MULHER E PORNOGRAFIA. ALGUMAS REFLEXÕES
De algum tempo a esta parte A Batalha decidiu, e com um carácter regular, dedicar uma das suas páginas especificadamente a questões relacionadas directa ou indirectamente com a mulher.
Nesse sentido, parece-nos oportuno apresentar aqui e agora, uma breve reflexão sobre uma questão que indiscutivelmente tem a ver com uma certa maneira de olhar para a mulher: a pornografia. Apesar desta problemática não ter só a ver com a mulher, mas fundamentalmente com o homem.
A pornografia moderna é um fenómeno ligado à permissividade repressiva das sociedades industriais avançadas. Para o homem comum, está estreitamente ligada ao mito da emancipação escandinava. Não existem, com efeito, na Dinamarca, restrições ao comércio e ao consumo de produtos pornográficos. E também na Suécia, onde ainda existem algumas restrições, o comércio é praticamente livre. Das tentativas interessantes de análise da pornografia ressalta a que foi feita por Romano Giachetti na obra Pornografia e Sociedade Capitalista. Sustenta-se aí, que os temas típicos da pornografia são, na realidade, uma violação da vida sexual monogâmica, mas em todo o mecanismo das estruturas burguesas. A pornografia, segundo o mesmo autor, se parece conduzir o homem ao casamento, talvez com uma maior potência sexual, fá-lo, no entanto, protagonista de um protesto insconsciente contra essa instituição. Mas a mesma coisa se poderia dizer da prostituição.
Também esta tem um valor social ao exprimir uma contradição do sistema: mas o seu carácter permanece apenas contraditório e não possui certamente força de ruptura. Na realidade, se admite que a pornografia pode ser, em certo sentido, libertadora para o homem, o mesmo não se pode afirmar para a mulher. O que significa que o facto pornográfico não constitui um elemento de protesto, mas é, pelo contrário, expressão da fraqueza e recuperabilidade de tal protesto. O próprio Giachetti afirma: "A pornografia, que é habitualmente produzida por homens, descreve sempre a mulher imaginada pelo homem: isto é, a mulher como o homem a sonharia. A mulher é como que a sacerdotisa do culto fálico: despersonalizada ao máximo, arquétipo ideal de todas as mulheres, quimera dos sonhos sexuais do homem..."
Tal como acontece no mundo da publicidade, em que o corpo da mulher é transformado em suporte do produto, (basta ter presente os diversos concursos com que a R.T.P. premeia os telespectadores quando se anunciam os prémios) em sua função, assim na pornografia, a mulher se transforma em suporte da sexualidade masculina.
Isto é evidente se pensarmos como na pornografia o acto da sedução é central. "Na sociedade capitalista do século XX, não obstante a presença de outros "apetites" mais ou menos reprimidos, a sedução da mulher pelo homem é ainda o facto fundamental."
O macho da pornografia é sempre um super-homem de atributos sexuais fantásticos. O culto do pénis é o centro da acção pornográfica, mesmo quando o macho parece colocado um pouco à margem e a objectiva se fixa no corpo da mulher. As representações fálicas são, pois, um hino à fantástica superioridade do macho e à sua força procriadora.
No entanto e segundo o mesmo autor em quem temos vindo a basear a nossa reflexão, verificam-se algumas situações pornográficas em que o papel da mulher sofreu algumas modificações em sentido positivo, emancipador. Em apoio desta tese, transcreve-se um exemplo que parece propor uma inversão de papéis.
" Duas mulheres casadas de um subúrbio americano, cujos maridos estão for por uma semana, em viagem, começam por se entreter uma à outra e depois obrigam um jovem boletineiro a submeter-se às suas vontades durante uma noite inteira. Na manhã seguinte dão-lhe dinheiro."
A inversão dos papéis nada significa, na realidade: a agressividade da mulher na relação sexual, caso raro, de resto, na pornografia não modifica numa vírgula a realidade de uma situação social subalterna. A agressividade da mulher é um caso previsto e insere-se perfeitamente na sexualidade patriarcal. Seria, além disso, ingénuo pretender valorizar como símbolo de transformação uma situação particular, abstraindo-a do contexto no qual se enrola. A situação acima descrita é perfeitamente funcional par a um gozo voyeurista masculino e satisfaz certas tendências particulares que nada têm a ver com qualquer inversão de papéis (no caso narrado, um sabor de perversão sexual).
A libertação da mulher não significa, em caso algum, liberdade de mercantilizar o "partner". A igualdade de direitos que algumas situações parecem sugerir (a mulher toma a iniciativa, etc) não possui qualquer significado emancipador como é, de resto, confirmado por algumas características gerais que sobressaem da narração pornográfica.
"O acto oral praticado pelo homem sobre a mulher apenas numa medida irrisória contém o prazer da própria mulher; a acto tende, pelo contrário, a satisfazer as exigências "técnicas" e "viris" do próprio homem. Quando a narração se detém na reacção física da mulher, gemidos e lamentos, fá-lo sempre como demonstração da supremacia amorosa do homem. A mulher que satisfaz o homem não reclama o mesmo para si. No acto oral colectivo é o tempo que conta, não p prazer da mulher..."
Giachetti encerra o seu capítulo sobre a mulher como objecto de prazer com estas palavras: "Mas trata-se de um facto certo: antes de se dar na cama, a libertação sexual tem de se dar alhures."
Com o que até se está de acordo, desde que não se esqueça que é necessário ter presente que a cama não é só o lugar onde se dá o rito masculino do prazer e do orgasmo, mas também um lugar de produção: precisamente da produção da espécie.
Assim, a gravidez ou o simples modo desta nunca surgem na acção pornográfica: muito raramente a mulher grávida é objecto sexual. O que não me parece ser, obviamente, algo de irrelevante.
A pornografia está intimamente ligada à prostituição. Segundo a definição sociológica e legal, entende-se por prostituta uma pessoa que se entrega indiscriminadamente às relações sexuais contra retribuição. A interpretação prática do termo sublinha o facto da prostituta aceitar relações sexuais quase com qualquer um, estranho ou conhecido, que se propõe pagar-lhe e quando o pagamento é em dinheiro, mais do que em natureza ou em favores.
Não se pode limitar este termo àquelas que extraem os seus ganhos ou parte deles da prostituição, porque um enormíssimo número de mulheres que se entregam a tal actividade, fazem-no como pequeno suplemento às suas ocupações regulares. A pessoa que é paga especificamente por única relação sexual é, nessa particular ocasião, uma prostituta.
A definição exige que o pagamento por uma relação sexual seja em dinheiro e seja feito por cada um dos contactos. Se devessem aplicar o termo de prostituição a todos os actos sexuais pelos quais um dos participantes recebe uma qualquer remuneração, seria impossível traçar uma linha demarcatória entre a categoria mais notória de prostituição comercializada e as relações entre marido e mulher. A rapariga que quer ser levada a cear ou a qualquer espectáculo antes de aceitar relações sexuais com o amigo ou com o noivo, encontra-se empenhada numa realização bastante mais comercial do que desejaria admitir. Os presentes que os machos de todas as classes sociais fazem às raparigas com quem acompanham, podem estar recobertos de nobres sentimentos, mas são em grande parte o pagamento das relações sexuais a que se propõem.
Na realidade compreende-se que é necessário acabar com as reservas impostas ao amor, quer ser trate de tabus, conveniências, de a procriação, de constrangimento, de ciúme, de libertinagem, de violação, de todas as formas de troca que, do escandinavismo à prostituição, transformam a arte de amar em relações entre coisas.
Na realidade quem está de acordo com isto está também farto das paixões sufocadas, recalcadas, que destroem a energia que empregaria a realizar-se numa sociedade que favorecesse a sua harmonização.
Na realidade o que se mostra ser necessário é a luta por uma sociedade em que o máximo de possibilidades será socialmente ajustado para multiplicar os agrupamentos livre e variáveis entre pessoas atraídas pelas mesmas actividades, pelos mesmos prazeres, em que as atracções fundadas no gosto da variedade, do entusiasmo dos jogos, reconhecerão tanto o acordo como o desacordo e a separação.
Na realidade é imperioso lutar conscientemente pelo direito à autenticidade, pelo termo das dissimulações e ilusões impostas, pelo direito de afirmação da especifidade de cada um sem o julgar nem condenar mas antes pelo contrário permitindo-lhe dar livre curso aos seus desejos e paixões, por mais singulares que eles sejam.
É urgente lutar por uma sociedade onde a verdade estará na prática e em todos os momentos.
De algum tempo a esta parte A Batalha decidiu, e com um carácter regular, dedicar uma das suas páginas especificadamente a questões relacionadas directa ou indirectamente com a mulher.
Nesse sentido, parece-nos oportuno apresentar aqui e agora, uma breve reflexão sobre uma questão que indiscutivelmente tem a ver com uma certa maneira de olhar para a mulher: a pornografia. Apesar desta problemática não ter só a ver com a mulher, mas fundamentalmente com o homem.
A pornografia moderna é um fenómeno ligado à permissividade repressiva das sociedades industriais avançadas. Para o homem comum, está estreitamente ligada ao mito da emancipação escandinava. Não existem, com efeito, na Dinamarca, restrições ao comércio e ao consumo de produtos pornográficos. E também na Suécia, onde ainda existem algumas restrições, o comércio é praticamente livre. Das tentativas interessantes de análise da pornografia ressalta a que foi feita por Romano Giachetti na obra Pornografia e Sociedade Capitalista. Sustenta-se aí, que os temas típicos da pornografia são, na realidade, uma violação da vida sexual monogâmica, mas em todo o mecanismo das estruturas burguesas. A pornografia, segundo o mesmo autor, se parece conduzir o homem ao casamento, talvez com uma maior potência sexual, fá-lo, no entanto, protagonista de um protesto insconsciente contra essa instituição. Mas a mesma coisa se poderia dizer da prostituição.
Também esta tem um valor social ao exprimir uma contradição do sistema: mas o seu carácter permanece apenas contraditório e não possui certamente força de ruptura. Na realidade, se admite que a pornografia pode ser, em certo sentido, libertadora para o homem, o mesmo não se pode afirmar para a mulher. O que significa que o facto pornográfico não constitui um elemento de protesto, mas é, pelo contrário, expressão da fraqueza e recuperabilidade de tal protesto. O próprio Giachetti afirma: "A pornografia, que é habitualmente produzida por homens, descreve sempre a mulher imaginada pelo homem: isto é, a mulher como o homem a sonharia. A mulher é como que a sacerdotisa do culto fálico: despersonalizada ao máximo, arquétipo ideal de todas as mulheres, quimera dos sonhos sexuais do homem..."
Tal como acontece no mundo da publicidade, em que o corpo da mulher é transformado em suporte do produto, (basta ter presente os diversos concursos com que a R.T.P. premeia os telespectadores quando se anunciam os prémios) em sua função, assim na pornografia, a mulher se transforma em suporte da sexualidade masculina.
Isto é evidente se pensarmos como na pornografia o acto da sedução é central. "Na sociedade capitalista do século XX, não obstante a presença de outros "apetites" mais ou menos reprimidos, a sedução da mulher pelo homem é ainda o facto fundamental."
O macho da pornografia é sempre um super-homem de atributos sexuais fantásticos. O culto do pénis é o centro da acção pornográfica, mesmo quando o macho parece colocado um pouco à margem e a objectiva se fixa no corpo da mulher. As representações fálicas são, pois, um hino à fantástica superioridade do macho e à sua força procriadora.
No entanto e segundo o mesmo autor em quem temos vindo a basear a nossa reflexão, verificam-se algumas situações pornográficas em que o papel da mulher sofreu algumas modificações em sentido positivo, emancipador. Em apoio desta tese, transcreve-se um exemplo que parece propor uma inversão de papéis.
" Duas mulheres casadas de um subúrbio americano, cujos maridos estão for por uma semana, em viagem, começam por se entreter uma à outra e depois obrigam um jovem boletineiro a submeter-se às suas vontades durante uma noite inteira. Na manhã seguinte dão-lhe dinheiro."
A inversão dos papéis nada significa, na realidade: a agressividade da mulher na relação sexual, caso raro, de resto, na pornografia não modifica numa vírgula a realidade de uma situação social subalterna. A agressividade da mulher é um caso previsto e insere-se perfeitamente na sexualidade patriarcal. Seria, além disso, ingénuo pretender valorizar como símbolo de transformação uma situação particular, abstraindo-a do contexto no qual se enrola. A situação acima descrita é perfeitamente funcional par a um gozo voyeurista masculino e satisfaz certas tendências particulares que nada têm a ver com qualquer inversão de papéis (no caso narrado, um sabor de perversão sexual).
A libertação da mulher não significa, em caso algum, liberdade de mercantilizar o "partner". A igualdade de direitos que algumas situações parecem sugerir (a mulher toma a iniciativa, etc) não possui qualquer significado emancipador como é, de resto, confirmado por algumas características gerais que sobressaem da narração pornográfica.
"O acto oral praticado pelo homem sobre a mulher apenas numa medida irrisória contém o prazer da própria mulher; a acto tende, pelo contrário, a satisfazer as exigências "técnicas" e "viris" do próprio homem. Quando a narração se detém na reacção física da mulher, gemidos e lamentos, fá-lo sempre como demonstração da supremacia amorosa do homem. A mulher que satisfaz o homem não reclama o mesmo para si. No acto oral colectivo é o tempo que conta, não p prazer da mulher..."
Giachetti encerra o seu capítulo sobre a mulher como objecto de prazer com estas palavras: "Mas trata-se de um facto certo: antes de se dar na cama, a libertação sexual tem de se dar alhures."
Com o que até se está de acordo, desde que não se esqueça que é necessário ter presente que a cama não é só o lugar onde se dá o rito masculino do prazer e do orgasmo, mas também um lugar de produção: precisamente da produção da espécie.
Assim, a gravidez ou o simples modo desta nunca surgem na acção pornográfica: muito raramente a mulher grávida é objecto sexual. O que não me parece ser, obviamente, algo de irrelevante.
A pornografia está intimamente ligada à prostituição. Segundo a definição sociológica e legal, entende-se por prostituta uma pessoa que se entrega indiscriminadamente às relações sexuais contra retribuição. A interpretação prática do termo sublinha o facto da prostituta aceitar relações sexuais quase com qualquer um, estranho ou conhecido, que se propõe pagar-lhe e quando o pagamento é em dinheiro, mais do que em natureza ou em favores.
Não se pode limitar este termo àquelas que extraem os seus ganhos ou parte deles da prostituição, porque um enormíssimo número de mulheres que se entregam a tal actividade, fazem-no como pequeno suplemento às suas ocupações regulares. A pessoa que é paga especificamente por única relação sexual é, nessa particular ocasião, uma prostituta.
A definição exige que o pagamento por uma relação sexual seja em dinheiro e seja feito por cada um dos contactos. Se devessem aplicar o termo de prostituição a todos os actos sexuais pelos quais um dos participantes recebe uma qualquer remuneração, seria impossível traçar uma linha demarcatória entre a categoria mais notória de prostituição comercializada e as relações entre marido e mulher. A rapariga que quer ser levada a cear ou a qualquer espectáculo antes de aceitar relações sexuais com o amigo ou com o noivo, encontra-se empenhada numa realização bastante mais comercial do que desejaria admitir. Os presentes que os machos de todas as classes sociais fazem às raparigas com quem acompanham, podem estar recobertos de nobres sentimentos, mas são em grande parte o pagamento das relações sexuais a que se propõem.
Na realidade compreende-se que é necessário acabar com as reservas impostas ao amor, quer ser trate de tabus, conveniências, de a procriação, de constrangimento, de ciúme, de libertinagem, de violação, de todas as formas de troca que, do escandinavismo à prostituição, transformam a arte de amar em relações entre coisas.
Na realidade quem está de acordo com isto está também farto das paixões sufocadas, recalcadas, que destroem a energia que empregaria a realizar-se numa sociedade que favorecesse a sua harmonização.
Na realidade o que se mostra ser necessário é a luta por uma sociedade em que o máximo de possibilidades será socialmente ajustado para multiplicar os agrupamentos livre e variáveis entre pessoas atraídas pelas mesmas actividades, pelos mesmos prazeres, em que as atracções fundadas no gosto da variedade, do entusiasmo dos jogos, reconhecerão tanto o acordo como o desacordo e a separação.
Na realidade é imperioso lutar conscientemente pelo direito à autenticidade, pelo termo das dissimulações e ilusões impostas, pelo direito de afirmação da especifidade de cada um sem o julgar nem condenar mas antes pelo contrário permitindo-lhe dar livre curso aos seus desejos e paixões, por mais singulares que eles sejam.
É urgente lutar por uma sociedade onde a verdade estará na prática e em todos os momentos.
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