O CASAMENTO DE PROUDHON
É conhecida a história do casamento e da família de Proudhon, pelas cartas à sua mulher, cuja recolha foi publicado nos anos 50. Retomando hoje esta história, aumentada de novos documentos, é possível por em cena um dos mais belos capítulos da vida de Proudhon. Poder-se-ia fazer um filme ou uma ópera cómica deste episódio saboroso, maravilhosamente romanesco, movimentado à medida dos seus desejos, onde a vida popular da França antiga está animada da chama de 1848. O próprio acontecimento de 1848 está no coração desta história de três anos, como se o grave trabalho de se casar e de fundar um lar devesse para Proudhon enquadrar-se na aventura revolucionária que é a sua razão de viver.Foi no dia 6 de Fevereiro de 1847 que Pierre-Joseph Proudhon encontrou numa rua de Paris uma jovem operária, Euphrasie Piègard. É bonita. Tem um ar modesto e sério. Que faz o nosso homem? Proudhon responde: “ Abordar em plena rua uma jovem da qual não sei nem a condição, nem a família, nem o nome; e logo, no mesmo instante fazer-lhe proposições de casamento! Claro, se isto não é de loucos, talvez seja pelo menos, suspeito.”Estas linhas encontram-se no princípio da carta que logo no dia seguinte, 7 de Fevereiro, Proudhon dirige a Euphrasie para lhe fazer a sua declaração.Não, isto não é de loucos. Mas a sabedoria de Proudhon não é tão simples que se possa pensar. Este homem é um filósofo misógeno, como certos escritos o poderiam julgar? Não, brevemente dirá, numa página que data de Maio de 1849: “ O amor é coisa mística, não racional, mesmo incompreensível.” Revela amor que honrará voluntariamente duma pureza sublime. Na condição humana, exige pelo menos que o amor não seja vilipendiado. O destino da mulher causa-lhe pânico do mesmo modo que o maravilha. No ano anterior ao encontro com Euphrasie, escreveu, no seu Sistema das Contradições: “ Para mim, por mais que pense não posso dar conta, do destino da mulher fora da família e do trabalho doméstico. Cortesã ou dona de casa ( dona de casa, é o que digo e não servente), não vejo meio termo...” O homem que propõe o casamento a uma rapariga honesta hora a sua escolha. Assim faz Proudhon quando quase quadragenário, faz parar na rua a jovem bordadora.Euphrasie Piégard era uma rapariga alta e bem feita. Fazemos fé no retrato que o pintor Courbet dela fez.Eis a mulher que Proudhon queria tomar como esposa: jovem, bonita, nem tola nem má. Uma outra qualidade era requerida: pobre e trabalhadora O amoroso que se tinha a ela apresentado apresentava-lhe como concebia a felicidade duma dona de casa trabalhadora. É o que se segue na seguinte passagem:“Disseste-me que no vosso estado as trabalhadoras mais hábeis podem ganhar dez a doze francos por dia: é também o que posso fazer. Eis pelos bens.- Tereis o talento de alimentar, alojar e manter vós e o vosso esposo com isto? Eis, Menina, a única questão que me resta fazer-vos.”Tal é o programa de vida que Proudhon apresenta à mulher que ama: pobreza, submissão, trabalho. E acrescenta:“ O que terei a oferecer a uma tal mulher será o amor dum homem: para mim, Menina, esta única palavra diz tudo.”Pierre-Joseph não é um enamorado. A sua declaração de pretendente resplandece de dignidade viril. Uma única astúcia nesta carta: o seu autor não a assina com o seu nome; pede emprestado o pseudónimo de Gauthier ao patrão para quem trabalha. É que o nome de Proudhon está ligado a algumas fórmulas que fizeram barulho: A propriedade é o roubo - Deus é o mal - Sou anarquista... Proudhon, certamente quer fazer-se conhecer tal e qual é, mas acredita que a jovem Euphresie se assuste antes de tudo com a reputação que foi construíndo.Várias semanas passam antes da chegada da resposta que esperava. Euphrasie, filha bem educada, tinha mostrado a carta aos seus pais. A família examinou este original pedido em casamento.Os Piégard tinham tanto de tradicionalistas como Proudhon de revolucionário. Não parece entretanto que isto os tenha indisposto contra este genro eventual. O pai Piégard, legitimista, inscrito na milícia secreta do rei Bourbon, para combater Orléans o usurpador, estimava sem dúvida em Proudhon um militante dum outro quilate. Mas a mãe era menos benevolente em relação àquilo que chamava o “ achado de sua filha”.Vai então ele casar-se? Nada disso. A noiva encontrada na rua é mais extraordinária que tudo o que possamos imaginar. Desde o encontro de 6 de Fevereiro que ele precisou bem o que pedia: não um casamento próximo mas que a sua noiva o esperasse. Porquê e até quando? Porque Pierre-Joseph Proudhon sente vir a revolução, que rebenterá no próximo ano. E o seu casamento está subordinado à sua missão.Digamos desde já que o casamento será celebrado no dia 31 de Dezembro de 1849. Entretanto, terá havido o Fevereiro de 1848, em seguida as jornadas de Junho, e ainda a eleição do principe-presidente. E Proudhon que se arrebata através desta história acelerada. Proudhon contra Lamartine, Proudhon jornalista, Proudhon homem político, deputado, tribuno, Proudhon erguido contra o imperador de amanhã, perseguido, condenado, proscrito. É por isso que a história do casamento de Proudhon está preenchida, numa boa parte, de capítulos da história de França que nada têm a ver com Euphrasie. O revolucionário no entanto não esquece a sua noiva. Eis que volta da Bélgica, onde esteve refugiado para escapar à prisão. Volta a Paris escondendo-se. Para quê? Para rever a bordadora. Confia a um amigo: “ Quero casar-me. A presença duma mulher na minha casa tornou-se necessária. Sem isso voltaria à antropofagia.”A palavra é reveladora de tudo o que há de profundamente humano em Proudhon. Nestes anos 1848-49, lançou-se a fundo na acção revolucionária. Respondendo à sua vocação tornou-se um insurgido, rapidamente forçado ao exílio, poderia ser o momento em que endureceria as suas ideias, ou tornar-se-ia um teórico fanático. Ele próprio sente o perigo, não quer tornar à “antropofagia”. Permanecerá o homem das justas violências, das insurrecções salutares, da veracidade absoluta. Comprometerá mais do que nunca na sua obra toda a sua vida de homem, uma vida segunda a ordem humana. É por isso que Euphrasie Piégard, a noiva paciente, deve estar preparada a partilhar a sorte deste homem.Vemos bem que nesta vida, a acção revolucionária e o casamento são solidários: Proudhon vai casar-se na prisão.No dia 4 de Junho de 1849, à chegada da estação do Norte, foi reconhecido e preso. encarcerado em Sainte-Pélagie, instala-se, faz vir os seus livros, organiza o seu trabalho, e decide finalmente casar-se. Nesse tempo, os prisioneiros políticos eram bem tratados. Proudhon, devido ao seu casamento teria quarenta e oito horas de licença. Seria autorizado a receber a esposa no seu quarto, e a tê-la todos os dias ao jantar. Bem melhor, o pavilhão que ocupava nesta prisão hospitaleira dava para uma rua tranquila. Eis que nesta mesma rua, na casa em frente um quarto vago. Duma janela a outra, o casal poderá ver-se, e quase entender-se por sinais.O quarto foi alugado. Levar-se-à a cama que Proudhon tinha comprado. Por cima da cama Euphrasie pendurará o seu crucifixo. Proudhon tinha um respeito por este crucifixo que se tornou lendário. Mas foi tudo o que houve de religioso no seu casamento. O casamento civil corresponderia segundo ele a uma exigência doutrinal? Não, explicará um dia que antes de 1848 nunca teve a ideia. Mais exactamente: antes de 10 de Dezembro de 1848, data da eleição do principe-presidente. Nesse dia, os padres tinham dado do seu melhor para o sucesso de Bonaparte. Proudhon não lhes perdoará.Não são núpcias sossegadas o tornar-se senhora Pierre-Joseph Proudhon. Menos de seis semanas após o seu casamento, o prisioneiro - que é livre de escrever e de publicar - lança contra Luís Napoleão um artigo violento e profético, onde o próximo Império é formalmente anunciado. Proudhon é transferido para a Conciergerie. É aí que tem conhecimento que a sua mulher está grávida. A sua primeira filha, Catarina, nascerá no dia 15 de Outubro. Haverá uma segunda antes da sua libertação, pois os três anos de prisão aos quais foi condenado serão cumpridos integralmente até ao dia 4 de Junho de 1852.Euphrasie irá ser a digna esposa deste homem. Filha do povo, também ela, operária, última de seis crianças, foi um pouco a sacrificada da família. Teve de deixar a escola demasiado cedo, e a sua instrução permaneceu rudimentar. Durante o noivado, temia escrever a Proudhon, devido aos seus erros de escrita. Enganar-me-ia entretanto se acreditasse que ela não tinha sido nada mais para o marido que uma boa dona de casa, mais ainda se pensássemos que Proudhon só tivesse arranjado mulher para cuidar da casa, tinha conhecimento das provas que a sua vida de apóstolo impunha à sua esposa. Desde o caso que o conduziu à Conciergerie, exorta de um modo sério a jovem casada:“Va, minha querida criança, coragem! A mulher do cidadão Proudhon não deve mostrar nenhuma fraqueza. Lembrai-vos que o vosso pai baptizou-vos “Joana d`Arc”. sejais digna do vosso nome e do vosso apelido.”Euphrasie Piégard era mulher para entender esta linguagem corneliana. Já o tinha mostrado durante o seu longo noivado. Apareceu pouco, então, na história de Proudhon, célebre pela sua acção na Assembleia e pelas suas batalhas contra Thiers e Luís Napoleão. Mas enquanto que toda a opinião é contra o revolucionário que os caricaturistas representam como um diabo, ela é já, de coração e de alma, a sua companhia discreta e fiel. Não podemos esquecer, como Daniel Halévy diz muito bem, que ela é uma das constantes do pensamento de Proudhon: “Ela é o baixo contínuo, grave e lento da rapsódia baroca, política, social, filosófica e sentimental, que compõe para nós a vida de Proudhon.”
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