Saturday, January 20, 2007

O Campo de Observação da Ciência Social

Na construção duma ciência pede-se que se reconheça o seu campo de observação e os seus limites e portanto, consequentemente, o seu objecto e o seu método.
O campo de observação da ciência social será aquele da filosofia: o eu; e aquele da ciência económica: a sociedade, quer dizer ainda o eu (1); ou mais exactamente, “o eu humano manifestado pelo trabalho” (2). Filosofia e economia política estão portanto misturadas no seio desta ciência social, esta sócio economia (3), que Proudhon procura construir e que apresenta como “ a forma objectiva e a realização da metafísica (4); é a metafísica em acção, a metafísica projectada sobre o plano fugaz da duração; e todo aquele que se ocupa das leis do trabalho e da troca é verdadeira e especialmente um metafísico...” (5) (6)
A lógica da ciência económica será portanto a da filosofia, quer dizer a dialéctica na sua acepção proudhoniana, quer dizer uma dialéctica antinómica e serial.
A necessidade da antinomia está ligada ao facto que “todo o pensamento verdadeiro coloca-se num tempo e dois momentos. Cada um desses momentos sendo a negação do outro, e os dois não devendo desaparecer a não ser sob uma ideia superior, segue-se que a antinomia é a própria lei da vida e do progresso, o princípio do movimento perpétuo” (7)
Entre as leis que regem a economia social encontra-se portanto a antinomia sustentada pela “melodia dos seres, lei do belo e do sublime” (8), sem a qual a relação Verdade-Justiça se desmorona: a lei de progressão e de série. Com efeito, estas “leis” são necessárias entre si: “Suprima-se a antinomia, o progresso dos seres é inexplicável: com efeito onde está a força que engendraria este progresso? Suprima-se a série, o mundo não é mais que uma amálgama de oposições estéreis, uma ebulição universal, sem objectivo e sem ideia...”(9).
Portanto, Proudhon, ao colocar a hipótese segundo a qual os domínios de investigação da filosofia e da ciência económica são idênticos, e mais ainda os seus métodos (10), pode aplicar a esta última um objecto ideal baseado sobre os princípios dialécticos de antinomia e de série: a procura das leis económicas verdadeiras permitindo a elaboração duma ordem social natural e justa (11).
Como não naufragar no idealismo mais puro, na construção duma nova utopia? A ciência social deve tomar da economia política bem mais que conceitos, deve integrar a sua análise dos factos, o seu empirismo. Se não podemos satisfazer-nos do real, a utopia não representa em nada uma saída; a verdade não podendo encontrar-se, ou pelo menos aproximarmo-nos, a não ser na conciliação dos dois termos de “Conservação e Movimento” (12), o que quer dizer de novo que “a ciência social é o conhecimento pensado e sistemático, não do que foi a sociedade, nem do que ela será, mas do que ela É em toda a sua vida, quer dizer no conjunto das suas manifestações sucessivas: pois é aí somente que pode haver razão e sistema. A ciência social deve abraçar a ordem humanitária, não somente em tal ou tal período da sua duração, nem em qualquer dos seus elementos; mas em todos os seus princípios e na integridade da sua exigência: como se a evolução social disseminada no tempo e espaço, se encontrasse de repente reunido e fixado num quadro que mostrando a série das idades e a sequência dos fenómenos, descobrisse o encadeamento e a unidade. Tal deve ser a ciência de toda a realidade viva e progressiva; tal é incontestavelmente a ciência social.
Poderia ser possível pois, que a economia política, apesar da sua tendência individualista e as suas afirmações exclusivas, fosse parte constitutiva da ciência social, na qual os fenómenos que ela descreve seriam como as referências primordiais duma vasta triangulação, e os elementos dum todo complexo”. (13)



NOTAS


1- Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923,t.II, p.393.
2- “le moi humain manifesté par le travail” Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.395.
Vemos como Proudhon, por detrás duma terminologia filosófica, testemunha a sua pertença àquilo que Foucault chamará a epistemologia moderna assim como da sua vontade de objectivar a sua aproximação pelas relações de produção sem esquecer o materialismo dialéctico que comecerá a desenvolver o seu adversário Marx, na sua “resposta” ao “Système des contradictions économiques”.
3- P.Ansart - “Marx et l`Anarchisme”, 2ª parte (“Proudhon”), cap.II, (“La société économique”), §4 (pp.181-190), Paris, P.U.F., 1969.
“La sociologie de Proudhon”, cap.II (“La sociologie économique”, pp.31-62), Paris, P.U.F., 1967.
J.Bancal - “La socio-économie de Proudhon”, Cahiers de l`I.S.E.A., Paris, avril 1966...
4- “la forme objective et la réalisation de la métaphysique; c`est la métaphysique en action, la métaphysique projetée sur le plan fuyant de la durée; et quiconque s`occupe des lois du travail et de l`échange est vraiment et spécialement métaphy-sicien...”.
Proudhon - “De la création de l`Ordre dans l`humanité”, Paris, Ed. Riviere, 1927, p.39:
5- “j`appellerai Metaphysique la théorie universelle et sûpreme de l`ordre, théorie dont les méthodes propres aux diverses sciences sont autant d`applications spéciales”.
Proudhon - “Systéme des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.I, p.66.
6- R.Fausto - “Marx: logique et politique”, Paris, Publisud, 1986, p.124:
“Por um lado, ele (Marx) reconhece que o seu discurso tem qualquer coisa de metafísico. Mas a metafísica do seu discurso é a reprodução da metafísica do real. É o real, o capitalismo, que está num sentido metafísico, e o discurso quasi-metafísico é deste facto o verdadeiro discurso científico, como o discurso claro da “ciência” torna-se neste caso inadequado”.
“Pour une part, il (Marx) reconnaît que son discours a quelque chose de métaphysique. Mais la métaphysique de son discours est la reproduction de la métaphysique du réel.C`est le réel, le capitalisme, qui est dans un sens métaphysique, et le discours quasi-métaphysicien est le ce fait le vrai discours scientifique, tout comme le discours clair de la “science” devient dans ce cas inadéquat”.
7- “toute pensée vraie se pose en un temps et deux moments. Chacun de ces moments étant la négation de l`autre, et tous deux ne devant disparaître que sous une idée supérieure, il suit que l`antinomie est la loi même de la vie et du progrès, le principe de mouvement perpétuel”.
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.396.
8- “la mélodie des êtres, loi du beau et du sublime” Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.396.
9- “Otez l`antinomie, le progrès des êtres est inexplicable: car où est la force qui engendrerait ce progrès? Otez la série, le monde n`est plus qu`une mêlée d`oppositions stériles, une ébullition universelle, sans but et sans idée...”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.396.
10- Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.396:
“O método da ciência económica é ainda o da filosofia: a organização do trabalho, segundo nós, não é mais que a organização do senso comum...”
“La méthode de la science économique est encore celle de la philosophie: l`organisation du travail, selon nous, n`est que l`organisation du sens commun...”
11- Proudhon - “Système des contradiction économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.II, p.397:
“A antinomia é o princípio da atracção e de equilíbrio na natureza; a antinomia é, portanto, o princípio do progresso e do equilíbrio na humanidade, e o objecto da ciência económica, é a JUSTIÇA”.
“L`antinomie est le principe de l`attraction et de l`équilibre dans la nature; l`antinomie est donc le principe du progrès et de l`équilibre dans l`humanité, et l`objet de la science économique, c`est la JUSTICE”.
12- Proudhon - “Système des contradiction économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.86.
13- “La science sociale est la connaissance raisonnée et systéma-tique, non pas de ce qu`a été la société, ni de ce qu`elle sera, mais de ce qu`elle EST dans toute sa vie, c`est-à-dire dans l`ensemble de ses manifestations successives: car c`est là seulement qu`il peut y avoir raison et système. La science sociale doit embrasser l`ordre humanitaire, non seulement dans telle ou telle période de sa durée, ni dans quelques-uns de ses éléments; mais dans tous ses principes et dans l`intégralité de son exigence: comme si l`évolution sociale, épandue dans le temps et l`espace, se trouvait tout à coup ramassée et fixée sur un tableau qui, montrant la série des âges et la suite des phénomènes, en découvrirait l`enchaînement et l`unité. Telle doit être la science de toute réalité vivante et progressive; telle est incontestablement la science sociale.
Il se pourrait donc que l‘économie politique, malgré sa tendance individualiste et ses affirmations exclusives, fût partie constituante de la science sociale, dans laquelle les phénomènes qu‘elle décrit seraient comme les jalons primordiaux d‘une vaste triangulation, et les éléments d‘un tout complexe”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.73.