Sunday, January 28, 2007

OS FUNDAMENTOS DO NACIONAL-SOCIALISMO I

"O nacional-socialismo está indissocialvelmente ligado à sua Weltanschauung. Existe por ela e desaparecerá com ela."
Alfred Rosemberg
Ideólogo do N.S.D.A.P.

Todos os regimes modernos fundados numa ideologia totalitária comportam exigências pseudo-religiosas. O fim, ou pelo menos a desagregação da autoridade religiosa exercida pelo cristianismo, conduziu a uma evolução, ao fim da qual os estados se afirmaram com uma energia crescente como os portadores duma ética temporal de valor constrangedor. O século das Luzes e a revolução francesa, com as noções de "religião cívica" e de virtude, inauguraram um processo de transferência das categorias religiosas da sociedade civil, que se manifestou até aos nossos dias com uma intensidade crescente.
Pelo seu messianismo, a sua intolerância, a alternativa impiedosa que impõem entre a advertência e o castigo, mas também por uma estrutura aparentada às ordens religiosas e à hierarquia eclesiástica, os regimes totalitários modernos copiaram cientemente por vezes, as estruturas metafísicas ou sociológicas das comunidades religiosas ocidentais. "A revolução não tolera a igreja", escrevia Michelet a propósito dos acontecimentos de 1789, e acrescentava: "Porquê ? Porque ela era, ela própria, uma igreja." Na obra, Os Irmãos Karamazov, Dostoievsky remarcava que nos nossos dias, a igreja não têm a tendência de ser um "estado"; ao contrário, é o estado que se prepara para se transformar em "igreja".
As religiões sociais temporais tinham-se dedicado com zelo e consciência a "liquidar" o céu e a torná-lo por sua própria conta. A ausência de orientação religiosas do homem moderno na procura de novos laços metafísicos para cá ou para lá dos artigos de fé tradicionais ajudou-se poderosamente.
Mas se elas suprimiram o céu, não o fizeram para o desaparecimento do inferno, pelo contrário; por mais longe que pudéssemos estabelecer paralelos, chegaríamos sempre à conclusão que os sistemas totalitários asseveram-se incapazes de graça e perdão. Por outro lado, as suas exigências ultrapassam largamente o quadro de todas as formas tradicionais dos regimes ditatoriais: enquanto que estes se contentam em abafar toda a oposição, o totalitarismo de estilo novo exige uma verdadeira profissão de fé: não somente um juramento de lealdade pelo estado, mas uma idolatria. O estado não se satisfaz mais, com uma autoridade exclusiva e exterior: pretende ainda reinar sobre os espíritos, dispor do poder absoluto no sentido pleno de expressão. Só então assegura a dominação total sobre o corpo social.
"O nacional-socialismo e o cristianismo têm um ponto em comum: pretendem dominar o ser humano por inteiro", declarou um dia um dos mais altos funcionários do Terceiro Reich. Os BDM - Fuhrerinnen (Dirigentes de secção da federação dos jovens alemães) tinham que preencher um questionário onde uma das perguntas era a seguinte: "Quem, de Deus ou do Fuhrer, é o maior, o mais forte e o mais poderoso?"
Antes da tomada do poder, o movimento nacional-socialista pretendendo-se o único representante da nação, tinha criado uma espécie de duplo estado: todas as instituições nacionais estavam reproduzidas na escala do partido; mesmo a Weltanschauung nacional-socialista procurava criar uma igreja paralela. Esta tentativa de utilizar a necessidade de fé das massas em benefício duma ideologia, desobrigando-a das confissões existentes, tinha os seus dogmas, os seus lugares de culto, a sua liturgia, existia um deus e uma representação do diabo que deveriam conduzir aos exorcismos mais sangrentos da história.
Como ideologia, o nacional-socialismo não teve certamente o rigor escolástico do comunismo; era sofrivelmente vago e confuso, deixando voluntariamente uma grande lugar às necessidades irracionais. A ortodoxia da doutrina contava menos que a inclinação incondicional à pessoa do Fuhrer. Mesmo no seio da comunidade nacional-socialista, o essencial era mostrar provas duma inclinação incondicional, de pertencer a esse tipo de homens ( como dizia Hitler numa fórmula verdadeiramente religiosa, "que se separem do seu ambiente, rejeitem para longe deles as futilidades da vida em aparência tão importante, a fim de meditar sobre a grande tarefa que lhes pertence."
Na sua origem, profundamente dissimulada nas florestas quase inextrincáveis da visão do mundo, a ideologia nacional-socialista encerra, se assim o quisermos entender, uma única noção: a do combate. è ela que determina as categorias, os valores e a terminologia do nazismo, tanto como na fase inicial do movimento como durante o Terceiro Reich. É ela igualmente que para além de dar à profissão de fé de Hitler um título que é ao mesmo tempo um programa (Mein Kampf), marca também profundamente o conteúdo e o tom da obra, que relega por vezes para segundo plano a segunda peça mestra da ideologia nacional-socialista, a noção de raça. Toda a história é sempre uma história de lutas, poderíamos dizer, parafraseando a célebre fórmula de Marx, e para caracterizar a concepção nacional-socialista, e para cada uma das suas manifestações, guerra civil, psicologia, terrorismo ou imperialismo social, a guerra e a catástrofe total, forneceu de cada vez os modelos mais impressionantes.
Esta predileção não era devida ao extremismo impaciente dum grupo de revolucionários desejosos de meter em prática uma ideologia: o combate era ele próprio uma ideologia; e logo que, além dos motivos subjectivos dum activismo que era a afirmação de si, pretendia um fim que era a força e o poder.
Todos os que se juntaram às fileiras do hitlerismo no curso da fase inicial do movimento, nenhum aceitou renunciar de improviso à ideologia. Como em todas as épocas agitadas do ponto de vista político, social e económico as acusações e os programas de saudação mais diversos se multiplicaram. Se o partido de massas que se formava então, aproveitou as diversas tendências em confronto da sociedade alemã foi com a intenção óbvia de as neutralizar progressivamente e de subordinar à fria vontade de poder duma élite restrita mas decidida.
Seguindo a maneira como os dirigentes nacionais-socialistas acabaram por se abandonarem a um dinamismo perfeitamente desprovido de ideologia e que se bastava a si-mesmo, podemos distinguir dois tipos principais: diremos que existiam nacionais-socialistas "inatos" e nacionais-socialistas "feitos". Goebels era o protótipo destes últimos. No começo duma tal carreira, encontramos sempre o desejo mais ou menos formulado duma mudança das condições existentes, a partir duma ideologia. Os seus representantes queriam conquistar e dominar a Alemanha, mas tinham ao mesmo o desejo de lhe trazer as novas tábuas da lei, da "salvarem", por confusos que puderem ser os projectos elaborados com esta intenção. A violência e a luta não constituíam mais que os meios de tudo submeter à sua ideologia, execravam as efusões de sangue, sem no entanto recuar perante a morte, em caso de necessidade, por amor da causa revolucionária. Eram extremistas, mas o seu extremismo tinha objectivos definidos. Hitler, não tardou em pô-los perante uma escolha: ou seriam reduzidos a jogar o papel daquele que acredita, de "zelador"(posição que no seio desta comunidade maquiavélica e "funcional" não poderia mais que suscitar a ironia), ou então às fileiras dos nacionais-socialistas verdadeiros, quer dizer daqueles para quem o princípio do combate e do poder representava o essencial, enquanto que as premissas ideológicas não tinham que um valor relativo. Somente esta última opção lhes abriria o acesso às instâncias superiores da direcção do partido.
Opostos a este tipo, encontramos os nacionais-socialistas "Inatos", aspirando espontaneamente a fazer as suas provas de luta, com uma elementar e irreflectida sede de poder. Não tendo teorias, não tinham nada a que renunciar. Eram "lutadores por natureza", em que a grande maioria tinha sido marcada pela experiência da guerra: mercenários modernos que mudavam de bandeira e de opinião ligando-se aquele que lhes prometia um "salários" conveniente, quer dizer a possibilidade, uma vez a guerra e a desordem terminadas, de continuar a baterem-se na vida civil e ainda a esperança de chegar um dia ao poder. Ambiciosos, directos, duma energia sem escrúpulos, não sofriam no mundo onde viviam como os detentores da ideologia mas queriam possui-lo e usufrui-lo.
Não pensavam nas gerações futuras, mas somente no amanhã, quando não era na hora seguinte. O protótipo desta categoria é simbolizado por Goering, que um dos seus contemporâneos chamava "o grande representante do movimento nacional-socialista". O próprio Goering declarou: "Se aderi ao partido, era porque era um revolucionário, e não por causa de toda a miscelânea ideológica."
O génio do nacional-socialismo tinha por nome "propaganda". Esta permitiu-lhe os triunfos mais notáveis; mais que um simples instrumento de poder, fazia parte da natureza do nazismo. O que representava o nacional-socialismo aparecia menos na confusão contraditória da sua ideologia que nos métodos da sua propaganda que se dava por uma ideologia: quer dizer, uma vontade de poder que formulava os seus teoremas ideológicos em função da eficácia psicológica e tirava os seus postulados de uma detecção precisa do estado de espírito e dos instintos das massas. Da sua aptidão a comunicar directamente com o "espírito" destas massas, o nacional-socialismo parecia não ter necessidade, para vencer, do pensamento próprio que tinha dado a todos os outros movimentos de massas de história a sua consistência e o seu sucesso. Ressentimentos, movimentos de revolta ditados pelo momento presente, assim como o laço mecânico que resulta da simples activação de forças sociais: tais eram os factores que, com um perfeito conhecimento dos métodos psico-técnicos de manipulação das massas, substituiram o dinamismo do pensamento.
A maior parte dos elementos ideológicos adoptados pelo nacional-socialismo não eram mais que materiais escolhidos em função da sua eficácia para manter nas massas um incessante fogo de artifício de propaganda. Bandeiras, ovações, fanfarras, desfiles, bandeirolas cobertas de slogans e feixes de projectores: todo este arsenal de estimulantes tinha como fim suscitar um êxtase colectivo. Tratava-se de aniquilar o indivíduo, de sustentar uma permanente ausência de reflexão e de obter a obediência incondicional dos partidários em primeiro lugar e em seguida do conjunto do povo. A hierarquia estabelecida entre ideologia e a propaganda aparece bem estabelecida numa expressão corrente na altura que era: " o nacional-socialismo devia ser vivido" - o que equivalia a dizer que toda a reflexão crítica era indesejável. De facto, esta ideologia apresentava-se como "indiscutível" nos sentido restrito do termo, pois que escapava toda a confrontação objectiva refugiando-se no domínio inacessível dos sentimentos pseudo-religiosos onde num hieratismo solitário e metafísico, escapando a todo o julgamento de valor racional, o Fuhrer constituía a única grandeza constante.
O refúgio nas regiões do irracional, onde a política transformava-se em questão de fé, de Weltanschauung, respondia certamente a uma necessidade das massas em confusão. Mas a direcção e as formas que utilizava o movimento eram o resultado dum teleguiar maquiavélico; o que aparecia na primeira abordagem como uma exigência elementar era de facto um irracionalismo deliberadamente rebuscado e alimentado.