Sunday, January 28, 2007

OS FUNDAMENTOS DO NACIONAL-SOCIALISMO I I

"Posso assegurar-vos que estamos todos indignados com estas perseguições e com estas atrocidades. Não é de nenhuma maneira tipicamente alemão. Podem imaginar que eu seja capaz de matar alguém. Digam-me francamente, acham que qualquer um de nós tem ar de assassino?"

Ribbentrop, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reich perante o Tribunal de Nuremberga.

Os processos de desmoralização proseguem-se habitualmente de maneira imperceptível, no interior das estruturas sociais. De tempos a tempo profundas mudanças fazem rebentar esta superfície enganadora, revelando o estado real da consciência universal. No curso da sua ascensão fulminante dos últimos cem anos, a técnica forjou uma ideologia e uma moral próprias, fundadas sobre certas concepções que o espírito científico recentemente defendia.
Em virtude dessas teorias, não somente a técnica mas ainda a actividade técnica, escapam a toda a ordem de valores, e mesmo que não exista invenções ou descobertas "más", o génio técnico não tem que se preocupar com o aspecto moral dos seus esforços. Pois no fundo, e era a certeza formulada que encontravamos por detrás destas concepções, a técnica não está ao serviço dum poder estrangeiro, ela é, ela própria, um poder. Tendo ultrapassado há muito a sua antiga função de instrumento, não é mais instrumento, mas portadora de autoridade e domínio.
Era a expressão dum subjectivismo ético que minimizava os negócios públicos e para quem a moral relevava exclusivamente da vida privada. Concentrada sobre objectivos que se tinha fixado, deixava ao estado os problemas e as discussões.
A satisfação da boa conduta na zona restrita da actividade individual estava a par com de reconhecer as relações entre os diferentes actos e as diferentes zonas da vida. Mas se semelhante atitude se poderia justificar num mundo bem ordenado, fundado em convicções e critérios idênticos, não resistiu aos redemoinhos que deram origem ao nascimento dos sistemas totalitários. Apareceu então todo o caracter aleatório desta "ingenuidade" política que pensava poder contentar-se com o parecia exigir o dever ou a moral profissional tradicional, sem ter que interrogar-se sobre as linhas de força nas quais se inscreve inevitavelmente toda a acção, mesmo estritamente "neutra". O poder totalitário, aliás, conta precisamente com um semelhante comportamento e deve-lhe uma parte essencial dos seus sucessos.
O isolamento prescrito do espirito técnico é uma das condições fundamentais da sua total disponibilidade e o homem-objecto, função num conjunto que não pode nem sequer supervisionado, vai ao encontro dos desejos do totalitarismo. Para Hitler o "homem-novo" inspirava-se nesta imagem totalmente compartimentada, exclusivamente concentrado sobre os seus objectivos limitados, e impelia até às suas últimas consequências os princípios que tinham guiado uma élite e que continham já os germes duma tal persersão. Os primeiros sinais deste processo foram perceptíveis desde 1933, quando inúmeros alemães puseram ao serviço dos novos dirigentes, sem a menor inquietude, as suas competências técnicas e administrativas, facilitando a passagem para o Terceiro Reich. Temos aqui um acentuado paralelo - e decisivo, para o estabelecimento do regime nacional-socialista - com o fenómeno que Max Weber considerava como o preâmbulo a todo o processo moderno da tomada do poder: o homem engolido pelo mecanismo burocrático.
Os regimes totalitários dos tempos modernos mostraram acerca do conhecimento do homem inúmeras perspectivas novas. Impelindo a prova de força até aos seus extremos limites, mostraram não somente tudo o que o homem é capaz, mas ainda tudo o que dele se pode fazer. A instituição dos campos tinha dois objectivos: por um lado a luta contra os adversários do regime, e por conseguinte o seu total aniquilamento e por outro lado a educação duma "élite" criteriosamente seleccionada e exercitada na dureza de actos e pensamentos. Num como noutro caso, tratava-se da destruição sistemática de toda a substância humana. Em Chelmo, Treblinka ou Auschwitz desapareceram os últimos vestígios duma imagem confiante e otimista do homem, assim como as categorias de juízos e os sistemas de referência duma psicologia fundada sobre uma argumentação "causal". Os campos demonstraram que o mal absoluto existe realmente, um mal que não podemos nem compreender nem explicar em função de motivos perniciosos tais como o egoísmo, a cobiça, a inveja, a sede de poder, o ressentimento, a cobardia ou qualquer outra razão, e em face do qual, por conseguinte, todas as reacções humanas encontram-se reduzidas à impotência.
Sob o Terceiro Reich este mal absoluto toma uma forma raramente conhecida. O que chamamos o aspecto bárbaro do regime que mal exprime a medonha realidade, tinha outros fundamentos que a brutalidade natural de alguns indivíduos, sistematicamente explorada pelos dirigentes ou a crueldade primitiva e o sadismo. Encontramos em toda a sociedade, homens com a ajuda dos quais é possível instaurar e manter durante um certo tempo um regime de terror, e o nacional-socialismo serviu-se também de semelhantes elementos, sobretudo da fase inicial do movimento. Mas o seu número é limitado e há limites à destruição provocada pelo ódio, a brutalidade ou o desejo de morte. Pelo contrário, para a morte cientificamente organizada e constantemente aperfeiçoada, como foi o caso, o limite não é mais que uma questão de técnica.
Do mesmo modo a mobilização dos sentimentos ou das energias criminais não chegam para explicar o que se passava nos campos de concentração do Terceiro Reich. É precisamente o facto que o nazismo não teve necessidade de fazer uso destes instintos que é novo e inquietante. É o apelo a um idealismo, ao espírito de devoção a uma missão histórica e ao desejo constantemente presente de trabalhar para um perverso utópico, que permitiram ao regime de dispo destas energias sem as quais a submissão, a disciplina e a consciência do dever não teriam nunca chegado a aplicar com amplitude e fria perfeição, um tal sistema de exterminação.
Apesar de todas as diferenças de detalhe, foram homens normais, cheios de fé no regime, profundamente convencidos do bem fundado da sua ideologia e militantes fieis, que deram ao horror os seus traços característicos. Abalaram a imagem do homem mais duravelmente que uma explosão colectiva de paixões conseguiria fazer.
A natureza mesma do totalitarismo quer ele deturpe todas as noções e que perverta todos os critérios. Se faz adeptos, não é tanto porque lhes promete poder satisfazer os seus instintos sem lhes pedir contas, mas sobretudo porque transtorna as categorias morais tradicionais e anuncia a promulgação de novas normas. Mas separada de todo o sistema geral de referências, esta "nova moral" é unicamente funcional e destinada a sustentar as visões dominadoras do regime. Em nome da história, da raça, da comunidade do povo ou de todas outra noção susceptível duma interpretação qualquer, o regime totalitário desperta o espírito de sacrifício oculto nos homens sobretudo nos indivíduos desorientados, ávidos de encontrar uma certeza, de se submeterem a uma "lei superior" e de se identificar a uma necessidade impiedosa.
A população aspirava o regresso à ordem, à autoridade, a competências bem definidas, a uma "comunidade" raramente realizada numa sociedade chamada de pluralista. Independentemente, o desejo de "fazer a prova" não tinha deixado de aumentar durante os anos de crise. Assim, seduzidas pelas palavras mágicas da ética nova destinada a uma elite, as massas seguiram Hitler com devoção e disciplina. Mesmo após o carácter criminal do regime se manifestar com evidência, elas permaneceram fortemente convencidas de servir uma justa causa. Uma minoria encontrou-se presa nas redes desta actividade criminal. Mas a noção de uma lei superior, as máximas da nova moral, a teoria duma missão a realizar e as estruturas fortemente hierarquizadas do regime permitiram-lhe executar, com paciência e consciência, mesmo as tarefas inumanas que lhes foram confiadas. Fizeram-no sem nunca terem o sentimento de serem pessoalmente responsáveis.
O ponto de partida do nacional-socialismo, ao mesmo tempo que da "filosofia de estado" do Terceiro Reich, encontra-se na ideia de raça. Houve quem tenha dito e com razão que "a doutrina das raças era tão inerente ao nacional-socialismo como a luta de classes ao bolchevismo." A doutrina racial reunia todas as velhas opiniões e preconceitos que, no século XIX tinham tomado um comportamento pseudo-científico, e agora, aliados a ressentimentos de ordem nacionalista, social e económica, transformava-se num programa de combate político dotado duma espantosa eficácia. Evidentemente, a glorificação da raça germânica em relação às raças inferiores ou adversárias, fundada em argumentos mitológicos, não se fazia sem ter um objectivo táctico bem definido; tratava-se de aumentar a consciência das próprias massas, de orientar e de mobilizar a sua vontade de poder.
A noção de "raça" difícil de definir cientificamente, era dum uso fácil para a técnica do poder, e nunca os dirigentes nazis se importaram de precisar o conteúdo: assim ficava indefinida a própria a tornar-se um instrumento de terrorismo. Tornou-se também o instrumento cómodo, fácil de aplicar em todas as circunstâncias, segundo o prazer dos detentores do poder, desde os programas de esterilização e de eutanásia até à "solução final" da questão judaica, duma maneira cada vez mais implacável.
As teorias racistas continham um elemento utópico que se impunha ao espirito de Hitler e dos seus mais próximos colaboradores com a força e o exclusivismo duma ideia fixa. Reencontramos as teorias da escola darwinista do século XIX, onde a concepção de homem na qualidade de material biológico coincidia com os planos de reestruturação social do nazismo. Convencidos da degenerescência progressiva da raça, da impotência do homem em engendrar seres de valor, em seguida dum liberalismo que favorizava as promiscuidades raciais, os nazis tinham estabelecido a lista dos remédios "positivos": higiene racial, controlo dos candidatos ao casamento, purificação da raça humana por meio da selecção por um lado e da exterminação por outro. A ideia directora da "alma unida à raça" que fazia depender todas as realizações culturais da aparência física e unia independentemente de condições biológicas a possibilidade, e por conseguinte o direito, de fundar estados e impérios, dava ao racismo nacional-socialista o seu carácter imperialista, e a consciência duma missão para realizar este caracter lúbrido que calculava em termos de espaços imensos e de grupos étnicos inteiros. Em círculos restritos, Hitler tinha já falado da boa hora da necessidade de elaborar uma "técnica de despovoamento", e no discurso que pronunciou no Reichstag em 6 de Outubro de 1939, reclamou abertamente o direito de proceder a um concerto racial e étnico na Europa Oriental. O que Hitler procurava com efeito, era a criação dum "espaço racial homogéneo" que seria habitado e defendido nas suas fronteiras avançadas por um tipo de homem de quem o teórico racista Hans Gunther deu a seguinte descrição: "alourado, grande, dolicocéfalo, cara estreita, queixo bem desenhado, nariz delgado, cabelos claros e lisos, olhos claros e fixos, pele de um branco rosado". Mas a aparência física de um grande número de alemães, e sobretudo a da maior parte dos dirigentes nazis, infligia um tal desmentido a este ideal racista bastante constrangedor e incomodativo. Tentou-se no entanto estabelecer uma certa identidade entre a fisionomia dos chefes nacionais-socialistas e esta concepções racistas, tentativas que manifestam uma arrogância onde não falta o cómico, como no exemplo aqui apresentado duma obra de propaganda nacional-socialista corrente na Alemanha de 1933:
"Hitler é louro, tem a pelo rosada e os olhos azuis. É portanto de pura raça ariana, e é a imprensa vermelha, como a clerical, que semeou na alma popular todas as outras ideias acerca do seu aspecto físico e da sua personalidade. Quis por este meio fazer esta rectificação."