Monday, February 26, 2007

No Fim de mais um Glorioso Ano momentos de fora

1
No fim de mais um glorioso ano a ONU divulgou mais um retrato sintomático do mundo em que vivemos: o documento A Encruzilhada da Desigualdade. Somos 6,3 biliões de habitantes nesse barco chamada planeta Terra. Apenas 1 bilhão de pessoas, habitantes de países desenvolvidos, se apossam de 80% da riqueza mundial.
Nas últimas quatro décadas, a renda per capita dos países mais ricos quase triplicou. Entre os mais pobres cresceu apenas 25,94%. Em 73 países com estatísticas confiáveis, entre 1950 e 1990 cresceu a desigualdade em 48 países; em 16 ela ficou estável; e apenas em 9 se reduziu.
Imagine todos os bens de consumo do mundo. Saiba que 86% são apropriados por somente 20% da população mundial. Os 20% mais pobres do mundo dividem entre si 1,3% dos bens de consumo.
O mundo está repartido em cerca de 240 nações. Veja a diferença entre os 20 países mais ricos e os 20 mais pobres. Os primeiros são servidos por 74% das linhas telefónicas do planeta, enquanto os demais dispõem de apenas 1,5%. Os 20 mais ricos consomem 45% da carne e do peixe oferecidos pelo mercado; os 20 mais pobres apenas 5%. Em matéria de energia, os 20 países mais ricos consomem 58%; os 20 mais pobres, 4%. Quanto ao papel, 87% da produção ficam com os 20 países mais ricos; e 1% com os 20 mais pobres.
Em quatro décadas, a renda dos 20 países mais ricos quase triplicou. Atingiu em 2002 o patamar de 32.339 dólares americanos por pessoa. Nos 20 países mais pobres cresceu só 26%, chegando a 267 em 2002.
Na América Latina, a pobreza ficou congelada nas últimas duas décadas do século XX, mas a desigualdade aumentou. No início dos anos 90, os 10% mais ricos do Continente detinham até 45% da renda nacional. No Brasil, os 10% mais ricos possuem renda 32 vezes superior ao que ganham os 40% mais pobres. O relatório comprova que não basta combater a pobreza. É preciso atacar também as causas da desigualdade. Em outras palavras, sem distribuição de riqueza não há como promover a inclusão social. A diferença de classes não ocorre apenas entre países ricos e pobres. Dentro dos ricos há também gritantes diferenças sociais. A parcela de 1% dos mais ricos dos EUA têm em mãos 17% da renda nacional.
Dois factores têm contribuído para aprofundar o abismo entre ricos e pobres: o avanço tecnológico de um lado e a dispensa da mão-de-obra de outro. Quanto mais avançada a tecnologia, menos empregos. Um computador num escritório, por exemplo, é capaz de desempregar um bom número de pessoas. Em busca do lucro excessivo, as empresas procuram pelo mundo fora quem possa trabalhar mais e ganhar menos.
Nos próximos dez anos os EUA exportarão cerca de 14 milhões de empregos. Isso significa que deixarão de oferecer postos de trabalho dentro de casa para explorar mão-de-obra estrangeira barata e desprovida de condições sociais.
Em todo o mundo, metade das pessoas que trabalham cerca de 1,39 bilião vive com menos de 2 dólares por dia. E um quarto recebe, no máximo, 1 dólar por dia. No Brasil, metade dos trabalhadores dependem de emprego informal, o que costuma ser sinónimo de pobreza. O relatório mostra que, no Brasil, a falta de educação é responsável por 50% da desigualdade. A diferença média de salário entre uma pessoa com curso superior e uma sem estudos é de 814%. A taxa de matrícula na universidade é de 16%.
Sem mudança do actual modelo económico, nacional e internacional, centrado na concentração da riqueza, não teremos no próximo relatório índices melhores. Mas isso não é novidade para nós. Desde Proudhon em meados do século XIX que esta realidade foi já demonstrada.
2
Lembram-se do tempo em que o George Bush pai na campanha eleitoral para o segundo mandato afirmou: “Leiam nos meus lábios: Se for eleito presidente não aumentarei os impostos”. Foi eleito e aumentou os impostos ao fim de três meses. Mas falcatruas dessas há muitas e não é preciso sair do rectângulo lusófono para dar exemplos. Pois bem: o George Bush filho disse no princípio de Novembro no Panamá «Nós não torturamos», no fim de um giro de cinco dias pela América Latina, região por muito tempo martirizada por regimes ditatoriais sempre apoiados por Washington e que praticavam massivamente os desaparecimentos de suspeitos e a tortura. Desta maneira o presidente dos Estados Unidos respondia às incriminações formuladas pelo diário Washington Post contra os serviços de informação americanos, acusados de raptar clandestinamente pessoas e de as torturar fora dos Estados Unidos em prisões secretas. Podemos acreditar em Bush? Podemos, do mesmo modo como pudemos acreditar em relação ao Bush pai ou ao Sócrates, não ao platónico que esse era homem de palavra mas ao lusófono. A resposta é não. Não tinha ele afirmado, para invadir o Iraque, que o regime iraquiano tinha ligações com a rede Al-Qaeda? E que Bagdade possuía armas de destruição massiva? Duas mentiras em nome das quais Washington desencadeou uma “guerra preventiva” que custou a vida a dezenas de milhares de pessoas das quais mais de dois mil militares americanos. Bush não é fiável. Em particular sobre a questão da tortura. Elaborados por instituições como a Cruz Vermelha internacional, ou a Amnistia Internacional, relatórios confirmam que, desde os atentados do 11 de Setembro, as autoridades americanas não respeitam mais, na sua luta contra o terrorismo internacional, as convenções de Genebra sobre o tratamento devido aos prisioneiros, nem a convenção das Nações Unidas contra a tortura. Este é um dado adquirido. Ao decidir, a partir do dia seguinte ao 11 de Setembro, instaurar tribunais de excepção e criar, fora do território dos Estados Unidos, por conseguinte fora de qualquer órgão jurisdicional americano, a penitenciária de Guantánamo para lá encarcerar «prisioneiros do campo de batalha», qualificação diferente de “prisioneiros de guerra”, o que evita o recurso às convenções de Genebra, a administração Bush alterou as regras do jogo.A tese neoconservadora dos juristas conselheiros do presidente é de algum modo a seguinte: a América não deve deixar-se enfraquecer pelo seu respeito pelos direitos humanos. Em dois relatórios, entregues em Fevereiro e Agosto de 2002, foram remodelados o direito relativo à tortura. Este termo designa agora, nos Estados Unidos, unicamente os actos que «afectam irremediavelmente a integridade física dos prisioneiros». Abaixo deste limiar, qualquer suplício é legal. Deste modo não nos devemos surpreender que desde 2002 no Afeganistão a utilização da tortura pelo exército americano se tenha tornado sistemática. Os suspeitos são lá acorrentados nas suas celas e espancados frequentemente, lançados contra muros ou mesas, recebem pontapés nas virilhas e nas pernas, e é lhes derramada água na boca até que asfixiam. Revelado pelo New York Times, um inquérito confirmou a «rotina» dos tormentos infligidos por militares americanos que, geralmente, martirizam os prisioneiros sem mesmo os interrogar... O inquérito reconhece que as técnicas utilizadas pelos homens de informação militar foram-lhes ensinadas em Guantánamo... E que estes mesmos homensforam seguidamente encarregados de conduzir os interrogatórios musculados nas prisões iraquianas.Outros inquéritos indicaram que a CIA rapta suspeitos em todo o mundo, na Alemanha, na Itália, na Suécia e noutros lugares para os entregar a países amigos, como a Arábia Saudita, a Jordânia, o Egipto, onde podem ser torturados sem limites. Mais recentemente, relatórios mostraram que a CIA dispunha de uma verdadeira rede de prisões secretas através do mundo – qualificada pela Amnistia Internacional como «gulag da nossa época» –, das quais algumas estariam situadas em países da União Europeia e da Europa oriental.Situação repugnante em termos jurídicos e éticos, ainda mais porque a grandeza de uma genuína democracia reside na sua capacidade de proibir a si mesma o recurso a certas medidas de força. E a primeira, é a tortura. Mas isso é uma coisa que a pseudo democracia americana não sabe ou não quer saber.
3

Nalgumas semanas, o motim iniciado em Clichy-sous-Bois pela morte de dois jovens propagou-se por todos os subúrbios parisienses, o resultado inevitável dos últimos cinco anos do ministro do interior Nicolas Sarkosky, 8 anos de reforço da segurança e mais de 30 anos de degradação social.
Ziad e Banou morreram fulminantemente pela descarga de um transformador da EDF e tem um terceiro, menor de idade, em estado grave. Pensavam em escapar da polícia. Saber-se-á se foi efectivamente ou se os policiais são culpados de não dar assistência a pessoas em perigo? Quais as circunstancias das mortes desses dois jovens, isto foi a faísca. A raiva dos subúrbios está saturada de rancor contra um estado que, faz anos, só aparece em forma de brutalidade policial, julgamentos e sempre com prisões.
Nos bairros populares, o habitante vive com medo, por si e por seus filhos, pelos controles de identidade humilhantes, pelas prisões arbitrárias, impunidade com a violência policial, acusações falsas feitas por policiais que perseguem pessoas dos subúrbios. Notícias recentes provam que não existe respeito pelos principais direitos por parte da polícia.
E o que dizer da provocação do ministro do interior, mas sobre tudo a arrogância de uma política que considera a periferia com um território de ocupação, consequência de uma prática colonial e militar de defesa da ordem pública?
Agora bem, voltando à violência – que responde a violência ilegítima do estado – se expressa com mais força de volta e paradoxalmente contra eles, desde os bairros guetos, em resposta a violência estatal e patronal. A lógica desta rebelião espontânea se manifesta na destruição de veículos, autocarros, escolas que não ensinam nada para a maioria da população, pois não podem ser compreendidas.
Neste momento, é necessário recordar a resposta do Estado diante do problema juvenil e das suas famílias com métodos selectivos, ou as denúncias contra a polícia que nunca obtiveram resultados, por exemplo aquela marcha em solidariedade com os árabes na década de 80, que cria uma crise ao Governo Socialista da época e gera a recuperação do SOS Racismo.
Na revolta contra a injustiça, o sentimento de solidariedade popular é o elemento de reflexão da maioria dos jovens, estes são valores de nossa defesa. Compreendemos bem o estado de necessidade e a motivação da acção directa que anima nestes momentos os bairros populares. Essas semanas demonstraram o desespero da parte mais marginalizada de uma geração privada de perspectivas.
Junto com a estratégia de tensão do Governo e a actual repressão aos movimentos sociais no transporte, hospitais e movimento estudantil o qual se manifesta a tensa inseguridade social.
O que está em causa não é reclamar um retorno à política de “a polícia na comunidade” ou a construção de ginásios onde os jovens se consomem no silêncio. Alguma vez se resolve assim a tensão social causada pela violência política e social dos poderosos?
Igualmente a solução não é pedir a demissão do ministro do interior, como quer uma parte da esquerda. A própria esquerda instituiu de igual forma a política de segurança e hoje segue sem se desviar o modelo liberal de segurança dominante.
Sem redistribuição do trabalho e da riqueza, e o fim da regressão social, o racismo e a exclusão social hão-de continuar estas explosões de raiva.
Nem a prevenção, nem a religião, nem a repressão podem parar isso.
Só a justiça e a igualdade económica e social constituem uma resposta.


4


- 40 – Número de países nos quais por cada 100 rapazes que não frequentam a escola, são 117 as raparigas que fazem o mesmo vítimas de discriminação sexual.
- 900.000.000 – Número de pessoas que pertencem a grupos discriminados;
- 79% - Percentagem de crianças da região amazónica do equador que não tem certidão de nascimento;
- 150.000.000 – Número de crianças com deficiências em todo o mundo. É sabido que a deficiência e a pobreza são um enorme factor de discriminação;
- 1 em 6 – Nos países mais pobres do mundo, uma em cada seis crianças morre antes de atingir os 5 anos de idade;
- 1 em 10 – Nos países mais pobres do mundo, uma em cada dez crianças morre antes de atingir os 12 meses de idade;
- 42.000.000 – Número de crianças que tem peso abaixo do próprio para a sua idade;
- 60s – Em cada minuto morre uma criança com menos de quinze anos, vítima de SIDA;
- 8.200.000 – Número estimado de crianças a trabalhar em regime de servidão, escravatura, prostituição ou em conflitos armados;
-171.000.000 – Número de crianças que trabalham em condições perigosas;
- … … … - Número indefinido de crianças que são, anualmente, vendidas em circuitos clandestinos e forçadas a entregarem-se a actividades perigosas e prostituição.
Estes dados alarmantes, assustadores e absurdos foram divulgados pela UNICEF.
«Cada palavra», escreveu Jean-Paul Sartre, «tem um eco. Do mesmo modo cada silêncio».

A vida fede…como a morte.