Tuesday, February 20, 2007

ZAPPA OU A FUNÇÃO SOCIAL DA MÚSICA

"Que farás
Se te deixarmos ir para casa
E o plástico estiver todo derretido
E o Cromo também...
Quem são os polícias do cérebro?
Que farás
Quando o rótulo se desprender
E o plástico estiver todo derretido
E demasiado mole o cromo...
Quem são os polícias do cérebro?
Que farás
Se as pessoas que conhecias
Forem o plástico derretido
E o cromo também?
Quem são os polícias do cérebro?

Frank Zappa - "Freak Out", 1966

Se há algum músico e compositor que poderemos chamar de incómodo, pela sua música e fundamentalmente pelas letras das suas canções, esse é, sem dúvida, Frank Zappa. Fundador do grupo norte-americano Mothers of Invention, desde 1964 que Zappa tem massacrado o sistema burguês capitalista, liberal norte-americano, aquilo que é comumente conhecido por american way of life, através de dois tópicos que sistematicamente encontramos nas suas letras: a crítica social e o sexo. É o aspecto da crítica social que nos interessa aqui sublinhar, embora o outro não seja se somenos importância.
Basicamente até 1968 as letras das canções eram simples, claras e evidentes (como diria Descartes) que qualquer pessoa as poderia entender. No entanto, a partir dessa altura modifica-se a música e também a mensagem dos textos. Zappa quer que o ouvinte de capacidades medianas consiga apanhar alguma coisa, pois ele acredita numa função utilitária e interveniente da sua música.
É o caso por exemplo do seguinte texto, extraído da obra Joe's Garage act.II de 1979: "Afinal foi descoberto/ que Deus/ Não queria que nós fossemos/ Todos iguais/ Estas foram/ Más notícias/ Para os governos do Mundo/ Que pareciam em oposição/ À doutrina da/ Servidão separada e Controlada/ A Humanidade deveria ser feita mais Uniformemente/ Se/ o futuro/ Funcionasse/ Vários caminhos foram procurados/ Para que ficássemos todos ao mesmo nível/ Mas, infelizmente/ A Igualdade não foi conseguida/ Foi por esta altura/ Que alguém/ Veio com a ideia da/ Criminalização Total.
Baseada no princípio de que/ Se todos nós éramos delinquentes/ Poderíamos finalmente ficar iguais/ Até um certo grau/ Aos olhos da Lei/ Os nossos legisladores calcularam sagazmente/ Que a maioria das pessoas era/ Demasiado preguiçosa para praticar/ Um verdadeiro crime/ Por isso, novas leis foram feitas/ Para tornar possível a qualquer um/ Violá-las a qualquer hora do dia ou da noite/ E/ Uma vez desrespeitadas todas as leis/ Nós seríamos todos do mesmo grande e feliz clube/ Ali mesmo, junto ao Presidente/ Os mais glorificados industriais/ E as grandes cabeças do clero/ De todas as nossas religiões preferidas/
Criminalização Total/ Foi o maior ideal do seu tempo/ E foi grandemente popular/ Excepto para aquelas pessoas/ Que não quiseram ser delinquentes ou criminosas,/ Por isso, naturalmente tinham de ser/ Todos levados a isso por truques.../ O que é uma das razões pela qual/ A Música/ foi finalmente declarada/ Ilegal.
Os Mothers of Invention sempre foram um grupo crítico consciente da realidade. Opõem-se ao sistema instituído na medida em que as suas canções não tentam convencer o auditório da inexistência dos problemas.
Zappa considera que o seu trabalho contribui para um melhor esclarecimento político das pessoas. Pensa que o ideal será poder contar com um público consciente, social e politicamente, isto é, um público comprometido que sinta o que há a fazer. É aliás exactamente isso que Zappa diz numa entrevista dada em 1968 em Hollywood: "Queremos contribuir para um maior esclarecimento político das pessoas. A maior parte dos jovens norte-americanos não pensa em termos de política. Advém daí que dispõe de muito tempo livre e tenta passá-lo da melhor forma possível. Por isso, creio que seria um grande passo obrigá-los a raciocinar."
Ainda nessa mesma entrevista à pergunta de como deveria ser a sociedade futura, Zappa confessa que a nova devia ser uma sociedade sem governo, embora diga não vislumbrar que nos próximos quinhentos anos a possibilidade dessa experiência. O que é necessário no imediato é usufruir desta sociedade, apesar de os governantes ditos democráticos, terem perdido todo o contacto com o povo que representam. No entanto, Zappa só se considera anarquista em casa, nos seus pensamentos, nas suas divagações. Oiçamo-lo então:
- "Como deveria ser, na sua opinião, a nova sociedade?
- Gostaria muito da sociedade sem governo. Creio que isso seria o ideal. Mas nos próximos quinhentos anos não vejo possibilidades de amadurecermos para tentarmos essa experiência.
- Que haverá então a fazer?
- É urgente usufruir o máximo desta sociedade, baseada num governo democrático, interessada realmente na vontade popular. Na minha opinião, falar-se hoje em dia em democracia é arriscar uma resposta irónica. Porque as pessoas que afirmam governar democraticamente, perderam todo o sentido do contacto com o povo que representam. Por outro lado, existem muitas pessoas que não compõem efectivamente o governo e que apostam na defesa de determinadas coisas vistas sob um prisma pessoal e que significam proveito próprio. Estes intrusos deviam ser afastados do governo, já que o que eles pretendem nada significa para o povo. Porém, a influência dessas pessoas é notória e pesa muito nas decisões governamentais. É uma situação lamentável e que não tem razão de ser,.
- Você é anarquista?
- Só em casa, nos meus pensamentos, nas minhas divagações. Mas também sou prático e sei que há coisas que não funcionam isoladas. Uma anarquia só tem fundamento no seio de um povo integralmente civilizado e culto. Mas ainda estamos muito longe desse ponto. O ponto não tem cultura, nem civilização e há muita gente a morrer de fome. Se não for a fome de comida, será pelo menos a fome de ajuda emocional, que não recebem efectivamente. É necessário sublinhar e enfrentar esta sociedade desagradável e injusta e isso não se faz na simplicidade da frase: "Aqui tens a liberdade. Podes fazer aquilo que entenderes, já que não há governo nem lei." Esta atitude é impossível, pois lançaria a confusão e ninguém saberia o que fazer. Seria o caos, a destruição, a antropofagia simultânea, semelhante à luta entre animais. É preciso aconselhar, preparar toda a gente. E aqui põe-se a questão: Será lícito, em tais circunstancias, "entreter" as pessoas?"
É claro que defendendo esta posição, Frank Zappa e os Mothers of Invention não tiveram nunca grande receptividade dos média nomeadamente da rádio e da televisão. De um modo geral, a rádio nega-se a transmitir os seus discos e quando o faz é sob a forma de fragmentos que não perturbam os ouvintes. Com a televisão passa-se o mesmo. Os Mothers of Invention não fazem um espectáculo, mas uma simples intervenção de cerca de cinco minutos. Diz Zappa que é "uma espécie de oportunidade dada aos espectadores de nos contemplarem como se estivéssemos no Jardim Zoológico".
A razão para isto encontra-se - Zappa - na estrutura em que assenta a cadeia de emissores de rádio e de TV nos Estados Unidos: os meios de difusão pertencem aos grandes potentados económicos, que naturalmente não gostam de ideias diferentes das suas.
E é este senhor que dá pelo nome completo de Frank Vincent Zappa que em poucas palavras quisemos homenagear e que no panorama musical internacional surge como um dos músicos - compositores mais importantes da segunda metade do nosso século. Que este artigo sirva para despertar o interesse naqueles que não o conhecem será objectivo mais do que meritório tendo em conta os subprodutos de consumo ditos musicais, que por aí não deixam de abundar (1).


Notas:

(1) No panorama editorial português há duas obras a destacar pela sua importância: de César Figueiredo há duas obras a destacar pela sua importância: de César Figueiredo Frank Zappa - A Grande Mãe, col. Rock on 12, Fora do Texto/Centelha, Coimbra, 1988, e de António Filipe Marques, FranK Zappa - Antologia Poética, Assírio e Alvim, Lisboa, 1985.
Para além disso, encontram-se vários artigos em revistas da música e em jornais tais como, Mundo da Canção, Musicalíssimo, Sete, etc, mas dos quais não vale a pena falar, pela sua importância musicológica quase nula.