a harmonia visível, corresponde a harmonia universal proudhoniana se vê fortalecida, na minha opinião, pelos desenvolvimentos seguintes de P. Haubtmann: “personalidade individual” e “personalidade colectiva”, as duas produzem mutuamente, tais são, segundo o seu esquema, os dois pólos da realidade social. De modo que o problema subjacente ao conjunto da sua filosofia social, é o da harmonia, do acordo íntimo, dirá da identidade destas duas soberanias, uma e outra inalienáveis”. A doutrina dos contrários em Heraclito e Proudhon encontra bem suspenso no segundo e terceiro princípio do Fundamento da Doutrina da Ciência de Fitche. Este ponto é particularmente importante para a minha contribuição: o socialismo heraclito-platónico de Proudhon poderia ser assim caracterizado como um socialismo fitchiano, não certamente o socialismo de Estado de Fitche, mas a ideia do direito social que Gurvitch desenvolveu e à qual Haubtmann reenvia constantemente. A ideia do direito social de Proudhon e toda a sua filosofia prática correspondem em maior número à Doutrina da Ciência de Fitche que à teoria fitchiana do Estado do direito do estadismo jurídico.
A significação desta lei da proporcionalidade não se compreende plenamente a não ser que tomemos em linha de conta que a ciência social e económica de Proudhon significa uma mudança de paradigma para a filosofia: “ a ciência económica, é a metafísica em acção”, “a metafísica in concreto “, “a realização da metafísica”, “ isso muda radicalmente as bases da antiga filosofia”. Heinrich Rombach estudou esta mudança de paradigma na sua obra : Substância, Sistema, Estrutura. A Ontologia do Funcionalismo e o lado Filosófico da Ciência Moderna. Esta mudança consiste em que os conceitos “função e papel”, “estrutura e sistema”, “relação e rendimento” mudando o conceito aristotélico de “substância” e as concepções do mundo e da sociedade, erguido duma ontologia da substância de tradição aristotélica e escolástica. “A mudança da substância à função é um processo o mais radical possível”.
Lembremo-nos que Proudhon determina o valor por “uma lei de proporcionalidade variável, mas certa”.
Se interpretarmos as concepções de Proudhon à luz desta mudança de paradigma, quer dizer seja com categorias funcionais, estruturais e sistémicas, seja com as categorias sobressaindo duma ontologia da estrutura, em vez e lugar de categorias sobressaindo duma ontologia da substância ou ainda de categorias empirico-positivistas, certas contradições e antinomias aparentemente insolúveis da sua dialéctica “ideo-realista”, ou “dialéctica pragmatista da humanidade”, que corresponde a esta ontologia, se resolvam. Em particular, o laço especificamente proudhoniano que Haubtmann estabelece entre “vitalismo” e “platonismo”, num socialismo platónico, pode ser corroborado: “o seu economismo”, o seu “platonismo”, o seu “realismo”, se conjugam nele com o seu moralismo. “Vitalismo” e “platonismo” marcam passo nele ao par”.
A lei da proporcionalidade corresponde à lei espiritual da liberdade do homem, pois o trabalho, enquanto manifestação da liberdade é a força que produz a proporcionalidade: “Suponho portanto uma força que combina, nas proporções certas, os elementos da riqueza, e que faz um todo homogéneo”. O recurso perpétuo de Proudhon ao trabalho enquanto princípio de proporcionalidade nas relações de troca não é ao fim de contas do mesmo modo que tautológico, pois o trabalho como força tem, como a liberdade necessidade de determinação. Tem lugar, desde daí, perguntar onde os trabalhadores independentes e não solidários colocam a força de conciliar os seus interesses, sem um princípio de solidariedade que não seja puramente formal e funcional. Não permanecem eles invariavelmente submetidos à fatalidade económica, que só ela deveria ser capaz de reprimir o egoísmo?
A resposta de Proudhon a esta questão é a sua concepção duma moral realista de que as bases são as faculdades humanas. O fundamento do pensamento de Proudhon e da sua filosofia prática não é, como em Marx, a classes dos trabalhadores e a relação de classe, mas o trabalho como faculdade humana, como prática individual e social do mesmo modo que a razão e a justiça emanente à sua relação. Tudo como o trabalho, a justiça é uma faculdade suprema do homem, que pode manifestar-se em todas as suas faculdades e actividades tanto individuais como sociais e procura fazê-lo. Como consequência, a moral não é somente “uma coisa noológica”. O que Proudhon pretende salvar, é uma concepção realista da moral: no fundo, está na via que conduzirá brevemente a insistir fortemente sobre a realidade da consciência, esta “faculdade suprema” à qual suboedina todas as outras”. “A justiça vence deste modo o egoísmo”, por ela, o homem “traz no seu coração o princípio duma moralidade superior ao seu indivíduo”. “Pela Justiça cada um de nós se sente por sua vez como pessoa e colectividade, indivíduo e família, cidadão e povo, homem e humanidade”
A flutuabilidade do valor que toma a sua origem na opinião, obedece a uma lei, a lei da proporcionalidade: “como a liberdade do homem tem a sua fé, o valor deve ter a sua”. O princípio desta lei da proporcionalidade, a medida da duração do trabalho, “é essencialmente móvel”, dinâmico, progressivo. O resultado deste princípio progressivo e dinâmico tem como efeito restabelecer o equilíbrio da relação de uso e de mudança ou de opinião, perturbada pela raridade do valor e a opinião, e consequência necessária, de transformar a utilidade natural que, apropriada ou não, permanece vaga, numa utilidade social e tangível. “Não é a utilidade gratuita da natureza que devo pagar, é o trabalho! Tal é a lei da economia social, lei ainda pouco conhecida"” "“ o trabalho que faz o valor, não, a oferta e a procura; é o trabalho que deve pagar-se e mudar-se não a utilidade gratuita do solo"” Pois a “associação e a solidariedade consentida entre os produtores de todos os países” significa para Proudhon “comunidade dos dons da natureza e mudança somente dos produtos do trabalho”.
Deste modo o valor é flutuante, enquanto que a lei da proporcionalidade é imutável, mesmo se o princípio desta lei imutável, o trabalho, a prática produtiva, é móvel. A lei da proporcionalidade constitui o meio e o ponto de mediação imutável entre o trabalho, como princípio flutuante, e os seus produtos do mesmo modo que as suas relações em mudança.
A riqueza e a prosperidade da sociedade que se constitui pela divisão do trabalho e a mudança não reside somente na quantidade e na qualidade dos produtos que ela fabrica, mas antes de tudo na sua proporcionalidade, que confere ao trabalho do homem utilidade, harmonia, verdade e justiça. “Na sociedade a justiça não é outra coisa que a proporcionalidade dos valores”. Esta lei não age entretanto automaticamente como uma lei natural; as forças sociais antagónicas, que interagem em relação de acção recíproca, podem apropriar-se desta lei, devem-no e fá-lo-ão, isto na prática enquanto processo de experiência e de educação, no qual a proporcionalidade será confortada como “princípio de vida e de inteligência”, fonte de ordem. “Deste modo, a lei traz nela própria a sua sanção: ela não pode ser violada, sem que o infractor seja igualmente punido”: “a nossa lei da proporcionalidade é portanto por sua vez física e lógica, objectiva e subjectiva; tem o mais alto grau de certeza”. A lei é qualquer coisa que determina objectivamente as relações de mudança e que, como tal, pune os sujeitos que a violam. Deve todavia ser compreendida, admitida; Devem apropriar-se. Segue-se que “a responsabilidade do produtor” é a sua garantia e a sua sanção. “A responsabilidade existe, pelo menos virtual, em todas as partes do corpo social; não se trata mais de a proclamar e de a tornar eficaz e regular”. “Quer dizer que o homem não se aperfeiçoa, não se civiliza, não se humaniza que pelo socorro incessante da experiência, pela indústria, a ciência e a arte, pelo prazer e a pena, numa palavra por todos os exercícios do corpo e do espírito”.
A política, como domínio autónomo, e as ideias de federação e de nação, como ideias essencialmente políticas, não tomam progressivamente significação que durante os últimos anos de produção de Proudhon, entre 1850 e 1852, pelos quais, como demonstrou Bernard Voyenne na obra Le Fédéralisme de Proudhon “ é o federalismo universal, garantia suprema de toda a liberdade e de todo o direito”, que prevalece. A ideia federal é duplamente universal. Primeiramente, ela é válida para todos os domínios da sociedade. Secundariamente, ela é duma importância constitutiva não somente no plano regional e nacional, mas igualmente internacional, para a política interior e exterior.
Proudhon tomará consciência da nacionalidade como realidade política positiva por ocasião das suas reflexões sobre um assunto de actualidade que interessa particularmente a guerra do Sonderbund. “Este problema das nacionalidades é, certamente, decisivo na reflexão proudhoniana. É a partir daí, com efeito, que Proudhon compreendeu os limites do seu racionalismo económico”.(B.V.) Acaba por o reconhecer: “Antes de qualquer outro, bem mais que outros, inclino-me diante do princípio de nacionalidade como diante do da família”. Ao mesmo tempo, à medida que envelhece, reconhece a importância do grupo onde o homem se sente integrado. Às relações recíprocas entre indivíduos, substitui aqui as relações recíprocas entre grupos. Introduz deste modo a noção de federalismo. A federação deve unir os grupos sem os absorver”. M.A.) redefine também a relação entre economia e política: uma relação de correspondência e de dependência recíproca.
Na base desta redefinição da relação entre político e economia, podemos, do meu ponto de vista, reconsiderar o problema da globalização, vista a partir duma perspectiva proudhoniana, segundo dois pontos de vista. Segundo uma argumentação provisória pragmática e funcional, podemos apoiar-nos na tese proudhoniana da propriedade privada capitalista, como contrapoder ao poder de estado centralizador e absolutista. Por outro lado se virarmos do avesso esta tese, e admitirmos que estados nacionais centralizadores e, potencialmente coligações e alianças de estados nacionais, podem também formar um contrapoder à dominação global do capital. A finalidade duma tal estratégia poderia no melhor dos casos formar um contrapoder puramente mecânico aos poderes económicos capitalistas. Proudhon não recorre a esta estratégia. Como sabemos, a sua crítica do político é dirigida antes de tudo contra o Estado centralizador. Insiste em particular sobre o seguinte ponto: “englobamos num mesmo círculo populações distintas e sob o nome de unidade organizamos a extinção das nacionalidades”. A estratégia dum Estado centralizador e nacional como contrapoder à globalização capitalista é com efeito problemática, pois as nacionalidades são neste caso ameaçadas por um duplo imperialismo, o imperialismo globalizante do capital e o imperialismo estadual.
Proudhon não procura estabelecer o equilíbrio dos poderes absolutistas, mas a transformá-los, e através disso a suprimir o seu absolutismo e a alcançar um equilíbrio criativo e justo das forças e poderes transformados. A ideia da transformação, como sabemos, é a ideia central da teoria proudhoniana da paz. Se nos apoiarmos sobre esta ideia teoria e os desenvolvimentos de Proudhonno Princípio Federativo, a ordem económica mutualista e a constituição federal duma república condicionam-se reciprocamente. Em relação à concepção proudhoniana de nação, isto significa que “não há nação válida a não ser que a justiça reine entre os indivíduos”. Pois “a política deve fundir-se também sobre a economia política, quer dizer sobre o estado da civilização”. Proudhon vai fazer depender a questão de saber se um povo merece ser reconhecido como nação da sua inteligência revolucionária e da sua capacidade em prosseguir uma política que a isso responda. É por esta razão que recusa às nações polaca e hungara, de regime aristocrático, a questão de nação.
Recusa do mesmo modo à burguesia italiana a qualidade de nação, pois ela não “considera a unificação italiana a não ser um meio mais certo para explorar o povo”.(M.A.)
A política proudhoniana de “reorganização da Europa inteira”, da qual a orientação fundamental, como o demonstrou Madeleine Amondruz, é o equilíbrio europeu, gira à volta da questão das nacionalidades, quer dizer concretamente à volta dos problemas ligados à unificação da Itália e da Alemanha, do mesmo modo que à restauração da nação polaca e hungara, de regime aristocrático, como estados soberanos. Rejeita toda solução à questão das nacionalidades que poderia perturbar o equilíbrio político europeu.
A concepção proudhoniana duma política de equilíbrio europeu não me parece isenta de contradições: fundamentalmente orientados para o equilíbrio europeu, os Tratados de 1815 são “a única base da nossa política estrangeira”. O equilíbrio europeu estabelecido por estes tratados, concedeu à Europa do alto e do exterior, mais particularmente pela Grã-Bretanha, com a ajuda de Metternich, é um equilíbrio de grandes potências dirigidas por príncipes. Segundo os princípios do pensamento proudhoniano, este equilíbrio deveria entretanto ser um equilíbrio constituído pelos povos e nações europeias elas próprias, como expressão duma política de “criação de ordem”. Esta contradição é, verdadeiramente, atenuada pelo facto que Proudhon exige a transformação do equilíbrio europeu estabelecido pelos tratados de 1815, com o auxílio da constituição, da federação interna ao estado e da federação entre os Estados. Uma das razões decisivas que motivaram Proudhon na sua polémica contra os partidários dos movimentos nacionais de unificação da Itália e da Alemanha foi a sua fé de ver ameaçada a França, que pensava ser o país mais progressista. “Eis a França rodeada de inimigos”. “Enquanto que a Espanha nos ameaça pelas costas, a Inglaterra, a Bélgica e a Holanda pela frente, a Alemanha, a Austria e a Rússia pelos flancos, a Itália atira-se às pernas”. Deveríamos perguntar a Proudhon, que não é consciente que o equilíbrio continental europeu posto em causa pela potência mundial que é a Inglaterra, visa à manutenção da sua hegemonia. Para contrabalançar num plano europeu este desiquilíbrio, agravado pela Holanda, a Bélgica e Portugal, pdíamos pensar que a unidade da Itália e da Alemanha, do mesmo modo que a federação dos Estados da Europa continental apresenta-se como sendo uma necessidade política e não uma ameaça contra a França. Proudhon esqueceu completamente a sua veemente polémica, no Sistema das Contradições Económicas, contra o sistema inglês do livre mercado e o seu imperialismo, e, nas suas Reflexões, a sua polémica dizendo respeito à necessidade do bloco continental colocado por Napoleão. O seu patriotismo obstinou-o ao ponto de não ver mais o desiquilíbrio global?
O federalismo universal de Proudhon, enquanto que federação de federações é um sistema que garante a “liberdade na ordem e a independência na unidade”, uma república federativa correspondente à economia de mercado mutualista livre. Nesta estrutura federal, um lugar de escolha regressa às federações nacionais, enquanto que federações de federações regionais e locais, e à federação das federações nacionais.
“Quando Proudhon pensa numa federação europeia, não visualiza uma federação de estados europeus, mas uma federação de federações. A província deve tornar-se a célula política futura.”(M.A.)
“A característica deste federalismo” é “antes de tudo o ponto de vista dum provincial ou dum artesão”. O federalismo de Proudhon pode ser qualificado de provincialismo ou de regionalismo político. Para só citar dois exemplos, na sua polémica contra os nacionalistas centralizadores e integradores, contra os partidários dos Estados nacionais fortes, põe o acento com uma grande convicção, sobre a importância dos cantões na confederação helvética e sobre a especificidade e a diversidade das regiões e províncias na Itália, que seria necessário respeitar na constituição. “Não é hostil à independência e à libertação da Itália, mas à sua unificação”.(M.A)
O federalismo internacional e o federalismo internacional condicionam-se reciprocamente. A crítica que Proudhon dirige aos movimentos de unificação nacionais, em particular italianos e alemãs, diz respeito aos seguintes planos:
O plano socio económico: Proudhon vê claramente, no caso da unificação da Itália e da Alemanha, que a única coisa que interessa à burguesia italiana e alemã, é de melhorar e de assegurar as condições de exploração do povo.
O plano constitucional: Proudhon vê claramente que a unificação política da Itália e da Alemanha terá como consequência, em política interior o colocar em acção um regime repressivo, dum Estado autoritário, que se traduzirá em política exterior por uma expansiva potência imperialista. Georges Goriely sublinha com razão, na sua contribuição Proudhon e as Nacionalidades, a importância e a pertinência da crítica por Proudhon do nacionalismo unitário:
“Colocando a sua critica do movimento das nacionalidades não é um aspecto secundário do seu pensamento, mas coloca-nos no coração do seu sistema, faz corpo com a sua critica do jacobinismo, do comunismo autoritário, da soberania exclusiva e absoluta do sufrágio universal, de todas as formas de estado unitário. O autoritarismo no interior e a agressividade no exterior fazem par aos seus olhos.”
Mostra a justo título que estes regimes devem ser caracterizados de pré fascistas. Deste ponto de vista, Proudhon faz realmente figura de profeta, pois a maneira como a Itália e a Alemanha foram unificadas gerou problemas de política interna e externa, que provocaram o estalar da primeira guerra mundial a ascensão do fascismo e a Segunda guerra mundial. De acordo com Proudhon, Constantin Frantz, o mais importante teórico do federalismo na Alemanha, sublinhou, no contexto da unificação do Estado alemão por Bismarck que:
“um centralismo em matéria de política interna, na Alemanha, conduziu, pela força das coisas, a uma concentração de poder, que, por seu lado, provocou um reflexo de defesa nos vizinhos. Só um federalismo prático, na política interna e externa alemã, tornaria possível um desenvolvimento pacífico, do mesmo modo da Alemanha como dos Estados vizinhos.”
Por aí, já tratei implicitamente o terceiro plano o da política europeia, garantia do equilíbrio europeu.
Em resumo: para uma política europeia que se inspirasse de Proudhon, podemos considerar que existe três princípios, ou momentos, ou elementos constitutivos: o regionalismo, o nacionalismo e o federalismo.