A Dialéctica de Proudhon: Uma Dialéctica da Liberdade
Basta uma breve vista de olhos sobre a literatura secundária para se perceber que os estudos consagrados a Proudhon inscrevem-se na maior parte das vezes numa perspectiva sociológica ou política, raramente filosófica. Proudhon não é levado a sério pelos filósofos, e os sociólogos e políticologos que partilham o discurso sobre ele deixam de lado o plano mais propriamente filosófico.
O caso da dialéctica, verdadeiro nexo de todo o pensamento proudhoniano, é particularmente característico nesta perspectiva. Desde 1936 1, nunca existiu publicação que lhe fosse especificamente consagrada; ela faz unicamente o objecto de alusões ou de breves capítulos na margem de trabalhos orientados sobre outras questões. Como explicar esta falta de interesse das críticas por um dos temas centrais do pensamento proudhoniano, nos mesmos dizeres do seu autor 2, senão pelo desinteresse por toda a parte, mais propriamente filosófica da obra proudhoniana?
O problema não é datado. Se se toma em consideração a primeira recepção dos dois textos onde Proudhon expõe a sua concepção da dialéctica, Da criação da Ordem na humanidade e Sistema das Contradições económicas 3, constata-se que a parte filosófica destes escritos é, desde o surgimento, o objecto de inúmeras críticas. Proudhon queixa-se de si mesmo num texto que fixa de algum modo, negativamente, o quadro interpretativo que lhe convinha aplicar e o bem que ele concebe entre as diversas partes do seu sistemas, filosófico, político e religioso. Um ano depois da aparição da Criação, Proudhon escreve ao seu amigo Ackermann:
« Vós solicitais que eu tenha partidários. Eu confesso-vos muito humildemente - ou convictamente - que neles não acredito. - Pauthier encontra a minha teoria muito especial; (…) Tissot pronuncia claramente que a minha metafísica não é nada; a Revista independente declarou que me iludo; Pierre Leroux aproxima-me em ter atribuído a Fourier a primeira percepção da lei serial, sem explicar-se aliás; a grande parte diz que eles não me compreendem.
» Para o resto, uns aceitam a economia política e a teoria das funções; outros são arrebatados ao ver a religião atamancada, mas não admitem que a filosofia não seja nada, e vice-versa (…). Os republicanos sabem pouco dos meus trabalhos, porque eu não sou partidário cego da guerra, das fortificações de Paris, e outras opiniões revolucionárias; os comunistas, que não se figuram como dois princípios contraditórios (propriedade e comunidade) podem formar uma Síntese que os absorve e os transforma, olhando-me quase como um legítimo meio 4.» Por isso a constatação de incompreensão, aproxima-o de que Proudhon formula acerca dos seus difamadores ao despedaçar de alguma forma o seu pensamento para meter só um aspecto, político, religioso ou filosófico, em detrimento dos outros, sem compreender a ligação orgânica que os une.
Apesar dos ecos bastantes negativos em França e a recepção na Alemanha, favorável seguramente ao primeiro texto 5 mas francamente hostil ao segundo, que ocasionara a ruptura com Marx 6 (a atitude de Marx perante Proudhon desde 1846 7 tem também, sem qualquer dúvida, contribuído em descrédito 8 daquele e do seu projecto dialéctico), Proudhon não desarma; seguramente ele não consagra nenhum capítulo específico ao tema da dialéctica nos textos posteriores no Sistema das contradições económicas, mas o conjunto da sua obra só se compreende a partir da dialéctica, que a sub entende ligando-a às diferentes partes.
O carácter doravante mais misterioso da dialéctica derrotou os interpretes, que transferiam o seu interesse sobre os problemáticos explicitamente temáticos do pensamento proudhoniano. Mesmo P. Haubtmann, nos seus notáveis titânicos estudos sobre Proudhon, faz pouco caso desta dialéctica, que ele considera como um capítulo terrível do pensamento proudhoniano e sobre o qual ele ironiza com inspiração. Certamente, «força está-lhe (…) por outras palavras, mas, apercebe-se, ele não o faz só como um manifesto de má vontade e não deixa de destacar o seu desacordo quanto ao pretendido carácter luminoso e decisivo que Proudhon empresta à sua teoria («nós não partilhamos o seu conselho (o conselho de Proudhon), escreve ele a propósito da evidência da lei séria como critério de certeza) 9. Incerta poeira aos olhos sem real fundamento, a dialéctica séria surgia «mais obscura que convincente, mesmo se se admite as suas conclusões» 10, confusa por outro lado, os desenvolvimentos que lá consagram Proudhon “são de tal modo verbais, indigestos, e obscuros que ele não os considera útil “acompanhar” 11 . Na filosofia social de P.-J. Proudhon, ele persegue a mesma via: «A imprecisão redutível da sua terminologia, escreve, e o anfiguri extermo das suas sérias vocações não permitem precisar em primeira mão, pelo menos pelo momento, a significação filosófica exacto da sua lógica: nós o aprenderemos sobretudo pela utilização que ele faz» 12 . O pelo menos pelo momento deixa prever que o autor tinha a intenção de voltar a este ponto seguinte. Ele não faz nada mal e limita o seu exposto da dialéctica nas obras de juventude. Ele consagra algumas páginas à dialéctica em: Pierre - Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1809 - 1849 e em Proudhon, Marx e o pensamento alemão 13 , obras remetendo-se para o período das publicações de juventude, não falando, em conta partida, em Pierre - Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1849 – 1865 14 . Na filosofia social de P.- J. Proudhon, que leva em conta a integrabilidade da obra proudhoniana, os desenvolvimentos consagrados à dialéctica 15 dizem respeito sobretudo à Criação e o Sistema de contradições económicas. De uma forma geral, Haubtmann apressa-se nas passagens onde Proudhon tematiza explicitamente, seguindo uma forma desajeitada, sua concepção da dialéctica; em contrapartida, ele está pouco interessado na sua aplicação no conjunto da obra, negligenciando assim um aspecto primordial do pensamento de Proudhon.
Tudo o resto é o julgamento trazido por G. Gurvitch 16. Em nenhum momento, ele coloca em dúvida que Proudhon não ocupa um lugar marcante na história da dialéctica 17; é assim que ele lhe consagra um capítulo inteiro no seu livro Dialéctica e Sociologia 18. Procurando fazer uma obra original, Gurvitch, como ele mesmo o diz, “insiste nas (posições) que (lhe) parecem mais adequados para preparar “uma nova concepção da dialéctica 19 - e, neste ponto de vista, aquela de Proudhon parece-lhe digno de interesse -, esforçando-se todo para pôr em evidência as suas insuficiências respectivas. Para Gurvitch, a dialéctica “não pode ser nem ascendente, nem descendente, nem os dois simultaneamente. Ela pode conduzir nem ao saudável, nem ao desespero, nem, através do último, ao primeiro. Ela não constitui nenhuma panaceia de reconciliação da humanidade consigo mesma. Ela não pode ser nem espiritualista, nem materialista, nem mística. Ela não pode ser projectada nem no espírito nem na natureza. Enquanto método e enquanto movimento real, a dialéctica revela a existência humana e portanto social. (…) Os bens entre os dois aspectos mencionados são eles mesmos dialécticos 20. Tal é, precisamente exprimidos os mesmos termos do seu autor, a concepção gurvitchiana da dialéctica, na qual se encontra julgada a quota dos seus precedentes. O mérito de Proudhon, como aquele de outros dialécticos tais como Fichte, Marx e Sartre, seria ter “sabido descobrir que o lar essencial da dialéctica encontra-se na realidade social e no que é a parte priviligeada, a realidade histórica, caracterizada pelo seu prometeísmo” 21. A aproximação que ele lhe dirige, tal como a Marx, é não ter conseguido “evitar a piedade da dialéctica ascendente conduzindo à reconciliação da humanidade, liberta de todas as suas taras. Esta dialéctica ascendente permanece pois, junto delas, estima Gurvitch, consolante, e portanto, apologética do futuro da Humanidade” 22. Deste feito, mesmo que Proudhon se proponha para combater todo o dogmatismo, aí recairia (ele) adoptando “os pontos de vista aceites anteriormente” 23. Notar-se-à que na diferença de Haubtmann, Gurvitch tem apoiado a sua concepção da dialéctica junto de Proudhon sobre esta tomada em consideração do conjunto da obra.
No seu livro: Proudhon, textos e debates, P. Ansart consagra-lhe também todo um capítulo à dialéctica junto de Proudhon 24, onde ele sublinha o carácter “bastante original e pouco dogmático” 25. Ele destaca o facto que o pensamento de Proudhon, de natureza dialéctica, não pode sair no mesmo livro desta dialéctica 26, e, na cilada de Gurvich, distingue a dialéctica como “método de pensamento” da dialéctica como “característica mesmo das realidades sociais” 27.
Deste breve sobrevoo de algumas posições da crítica contemporânea, iniciado sem a meia pretensão de exaustividade, contemplará simplesmente a riqueza do tema da dialéctica, actualmente desconsiderado por vezes o método, lógico, estrutura do pensamento e estrutura do real - da realidade social, como o sublinhou Gurvitch e Ansart, mas igualmente da natureza -, verdadeiro trato de união entre as diferenças partes do sistema proudhoniano, uma espécie que não é possível abordar correctamente algum tema desta filosofia sem possuir uma clara nação. O objectivo deste artigo será esboçar como as diversas facetas deste tema essencial à compreensão da sua filosofia se articulam numa teoria unitária. Nós começaremos por expor brevemente como Proudhon vem a interessar-se pela dialéctica.
Nascimento do projecto dialéctico junto de Proudhon
Não será inútil começar por uma nota terminológica. Na Criação, Proudhon fala da “teoria séria” que, “são nomes diversos”, não teria “ deixado de prosseguir” 28 O termo da “ teoria séria” será por outro lado posto de parte. Nós designaremos aqui o termo genérico da “dialéctica”, esta lei da série há muito procurada, sob as diversas apelações que lhe foram sucessivamente atribuídas.
A partir das escassas indicações fornecidas pelo próprio Proudhon, é possível reconstituir sumariamente a génese do seu projecto dialéctico, no qual os escalões mais significativos parecem ter sido a leitura sucessiva de Fourier, de Kant e de Hegel, desde a elevação a um ponto de vista próprio 29.
A primeira teoria dialéctica elaborada por Proudhon é posterior à permanência parisiense tomando lugar entre 1839 e 1841 30, período de aprendizagem ao longo do qual ele descobre os filósofos alemães, então no centro das suas leituras e das suas preocupações, como testemunham os seus cadernos de leitura 31 e a sua correspondência1. Pode-se todavia, admitir que algumas leituras anteriores, datando da época onde ele trabalhava como corrector numa imprimiria, constituíram as bases da sua cultura (nomeadamente da leitura dos escritos de Fourier, Saint-Simon, Cousin, Cabet e Jouffroy, assim como Leibniz, até mesmo algumas traduções ou recensões de Kant, Fichte, Hegel e Feuerbach). Destas leituras de juventude, ele memorizará em particular a principal ideia do pensamento de Fourier, a série. Todavia, apesar de Proudhon se relembrar retrospectivamente, o caminho que o conduziu à dialéctica, não é o nome de Fourier que lhe vem ao espírito, mas os de Kant e de Hegel, nos quais a descoberta situa-se propriamente durante a permanência dos estudos parisienses. São eles que detêm as indicações decisivas em vias de estabelecer a sua teoria dialéctica, o primeiro a ter, na Crítica da razão pura, a sua apresentação das antinomias sugerida a Proudhon “uma verdadeira lei da natureza e do pensamento”, o segundo, para ter alargado o campo de aplicação desta lei e ter-lhe conferido uma validade ainda “muito mais geral” 32. Entretanto, nenhum destes sistemas satisfazia inteiramente Proudhon, que se encontra bastante acanhado. Ele declara sentir-se “como um prisioneiro” também face à série de Fourier, à antinomia kantiana do que à síntese hegeliana, e só chega finalmente à descoberta da sua própria “teoria de série” libertando-se deles, dialetizando:
«Eu só conheço A Crítica da razão pura através das medíocres análises, e eu tinha apenas entendido falar de Hegel, contudo, preocupado com as ideias trinitárias, eu construiria o sistema ao qual eu venho trazer a parte fundamental. Isso foi para mim como uma preparação à teoria séria, que sob nomes diversos eu não deixaria de prosseguir, e na qual eu adquiri, enfim, a inteligência um dia onde, cansado de sistemas onde eu me encontrava como um prisioneiro, eu formava o projecto, para ter a maioria, não abandonar mas resolver uns e outros sistemas» 33.
Ausência de precisões, é difícil situar o momento onde Proudhon chega à “inteligência” da sua teoria séria. É provável que esta iluminação seja posterior ao período parisiense, se leva em conta uma indicação figurativa da Criação, de 1843, onde, fazendo referência ao seu período de aprendizagem, Proudhon nota: “Eu estava na via da dialéctica séria; mas eu ainda não lá chegava”34. Se acredita neste testemunho, a teoria dialéctica exposta na Criação e na qual Proudhon vem afirmar a originalidade, seria pois posterior à sua estada de estudos parisienses.
Após este breve apanhado das principais fontes onde Proudhon foi procurar a sua inspiração, esboçaremos sumariamente o que ele pode reter 35.
a) Fourier, o “revelador da série”
Mesmo se o pensamento de Fourier não é mencionado, entre as posições tendo jogado um papel preparatório importante relativamente à descoberta do seu sistema, é inegável que ele exerce uma influência considerável sobre Proudhon. E se Proudhon se mostra extremamente critico, virulento mesmo, aos olhos de Fourier, ele não permanece menos impressionado pelo que ele considera como o seu maior bem: a série, que ele vai adoptar mediante algumas adaptações. O grande mérito de Fourier, segundo Proudhon, é efectivamente ter sido o precursor da lei de série 36; todavia, e está lá a maior censura que ele lhe dirige, Fourier estaria contente em distinguir diversas espécies de séries, sem dar uma teoria consistente, permanecendo prisioneiro de um “Simbolismo vão” 37; “a série que eu venho contar segundo Fourier, escreve, (…) só é real sobre o papel. (…) O infortúnio procurava a dialéctica séria e só chegava a um simbolismo vã, a analogias e a antíteses” 38. O projecto de Proudhon é satisfazer esta lacuna. É precisamente o que ele propõe a realizar-se são o nome de “dialéctica séria” na Criação.
Proudhon retoma a ideia fourierista que o mundo é governado pela série, na qual ela é na Criação o fundamento da sua filosofia. Para Proudhon, tudo é “sucessivo”, ou seja, um e múltiplo. A sucessão, segundo a definição que ele lhe dá, é “um todo composto de elementos agrupados sob uma certa razão ou lei” 39.
O elemento de base da sucessão é a unidade; ora a mais pequena sucessão possível compreende no mínimo duas unidades; por conseguinte ela compreende necessariamente o múltiplo 40. “Descobrir a sucessão, é captar a unidade na multiplicidade, a síntese na divisão” 41. A descoberta de uma sucessão compreende pois três momentos; 1º a posição de uma unidade (tese), 2º a colocação em evidência de uma unidade oposta (anti-tese), 3º a composição das unidades opostas numa unidade superior (síntese). A afirmação segundo o qual tudo, no mundo, seria sucessão, implica pois a afirmação que tudo no mundo seria oposto.
É neste sentido que Proudhon podia escrever alguns anos mais tarde, a propósito da Criação, que este livro era censurado por ser “uma verdadeira máquina infernal (…), abrangendo todos os instrumentos da criação e da destruição” 42. Todavia, no momento destrutivo constituído pela colocação das antinomias, deve suceder o momento propriamente “criador” da síntese. “Como a Contradição tinha servido para demolir-me, menciona ele no mesmo texto, a Série deveria servir para edificar-me “ 43. A dimensão criativa da dialéctica sucessiva, sublinha até ao título da obra consagrada na sua apresentação (Da Criação da Ordem), deixa claramente aparecer descritiva e normativa, ordem da natureza e ordem para instaurar na sociedade, instrumento de apanha do real e regra servindo para orientar a praxis na construção criativa do ideal.
Proudhon transmitirá de seguida um julgamento bastante severo sobre a Criação, estimando o livro “mal feito” 44. A aproximação na afecta todavia as ideias que lá estão exprimidas – na qual o autor afirmará em muitos retornos não ter “nada para negar”45 – e em particular a dialéctica seja, parte da obra na qual ele declarará “atacar o mais importante” 46. A dialéctica sucessiva conhecerá por outro lado uma grande fortuna na produção interna de Proudhon, mesmo que as referências a Fourier tendem a desaparecer. É dizer que o empréstimo de Proudhon a Fourier seria limitado ao emprego do termo de “sucessão”? É verdade que Fourier não tem desenvolvido a teoria da série, como lhe diz Proudhon, e que em particular não se encontra, junto dele, nenhuma concepção da dialéctica. Todavia, constata-se desde já junto de Fourier que este duplo valor do termo de “sucessão”, por vezes lei do mundo e ordem para instaurar na sociedade em vias da realização da harmonia, uma espécie que o sem de Fourier está longe de ser também negligenciável e que Proudhon não sugere.
b) Kant, o sério fundador de uma nova figura da dialéctica
Se Fourier é, aos olhos de Proudhon, propriamente o “revelador da sucessão”, o primeiro a ter a “ideia universal” 47, não tem, como se virá a constatar, nenhum conhecimento sobre o desenvolvimento da teoria. É nesta teoria do lado da Alemanha que Proudhon vai descobrir a plena realização, pelo menos prometedores esboços. A fonte do termo “dialéctica”, que ele utiliza por vezes para designar a sua própria teoria sucessiva estaria por outro lado junto de Kant, se acredita nesta interessante indicação figurada numa carta ao seu amigo Micaud a Dezembro de 1844: “Os alemães, seguidos de um grande movimento filosófico começado por Kant em 1780, chegam exactamente como eu ao negar o valor científico da teologia e da filosofia na qual eles substituem o que eles nomeiam de dialéctica, e eu de metafísica ou teoria sucessiva” 48. Proudhon acredita pois constatar uma analogia entre a sua própria teoria e o movimento crítico operado em 1780 por Kant na crítica da razão pura, conduzindo em particular da Dialéctica a transcendente” à restrição das pretensões da razão convêm aqui fixar mais precisamente os termos desta analogia e de deter os limites.
Proudhon, que não sabia alemão, toma conhecimento da crítica da razão pura na tradução de J. Tissot, professor em Dijon, com o qual ele mantém uma correspondência intensa 49. Sabe-se pelos seus cadernos que ele lê e anota esta obra em Dezembro de 1839, depois em Dezembro de 1840 50. Autodidacta, ele não está tecnicamente preparado para uma leitura de tal dificuldade. Guerra espantosa que Kant juiz “de uma leitura e de uma inteligência difícil” 51. Ele manterá uma impressão de atordoamento. A obra faz-lhe o efeito de um prodigioso edifício de subtilidades abstractos, de uma “sublimidade espantosa” 52, desesperadamente privada de contacto com realidade objectiva 53. Sem dúvida Kant impõe-lhe isso, mas o partido tomado como empirista de Proudhon ameaça-o afim de rejeitar toda a origem transcendental de uma doutrina na qual ele só vê uma versão renovada da qualidade inata (inata não das ideias, seguramente, mas das formas da sensibilidade e do entendimento) 54. E é o “sistema inteiro de Kant” que ele crê recusar afirmando que o espaço e o tempo, mesmo as categorias, longe de serem formas puras da sensibilidade, respectivamente do entendimento, só seriam o resultado de uma “impressão da natureza sobre o espírito” 55. Esta posição conduziu seguramente a permanecer toda a metafísica e a psicologia de Kant 56, viciadas, segundo ele, por esta dimensão transcendente à qual ele não crê.
Esta reserva fundamental, que condiciona todo o seu julgamento da posição kantiana, não o impede de celebrar Kant como o fundador de uma “dialéctica nova” 57. Ele afirma que existia “poucos dialécticos comparáveis com Kant” 58. O seu mérito seria ter “marcado perpetuamente a lei séria”, na qual “o mesmo nome escaparia algumas vezes”; mas, não tendo tido só “uma a percepção incompleta”, ele não teria proclamado nada, (…) reconhecia do nada” 59. Breve, “o ilustre autor de Analítica (estaria) ausente do seu caminho” 60.
É nomeadamente através da dedução das categorias que Kant estaria mais próximo da “dialéctica sucessiva”: “O objectivo de Kant, fazendo o inventário das categorias, foi mostrar que a lei fundamental do raciocínio consiste, por baixo de toda a coisa, em não concluir nada de uma categoria a uma outra, o que é (…) o mesmo princípio da dialéctica sucessiva”. O bem mais considerável de Kant à história da dialéctica consistiria na exploração de uma figura até então pouco utilizada pela dialéctica:”Desde Kant, a dialéctica está enriquecida de uma figura primeiramente pouco conhecida, e na qual a balança parece ter servido de modelo. (…) Ela consiste naquilo que, dois termos antitéticos sendo dados, formam da sua união a um terceiro termo, diferente dos outros dois, e resolvendo-os numa espécie de balança ou de equação” 61. É precisamente esta nova figura dialéctica que reagiria parcialmente a estrutura do quadro das categorias: “Kant, tendo divido os seus conceitos em quatro famílias, compostas cada uma por três categorias, tinha mostrado que estas categorias produziriam, por assim dizer, uma e outra, sendo a segunda constantemente a antítese ou o oposto da primeira, e a terceira deixando das duas outras numa espécie de composição”, segundo a estrutura ternária da tese, antítese e síntese 62.
As duas maiores críticas que Proudhon dirige ao inventário kantiano das categorias dizem respeito por um lado à sua enumeração, por outro lado à sua dedução. Focando o primeiro ponto, o quadro das categorias só é regido por uma parte da estrutura ternária, Kant tendo hesitado, segundo Proudhon, entre um sistema binário, ternário e quaternário e não tendo sabido elaborar uma estrutura plenamente fechada, “do qual ele não conhecia a sucessão” 63. Mais, “nada impede supor o (número ilimitado das categorias) ” 64, confessa Proudhon (as categorias não estão tão próximo dele como o sentido bastante afável da “concepção” ou da “nação” 65). Como consequência o dito quadro seria bastante apertado. No que diz respeito ao segundo ponto, o mais importante aos olhos de Proudhon 66, o quadro das categorias, não oferecia só um quadro petrificado, estático, contrário à dialéctica das categorias: “Na teoria da sucessão, os conceitos produzem-se reciprocamente, sustentam-se e supõem-se um ao outro: este encaminhamento admirável, procurava-se em vão na crítica de Kant. Lá, as categorias simétricas, eu diria quase cristalizadas num quadro imóvel, são independentes uma da outra, sem laço comum, sem génese” 67. Reaproximando a Kant o carácter não genético da sua dedução das categorias, Proudhon retoma uma aproximação que tinha sido formulada nomeadamente por Fichte, ao qual ele reenvia por outro lado expressamente 68.
Paradoxalmente, Proudhon limita, na criação o seu exame da crítica da razão pura à Estética transcendental e à Analítica transcendental, e não diz nada de Dialéctica transcendental, que teve todavia tocado directamente o seu sujeito.
Em resumo, Proudhon encontra junto de Kant o que lhe faltava junto de Fourier, uma teoria dialéctica, na qual ele se inspirava largamente (resolução da antinomia “uma espécie de balança ou de equação”), e é seguramente neste ponto que Proudhon vê grande analogia entre o seu pensamento e o de Kant. Contudo, Kant não teria sabido conferir a esta nova figura da dialéctica, na qual ele seria o génio inaugurador de uma capacidade suficientemente universal. E se, numa carta a Tissot de 1846, ele declara que “lendo as antinomias de Kant, (ele teria) visto não a prova da falibilidade da nossa razão, nem um exemplo de subtilidade dialéctica, mas uma verdadeira lei da natureza e do pensamento 69”, é para acrescentar que Hegel teria “feito ver que esta lei era muito mais geral do que Kant tinha parecido supor” 70.
c) Hegel, o ingénuo funâmbulo da tricotomia
Depois de Kant, é pois em direcção a Hegel que Proudhon se volta. Na realidade, ele conheceu-a mal, através de algumas recessões e resumos de manual com os quais ele pode ter acesso, assim como pelo viés das suas conversações com os hegelianos de esquerda. O que ele reteu resume-se como essencial, à universalização do principio dicotómico colocado na honra por Kant 71.
A leitura de Kant fez-lhe prever a grande tarefa filosófica a realizar. Ele deseja estabelecer um sistema que permaneça, não sobre os princípios que, como no sistema kantiano, não seriam demonstrados só “como leis de espírito, não como leis dos objectos”, mais sobre o princípio pressentido na ocasião da leitura das antinomias e que ele designa pelo termo “sucessão / série”, em vez de “lei da natureza e do pensamento”; ele deseja, aliás, ultrapassar o subjectivismo kantiano e operar a reconciliação com o real.
Se, na evolução da posição kantiana, Proudhon parece conformar-se com o esquema da história da filosofia que Hegel soube impor e que ele pode encontrar nomeadamente junto de Cousin, ele não está em contra – partida, de algum modo disposto em reconhecer a Hegel o papel que este se auto – atribui. O idealismo absoluto, longe de oferecer a fórmula desta reconciliação com o real procurando, é, aos seus olhos, afectado pelo mesmo defeito que a posição kantiana. Hegel “antecipa sobre os factos em vez de os atingir”. E então mesmo que Proudhon se exprima bastante positivamente sobre a lógica de Hegel, que satisfazia “infinitamente mais a (sua) razão que todos os velhos apostemas os quais nós enchemos desde a infância”, ele apressa-se para acrescentar que ele não aprova nenhuma necessidade para “seguir Hegel na sua infrutuosa tentativa de construir o mundo das realidades com as pretensões à priori da razão” 72.
Rejeitando a metafísica de Hegel, ele não retém da sua dialéctica somente uma fórmula lógica, sem dúvida “maravilhosamente cómoda 73” e aplicada com uma “arte maravilhosa” 74 dando a ilusão da verdade 75, mas que se verifica afinal de contas estéril e oca 76. Seguramente, “nunca o génio do homem tinha feito um esforço também prodigioso”, nota Proudhon, não sem deixar perceber um certo sentimento de admiração, mas, no primeiro momento de encantamento passado, apercebe-se que Hegel “força as suas fórmulas” 77, e o conjunto não dá obviamente a impressão de um jovem pueril e vão: “Eu não me deixo abusar pela metafísica e as fórmulas de Hegel (…). Eu chamo a um gato um gato, e não me creio mais avançado para dizer que este animal é uma diferenciação de todo o grande, e que Deus chega à sua consciência no meu cérebro (…). Ousar-se-iam dizer-me que o sistema de Hegel é outra coisa que a fórmula tese, antítese, síntese, tomada pela lei da diferenciação do absoluto, e sucessivamente aplicada, com grande aparelho e grandes fracassos, a todas as questões da filosofia, de arte, de direito, etc. É mesmo! Isso, para mim (…) é puerilidade; não é ciência” 78.
Se o mérito de Hegel é, um certo sentido, ter generalizado a utilização do modelo ternário posto à frente por Kant, isso constitui ao mesmo tempo, segundo Proudhon, a sua fiabilidade, pois, ao fazer-se, não seria atacado só um caso particular da dialéctica sucessiva: “Hegel, antecipando sobre os factos em vez de os atingir, forçava as suas fórmulas, e esquecia o que talvez fosse uma lei do conjunto não suficiente para dar razão dos detalhes. Hegel numa palavra, estava impressionado numa série particular, e pretendia explicar a natureza, também variada das suas série e nos seus elementos” 79.
Por outro lado, se Proudhon estima um momento que a estrutura tese – antítese – síntese pode exprimir uma “lei do conjunto”, ele não tardará a rever esta opinião. Ao contacto da esquerda hegeliana, Proudhon aproxima-se para 1845 – 1846 das teses hegelianas, o que nota em particular no sistema das contradições económicas. Este reaproximação, todavia não deixa nada. A partir de 1855, Proudhon abandona definitivamente o termo “síntese”. Em direcção a 1860, lançando um olhar retrospectivo sobre o seu itinerário, ele julga severamente o seu afastamento hegeliano: “A propósito do sistema das Contradições económicas, eu diria que se esta obra deixa, no ponto de vista do método, algo a desejar, a causa está na ideia que eu faço, depois de Hegel, da antinomia, que suponha ter que resolver-se num termo superior, a síntese, distinta dos dois primeiros, a tese e a antítese: erro de lógica bem como da experiência na qual eu sou hoje um retornado” 80.
Se é preciso resumir o que Proudhon conservará, em definitivo, da Criação hegeliana em vista da elaboração da sua dialéctica sucessiva, notar-se-à a extensão universal dada a um modelo terrivelmente unilateral da sucessão (“ciências naturais, moral, política, jurisprudência, tudo lá se passa”), por outro lado a forma viva na qual Hegel soube articular as suas sucessões entre si e que nada têm a ver com a forma de proceder rígida e estática de Kant (“as sucessões seguem-se e encaixam-se com uma arte maravilhosa”). Contudo, apesar de extensão do domínio da aplicação da dialéctica, o golpe com o real subsistiria. Depois de Kant, Hegel não chegaria a superar o afastamento entre as “leis de espírito” e as “leis dos objectos”. Hispostasiando o modelo tricotónico, Hegel estaria fechado numa sucessão particular, incapaz de dar conta da natureza, salvo mutilá-la.
2.1. A antinomia como lei universal
Após ter brevemente caracterizado o que Proudhon pode reter das principais fontes nas quais ele se inspirou, nós vamos passar à apresentação das grandes linhas da sua dialéctica.
Como Proudhon o anota nas Confissões, “a Criação da ordem tinha apenas visto o dia”, ressentindo a necessidade de “construir” o “sistema das contradições” e de encontrar esta lei universal que governa o mundo, no qual ele tinha tido o pressentimento na leitura das antinomias kantianas. Durante o verão de 1844, ele consagra nos Cadernos o seu projecto ao “explicar a origem do mal pela lei das Antinomias (…), (de) lembrar uma causa única, uma lei do espírito humano (…), todos os factos sociais, da ordem e da desordem, do bem e do mal, do progresso e da ruína” 81. Algumas semanas mais tarde, ele expõe as grandes linhas do seu livro ao seu editor Guillaumin: “Afim de dar a unidade a uma obra que tratará os problemas da aparência mais estrangeiros um ao outro, eu devo cavar mais antes talvez dos pesquisadores da economia, e procurar a lei geral que governa toda a ciência, e portanto a própria sociedade. (…) Trata-se de uma lei superior, lei da natureza e do nosso entendimento, que dá igualmente razão à ordem e da desordem (…) das sociedades” 82. O objectivo que ele fixa, como o diz numa outra carta a Guillaumin, é de chegar à “reconciliação universal pela contradição universal” 83.
A ideia que ele pode lá ter, um princípio que serve por vezes da lei da natureza, da lei do pensamento e de lei da sociedade supõe uma radical homogeneidade entre os diferentes povos da realidade. A palavra de ordem é precisamente esta reconciliação com o real no qual ele tinha vagamente procurado o tipo junto de Kant e de Hegel. A ideia de um “todo harmónico”, Proudhon fala igualmente da “harmonia universal”, apresentada através de toda a obra, formulada de forma particularmente impressionante em especial na justiça:
“A moral humana é parte integrante da ordem universal; uma espécie que, apesar de algumas dissonâncias, mais aparentes que reais, a ciência deve aprender a conciliar, as leis de um são também as leis de outro. Deste ponto de vista superior, o homem e a natureza, o mundo da liberdade e o mundo da fatalidade, formam um todo harmónico: a matéria e o espírito estão de acordo por constituir a humanidade e tudo o que envolve os mesmos elementos submetidos às mesmas leis. Monumento indissolúvel, ao qual o universo fornece os fundamentos, nos quais a terra é o pedestal, e o homem a estátua” 84.
Ou ainda:
“A vida universal não é só uma irradiação da minha consciência (…). Então a ideia de uma harmonia universal entra na minha alma: eu digo-me que entre o mundo da natureza e o mundo da justiça (…) tudo é idêntico” 85.
Não é preciso acreditar que Proudhon cede uma visão irónica do mundo, pois esta harmonia não é estática; ela é o equilibro dinâmico entre as forças irrevogavelmente antagónicas, e o principio comum dos diversos planos da realidade, que lhe serve de lei a todos e reúne-os é antinomia, termo que Proudhon empresta a Kant dando-lhe uma acepção muito mais vasta e serve para designar a relação entre os termos irredutivelmente antagonistas.
Proudhon, cujo centro de preocupações reside na filosofia prática, não se atrasa nada no funcionamento desta lei da antinomia na natureza; através das anotações dispersas, ao longo da sua obra nós aprenderemos que “o mundo físico descansa sobre uma pluralidade de elementos irredutíveis e antagónicos, e é da contradição destes elementos que resulta a vida e o movimento do universo”. Este “antagonismo profundo” 86 ou “antinomia natural” 87 que “rege a natureza” 88 forma as “sucessões naturais” que “se desenvolvem em cada uma segundo o seu próprio objecto, sem se misturar nem se confundir” 89. O equilíbrio dinâmico entre as forças naturais em conflito produziu “movimento perpétuo” 90. A antinomia é a razão por vezes do movimento e da eternidade, o princípio gerador” 91.
Lei da natureza, a antinomia é igualmente lei do pensamento. O pensamento não encontra efectivamente a exercitar-se lá onde existe a oposição: “todas as nossas ideias elementares são antinómicas” 92, escreve. O pensamento é um produto da “síntese de duas forças antitéticas, a unidade subjectiva e a multiplicidade objectiva”, seja da síntese do Eu e do Não – Eu. O plano do pensamento reenvia pois ao plano da acção, mais precisamente, ele é na forma de acção. O homem não pode agir só reagindo ao que o contradiz. “A condição por excelência da vida” junto do homem, lê-se, é a acção (…). Ora o que é o agir? Para que haja acção, exercício físico, intelectual ou normal, é preciso um meio para manter relações com o sujeito agitado, um Não -Eu que se coloca diante do seu eu como um lugar e matéria de acção que lhe resiste e o contradiz. A acção será pois uma luta: agir, é combater “ 93. O pensamento, ele mesmo. “Exercício intelectual “ revelador da esfera da acção, é ao mesmo tempo a reprodução numa forma antinómica, da antinomia que subentende toda a vida prática do homem.
Lei da vida natural, lei da vida intelectual e prática, a antinomia é igualmente lei da vida moral e social. “Ser organizado, inteligente, moral e livre, o homem está (…) em luta, ou seja, mantém relações de acção e de reacção, primeiro com a natureza. (…) Mas o homem não tem somente um caso com a natureza; ele reencontra também o homem sobre o seu caminho” 94, e, em virtude da lei da sua acção, ele deve necessariamente opor-se-lhe e reencontrar num rendimento de luta com todos os homens que compõem o campo social.
Á semelhança da esfera natural, a esfera social é composta de uma pluralidade de forças antitéticas irredutíveis 95. A guerra é “iminente à humanidade” 96; ela é uma condição da nossa existência 97. É assim que Proudhon pode declarar: “O estado social é (…) sempre um facto ou um direito, um estado de guerra” 98. No campo da praxis social, a guerra é “analogia” do movimento dialéctico do pensamento: “A guerra tem a sua fórmula abstracta na dialéctica” 99. A guerra torna-se o termo genérico para exprimir a luta, a oposição, o antagonismo. Ela revela um carácter universal 100.
Do lado dos termos de “antinomia” e de “guerra”, Proudhon utiliza igualmente o de “contradição” (a “contradição universal” na qual ela é a questão numa carta a Guillaumin), precisando que ele não deve ser entendido “no sentido vulgar de um homem que se diz e se deduz” 101. Trata-se de “uma contradição” de alguma forma “natural” e superior, “de uma oposição inerente a todos os elementos” 102, que não é nada menos que “a revelação incessante e polimorfo da própria verdade” 103. Enquanto que a primeira acepção da contradição é “estéril como o nada”, de acordo com a Segunda ela seria “fecunda como a vida” 104. Mas para que a “contradição universal” seja verdadeiramente fecunda, é preciso que ela gere, segundo os termos do programa enunciados na carta a Guillaumin, a “reconciliação universal”.
Numa outra carta a Guillaumin, Proudhon precisa: “O antagonismo dos princípios (…) é o facto que serve para estabelecer a necessidade respectiva e recíproca dos princípios, (…) que eles são por isso mesmo necessários um ao outro, e que a sua existência é incompleta a todos os dois desde que eles não estejam reconciliados” 105. Entretanto, já que “é da contradição (…) que resulta a vida e o movimento do universo” 106, Proudhon encontra-se face à delicada tarefa de ter que demonstrar como chegar ao apaziguamento dos conflitos sem, por isso, suprimir o antagonismo, sem cair na piedade da sesta eterna” 107.
2.2. O equilíbrio como solução da antinomia
“O fim do antagonismo (…) quer-se dizer (…) o fim do mundo”, nota Proudhon; todavia “a paz” não exclui o antagonismo; ela significa unicamente “o fim do massacre” 108. Por outros termos, a “guerra”, no sentido genérico, não deve ser abolida; ela deve ser transformada. Na solução da antinomia, o antagonismo é conservado, mas ele perde o seu carácter conflituoso. Esta solução é universal: ela aplica-se às antinomias naturais, intelectuais e sociais. Contudo, no processo de colocação em prática desta solução, vê-se surgir uma importante dissimetria entre natural e sociedade. Enquanto que o equilíbrio das forças naturais faz-se “naturalmente”, o equilíbrio das forças em luta no seio da sociedade deve ser instaurado artificialmente. Efectivamente, na diferença da natureza, a sociedade não dispõe um mecanismo de auto-regulação que a preserve do caos; ela deve remeter-se a si mesma à destruição das forças que a compõem. Como o explica Proudhon a Charpentier: “Todas as forças que constituem a sociedade (…) combatem-se e destroem-se se o homem, pela sua razão, não encontra o meio de as compreender, de as governar e de as manter em equilíbrio” 109. É pois ao homem que incumbe a pesada responsabilidade de equilíbrio social. Ele é o único mestre do seu destino. A solução do problema social não depende só dele, da utilização que ele julga bom de fazer da sua razão e da sua liberdade, e não de uma força natural que interviria do exterior e que determinaria o curso dos acontecimentos 110.
Em virtude da solução esboçada, resolver um conflito não significa pois chegar à exclusão de uma das forças em oposição; como o nota Proudhon, a sua intenção é chegar a reconciliá-las todas. A posição de Proudhon foi de seguida mal compreendida; aproximou-se-lhe para renunciar “e resolver as contradições”, de não procurar “superar”, e confessar assim “a sua impotência para ultrapassar os antagonismos da sociedade” 111. Ora, é precisamente isto que ele evitou fazer. A solução proudhoniana ao problema social não consiste justamente em levar as antinomias, a assimilar a diversidade, a suprimir uma das partes em luta pela supremacia, mas a equilibrá-los, este equilíbrio, como mencionado, não é estático mas dinâmico, constantemente susceptível de ser remetido em questão por novos choques, de novas oposições 112.
Este programa de “reconciliação universal”, desenvolvendo-se pouco a pouco, de forma descontínua, define-se por oposição à fórmula “maravilhosamente cómoda” da dialéctica hegeliana, que, desde que ele a compreenda, chegaria, ao termo de um processo necessário e quase linear, na “fusão” da tese e da antítese. “Os termos antinómicos não se resolvem só pelos opostos de uma pilha eléctrica que não se destrói. O problema consiste em encontrar não a sua fusão que seria a sua morte, mas o seu equilíbrio, sem deixar de ser instável, variável segundo o desenvolvimento da sociedade” 113. É esta insistência sobre a noção de equilíbrio que faz a originalidade do modelo proudhoniano da dialéctica. Que esta concepção da síntese como equilíbrio constitua expressamente a réplica proudhoniana À síntese hegeliana, é o que prova a seguinte citação: “A antinomia não se resolve: lá está o vício fundamental de toda a filosofia hegeliana. Os dois termos onde ela se compõe balanceiam-se, quer seja entre eles, quer seja com outros termos antinómicos. (…) Mas um balanço não é uma síntese tal como o entendia Hegel” 114. Proudhon opta pois pelo modelo da “balança” que ele tinha acreditado descobrir na leitura de Kant, para combater a síntese hegeliana.
Proudhon não deseja um modelo linear tese-antítese-síntese, pois, segundo ele, os termos antitéticos não se sucedem no tempo, como seria o caso junto de Hegel, mas eles existem simultaneamente. “Portanto, a ideia sintética funciona ao mesmo tempo que os seus elementos antagónicos”115. “Não há exactidão em dizer que alguma coisa advém, que algo se produz: na civilização como no universo, tudo existe, tudo age desde sempre” 116, escreve. “Vê-se, depois disso, que não se saberia, sem contradição, supor entre os termos de uma sucessão dialéctica, nenhum laço de anterioridade ou de posterioridade” 117.
Segundo Proudhon, todas as forças em oposição aliás, são em igual título necessárias ao equilíbrio global; elas limitam-se e corrigem-se mutuamente. A irrefutabilidade dos elementos antitéticos “indica por um lado a igualdade, a progressão ou a similitude, não a influência” 118, outrora dito um bem de coordenação e não de subordinação. A transposição deste modelo dialéctico na ordem política conduz Proudhon a preconizar a instauração de um equilíbrio dinâmico através da proscrição de toda a ligação de subordinação. “A Coordenação exclui a hierarquia. Ela determina a igualdade entre as funções (…). O sistema hierárquico (…), estabelece sobre o princípio de autoridade (…), a desigualdade universal e permanente, a escravidão progressiva, é a forma das calamidades sociais” 119. A ordem reinante no seio da totalidade é uma ordem iminente, resultante da totalidade das forças em presença. Se uma das forças está entravada, o equilíbrio é rompido. Segundo a natureza do desequilíbrio também introduzido, isso pode gerar graves injustiças tais como o despotismo, onde um só individuo impõe o seu poder a todos os outros, ou o comunismo, onde a liberdade individual é negada em benefício da comunidade 120.
Desde a Guerra e a paz, Proudhon nomeia esta estrutura estadista integrativa mas não hierarquizada no “federalismo”. Ele estabelece nesta obra uma genealogia do direito em oito patamares, começando pelo direito da força e culminando com o direito da liberdade; este último constituiria o estado no qual a sociedade chegaria ao equilíbrio dinâmico procurado, instaurando o “federalismo”, sistema fundado sobre o “mutualismo”. A mutualidade, onde o princípio descansa sobre a obrigação “sinalagmática” (é o mesmo que recíproca), e comutativa (é o mesmo que equivalente de umas para outras), 121 permitindo, como o sublinha laconicamente Proudhon, mais trocas, e gerando deste facto um progresso moral, 122 seria o único sistema da liberdade 123. “Quem diz liberdade, diz federalismo ou nada diz”, 124 afirma ele no Principio Federativo. Este sistema mutualista, acordando um papel privilegiado, ver exclusivo, às relações horizontais, no seio do tecido social, em detrimento das relações verticais, responderia exactamente as condições pedidas para chegar, na sociedade, para dissimular da falta de mecanismo auto-regulador para a ausência dos conflitos.
A dialéctica não tem pois como resultado a simples constatação que existem antinomias, diversidades na totalidade social; ela mostra que a única via possível, no campo social, para chegar à “reconciliação universal”, é o federalismo.
2.3. A dialéctica da liberdade
O instrumento de equilíbrio a instaurar, na sociedade, em vista da reconciliação universal, é o homem, na medida em que ele “escuta” a sua razão e encontra o meio de governar as forças que se opõem.
Como sobressai dos escritos de Proudhon, ele não saberia colocar a questão em suprimir a “guerra”, que é o mesmo princípio da vida; é preciso pois encontrar o meio de a transformar numa espécie que, de destruidor, torna-se factor de progresso (…), eu compreendo-o e explico-o como um canal de consequências desenvolvendo-se do princípio contrário” 125; “para que qualquer um observe de perto o movimento dialéctico da civilização, o progresso surgia como um imenso canal dialéctico” 126. Mesmo se a leitura que Proudhon propõe é verdadeiramente optimista, ligada à sua confiança na capacidade do homem em escutar a sua razão e em fazer bom uso da sua liberdade, o progresso não se inscreve contudo de forma linear na história, desenvolvendo-se com a necessidade do mecanismo de um “espeto de manivela”. Sem dúvida, o movimento da história segue globalmente uma curva que ele julga ascendente 127, mas as oscilações que comporta a sua natureza dialéctica deixam sempre de planear a ameaça de uma regressão 128.
O progresso, na medida onde o progresso existe, não é possível só em função da capacidade do homem recuperar dialecticamente o momento negativo da guerra, equilibrar as forças antinómicas em presença. Ora, segundo uma equação de Proudhon, estabelecer o equilíbrio, é estabelecer a justiça 129. “ “É pela (guerra), nota ele, que a humanidade começa a sua educação, e inaugura a sua justiça” 130. Fonte do direito que iguala os diferendos entre as forças antagónicas às tomadas na sociedade, a guerra vem dialecticamente conferir um papel positivo 131. O direito não suprime as antinomias, mas é pela sua mediação que as forças em oposição cheguem ao equilíbrio, a dialéctica da história está teologicamente orientada em direcção à instauração de um sistema jurídico igualmente justo para todos.
Esta preocupação de justiça que subentende a dialéctica proudhoniana e dá-lhe o seu sentido transcende o quadro puramente legal do direito. A história como prisão da guerra é igualmente o quadro de um progresso moral. Proudhon sublinha por outro lado que não existe só guerra legítima submetida às regras morais: “Se a guerra não era só o conflito das forças, das paixões, dos interesses, escreve, ela não se distinguiria dos combates que se livram das bestas (…). Mas existe na guerra outra coisa: é um elemento moral” 132. Proudhon admite ter da Revolução a sua convicção de uma “renovação integral das condições da humanidade em tudo o que toca a religião, as ideias, o direito, a política, a arte, o trabalho, as relações de família e da cidade”, graças exclusivamente à guerra 133.
São estes em definitivo o ideal de justiça, a lei moral e o conceito de liberdade que deverão dialecticamente triunfar graças à guerra, espera ele, uma vez invertido o valor negativo deste.
Sem astúcia da razão, sem teoria da Providência. O sujeito da história junto de Proudhon, é o homem. É só de si que depende o eventual progresso em direcção a este reino da justiça que constitui o seu destino 134 e no qual a ideia, tudo como a lei moral, encontra-se inscrita no mais profundo da sua consciência 135. A lei moral e o ideal de justiça são estritamente iminentes 136; eles não poderiam ser impostos exteriormente, nem sancionados por uma terceira pessoa 137.
O homem é o seu próprio legislador e encontra em si mesmo a sua própria sanção 138, que tem como norma a dignidade humana 139. A história é o produto da acção livre do homem.
Enquanto produto da liberdade, a história não obedece mais a uma lógica iminente do que a um ditado de uma força natural ou sobrenatural, que lhe imporia o exterior da sua direcção. Isso não significa portanto que Proudhon admite um modelo aberto da história. Efectivamente, ele não concede as diferenças de ser livre: na medida onde é o ser moral, guiado pela ideia de uma “Justiça absoluta”, que é a medida da ordem e da igualdade, não existe só uma via possível, e a história detém um sentido; ela está inteiramente orientada em direcção à instauração do federalismo, como analogia na sociedade do mecanismo da auto-regulação natural, permitindo o equilíbrio das forças.
Conclusão
Proudhon desenvolve uma concepção original da dialéctica. As suas principais fontes são Fourier, Kant e Hegel, a que eles emprestam as noções chave tais como “série”, “dialéctica”, “antinomia”, onde ele propõe uma leitura fortemente pessoal, filologicamente inexacta mas bastante rica das potencialidades.
Como ele o explica ao seu editor Guillaumin, o seu objectivo é de fundar uma dialéctica que chegue à “reconciliação universal pela contradição universal”. Contra os sistemas abstractos de metafísica de idealismo alemão que estariam cortados do real, ele vai aplicar-se para restaurar o laço entre a ordem do pensamento e a ordem do real pela colocação em evidência de uma lei universal, regendo por vezes a natureza, o pensamento e a sociedade. Todavia, como o seu interesse primordial vai de encontro à filosofia prática, à a aplicação desta lei na sociedade que prenderá sobretudo a sua atenção. A “reconciliação universal” proposta por Proudhon consiste na integração das forças antagónicas nas tomadas – naturais, intelectuais, sociais – numa totalidade não hierarquizada no seio da qual elas se contrabalançam. Esta integração que se faz mecanicamente na natureza, deve ser produzida artificialmente na sociedade; está lá a tarefa que incumbe à liberdade, apoiada pelo ideal de justiça. O Estado a promover artificialmente, será um Estado fundado “federalista” ou “mutualista” onde o aparelho estadual se apagará para dar lugar aos cidadãos livres e iguais. Esta concepção de equilíbrio a atingir, dinâmica porque aberta à intrusão de novas forças a integrar, é obrigada a permitir evitar tanto o caos, no qual conduzia a escravidão de uma parte das forças antagónicas, como a morte, que resultaria da supressão dos antagonismos 140. Colocando o acento sobre a responsabilidade do homem na construção criativa da sociedade, ele faz da sua dialéctica uma dialéctica da liberdade.
NOTAS
1 Chen Kai-Si, A dialéctica na obra de Proudhon, tese de doutoramento, Paris, Domat Montchrestien,1936.
2 Na teoria da propriedade, trazendo um valor crítico sobre a sua obra, Proudhon considera a “teoria dialéctica” como um dos maiores contributos do seu pensamento, A teoria da propriedade, ed. Lacroix, 1866, p.216.
3 Da criação da ordem na humanidade, (=Criação), Paris, ed. Rivière, 1927; Sistema das contradições económicas ou filosofia da miséria, 2 t., Paris, ed. Rivière, 1923.
4 Correspondência (=Cor.), t. I-XIV, Paris, éd., Lacroix, 1875, t. II, a Ackermann, 4 Out. 1844, pp. 156-157.
5 A publicação da Criação permite-lhe conhecer alemãs refugiados em Paris; o livro valeu-lhe ser considerado o “Feuerbach francês”, K. Grun, die Soziale Bewegung in Belgien und Frankreich, Darmstadt, 1845, p. 450.
6 Não vamos agora voltar a esta questão já estudada por nós noutras ocasiões e textos…
7 Na miséria da filosofia, Marx ridiculariza Proudhon troça da sua “onda de tolice” e sobretudo excita em demonstrar “como pode ele (Proudhon) ter penetrado no mistério da dialéctica”; ele tem a dialéctica mas também a linguagem. Marx continua a transportar um julgamento negativo sobre Proudhon bem antes da sua morte; numa carta ao Social-Democrat, publicada em 1865 por ocasião de uma nova edição da Miséria da filosofia, ele repensa a aproximação formulada em 1846: “Eu mostrei, escreve, como pode Proudhon ter penetrado no mistério da dialéctica científica; como, por outro lado, partilha ele as ilusões da filosofia “especulativa” (…). Não tendo nunca cumprido a dialéctica científica, ele só alcança o sofismo (…); ele também é no fundo um pequeno burguês sacudido constantemente entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo (…). O pequeno burguês diz sempre: “de um lado” e “de outro” (…). Ele é a contradição viva. Mais, como Proudhon, um homem de espírito, saberá seguramente jogar com as suas próprias contradições e elaborá-las segundo as circunstâncias em paradoxos impressionantes, barulhentos, por vezes brilhantes”, extractos citados por H. de Lubac em: Proudhon e o cristianismo, op. cit., pp. 140 e 142-143.
8 “A afirmação de Marx, com o julgamento de valor que o acompanha, foi retomada por muitos históricos de Proudhon e do seu pensamento”, ibid., p. 140.
9 P. Haubtmann, Pierre-Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1809-1849, op. cit., p. 364.
10 Ibid. , p. 364
11 Ibid. , p. 362 - 363
12 P. Haubtmann, A filosofia social de P. - J. Proudhon, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, 1980 pp. 37 - 38.
13 Op. cit., nota 6.
14 P. Haubtmann, Pierre-Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, t. 1; 1849 - 1885, t.2; 1855 - 1865. Paris, dseclée de Brouwer, 1988.
15 P. Haubtmann, A filosofia social de P.- J. Proudhon op. cit., cap. 2: “Vitalismo” e “Platonismo”, pp. 37- 63.
16 G. Gurvitch, Dialéctica e Sociologia, Paris, Flammarion, 1962.
17 Ibid. - p.125
18 Ibid. - p.127 - 153
19 Ibid. - p.42
20 Ibid. - p.20
21 IG. Gurvitch, Dialéctica e Sociologia, Paris, Flammarion, 1962, pp.11- 12.
22 Ibid., p.42
23 Ibid., p.19
24 P. Ansart, Proudhon, textos e debates, Paris, Livraria Geral Francesa, 1984, pp.209 - 243.
25 Ibid., p.221
26 “Opondo-se politicamente aos conservadores, aos liberais, aos republicanos e aos comunistas, Proudhon quer também analisar as posições teóricas dos seus adversários (a teologia, o estadismo, a utopia) e opor um método de pensar que explica e mencione verídicas as suas conclusões. De onde, por ele, a decisiva importância de um método intelectual permita escapar às piedades do dogmatismo. As suas conclusões só se compreendem como referências no seu caderno de pensamento a dialéctica”. Ibid., p.209.
27 Ibid., p.221.
28 Criação, p. 212.
29 Sobre a questão das influências subidas por Proudhon na matéria da dialéctica, cf. as obras de G. Gurvitch, Dialéctica e sociologia, op. cit., de Chen Kai-Si, A dialéctica na obra de Proudhon, op. cit., assim que as duas obras de P. Haubtmann, Pierre-Joseph Prudhon, sua vida e seu pensamento, 1809-1849, op. cit., e Proudhon, Marx e o pensamento alemão, op. cit.
30 Em 1839, Proudhon conta ao seu protector Pérennès: “As minhas jornadas passam-se entre Reid e Kant”, Corr., t. I, com Pérennès, 16 Dezembro 1839, p. 163; no ano seguinte, ele escreve ao seu amigo Bergmann que lê Kant “todos os dias”, Corr., t. I, a Bergmann, 10 Novembro 1840, p. 248. Proudhon não lia alemão; ele pode tomar conhecimento dos textos não latinos de Kant nas traduções de Tissot.
31 Corr., t. II, a Tissot, erro de data: 13 dez. 1839 em vez de 1846, p. 212.
32 Criação, p. 212.
33 Criação, p. 186.
34 A nossa intenção não será aqui estabelecer se as críticas que Proudhon formula ao encontro das posições dos seus antecessores são fundamentadas. Elas são o feito de um pensador independente que, na razão das suas modestas origens, teve que abandonar os seus estudos por razões financeiras e tornou-se num autodidacta. Justos ou falsos, o seu interesse reside no facto que elas nos permitem ver emergir filigrana a posição de Proudhon. Como o diz Haubtmann em : Proudhon, Marx e o pensamento alemão, op. cit., p. 21, Proudhon só retém das suas leituras as teses que vão no sentido das duas preocupações, constituindo um suporte ou um enriquecimento; até a sua interpretação das teorias dos outros pensadores está à frente toda ela reveladora dos seus próprios projectos. Estes julgamentos, que, na maior parte dos casos, não são desenvolvidos mas apenas enunciados, exprimem facetas do seu pensamento e, como tal, oferecem um complemento precioso na exposição da sua filosofia.
35 acção, p.166
36 Ibid., p.169
37 Ibid., p.226-227
38 Ibid., p.274
39 Criação, p.172: “A sucessão é a antítese da utilidade; ela forma-se a partir da repetição, das posições e combinações diversas de utilidade”.
40 Ibid., p.192
41 As confissões de um revolucionário 1849, Paris, ed. Rivière, 1929, p.177-178
42 Ibid., p.178
43 Cadernos, t. 1-4, Paris, ed. Rivière, 1968, t.3, p.135. Também confissões, p.177; “A obra que eu publicava (Criação) (…), apesar de bem forte pouca coisa tem a retratar, não me satisfaz em nada: também, apesar de uma segunda edição, parece-me ter obtido do público bastante pouca estima, e é talvez justiça”.
44 Cadernos, t.3, p.134; Também nota precedente.
45 Confissões, p.177, nota.
46 Criação, p.166.
47 Corr., t.VI, à Micaud, 22 dezmbro 1844, p.347.
48 Cf os volumes de correspondência, op. cit.
49 P. Haubtmann, Pierre - Joseph Proudhon, viu e pensa, 1809 - 1849, op. cit,. nota 5, p.243.
50 Cito por Hautbmann, são referências, in: Ibid., p.243
51 Corr., t.I, à Bergmann, 10 novembro 1840, p.248
52 Cf. Criação, pp.160-161.
53 Cf. 1 Memória, Paris, ed. Rivière, 1926, p.136: “ Eu não creio, confesso, nas ideias inatas, mas sim nas formas ou leis do nosso entendimento e eu tenho a metafísica de (…) Kant ainda mais elogiada da verdade do que a de Aristóteles”.
54 Cadernos, t.2, p.139-140 (junho 1847). Também Cadernos, t.3, p.252, 21 março 1849: “As categorias são as formas da razão, sem dúvida; mas parece-me bem dificil admitir, depois do próprio Kant, que estas formas são dadas à razão pela natureza”.
55 Cf. corr., t.II, a Ackermann, 23 maio 1842, p.46: “Eu vejo pura e simplesmente toda a psicologia e a metafísica de Kant”.
56 Criação, p.161.
57 Ibid., p.161, nota de Proudhon.
58 Ibid., p.144.
59 Ibid., p.247.
60 Ibid., p.213
61 Criação, p.161-162
62 Ibid., p.225
63 Cadernos, t.4, p.300
64 Cf. por ex. Ibid., p.300
65 Cf. Ibid.: “O que importa mais que o seu número (o número das categorias) (…), é a sua geração”, p.300.
66 Criação, p.269
67 Cadernos, t.4, p.300: “O que importa mais que o número (o número das categorias) (…), é a sua geração (ver Fichte, etc. evolução do eu e não - eu etc.)”.
68 Esta fórmula (“verdadeira lei da natureza e do pensamento”) parece-lhe curiosa. Efectivamente, Proudhon contesta ordinariamente todo o valor objectivo ao sistema Kantiano; Por ex. Cadernos, t.I, p.27: “O problema da certeza (…) não é resolvido no sistema de Kant, porque as suas formas absolutas da razão não eram demonstradas somente como leis de espírito, não como lei dos objectos”
69 Corr., t.II, a Tissot, erro de datação: 13 dezembro 1846 em vez de 1839, p.213.
70 Criação, p.162: “Hegel generaliza esta ideia ingénua”; Corr., t.II, a Tissot, falsamente datada de 16 Dezembro 1839 em vez de 1846, p.231: “Hegel fez ver que esta lei era muito mais geral que não tinha parecido supor Kant”.
71 Criação, p.231.
72 Ibid., p.232.
73 Ibid.: “conjunto descrito aos olhos da verdade”.
74 Criação, p.162.
75 Cf. por ex. Corr., t.II, a Ackermann, 23 Maio 1842, p.47, onde as proposições hegelianas são qualificadas de fórmulas “tautológicas” e de “abstracções verbais”.
76 Criação, p.163.
77 Corr., t.II, a Ackermann, 23 Maio 1842, p.47.
78 Criação, p.163. Também Corr., t.II, a Bergmann, 19 Janeiro 1845, p.176: “Esta lógica (a lógica de Hege8l) não é só um caso particular, ou se tu queres o caso mais simples da minha”.
79 Teoria da propriedade, p.52.
80 Cadernos, t. 1, p.52-53.
81 Corr., t,II, a Guillaumin, 15 Agosto 1844, p.139-140.
82 Corr., t,II, a Guillaumin, 7 Novembro, p.226.
83 Da justiça na revolução e na igreja, t,1-4, ed. Rivière, Paris, 1930, t.2, p.389.
84 Justiça, t.4, p.431-432.
85 A guerra e a paz, Paris, ed. Rivière, 1927, p.46.
86 Citado por H. de Lubac, em Proudhon e o cristianismo, op. cit., nota 6, p.159.
87 A guerra e a paz, p. 46.
88 Criação, p.177.
89 Cadernos, t.1, p.257: “Razão da antinomia é a lei do movimento perpétuo, que existe na natureza: que uma coisa se destroi ao mesmo tempo que ela se produz = movimento perpétuo”.
90 Ibid., p.260.
91 Cadernos, t.1, p. 259.
92 A guerra e a paz, p. 53.
93 A guerra e a paz, p. 54.
94 Teoria da propriedade, p. 213: “O mundo moral como o mundo físico descansa sobre a pluralidade de elementos irredutíveis e antagónicos, e é da contradição destes elementos que resulta a vida e o movimento do universo”.
95 A guerra e a paz, p. 55.
96 Ibid., p. 28.
97 Ibid., p. 41.
98 Ibid., p. 71.
99 Ibid., p. 28.
100 Corr., t. VII, a Charpentier, 24 Agosto 1856, p. 117.
101 Ibid., p. 117.
102 Corr., t. XII, a Clerc, 4 Março 1863, p. 338.
103 H. de Lubac, Proudhon e o cristianismo, op. cit., p. 159.
104 Corr., t. II, a Guillaumin, 21 Nov. 1846, p. 228.
105 Teoria da propriedade, p. 213.
106 A guerra e a paz, p. 72.
107 Idem, p. 486.
108 Corr., t. VII, a Charpentier, 24 Agosto 1856, p. 117.
109 Justiça, t. 4, p. 432: “Nesta analogia de legislação entre o Cosmos e o Anthrôpos surgia a identidade dos espíritos que os anima, latente no primeiro, livre no segundo”.
110 Cuvillier, À luz do marxismo, t. 1, p. 181-182, citado por H. de Lubac, em: Proudhon e o cristianismo, op. cit., p. 163.
111 Sistema das contradições económicas, t. 1, ed. Rivière, Paris, 1923, p. 193.
112 Capacidade, p. 222.
113 “O homem mais livre é aquele que tem mais relação com os seus semelhantes”, As confissões de um revolucionário, p. 249.
114 Do Principio Federativo, p. 383.
115 Cadernos, t. 2, p. 185.
116 Ideia geral da revolução no séc. XIX, Paris, ed. Rivière, 1924, p. 6.
117 Cadernos, t. 2, p. 60.
118 Justiça, t. 1, p. 233.
119 “O que é a justiça, senão o equilíbrio das forças”, Teoria da propriedade, p. 144.
120 A guerra e a paz, p. 93.
121 Ibid., p. 94 e 126.
122 Capacidade, p. 222.
123 “O homem mais livre é aquele que tem mais relação com os seus semelhantes”, As confissões de um revolucionário, p. 249.
124 Do Principio Federativo, p. 383.
125 Cadernos, t. 2, p. 185.
126 Ideia geral da revolução no séc. XIX, Paris, ed. Rivière, 1924, p. 6.
127 Cadernos, t. 2, p. 60.
128 Justiça, t. 1, p. 233.
129 “O que é a justiça, senão o equilibrio das forças”, Teoria da propriedade, p. 144.
130 A guerra e a paz, p. 93.
131 Ibid., p. 94 e 126.
132 A guerra e a paz, p. 30.
133 Ibid., p. 49-50.
134 Justiça, t. 1, p. 234.
135 Ibid., t. 1, p. 325.
136 Ibid., t. 4, p. 363; cf. também t. 1, p. 366.
137 “O homem não reconhecia em última análise outra lei do que aquela confessada pela sua razão e a sua consciência; toda a obediência da sua parte, fundada sobre outras considerações, é um começo de imoralidades”, Justiça, t. 4, p .350; cf. ainda: “A intervenção de uma autoridade exterior, (…) na ordem da justiça e como sanção da justiça, é destruidor da Justiça; Ibid., t. 1, p. 449.
138 Ibid., t. 4, p. 363.
139 Ibid., p. 354.
140 Ibid., t. 1, p. 231.
O caso da dialéctica, verdadeiro nexo de todo o pensamento proudhoniano, é particularmente característico nesta perspectiva. Desde 1936 1, nunca existiu publicação que lhe fosse especificamente consagrada; ela faz unicamente o objecto de alusões ou de breves capítulos na margem de trabalhos orientados sobre outras questões. Como explicar esta falta de interesse das críticas por um dos temas centrais do pensamento proudhoniano, nos mesmos dizeres do seu autor 2, senão pelo desinteresse por toda a parte, mais propriamente filosófica da obra proudhoniana?
O problema não é datado. Se se toma em consideração a primeira recepção dos dois textos onde Proudhon expõe a sua concepção da dialéctica, Da criação da Ordem na humanidade e Sistema das Contradições económicas 3, constata-se que a parte filosófica destes escritos é, desde o surgimento, o objecto de inúmeras críticas. Proudhon queixa-se de si mesmo num texto que fixa de algum modo, negativamente, o quadro interpretativo que lhe convinha aplicar e o bem que ele concebe entre as diversas partes do seu sistemas, filosófico, político e religioso. Um ano depois da aparição da Criação, Proudhon escreve ao seu amigo Ackermann:
« Vós solicitais que eu tenha partidários. Eu confesso-vos muito humildemente - ou convictamente - que neles não acredito. - Pauthier encontra a minha teoria muito especial; (…) Tissot pronuncia claramente que a minha metafísica não é nada; a Revista independente declarou que me iludo; Pierre Leroux aproxima-me em ter atribuído a Fourier a primeira percepção da lei serial, sem explicar-se aliás; a grande parte diz que eles não me compreendem.
» Para o resto, uns aceitam a economia política e a teoria das funções; outros são arrebatados ao ver a religião atamancada, mas não admitem que a filosofia não seja nada, e vice-versa (…). Os republicanos sabem pouco dos meus trabalhos, porque eu não sou partidário cego da guerra, das fortificações de Paris, e outras opiniões revolucionárias; os comunistas, que não se figuram como dois princípios contraditórios (propriedade e comunidade) podem formar uma Síntese que os absorve e os transforma, olhando-me quase como um legítimo meio 4.» Por isso a constatação de incompreensão, aproxima-o de que Proudhon formula acerca dos seus difamadores ao despedaçar de alguma forma o seu pensamento para meter só um aspecto, político, religioso ou filosófico, em detrimento dos outros, sem compreender a ligação orgânica que os une.
Apesar dos ecos bastantes negativos em França e a recepção na Alemanha, favorável seguramente ao primeiro texto 5 mas francamente hostil ao segundo, que ocasionara a ruptura com Marx 6 (a atitude de Marx perante Proudhon desde 1846 7 tem também, sem qualquer dúvida, contribuído em descrédito 8 daquele e do seu projecto dialéctico), Proudhon não desarma; seguramente ele não consagra nenhum capítulo específico ao tema da dialéctica nos textos posteriores no Sistema das contradições económicas, mas o conjunto da sua obra só se compreende a partir da dialéctica, que a sub entende ligando-a às diferentes partes.
O carácter doravante mais misterioso da dialéctica derrotou os interpretes, que transferiam o seu interesse sobre os problemáticos explicitamente temáticos do pensamento proudhoniano. Mesmo P. Haubtmann, nos seus notáveis titânicos estudos sobre Proudhon, faz pouco caso desta dialéctica, que ele considera como um capítulo terrível do pensamento proudhoniano e sobre o qual ele ironiza com inspiração. Certamente, «força está-lhe (…) por outras palavras, mas, apercebe-se, ele não o faz só como um manifesto de má vontade e não deixa de destacar o seu desacordo quanto ao pretendido carácter luminoso e decisivo que Proudhon empresta à sua teoria («nós não partilhamos o seu conselho (o conselho de Proudhon), escreve ele a propósito da evidência da lei séria como critério de certeza) 9. Incerta poeira aos olhos sem real fundamento, a dialéctica séria surgia «mais obscura que convincente, mesmo se se admite as suas conclusões» 10, confusa por outro lado, os desenvolvimentos que lá consagram Proudhon “são de tal modo verbais, indigestos, e obscuros que ele não os considera útil “acompanhar” 11 . Na filosofia social de P.-J. Proudhon, ele persegue a mesma via: «A imprecisão redutível da sua terminologia, escreve, e o anfiguri extermo das suas sérias vocações não permitem precisar em primeira mão, pelo menos pelo momento, a significação filosófica exacto da sua lógica: nós o aprenderemos sobretudo pela utilização que ele faz» 12 . O pelo menos pelo momento deixa prever que o autor tinha a intenção de voltar a este ponto seguinte. Ele não faz nada mal e limita o seu exposto da dialéctica nas obras de juventude. Ele consagra algumas páginas à dialéctica em: Pierre - Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1809 - 1849 e em Proudhon, Marx e o pensamento alemão 13 , obras remetendo-se para o período das publicações de juventude, não falando, em conta partida, em Pierre - Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1849 – 1865 14 . Na filosofia social de P.- J. Proudhon, que leva em conta a integrabilidade da obra proudhoniana, os desenvolvimentos consagrados à dialéctica 15 dizem respeito sobretudo à Criação e o Sistema de contradições económicas. De uma forma geral, Haubtmann apressa-se nas passagens onde Proudhon tematiza explicitamente, seguindo uma forma desajeitada, sua concepção da dialéctica; em contrapartida, ele está pouco interessado na sua aplicação no conjunto da obra, negligenciando assim um aspecto primordial do pensamento de Proudhon.
Tudo o resto é o julgamento trazido por G. Gurvitch 16. Em nenhum momento, ele coloca em dúvida que Proudhon não ocupa um lugar marcante na história da dialéctica 17; é assim que ele lhe consagra um capítulo inteiro no seu livro Dialéctica e Sociologia 18. Procurando fazer uma obra original, Gurvitch, como ele mesmo o diz, “insiste nas (posições) que (lhe) parecem mais adequados para preparar “uma nova concepção da dialéctica 19 - e, neste ponto de vista, aquela de Proudhon parece-lhe digno de interesse -, esforçando-se todo para pôr em evidência as suas insuficiências respectivas. Para Gurvitch, a dialéctica “não pode ser nem ascendente, nem descendente, nem os dois simultaneamente. Ela pode conduzir nem ao saudável, nem ao desespero, nem, através do último, ao primeiro. Ela não constitui nenhuma panaceia de reconciliação da humanidade consigo mesma. Ela não pode ser nem espiritualista, nem materialista, nem mística. Ela não pode ser projectada nem no espírito nem na natureza. Enquanto método e enquanto movimento real, a dialéctica revela a existência humana e portanto social. (…) Os bens entre os dois aspectos mencionados são eles mesmos dialécticos 20. Tal é, precisamente exprimidos os mesmos termos do seu autor, a concepção gurvitchiana da dialéctica, na qual se encontra julgada a quota dos seus precedentes. O mérito de Proudhon, como aquele de outros dialécticos tais como Fichte, Marx e Sartre, seria ter “sabido descobrir que o lar essencial da dialéctica encontra-se na realidade social e no que é a parte priviligeada, a realidade histórica, caracterizada pelo seu prometeísmo” 21. A aproximação que ele lhe dirige, tal como a Marx, é não ter conseguido “evitar a piedade da dialéctica ascendente conduzindo à reconciliação da humanidade, liberta de todas as suas taras. Esta dialéctica ascendente permanece pois, junto delas, estima Gurvitch, consolante, e portanto, apologética do futuro da Humanidade” 22. Deste feito, mesmo que Proudhon se proponha para combater todo o dogmatismo, aí recairia (ele) adoptando “os pontos de vista aceites anteriormente” 23. Notar-se-à que na diferença de Haubtmann, Gurvitch tem apoiado a sua concepção da dialéctica junto de Proudhon sobre esta tomada em consideração do conjunto da obra.
No seu livro: Proudhon, textos e debates, P. Ansart consagra-lhe também todo um capítulo à dialéctica junto de Proudhon 24, onde ele sublinha o carácter “bastante original e pouco dogmático” 25. Ele destaca o facto que o pensamento de Proudhon, de natureza dialéctica, não pode sair no mesmo livro desta dialéctica 26, e, na cilada de Gurvich, distingue a dialéctica como “método de pensamento” da dialéctica como “característica mesmo das realidades sociais” 27.
Deste breve sobrevoo de algumas posições da crítica contemporânea, iniciado sem a meia pretensão de exaustividade, contemplará simplesmente a riqueza do tema da dialéctica, actualmente desconsiderado por vezes o método, lógico, estrutura do pensamento e estrutura do real - da realidade social, como o sublinhou Gurvitch e Ansart, mas igualmente da natureza -, verdadeiro trato de união entre as diferenças partes do sistema proudhoniano, uma espécie que não é possível abordar correctamente algum tema desta filosofia sem possuir uma clara nação. O objectivo deste artigo será esboçar como as diversas facetas deste tema essencial à compreensão da sua filosofia se articulam numa teoria unitária. Nós começaremos por expor brevemente como Proudhon vem a interessar-se pela dialéctica.
Nascimento do projecto dialéctico junto de Proudhon
Não será inútil começar por uma nota terminológica. Na Criação, Proudhon fala da “teoria séria” que, “são nomes diversos”, não teria “ deixado de prosseguir” 28 O termo da “ teoria séria” será por outro lado posto de parte. Nós designaremos aqui o termo genérico da “dialéctica”, esta lei da série há muito procurada, sob as diversas apelações que lhe foram sucessivamente atribuídas.
A partir das escassas indicações fornecidas pelo próprio Proudhon, é possível reconstituir sumariamente a génese do seu projecto dialéctico, no qual os escalões mais significativos parecem ter sido a leitura sucessiva de Fourier, de Kant e de Hegel, desde a elevação a um ponto de vista próprio 29.
A primeira teoria dialéctica elaborada por Proudhon é posterior à permanência parisiense tomando lugar entre 1839 e 1841 30, período de aprendizagem ao longo do qual ele descobre os filósofos alemães, então no centro das suas leituras e das suas preocupações, como testemunham os seus cadernos de leitura 31 e a sua correspondência1. Pode-se todavia, admitir que algumas leituras anteriores, datando da época onde ele trabalhava como corrector numa imprimiria, constituíram as bases da sua cultura (nomeadamente da leitura dos escritos de Fourier, Saint-Simon, Cousin, Cabet e Jouffroy, assim como Leibniz, até mesmo algumas traduções ou recensões de Kant, Fichte, Hegel e Feuerbach). Destas leituras de juventude, ele memorizará em particular a principal ideia do pensamento de Fourier, a série. Todavia, apesar de Proudhon se relembrar retrospectivamente, o caminho que o conduziu à dialéctica, não é o nome de Fourier que lhe vem ao espírito, mas os de Kant e de Hegel, nos quais a descoberta situa-se propriamente durante a permanência dos estudos parisienses. São eles que detêm as indicações decisivas em vias de estabelecer a sua teoria dialéctica, o primeiro a ter, na Crítica da razão pura, a sua apresentação das antinomias sugerida a Proudhon “uma verdadeira lei da natureza e do pensamento”, o segundo, para ter alargado o campo de aplicação desta lei e ter-lhe conferido uma validade ainda “muito mais geral” 32. Entretanto, nenhum destes sistemas satisfazia inteiramente Proudhon, que se encontra bastante acanhado. Ele declara sentir-se “como um prisioneiro” também face à série de Fourier, à antinomia kantiana do que à síntese hegeliana, e só chega finalmente à descoberta da sua própria “teoria de série” libertando-se deles, dialetizando:
«Eu só conheço A Crítica da razão pura através das medíocres análises, e eu tinha apenas entendido falar de Hegel, contudo, preocupado com as ideias trinitárias, eu construiria o sistema ao qual eu venho trazer a parte fundamental. Isso foi para mim como uma preparação à teoria séria, que sob nomes diversos eu não deixaria de prosseguir, e na qual eu adquiri, enfim, a inteligência um dia onde, cansado de sistemas onde eu me encontrava como um prisioneiro, eu formava o projecto, para ter a maioria, não abandonar mas resolver uns e outros sistemas» 33.
Ausência de precisões, é difícil situar o momento onde Proudhon chega à “inteligência” da sua teoria séria. É provável que esta iluminação seja posterior ao período parisiense, se leva em conta uma indicação figurativa da Criação, de 1843, onde, fazendo referência ao seu período de aprendizagem, Proudhon nota: “Eu estava na via da dialéctica séria; mas eu ainda não lá chegava”34. Se acredita neste testemunho, a teoria dialéctica exposta na Criação e na qual Proudhon vem afirmar a originalidade, seria pois posterior à sua estada de estudos parisienses.
Após este breve apanhado das principais fontes onde Proudhon foi procurar a sua inspiração, esboçaremos sumariamente o que ele pode reter 35.
a) Fourier, o “revelador da série”
Mesmo se o pensamento de Fourier não é mencionado, entre as posições tendo jogado um papel preparatório importante relativamente à descoberta do seu sistema, é inegável que ele exerce uma influência considerável sobre Proudhon. E se Proudhon se mostra extremamente critico, virulento mesmo, aos olhos de Fourier, ele não permanece menos impressionado pelo que ele considera como o seu maior bem: a série, que ele vai adoptar mediante algumas adaptações. O grande mérito de Fourier, segundo Proudhon, é efectivamente ter sido o precursor da lei de série 36; todavia, e está lá a maior censura que ele lhe dirige, Fourier estaria contente em distinguir diversas espécies de séries, sem dar uma teoria consistente, permanecendo prisioneiro de um “Simbolismo vão” 37; “a série que eu venho contar segundo Fourier, escreve, (…) só é real sobre o papel. (…) O infortúnio procurava a dialéctica séria e só chegava a um simbolismo vã, a analogias e a antíteses” 38. O projecto de Proudhon é satisfazer esta lacuna. É precisamente o que ele propõe a realizar-se são o nome de “dialéctica séria” na Criação.
Proudhon retoma a ideia fourierista que o mundo é governado pela série, na qual ela é na Criação o fundamento da sua filosofia. Para Proudhon, tudo é “sucessivo”, ou seja, um e múltiplo. A sucessão, segundo a definição que ele lhe dá, é “um todo composto de elementos agrupados sob uma certa razão ou lei” 39.
O elemento de base da sucessão é a unidade; ora a mais pequena sucessão possível compreende no mínimo duas unidades; por conseguinte ela compreende necessariamente o múltiplo 40. “Descobrir a sucessão, é captar a unidade na multiplicidade, a síntese na divisão” 41. A descoberta de uma sucessão compreende pois três momentos; 1º a posição de uma unidade (tese), 2º a colocação em evidência de uma unidade oposta (anti-tese), 3º a composição das unidades opostas numa unidade superior (síntese). A afirmação segundo o qual tudo, no mundo, seria sucessão, implica pois a afirmação que tudo no mundo seria oposto.
É neste sentido que Proudhon podia escrever alguns anos mais tarde, a propósito da Criação, que este livro era censurado por ser “uma verdadeira máquina infernal (…), abrangendo todos os instrumentos da criação e da destruição” 42. Todavia, no momento destrutivo constituído pela colocação das antinomias, deve suceder o momento propriamente “criador” da síntese. “Como a Contradição tinha servido para demolir-me, menciona ele no mesmo texto, a Série deveria servir para edificar-me “ 43. A dimensão criativa da dialéctica sucessiva, sublinha até ao título da obra consagrada na sua apresentação (Da Criação da Ordem), deixa claramente aparecer descritiva e normativa, ordem da natureza e ordem para instaurar na sociedade, instrumento de apanha do real e regra servindo para orientar a praxis na construção criativa do ideal.
Proudhon transmitirá de seguida um julgamento bastante severo sobre a Criação, estimando o livro “mal feito” 44. A aproximação na afecta todavia as ideias que lá estão exprimidas – na qual o autor afirmará em muitos retornos não ter “nada para negar”45 – e em particular a dialéctica seja, parte da obra na qual ele declarará “atacar o mais importante” 46. A dialéctica sucessiva conhecerá por outro lado uma grande fortuna na produção interna de Proudhon, mesmo que as referências a Fourier tendem a desaparecer. É dizer que o empréstimo de Proudhon a Fourier seria limitado ao emprego do termo de “sucessão”? É verdade que Fourier não tem desenvolvido a teoria da série, como lhe diz Proudhon, e que em particular não se encontra, junto dele, nenhuma concepção da dialéctica. Todavia, constata-se desde já junto de Fourier que este duplo valor do termo de “sucessão”, por vezes lei do mundo e ordem para instaurar na sociedade em vias da realização da harmonia, uma espécie que o sem de Fourier está longe de ser também negligenciável e que Proudhon não sugere.
b) Kant, o sério fundador de uma nova figura da dialéctica
Se Fourier é, aos olhos de Proudhon, propriamente o “revelador da sucessão”, o primeiro a ter a “ideia universal” 47, não tem, como se virá a constatar, nenhum conhecimento sobre o desenvolvimento da teoria. É nesta teoria do lado da Alemanha que Proudhon vai descobrir a plena realização, pelo menos prometedores esboços. A fonte do termo “dialéctica”, que ele utiliza por vezes para designar a sua própria teoria sucessiva estaria por outro lado junto de Kant, se acredita nesta interessante indicação figurada numa carta ao seu amigo Micaud a Dezembro de 1844: “Os alemães, seguidos de um grande movimento filosófico começado por Kant em 1780, chegam exactamente como eu ao negar o valor científico da teologia e da filosofia na qual eles substituem o que eles nomeiam de dialéctica, e eu de metafísica ou teoria sucessiva” 48. Proudhon acredita pois constatar uma analogia entre a sua própria teoria e o movimento crítico operado em 1780 por Kant na crítica da razão pura, conduzindo em particular da Dialéctica a transcendente” à restrição das pretensões da razão convêm aqui fixar mais precisamente os termos desta analogia e de deter os limites.
Proudhon, que não sabia alemão, toma conhecimento da crítica da razão pura na tradução de J. Tissot, professor em Dijon, com o qual ele mantém uma correspondência intensa 49. Sabe-se pelos seus cadernos que ele lê e anota esta obra em Dezembro de 1839, depois em Dezembro de 1840 50. Autodidacta, ele não está tecnicamente preparado para uma leitura de tal dificuldade. Guerra espantosa que Kant juiz “de uma leitura e de uma inteligência difícil” 51. Ele manterá uma impressão de atordoamento. A obra faz-lhe o efeito de um prodigioso edifício de subtilidades abstractos, de uma “sublimidade espantosa” 52, desesperadamente privada de contacto com realidade objectiva 53. Sem dúvida Kant impõe-lhe isso, mas o partido tomado como empirista de Proudhon ameaça-o afim de rejeitar toda a origem transcendental de uma doutrina na qual ele só vê uma versão renovada da qualidade inata (inata não das ideias, seguramente, mas das formas da sensibilidade e do entendimento) 54. E é o “sistema inteiro de Kant” que ele crê recusar afirmando que o espaço e o tempo, mesmo as categorias, longe de serem formas puras da sensibilidade, respectivamente do entendimento, só seriam o resultado de uma “impressão da natureza sobre o espírito” 55. Esta posição conduziu seguramente a permanecer toda a metafísica e a psicologia de Kant 56, viciadas, segundo ele, por esta dimensão transcendente à qual ele não crê.
Esta reserva fundamental, que condiciona todo o seu julgamento da posição kantiana, não o impede de celebrar Kant como o fundador de uma “dialéctica nova” 57. Ele afirma que existia “poucos dialécticos comparáveis com Kant” 58. O seu mérito seria ter “marcado perpetuamente a lei séria”, na qual “o mesmo nome escaparia algumas vezes”; mas, não tendo tido só “uma a percepção incompleta”, ele não teria proclamado nada, (…) reconhecia do nada” 59. Breve, “o ilustre autor de Analítica (estaria) ausente do seu caminho” 60.
É nomeadamente através da dedução das categorias que Kant estaria mais próximo da “dialéctica sucessiva”: “O objectivo de Kant, fazendo o inventário das categorias, foi mostrar que a lei fundamental do raciocínio consiste, por baixo de toda a coisa, em não concluir nada de uma categoria a uma outra, o que é (…) o mesmo princípio da dialéctica sucessiva”. O bem mais considerável de Kant à história da dialéctica consistiria na exploração de uma figura até então pouco utilizada pela dialéctica:”Desde Kant, a dialéctica está enriquecida de uma figura primeiramente pouco conhecida, e na qual a balança parece ter servido de modelo. (…) Ela consiste naquilo que, dois termos antitéticos sendo dados, formam da sua união a um terceiro termo, diferente dos outros dois, e resolvendo-os numa espécie de balança ou de equação” 61. É precisamente esta nova figura dialéctica que reagiria parcialmente a estrutura do quadro das categorias: “Kant, tendo divido os seus conceitos em quatro famílias, compostas cada uma por três categorias, tinha mostrado que estas categorias produziriam, por assim dizer, uma e outra, sendo a segunda constantemente a antítese ou o oposto da primeira, e a terceira deixando das duas outras numa espécie de composição”, segundo a estrutura ternária da tese, antítese e síntese 62.
As duas maiores críticas que Proudhon dirige ao inventário kantiano das categorias dizem respeito por um lado à sua enumeração, por outro lado à sua dedução. Focando o primeiro ponto, o quadro das categorias só é regido por uma parte da estrutura ternária, Kant tendo hesitado, segundo Proudhon, entre um sistema binário, ternário e quaternário e não tendo sabido elaborar uma estrutura plenamente fechada, “do qual ele não conhecia a sucessão” 63. Mais, “nada impede supor o (número ilimitado das categorias) ” 64, confessa Proudhon (as categorias não estão tão próximo dele como o sentido bastante afável da “concepção” ou da “nação” 65). Como consequência o dito quadro seria bastante apertado. No que diz respeito ao segundo ponto, o mais importante aos olhos de Proudhon 66, o quadro das categorias, não oferecia só um quadro petrificado, estático, contrário à dialéctica das categorias: “Na teoria da sucessão, os conceitos produzem-se reciprocamente, sustentam-se e supõem-se um ao outro: este encaminhamento admirável, procurava-se em vão na crítica de Kant. Lá, as categorias simétricas, eu diria quase cristalizadas num quadro imóvel, são independentes uma da outra, sem laço comum, sem génese” 67. Reaproximando a Kant o carácter não genético da sua dedução das categorias, Proudhon retoma uma aproximação que tinha sido formulada nomeadamente por Fichte, ao qual ele reenvia por outro lado expressamente 68.
Paradoxalmente, Proudhon limita, na criação o seu exame da crítica da razão pura à Estética transcendental e à Analítica transcendental, e não diz nada de Dialéctica transcendental, que teve todavia tocado directamente o seu sujeito.
Em resumo, Proudhon encontra junto de Kant o que lhe faltava junto de Fourier, uma teoria dialéctica, na qual ele se inspirava largamente (resolução da antinomia “uma espécie de balança ou de equação”), e é seguramente neste ponto que Proudhon vê grande analogia entre o seu pensamento e o de Kant. Contudo, Kant não teria sabido conferir a esta nova figura da dialéctica, na qual ele seria o génio inaugurador de uma capacidade suficientemente universal. E se, numa carta a Tissot de 1846, ele declara que “lendo as antinomias de Kant, (ele teria) visto não a prova da falibilidade da nossa razão, nem um exemplo de subtilidade dialéctica, mas uma verdadeira lei da natureza e do pensamento 69”, é para acrescentar que Hegel teria “feito ver que esta lei era muito mais geral do que Kant tinha parecido supor” 70.
c) Hegel, o ingénuo funâmbulo da tricotomia
Depois de Kant, é pois em direcção a Hegel que Proudhon se volta. Na realidade, ele conheceu-a mal, através de algumas recessões e resumos de manual com os quais ele pode ter acesso, assim como pelo viés das suas conversações com os hegelianos de esquerda. O que ele reteu resume-se como essencial, à universalização do principio dicotómico colocado na honra por Kant 71.
A leitura de Kant fez-lhe prever a grande tarefa filosófica a realizar. Ele deseja estabelecer um sistema que permaneça, não sobre os princípios que, como no sistema kantiano, não seriam demonstrados só “como leis de espírito, não como leis dos objectos”, mais sobre o princípio pressentido na ocasião da leitura das antinomias e que ele designa pelo termo “sucessão / série”, em vez de “lei da natureza e do pensamento”; ele deseja, aliás, ultrapassar o subjectivismo kantiano e operar a reconciliação com o real.
Se, na evolução da posição kantiana, Proudhon parece conformar-se com o esquema da história da filosofia que Hegel soube impor e que ele pode encontrar nomeadamente junto de Cousin, ele não está em contra – partida, de algum modo disposto em reconhecer a Hegel o papel que este se auto – atribui. O idealismo absoluto, longe de oferecer a fórmula desta reconciliação com o real procurando, é, aos seus olhos, afectado pelo mesmo defeito que a posição kantiana. Hegel “antecipa sobre os factos em vez de os atingir”. E então mesmo que Proudhon se exprima bastante positivamente sobre a lógica de Hegel, que satisfazia “infinitamente mais a (sua) razão que todos os velhos apostemas os quais nós enchemos desde a infância”, ele apressa-se para acrescentar que ele não aprova nenhuma necessidade para “seguir Hegel na sua infrutuosa tentativa de construir o mundo das realidades com as pretensões à priori da razão” 72.
Rejeitando a metafísica de Hegel, ele não retém da sua dialéctica somente uma fórmula lógica, sem dúvida “maravilhosamente cómoda 73” e aplicada com uma “arte maravilhosa” 74 dando a ilusão da verdade 75, mas que se verifica afinal de contas estéril e oca 76. Seguramente, “nunca o génio do homem tinha feito um esforço também prodigioso”, nota Proudhon, não sem deixar perceber um certo sentimento de admiração, mas, no primeiro momento de encantamento passado, apercebe-se que Hegel “força as suas fórmulas” 77, e o conjunto não dá obviamente a impressão de um jovem pueril e vão: “Eu não me deixo abusar pela metafísica e as fórmulas de Hegel (…). Eu chamo a um gato um gato, e não me creio mais avançado para dizer que este animal é uma diferenciação de todo o grande, e que Deus chega à sua consciência no meu cérebro (…). Ousar-se-iam dizer-me que o sistema de Hegel é outra coisa que a fórmula tese, antítese, síntese, tomada pela lei da diferenciação do absoluto, e sucessivamente aplicada, com grande aparelho e grandes fracassos, a todas as questões da filosofia, de arte, de direito, etc. É mesmo! Isso, para mim (…) é puerilidade; não é ciência” 78.
Se o mérito de Hegel é, um certo sentido, ter generalizado a utilização do modelo ternário posto à frente por Kant, isso constitui ao mesmo tempo, segundo Proudhon, a sua fiabilidade, pois, ao fazer-se, não seria atacado só um caso particular da dialéctica sucessiva: “Hegel, antecipando sobre os factos em vez de os atingir, forçava as suas fórmulas, e esquecia o que talvez fosse uma lei do conjunto não suficiente para dar razão dos detalhes. Hegel numa palavra, estava impressionado numa série particular, e pretendia explicar a natureza, também variada das suas série e nos seus elementos” 79.
Por outro lado, se Proudhon estima um momento que a estrutura tese – antítese – síntese pode exprimir uma “lei do conjunto”, ele não tardará a rever esta opinião. Ao contacto da esquerda hegeliana, Proudhon aproxima-se para 1845 – 1846 das teses hegelianas, o que nota em particular no sistema das contradições económicas. Este reaproximação, todavia não deixa nada. A partir de 1855, Proudhon abandona definitivamente o termo “síntese”. Em direcção a 1860, lançando um olhar retrospectivo sobre o seu itinerário, ele julga severamente o seu afastamento hegeliano: “A propósito do sistema das Contradições económicas, eu diria que se esta obra deixa, no ponto de vista do método, algo a desejar, a causa está na ideia que eu faço, depois de Hegel, da antinomia, que suponha ter que resolver-se num termo superior, a síntese, distinta dos dois primeiros, a tese e a antítese: erro de lógica bem como da experiência na qual eu sou hoje um retornado” 80.
Se é preciso resumir o que Proudhon conservará, em definitivo, da Criação hegeliana em vista da elaboração da sua dialéctica sucessiva, notar-se-à a extensão universal dada a um modelo terrivelmente unilateral da sucessão (“ciências naturais, moral, política, jurisprudência, tudo lá se passa”), por outro lado a forma viva na qual Hegel soube articular as suas sucessões entre si e que nada têm a ver com a forma de proceder rígida e estática de Kant (“as sucessões seguem-se e encaixam-se com uma arte maravilhosa”). Contudo, apesar de extensão do domínio da aplicação da dialéctica, o golpe com o real subsistiria. Depois de Kant, Hegel não chegaria a superar o afastamento entre as “leis de espírito” e as “leis dos objectos”. Hispostasiando o modelo tricotónico, Hegel estaria fechado numa sucessão particular, incapaz de dar conta da natureza, salvo mutilá-la.
2.1. A antinomia como lei universal
Após ter brevemente caracterizado o que Proudhon pode reter das principais fontes nas quais ele se inspirou, nós vamos passar à apresentação das grandes linhas da sua dialéctica.
Como Proudhon o anota nas Confissões, “a Criação da ordem tinha apenas visto o dia”, ressentindo a necessidade de “construir” o “sistema das contradições” e de encontrar esta lei universal que governa o mundo, no qual ele tinha tido o pressentimento na leitura das antinomias kantianas. Durante o verão de 1844, ele consagra nos Cadernos o seu projecto ao “explicar a origem do mal pela lei das Antinomias (…), (de) lembrar uma causa única, uma lei do espírito humano (…), todos os factos sociais, da ordem e da desordem, do bem e do mal, do progresso e da ruína” 81. Algumas semanas mais tarde, ele expõe as grandes linhas do seu livro ao seu editor Guillaumin: “Afim de dar a unidade a uma obra que tratará os problemas da aparência mais estrangeiros um ao outro, eu devo cavar mais antes talvez dos pesquisadores da economia, e procurar a lei geral que governa toda a ciência, e portanto a própria sociedade. (…) Trata-se de uma lei superior, lei da natureza e do nosso entendimento, que dá igualmente razão à ordem e da desordem (…) das sociedades” 82. O objectivo que ele fixa, como o diz numa outra carta a Guillaumin, é de chegar à “reconciliação universal pela contradição universal” 83.
A ideia que ele pode lá ter, um princípio que serve por vezes da lei da natureza, da lei do pensamento e de lei da sociedade supõe uma radical homogeneidade entre os diferentes povos da realidade. A palavra de ordem é precisamente esta reconciliação com o real no qual ele tinha vagamente procurado o tipo junto de Kant e de Hegel. A ideia de um “todo harmónico”, Proudhon fala igualmente da “harmonia universal”, apresentada através de toda a obra, formulada de forma particularmente impressionante em especial na justiça:
“A moral humana é parte integrante da ordem universal; uma espécie que, apesar de algumas dissonâncias, mais aparentes que reais, a ciência deve aprender a conciliar, as leis de um são também as leis de outro. Deste ponto de vista superior, o homem e a natureza, o mundo da liberdade e o mundo da fatalidade, formam um todo harmónico: a matéria e o espírito estão de acordo por constituir a humanidade e tudo o que envolve os mesmos elementos submetidos às mesmas leis. Monumento indissolúvel, ao qual o universo fornece os fundamentos, nos quais a terra é o pedestal, e o homem a estátua” 84.
Ou ainda:
“A vida universal não é só uma irradiação da minha consciência (…). Então a ideia de uma harmonia universal entra na minha alma: eu digo-me que entre o mundo da natureza e o mundo da justiça (…) tudo é idêntico” 85.
Não é preciso acreditar que Proudhon cede uma visão irónica do mundo, pois esta harmonia não é estática; ela é o equilibro dinâmico entre as forças irrevogavelmente antagónicas, e o principio comum dos diversos planos da realidade, que lhe serve de lei a todos e reúne-os é antinomia, termo que Proudhon empresta a Kant dando-lhe uma acepção muito mais vasta e serve para designar a relação entre os termos irredutivelmente antagonistas.
Proudhon, cujo centro de preocupações reside na filosofia prática, não se atrasa nada no funcionamento desta lei da antinomia na natureza; através das anotações dispersas, ao longo da sua obra nós aprenderemos que “o mundo físico descansa sobre uma pluralidade de elementos irredutíveis e antagónicos, e é da contradição destes elementos que resulta a vida e o movimento do universo”. Este “antagonismo profundo” 86 ou “antinomia natural” 87 que “rege a natureza” 88 forma as “sucessões naturais” que “se desenvolvem em cada uma segundo o seu próprio objecto, sem se misturar nem se confundir” 89. O equilíbrio dinâmico entre as forças naturais em conflito produziu “movimento perpétuo” 90. A antinomia é a razão por vezes do movimento e da eternidade, o princípio gerador” 91.
Lei da natureza, a antinomia é igualmente lei do pensamento. O pensamento não encontra efectivamente a exercitar-se lá onde existe a oposição: “todas as nossas ideias elementares são antinómicas” 92, escreve. O pensamento é um produto da “síntese de duas forças antitéticas, a unidade subjectiva e a multiplicidade objectiva”, seja da síntese do Eu e do Não – Eu. O plano do pensamento reenvia pois ao plano da acção, mais precisamente, ele é na forma de acção. O homem não pode agir só reagindo ao que o contradiz. “A condição por excelência da vida” junto do homem, lê-se, é a acção (…). Ora o que é o agir? Para que haja acção, exercício físico, intelectual ou normal, é preciso um meio para manter relações com o sujeito agitado, um Não -Eu que se coloca diante do seu eu como um lugar e matéria de acção que lhe resiste e o contradiz. A acção será pois uma luta: agir, é combater “ 93. O pensamento, ele mesmo. “Exercício intelectual “ revelador da esfera da acção, é ao mesmo tempo a reprodução numa forma antinómica, da antinomia que subentende toda a vida prática do homem.
Lei da vida natural, lei da vida intelectual e prática, a antinomia é igualmente lei da vida moral e social. “Ser organizado, inteligente, moral e livre, o homem está (…) em luta, ou seja, mantém relações de acção e de reacção, primeiro com a natureza. (…) Mas o homem não tem somente um caso com a natureza; ele reencontra também o homem sobre o seu caminho” 94, e, em virtude da lei da sua acção, ele deve necessariamente opor-se-lhe e reencontrar num rendimento de luta com todos os homens que compõem o campo social.
Á semelhança da esfera natural, a esfera social é composta de uma pluralidade de forças antitéticas irredutíveis 95. A guerra é “iminente à humanidade” 96; ela é uma condição da nossa existência 97. É assim que Proudhon pode declarar: “O estado social é (…) sempre um facto ou um direito, um estado de guerra” 98. No campo da praxis social, a guerra é “analogia” do movimento dialéctico do pensamento: “A guerra tem a sua fórmula abstracta na dialéctica” 99. A guerra torna-se o termo genérico para exprimir a luta, a oposição, o antagonismo. Ela revela um carácter universal 100.
Do lado dos termos de “antinomia” e de “guerra”, Proudhon utiliza igualmente o de “contradição” (a “contradição universal” na qual ela é a questão numa carta a Guillaumin), precisando que ele não deve ser entendido “no sentido vulgar de um homem que se diz e se deduz” 101. Trata-se de “uma contradição” de alguma forma “natural” e superior, “de uma oposição inerente a todos os elementos” 102, que não é nada menos que “a revelação incessante e polimorfo da própria verdade” 103. Enquanto que a primeira acepção da contradição é “estéril como o nada”, de acordo com a Segunda ela seria “fecunda como a vida” 104. Mas para que a “contradição universal” seja verdadeiramente fecunda, é preciso que ela gere, segundo os termos do programa enunciados na carta a Guillaumin, a “reconciliação universal”.
Numa outra carta a Guillaumin, Proudhon precisa: “O antagonismo dos princípios (…) é o facto que serve para estabelecer a necessidade respectiva e recíproca dos princípios, (…) que eles são por isso mesmo necessários um ao outro, e que a sua existência é incompleta a todos os dois desde que eles não estejam reconciliados” 105. Entretanto, já que “é da contradição (…) que resulta a vida e o movimento do universo” 106, Proudhon encontra-se face à delicada tarefa de ter que demonstrar como chegar ao apaziguamento dos conflitos sem, por isso, suprimir o antagonismo, sem cair na piedade da sesta eterna” 107.
2.2. O equilíbrio como solução da antinomia
“O fim do antagonismo (…) quer-se dizer (…) o fim do mundo”, nota Proudhon; todavia “a paz” não exclui o antagonismo; ela significa unicamente “o fim do massacre” 108. Por outros termos, a “guerra”, no sentido genérico, não deve ser abolida; ela deve ser transformada. Na solução da antinomia, o antagonismo é conservado, mas ele perde o seu carácter conflituoso. Esta solução é universal: ela aplica-se às antinomias naturais, intelectuais e sociais. Contudo, no processo de colocação em prática desta solução, vê-se surgir uma importante dissimetria entre natural e sociedade. Enquanto que o equilíbrio das forças naturais faz-se “naturalmente”, o equilíbrio das forças em luta no seio da sociedade deve ser instaurado artificialmente. Efectivamente, na diferença da natureza, a sociedade não dispõe um mecanismo de auto-regulação que a preserve do caos; ela deve remeter-se a si mesma à destruição das forças que a compõem. Como o explica Proudhon a Charpentier: “Todas as forças que constituem a sociedade (…) combatem-se e destroem-se se o homem, pela sua razão, não encontra o meio de as compreender, de as governar e de as manter em equilíbrio” 109. É pois ao homem que incumbe a pesada responsabilidade de equilíbrio social. Ele é o único mestre do seu destino. A solução do problema social não depende só dele, da utilização que ele julga bom de fazer da sua razão e da sua liberdade, e não de uma força natural que interviria do exterior e que determinaria o curso dos acontecimentos 110.
Em virtude da solução esboçada, resolver um conflito não significa pois chegar à exclusão de uma das forças em oposição; como o nota Proudhon, a sua intenção é chegar a reconciliá-las todas. A posição de Proudhon foi de seguida mal compreendida; aproximou-se-lhe para renunciar “e resolver as contradições”, de não procurar “superar”, e confessar assim “a sua impotência para ultrapassar os antagonismos da sociedade” 111. Ora, é precisamente isto que ele evitou fazer. A solução proudhoniana ao problema social não consiste justamente em levar as antinomias, a assimilar a diversidade, a suprimir uma das partes em luta pela supremacia, mas a equilibrá-los, este equilíbrio, como mencionado, não é estático mas dinâmico, constantemente susceptível de ser remetido em questão por novos choques, de novas oposições 112.
Este programa de “reconciliação universal”, desenvolvendo-se pouco a pouco, de forma descontínua, define-se por oposição à fórmula “maravilhosamente cómoda” da dialéctica hegeliana, que, desde que ele a compreenda, chegaria, ao termo de um processo necessário e quase linear, na “fusão” da tese e da antítese. “Os termos antinómicos não se resolvem só pelos opostos de uma pilha eléctrica que não se destrói. O problema consiste em encontrar não a sua fusão que seria a sua morte, mas o seu equilíbrio, sem deixar de ser instável, variável segundo o desenvolvimento da sociedade” 113. É esta insistência sobre a noção de equilíbrio que faz a originalidade do modelo proudhoniano da dialéctica. Que esta concepção da síntese como equilíbrio constitua expressamente a réplica proudhoniana À síntese hegeliana, é o que prova a seguinte citação: “A antinomia não se resolve: lá está o vício fundamental de toda a filosofia hegeliana. Os dois termos onde ela se compõe balanceiam-se, quer seja entre eles, quer seja com outros termos antinómicos. (…) Mas um balanço não é uma síntese tal como o entendia Hegel” 114. Proudhon opta pois pelo modelo da “balança” que ele tinha acreditado descobrir na leitura de Kant, para combater a síntese hegeliana.
Proudhon não deseja um modelo linear tese-antítese-síntese, pois, segundo ele, os termos antitéticos não se sucedem no tempo, como seria o caso junto de Hegel, mas eles existem simultaneamente. “Portanto, a ideia sintética funciona ao mesmo tempo que os seus elementos antagónicos”115. “Não há exactidão em dizer que alguma coisa advém, que algo se produz: na civilização como no universo, tudo existe, tudo age desde sempre” 116, escreve. “Vê-se, depois disso, que não se saberia, sem contradição, supor entre os termos de uma sucessão dialéctica, nenhum laço de anterioridade ou de posterioridade” 117.
Segundo Proudhon, todas as forças em oposição aliás, são em igual título necessárias ao equilíbrio global; elas limitam-se e corrigem-se mutuamente. A irrefutabilidade dos elementos antitéticos “indica por um lado a igualdade, a progressão ou a similitude, não a influência” 118, outrora dito um bem de coordenação e não de subordinação. A transposição deste modelo dialéctico na ordem política conduz Proudhon a preconizar a instauração de um equilíbrio dinâmico através da proscrição de toda a ligação de subordinação. “A Coordenação exclui a hierarquia. Ela determina a igualdade entre as funções (…). O sistema hierárquico (…), estabelece sobre o princípio de autoridade (…), a desigualdade universal e permanente, a escravidão progressiva, é a forma das calamidades sociais” 119. A ordem reinante no seio da totalidade é uma ordem iminente, resultante da totalidade das forças em presença. Se uma das forças está entravada, o equilíbrio é rompido. Segundo a natureza do desequilíbrio também introduzido, isso pode gerar graves injustiças tais como o despotismo, onde um só individuo impõe o seu poder a todos os outros, ou o comunismo, onde a liberdade individual é negada em benefício da comunidade 120.
Desde a Guerra e a paz, Proudhon nomeia esta estrutura estadista integrativa mas não hierarquizada no “federalismo”. Ele estabelece nesta obra uma genealogia do direito em oito patamares, começando pelo direito da força e culminando com o direito da liberdade; este último constituiria o estado no qual a sociedade chegaria ao equilíbrio dinâmico procurado, instaurando o “federalismo”, sistema fundado sobre o “mutualismo”. A mutualidade, onde o princípio descansa sobre a obrigação “sinalagmática” (é o mesmo que recíproca), e comutativa (é o mesmo que equivalente de umas para outras), 121 permitindo, como o sublinha laconicamente Proudhon, mais trocas, e gerando deste facto um progresso moral, 122 seria o único sistema da liberdade 123. “Quem diz liberdade, diz federalismo ou nada diz”, 124 afirma ele no Principio Federativo. Este sistema mutualista, acordando um papel privilegiado, ver exclusivo, às relações horizontais, no seio do tecido social, em detrimento das relações verticais, responderia exactamente as condições pedidas para chegar, na sociedade, para dissimular da falta de mecanismo auto-regulador para a ausência dos conflitos.
A dialéctica não tem pois como resultado a simples constatação que existem antinomias, diversidades na totalidade social; ela mostra que a única via possível, no campo social, para chegar à “reconciliação universal”, é o federalismo.
2.3. A dialéctica da liberdade
O instrumento de equilíbrio a instaurar, na sociedade, em vista da reconciliação universal, é o homem, na medida em que ele “escuta” a sua razão e encontra o meio de governar as forças que se opõem.
Como sobressai dos escritos de Proudhon, ele não saberia colocar a questão em suprimir a “guerra”, que é o mesmo princípio da vida; é preciso pois encontrar o meio de a transformar numa espécie que, de destruidor, torna-se factor de progresso (…), eu compreendo-o e explico-o como um canal de consequências desenvolvendo-se do princípio contrário” 125; “para que qualquer um observe de perto o movimento dialéctico da civilização, o progresso surgia como um imenso canal dialéctico” 126. Mesmo se a leitura que Proudhon propõe é verdadeiramente optimista, ligada à sua confiança na capacidade do homem em escutar a sua razão e em fazer bom uso da sua liberdade, o progresso não se inscreve contudo de forma linear na história, desenvolvendo-se com a necessidade do mecanismo de um “espeto de manivela”. Sem dúvida, o movimento da história segue globalmente uma curva que ele julga ascendente 127, mas as oscilações que comporta a sua natureza dialéctica deixam sempre de planear a ameaça de uma regressão 128.
O progresso, na medida onde o progresso existe, não é possível só em função da capacidade do homem recuperar dialecticamente o momento negativo da guerra, equilibrar as forças antinómicas em presença. Ora, segundo uma equação de Proudhon, estabelecer o equilíbrio, é estabelecer a justiça 129. “ “É pela (guerra), nota ele, que a humanidade começa a sua educação, e inaugura a sua justiça” 130. Fonte do direito que iguala os diferendos entre as forças antagónicas às tomadas na sociedade, a guerra vem dialecticamente conferir um papel positivo 131. O direito não suprime as antinomias, mas é pela sua mediação que as forças em oposição cheguem ao equilíbrio, a dialéctica da história está teologicamente orientada em direcção à instauração de um sistema jurídico igualmente justo para todos.
Esta preocupação de justiça que subentende a dialéctica proudhoniana e dá-lhe o seu sentido transcende o quadro puramente legal do direito. A história como prisão da guerra é igualmente o quadro de um progresso moral. Proudhon sublinha por outro lado que não existe só guerra legítima submetida às regras morais: “Se a guerra não era só o conflito das forças, das paixões, dos interesses, escreve, ela não se distinguiria dos combates que se livram das bestas (…). Mas existe na guerra outra coisa: é um elemento moral” 132. Proudhon admite ter da Revolução a sua convicção de uma “renovação integral das condições da humanidade em tudo o que toca a religião, as ideias, o direito, a política, a arte, o trabalho, as relações de família e da cidade”, graças exclusivamente à guerra 133.
São estes em definitivo o ideal de justiça, a lei moral e o conceito de liberdade que deverão dialecticamente triunfar graças à guerra, espera ele, uma vez invertido o valor negativo deste.
Sem astúcia da razão, sem teoria da Providência. O sujeito da história junto de Proudhon, é o homem. É só de si que depende o eventual progresso em direcção a este reino da justiça que constitui o seu destino 134 e no qual a ideia, tudo como a lei moral, encontra-se inscrita no mais profundo da sua consciência 135. A lei moral e o ideal de justiça são estritamente iminentes 136; eles não poderiam ser impostos exteriormente, nem sancionados por uma terceira pessoa 137.
O homem é o seu próprio legislador e encontra em si mesmo a sua própria sanção 138, que tem como norma a dignidade humana 139. A história é o produto da acção livre do homem.
Enquanto produto da liberdade, a história não obedece mais a uma lógica iminente do que a um ditado de uma força natural ou sobrenatural, que lhe imporia o exterior da sua direcção. Isso não significa portanto que Proudhon admite um modelo aberto da história. Efectivamente, ele não concede as diferenças de ser livre: na medida onde é o ser moral, guiado pela ideia de uma “Justiça absoluta”, que é a medida da ordem e da igualdade, não existe só uma via possível, e a história detém um sentido; ela está inteiramente orientada em direcção à instauração do federalismo, como analogia na sociedade do mecanismo da auto-regulação natural, permitindo o equilíbrio das forças.
Conclusão
Proudhon desenvolve uma concepção original da dialéctica. As suas principais fontes são Fourier, Kant e Hegel, a que eles emprestam as noções chave tais como “série”, “dialéctica”, “antinomia”, onde ele propõe uma leitura fortemente pessoal, filologicamente inexacta mas bastante rica das potencialidades.
Como ele o explica ao seu editor Guillaumin, o seu objectivo é de fundar uma dialéctica que chegue à “reconciliação universal pela contradição universal”. Contra os sistemas abstractos de metafísica de idealismo alemão que estariam cortados do real, ele vai aplicar-se para restaurar o laço entre a ordem do pensamento e a ordem do real pela colocação em evidência de uma lei universal, regendo por vezes a natureza, o pensamento e a sociedade. Todavia, como o seu interesse primordial vai de encontro à filosofia prática, à a aplicação desta lei na sociedade que prenderá sobretudo a sua atenção. A “reconciliação universal” proposta por Proudhon consiste na integração das forças antagónicas nas tomadas – naturais, intelectuais, sociais – numa totalidade não hierarquizada no seio da qual elas se contrabalançam. Esta integração que se faz mecanicamente na natureza, deve ser produzida artificialmente na sociedade; está lá a tarefa que incumbe à liberdade, apoiada pelo ideal de justiça. O Estado a promover artificialmente, será um Estado fundado “federalista” ou “mutualista” onde o aparelho estadual se apagará para dar lugar aos cidadãos livres e iguais. Esta concepção de equilíbrio a atingir, dinâmica porque aberta à intrusão de novas forças a integrar, é obrigada a permitir evitar tanto o caos, no qual conduzia a escravidão de uma parte das forças antagónicas, como a morte, que resultaria da supressão dos antagonismos 140. Colocando o acento sobre a responsabilidade do homem na construção criativa da sociedade, ele faz da sua dialéctica uma dialéctica da liberdade.
NOTAS
1 Chen Kai-Si, A dialéctica na obra de Proudhon, tese de doutoramento, Paris, Domat Montchrestien,1936.
2 Na teoria da propriedade, trazendo um valor crítico sobre a sua obra, Proudhon considera a “teoria dialéctica” como um dos maiores contributos do seu pensamento, A teoria da propriedade, ed. Lacroix, 1866, p.216.
3 Da criação da ordem na humanidade, (=Criação), Paris, ed. Rivière, 1927; Sistema das contradições económicas ou filosofia da miséria, 2 t., Paris, ed. Rivière, 1923.
4 Correspondência (=Cor.), t. I-XIV, Paris, éd., Lacroix, 1875, t. II, a Ackermann, 4 Out. 1844, pp. 156-157.
5 A publicação da Criação permite-lhe conhecer alemãs refugiados em Paris; o livro valeu-lhe ser considerado o “Feuerbach francês”, K. Grun, die Soziale Bewegung in Belgien und Frankreich, Darmstadt, 1845, p. 450.
6 Não vamos agora voltar a esta questão já estudada por nós noutras ocasiões e textos…
7 Na miséria da filosofia, Marx ridiculariza Proudhon troça da sua “onda de tolice” e sobretudo excita em demonstrar “como pode ele (Proudhon) ter penetrado no mistério da dialéctica”; ele tem a dialéctica mas também a linguagem. Marx continua a transportar um julgamento negativo sobre Proudhon bem antes da sua morte; numa carta ao Social-Democrat, publicada em 1865 por ocasião de uma nova edição da Miséria da filosofia, ele repensa a aproximação formulada em 1846: “Eu mostrei, escreve, como pode Proudhon ter penetrado no mistério da dialéctica científica; como, por outro lado, partilha ele as ilusões da filosofia “especulativa” (…). Não tendo nunca cumprido a dialéctica científica, ele só alcança o sofismo (…); ele também é no fundo um pequeno burguês sacudido constantemente entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo (…). O pequeno burguês diz sempre: “de um lado” e “de outro” (…). Ele é a contradição viva. Mais, como Proudhon, um homem de espírito, saberá seguramente jogar com as suas próprias contradições e elaborá-las segundo as circunstâncias em paradoxos impressionantes, barulhentos, por vezes brilhantes”, extractos citados por H. de Lubac em: Proudhon e o cristianismo, op. cit., pp. 140 e 142-143.
8 “A afirmação de Marx, com o julgamento de valor que o acompanha, foi retomada por muitos históricos de Proudhon e do seu pensamento”, ibid., p. 140.
9 P. Haubtmann, Pierre-Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, 1809-1849, op. cit., p. 364.
10 Ibid. , p. 364
11 Ibid. , p. 362 - 363
12 P. Haubtmann, A filosofia social de P. - J. Proudhon, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, 1980 pp. 37 - 38.
13 Op. cit., nota 6.
14 P. Haubtmann, Pierre-Joseph Proudhon, sua vida e seu pensamento, t. 1; 1849 - 1885, t.2; 1855 - 1865. Paris, dseclée de Brouwer, 1988.
15 P. Haubtmann, A filosofia social de P.- J. Proudhon op. cit., cap. 2: “Vitalismo” e “Platonismo”, pp. 37- 63.
16 G. Gurvitch, Dialéctica e Sociologia, Paris, Flammarion, 1962.
17 Ibid. - p.125
18 Ibid. - p.127 - 153
19 Ibid. - p.42
20 Ibid. - p.20
21 IG. Gurvitch, Dialéctica e Sociologia, Paris, Flammarion, 1962, pp.11- 12.
22 Ibid., p.42
23 Ibid., p.19
24 P. Ansart, Proudhon, textos e debates, Paris, Livraria Geral Francesa, 1984, pp.209 - 243.
25 Ibid., p.221
26 “Opondo-se politicamente aos conservadores, aos liberais, aos republicanos e aos comunistas, Proudhon quer também analisar as posições teóricas dos seus adversários (a teologia, o estadismo, a utopia) e opor um método de pensar que explica e mencione verídicas as suas conclusões. De onde, por ele, a decisiva importância de um método intelectual permita escapar às piedades do dogmatismo. As suas conclusões só se compreendem como referências no seu caderno de pensamento a dialéctica”. Ibid., p.209.
27 Ibid., p.221.
28 Criação, p. 212.
29 Sobre a questão das influências subidas por Proudhon na matéria da dialéctica, cf. as obras de G. Gurvitch, Dialéctica e sociologia, op. cit., de Chen Kai-Si, A dialéctica na obra de Proudhon, op. cit., assim que as duas obras de P. Haubtmann, Pierre-Joseph Prudhon, sua vida e seu pensamento, 1809-1849, op. cit., e Proudhon, Marx e o pensamento alemão, op. cit.
30 Em 1839, Proudhon conta ao seu protector Pérennès: “As minhas jornadas passam-se entre Reid e Kant”, Corr., t. I, com Pérennès, 16 Dezembro 1839, p. 163; no ano seguinte, ele escreve ao seu amigo Bergmann que lê Kant “todos os dias”, Corr., t. I, a Bergmann, 10 Novembro 1840, p. 248. Proudhon não lia alemão; ele pode tomar conhecimento dos textos não latinos de Kant nas traduções de Tissot.
31 Corr., t. II, a Tissot, erro de data: 13 dez. 1839 em vez de 1846, p. 212.
32 Criação, p. 212.
33 Criação, p. 186.
34 A nossa intenção não será aqui estabelecer se as críticas que Proudhon formula ao encontro das posições dos seus antecessores são fundamentadas. Elas são o feito de um pensador independente que, na razão das suas modestas origens, teve que abandonar os seus estudos por razões financeiras e tornou-se num autodidacta. Justos ou falsos, o seu interesse reside no facto que elas nos permitem ver emergir filigrana a posição de Proudhon. Como o diz Haubtmann em : Proudhon, Marx e o pensamento alemão, op. cit., p. 21, Proudhon só retém das suas leituras as teses que vão no sentido das duas preocupações, constituindo um suporte ou um enriquecimento; até a sua interpretação das teorias dos outros pensadores está à frente toda ela reveladora dos seus próprios projectos. Estes julgamentos, que, na maior parte dos casos, não são desenvolvidos mas apenas enunciados, exprimem facetas do seu pensamento e, como tal, oferecem um complemento precioso na exposição da sua filosofia.
35 acção, p.166
36 Ibid., p.169
37 Ibid., p.226-227
38 Ibid., p.274
39 Criação, p.172: “A sucessão é a antítese da utilidade; ela forma-se a partir da repetição, das posições e combinações diversas de utilidade”.
40 Ibid., p.192
41 As confissões de um revolucionário 1849, Paris, ed. Rivière, 1929, p.177-178
42 Ibid., p.178
43 Cadernos, t. 1-4, Paris, ed. Rivière, 1968, t.3, p.135. Também confissões, p.177; “A obra que eu publicava (Criação) (…), apesar de bem forte pouca coisa tem a retratar, não me satisfaz em nada: também, apesar de uma segunda edição, parece-me ter obtido do público bastante pouca estima, e é talvez justiça”.
44 Cadernos, t.3, p.134; Também nota precedente.
45 Confissões, p.177, nota.
46 Criação, p.166.
47 Corr., t.VI, à Micaud, 22 dezmbro 1844, p.347.
48 Cf os volumes de correspondência, op. cit.
49 P. Haubtmann, Pierre - Joseph Proudhon, viu e pensa, 1809 - 1849, op. cit,. nota 5, p.243.
50 Cito por Hautbmann, são referências, in: Ibid., p.243
51 Corr., t.I, à Bergmann, 10 novembro 1840, p.248
52 Cf. Criação, pp.160-161.
53 Cf. 1 Memória, Paris, ed. Rivière, 1926, p.136: “ Eu não creio, confesso, nas ideias inatas, mas sim nas formas ou leis do nosso entendimento e eu tenho a metafísica de (…) Kant ainda mais elogiada da verdade do que a de Aristóteles”.
54 Cadernos, t.2, p.139-140 (junho 1847). Também Cadernos, t.3, p.252, 21 março 1849: “As categorias são as formas da razão, sem dúvida; mas parece-me bem dificil admitir, depois do próprio Kant, que estas formas são dadas à razão pela natureza”.
55 Cf. corr., t.II, a Ackermann, 23 maio 1842, p.46: “Eu vejo pura e simplesmente toda a psicologia e a metafísica de Kant”.
56 Criação, p.161.
57 Ibid., p.161, nota de Proudhon.
58 Ibid., p.144.
59 Ibid., p.247.
60 Ibid., p.213
61 Criação, p.161-162
62 Ibid., p.225
63 Cadernos, t.4, p.300
64 Cf. por ex. Ibid., p.300
65 Cf. Ibid.: “O que importa mais que o seu número (o número das categorias) (…), é a sua geração”, p.300.
66 Criação, p.269
67 Cadernos, t.4, p.300: “O que importa mais que o número (o número das categorias) (…), é a sua geração (ver Fichte, etc. evolução do eu e não - eu etc.)”.
68 Esta fórmula (“verdadeira lei da natureza e do pensamento”) parece-lhe curiosa. Efectivamente, Proudhon contesta ordinariamente todo o valor objectivo ao sistema Kantiano; Por ex. Cadernos, t.I, p.27: “O problema da certeza (…) não é resolvido no sistema de Kant, porque as suas formas absolutas da razão não eram demonstradas somente como leis de espírito, não como lei dos objectos”
69 Corr., t.II, a Tissot, erro de datação: 13 dezembro 1846 em vez de 1839, p.213.
70 Criação, p.162: “Hegel generaliza esta ideia ingénua”; Corr., t.II, a Tissot, falsamente datada de 16 Dezembro 1839 em vez de 1846, p.231: “Hegel fez ver que esta lei era muito mais geral que não tinha parecido supor Kant”.
71 Criação, p.231.
72 Ibid., p.232.
73 Ibid.: “conjunto descrito aos olhos da verdade”.
74 Criação, p.162.
75 Cf. por ex. Corr., t.II, a Ackermann, 23 Maio 1842, p.47, onde as proposições hegelianas são qualificadas de fórmulas “tautológicas” e de “abstracções verbais”.
76 Criação, p.163.
77 Corr., t.II, a Ackermann, 23 Maio 1842, p.47.
78 Criação, p.163. Também Corr., t.II, a Bergmann, 19 Janeiro 1845, p.176: “Esta lógica (a lógica de Hege8l) não é só um caso particular, ou se tu queres o caso mais simples da minha”.
79 Teoria da propriedade, p.52.
80 Cadernos, t. 1, p.52-53.
81 Corr., t,II, a Guillaumin, 15 Agosto 1844, p.139-140.
82 Corr., t,II, a Guillaumin, 7 Novembro, p.226.
83 Da justiça na revolução e na igreja, t,1-4, ed. Rivière, Paris, 1930, t.2, p.389.
84 Justiça, t.4, p.431-432.
85 A guerra e a paz, Paris, ed. Rivière, 1927, p.46.
86 Citado por H. de Lubac, em Proudhon e o cristianismo, op. cit., nota 6, p.159.
87 A guerra e a paz, p. 46.
88 Criação, p.177.
89 Cadernos, t.1, p.257: “Razão da antinomia é a lei do movimento perpétuo, que existe na natureza: que uma coisa se destroi ao mesmo tempo que ela se produz = movimento perpétuo”.
90 Ibid., p.260.
91 Cadernos, t.1, p. 259.
92 A guerra e a paz, p. 53.
93 A guerra e a paz, p. 54.
94 Teoria da propriedade, p. 213: “O mundo moral como o mundo físico descansa sobre a pluralidade de elementos irredutíveis e antagónicos, e é da contradição destes elementos que resulta a vida e o movimento do universo”.
95 A guerra e a paz, p. 55.
96 Ibid., p. 28.
97 Ibid., p. 41.
98 Ibid., p. 71.
99 Ibid., p. 28.
100 Corr., t. VII, a Charpentier, 24 Agosto 1856, p. 117.
101 Ibid., p. 117.
102 Corr., t. XII, a Clerc, 4 Março 1863, p. 338.
103 H. de Lubac, Proudhon e o cristianismo, op. cit., p. 159.
104 Corr., t. II, a Guillaumin, 21 Nov. 1846, p. 228.
105 Teoria da propriedade, p. 213.
106 A guerra e a paz, p. 72.
107 Idem, p. 486.
108 Corr., t. VII, a Charpentier, 24 Agosto 1856, p. 117.
109 Justiça, t. 4, p. 432: “Nesta analogia de legislação entre o Cosmos e o Anthrôpos surgia a identidade dos espíritos que os anima, latente no primeiro, livre no segundo”.
110 Cuvillier, À luz do marxismo, t. 1, p. 181-182, citado por H. de Lubac, em: Proudhon e o cristianismo, op. cit., p. 163.
111 Sistema das contradições económicas, t. 1, ed. Rivière, Paris, 1923, p. 193.
112 Capacidade, p. 222.
113 “O homem mais livre é aquele que tem mais relação com os seus semelhantes”, As confissões de um revolucionário, p. 249.
114 Do Principio Federativo, p. 383.
115 Cadernos, t. 2, p. 185.
116 Ideia geral da revolução no séc. XIX, Paris, ed. Rivière, 1924, p. 6.
117 Cadernos, t. 2, p. 60.
118 Justiça, t. 1, p. 233.
119 “O que é a justiça, senão o equilíbrio das forças”, Teoria da propriedade, p. 144.
120 A guerra e a paz, p. 93.
121 Ibid., p. 94 e 126.
122 Capacidade, p. 222.
123 “O homem mais livre é aquele que tem mais relação com os seus semelhantes”, As confissões de um revolucionário, p. 249.
124 Do Principio Federativo, p. 383.
125 Cadernos, t. 2, p. 185.
126 Ideia geral da revolução no séc. XIX, Paris, ed. Rivière, 1924, p. 6.
127 Cadernos, t. 2, p. 60.
128 Justiça, t. 1, p. 233.
129 “O que é a justiça, senão o equilibrio das forças”, Teoria da propriedade, p. 144.
130 A guerra e a paz, p. 93.
131 Ibid., p. 94 e 126.
132 A guerra e a paz, p. 30.
133 Ibid., p. 49-50.
134 Justiça, t. 1, p. 234.
135 Ibid., t. 1, p. 325.
136 Ibid., t. 4, p. 363; cf. também t. 1, p. 366.
137 “O homem não reconhecia em última análise outra lei do que aquela confessada pela sua razão e a sua consciência; toda a obediência da sua parte, fundada sobre outras considerações, é um começo de imoralidades”, Justiça, t. 4, p .350; cf. ainda: “A intervenção de uma autoridade exterior, (…) na ordem da justiça e como sanção da justiça, é destruidor da Justiça; Ibid., t. 1, p. 449.
138 Ibid., t. 4, p. 363.
139 Ibid., p. 354.
140 Ibid., t. 1, p. 231.
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