ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DE PROUDHON NA C.G.T. E NAS LUTAS SOCIAIS EM PORTUGAL
Na relação que a nível cognoscitivo somos levados a elaborar entre o pensar e o agir, o libertário dá primordial relevância à dimensão prática do ser, o que está de acordo com a sua concepção materialista. É o caso de Bakunine que viveu intensamente a vida, tal a sua vontade em modificá-la. O mesmo se pode dizer de Proudhon, que recusava possuir um sistema fechado e determinista à maneira da ortodoxia marxista.
Apesar de tudo isto, 1989 é fundamentalmente um ano de reflexão para os libertários portugueses, tendo em conta que A Batalha faz 70 anos de existência por um lado e por outro foi também fundado há 70 anos a Confederação Geral de Trabalho. Daí que seja necessário repensar as condições políticas, sociais, económicas e sobretudo ideológicas do Portugal de 1919 que viu nascer simultaneamente a C.G.T. e o seu orgão A Batalha .
O nosso objectivo não é de modo algum fazer história, mas reflectir em voz alta acerca de alguns aspectos que têm a ver com o aparecimento da C.G.T. e de A Batalha, a sua importância durante a I República, o seu desenvolvimento e o seu declínio. Tudo isto será também problematizado em torno da figura de Proudhon, libertário entre os libertários e o tecido das suas influências na movimentação política, sindical, social que se operou em Portugal no tempo histórico considerado.
1 - Proudhon: A obra, os temas
Já que se fala em Proudhon é necessário ter presente que a sua obra toca uma multitude de problemas que é urgente ter em conta: Em primeiro lugar, o regime económico (como por exemplo nas obras Que é a Propriedade, 1840 e Organização do Crédito de 1848 e Da Capacidade Política das Classes Trabalhadoras de 1865), o problema do Estado (As Confissões de um Revolucionário de 1849, A Ideia Geral da Revolução no século XIX de 1859 e O Princípio Federativo de 1863), a Filosofia (Sistema de Contradições Económicas de 1846), a questão da Justiça (Da Justiça na Revolução e na Igreja de 1858) e ainda os problemas internacionais e a questão nacional ( A Guerra e a Paz de 1861, A Federação e a Unidade em Itália de 1862 e Os Tratados de 1815 de 1863).
As principais questões levantadas por Proudhon foras as seguintes:
- A crítica do capitalismo, onde se salienta a análise crítica da propriedade e a análise das contradições económicas.
- As classes sociais, em que as classes que Proudhon se refere foram fundamentalmente a grande burguesia, a classe média, o campesinato e as classes operárias.
- A crítica do Estado.
- A crítica da Religião.
- A dialéctica e o seu objecto, onde se sublinha a dialéctica social e a realidade do social.
- A filosofia social, onde pontifica o trabalho como facto e como valor, a vida social e o problema da justiça.
- A revolução social.
- A economia mutualista, onde se tem que se ter em conta dos princípios às reformas, a agricultura mutualista, o artesanato da produção e a sua planificação.
- Finalmente, temos o problema fundamental de todo este sistema, melhor dizendo, deste anti-sistema, porque não autoritário nem dogmático, que é a questão de Federalismo. É importante salientar já que todos estes problemas serão abordados pelos pensadores portugueses da segunda metade do século XIX, destacando-se Amorim Viana, Oliveira Pinto, José Frederico Laranjo, Antero de Quental, Oliveira Martins, Silva Mendes, e os pensadores da C.G.T. como Manuel Joaquim de Sousa e Emílio Costa.
2- Proudhon e a A.I.T.
Para nos darmos conta da importância de Proudhon é importante exprimir o conteúdo da A.I.T. Poderíamos certamente dividi-la em dois grandes campos opostos: o dos "autoritários" e o dos "anti-autoritários." Embora estas expressões sejam utilizadas quer a nível teórico quer a nível prático correspondem a uma realidade histórica, são no entanto categorias que encerram conceitos um pouco imprecisos pois a A.I.T. foi uma miscelânea de partidários de Owen, Mazzini, Proudhon, Blanqui, Lassale, Marx, Bakunine, trade-unionistas, cartistas, etc. Só fazendo tábua rasa desta realidade, poderíamos aceitar a confortável tese das duas tendências, ditas principais, a marxista e a bakunitista. Já por aqui se aborda a importância fundamental de Proudhon pois na realidade a ideologia das secções de Paris era somente proudhoniana e a influência de Bakunine em França foi nula inclusive na revolta blanquista de Lyon em 28 de Setembro de 1870. O mesmo se pode dizer para o Marxismo em Inglaterra ou na Alemanha, onde as secções foram formadas por não marxistas. Quanto a Portugal o desconhecimento total das correntes socialistas é que pode atribuir uma decisiva influência a Bakunine sobre o movimento operário.
3 - Proudhon e o movimento operário em Portugal
Nos finais dos anos 60 do século passado, surge em Portugal um tipo de associação - a cooperativa - onde aí se verifica nem a influência de Marx ou Bakunine mas de Proudhon. Aliás Marx é nesta altura um ilustre ausente e quanto a Bakunine só há nitidamente dois autores que se enquadram nos seus postulados: Eduardo Maia e Nobre França. Podemos já neste momento concluir, que quer a nível internacional e principalmente tendo em conta o movimento operário português não tem sentido reduzi-lo ao pseudo-combate marxista-bakuninista pois "deriva, primeiramente de uma série de limitações nacionais tais como: problemas teóricos, de estrutura organizativa e de composição social do proletariado português" como salienta Carlos da Fonseca na obra A Origem da I Internacional em Lisboa. Ainda a este propósito é importante salientar que o marxista Alfredo Margarido na obra A Introdução do Marxismo em Portugal 1850-1930 admite claramente que o maior obstáculo à sua penetração foram os adeptos de Proudhon quer a nível europeu quer a nível nacional. Apesar de tentar constantemente denegrir o pensamento daquele que pela primeira vez se afirmou anarquista, Alfredo Margarido não consegue evitar esta clarividência quando aborda Amorim Viana: ."..é o primeiro autor português a optar abertamente por Proudhon, desconhecendo, esquecendo ou recusando Karl Marx. Como se trata de uma opção que há-de manter-se na estrutura portuguesa, na teoria como na prática, convém retê-la e dar-lhe a importância que merece." Outro autor marxista, Vitor de Sá, critica igualmente Proudhon chamando-lhe socialista pequeno burguês. Apesar do esforço de alguns escritores modernos em denegrir o anarquismo proudhoniano, as suas ideias continuam sendo um marco, de onde temos de partir para escrever a história do socialismo e das lutas sociais em Portugal.
A revolução que em 1910 aboliu o tronco das Braganças foi mais obra dos sindicalistas, socialistas e dos anarquistas do que dos elementos republicanos, nesse tempo numerosos. Toda a propaganda foi durante o regime monárquico em prol das actuais instituições era moldada nos princípios libertários, e houve chefes políticos, como António José de Almeida, Magalhães de Lima, Botto Machado, Artur Leitão, Paneo Falcão, Basílio Teles e outros afirmaram no tablado dos comícios e na tribuna da imprensa que a "República seria apenas uma ponte de passagem para o regime da verdadeira Igualdade, Fraternidade e Liberdade." (Edgar Rodrigues, Breve História do Pensamento e das Lutas Sociais em Portugal).
4 - A C.G.T. e o P.C.P.
Em 1919, Alexandre Vieira, na qualidade de primeiro director de "A Batalha" escrevia em forma de apresentação: "Com o aparecimento de A Batalha existe hoje a organização operária nacional, mercê de um rasgo de audácia e de coragem de um grupo de trabalhadores, eficazmente auxiliados no seu arrojado empreendimento pela Central de Sindicatos Portuguesa, a realização de uma das suas queridas aspirações que vem de longa data." Na Confirmação do que se acaba de dizer tenha-se presente que o Partido Comunista Português só surgiu em 1921 sob um forte impacto de solidariedade humana para com o povo russo que morria de fome!
A origem e o nascimento do Partido Comunista Português assumem um carácter quase original no processo de formação dos partidos comunistas europeus. De facto, enquanto na maior parte dos países o surgir de partidos comunistas se operou por cisões nos partidos socialistas filiados na II Internacional, em Portugal, a criação do P.C.P., deve-se ao esforço de alguns sindicalistas revolucionários, anarquistas e anarco-sindicalistas. "O partido socialista que foi fundado a 10 de Janeiro de 1875 raramente conseguiu ultrapassar a fase grupuscular e a própria evolução das expressões da luta de classes em Portugal vai acelerar o seu próprio fracasso definitivo em 1914 com a criação em Tomar, da União Operária Nacional " como nos diz César Oliveira na obra O Primeiro Congresso do P.C.P.
Foram de facto os sindicalistas revolucionários e os anarco-sindicalistas que, organizados em torno dos sindicatos, das uniões de sindicatos, das federações de indústria, de algumas cooperativas e colectividades populares e sobretudo em torno de uma imprensa numerosa, e criteriosamente distribuída do ponto de vista geográfico, que vêm a constituir a espinha dorsal da União Operária Nacional, a primeira estrutura federativa, à escala nacional, das classes trabalhadoras portuguesas. Diz César Oliveira: "Como a organização anarquista portuguesa não era pública e tinha um funcionamento quase secreto e o partido socialista, enquanto força operária, era uma organização irrelevante, foram o sindicalismo revolucionário na U.O.N. e o anarco-sindicalismo na C.G.T. as ideologias dominantes no movimento operário."
Apesar dos erros criados, o sindicalismo revolucionário cuja expressão mais cabal encontra eco na U.O.N. e na C.G.T. criada em Setembro de 1919, foi a alternativa real nas condições concretas da sociedade portuguesa ao impasse a que cedo chegou a o partido socialista e isso é um facto indesmentível!
Escassos são os militantes que a partir de 1919 criam a Federação Maximalista Portuguesa sob o impulso da revolução de 17, que não são de modo algum a vanguarda de uma alternativa real e global surgida no seio do movimento operário português, nem sequer pode fazer concorrência à C.G.T. que de 1919 a 1922 não pára de crescer em filiados. De tudo o que dissemos, podemos resumir dizendo que até à década de 30 foi a C.G.T. a força dominante no movimento operário. O seu desaparecimento deve-se, em parte, a certas debilidades teóricas e à sua incapacidade em mover e organizar-se face ao fascismo a ao crescendo do P.C.P.
Magalhães Vilhena é outro autor marcadamente marxista que na obra António Sérgio, o Idealismo Crítico e a Crise da Ideologia Burguesa define o sindicalismo português, que ensaia os primeiros passos antes da proclamação da República e melhor se define nos alvores da Primeira Grande Guerra Mundial "pela sua estruturação apolítica apegada à tradição das lutas sindicais puramente económicas, ignorando que toda a luta de classes é uma luta política" e mais adiante na mesma obra diz estarem os "responsáveis portugueses do movimento operário e socialista desse tempo (1910) imbuídos de proudhonismo e marcados pela influência anarquista de Mikail Bakunine. "Segundo os estatutos da Confederação Geral do Trabalho " a orientação de A Batalha é inspirada na luta de classes sociais, fundamentando a sua doutrina nos objectivos da Confederação, consignados na capítulo I destes estatutos."
Vejamos, então, quais eram, os objectivos da C.G.T. pelo menos segundo a letra dos seus estatutos:
"1. O agrupamento, sob a base federativa autónoma, de todos os trabalhadores assalariados do país, para a defesa dos seus interesses económicos, sociais e profissionais, pela elevação constante da sua condição moral, material e física.
2. Desenvolver, fora de toda a escola política ou doutrina religiosa a capacidade de operariado organizado para a luta pelo desaparecimento do salariado e do patronato, e posse de todos os meios de produção.
3. Manter as mais estreitas relações de solidariedade com as centrais dos outros países, para a ajuda mútua, numa comum inteligênciação, que conduza os trabalhadores de todo o mundo à sua emancipação integral da tutela opressiva e exploradora do capitalismo."
5 - O apoliticismo do sindicalismo revolucionário
Voltando à posição de Magalhães Vilhena, o aspecto mais importante que necessita de ser esclarecido é o da estruturação apolítica do sindicalismo revolucionário. Apolítica seria, com efeito, essa estruturação, no sentido em que, os sindicatos visavam mais longe do que aquilo que podia resultar do mero jogo partidário e parlamentar, manifestando-se, no entanto, decidamente política - mas sempre através dos meios directos de acção, com vista à revolução social ou à defesa das liberdades fundamentais.
Ambicionando a transformação da sociedade pela supressão do patronato e do salariado, o sindicalismo revolucionário não ignorava, não podia ignorar que "toda a luta de classes é uma luta política", discutíveis os meios de a empreender, por exemplo, para a abolição do Estado, que se queria substítuido pelo livre organização federativa de produtores e consumidores.
É óbvio, por tudo o que se disse, que o anarco-sindicalismo não ignorava certamente o conteúdo político da luta de classes, embora tenha repudiado sistematicamente o envolvimento em problemas partidários e eleitorais. Ganhou por aí prestígio a apreço dos trabalhadores. Não foi, no entanto, suficiente, tendo bem presente o que se passou em 1927.
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