Friday, February 02, 2007

EDUCAÇÃO OU O PROBLEMA DO ANTI-SISTEMA

"Dizer futuro é falar educação"

Falar e escrever sobre o ensino é sempre tarefa complicada. O nosso objectivo é, na nossa qualidade de professor, de aprendizes de filósofo (como dizia António Sérgio), e na de libertários, suscitar reflexão sobre questão tão em voga nos últimos tempos, fundamentalmente devido a medidas anunciadas pelo Ministérios da Educação. Daí a nossa presença. Daí este artigo. Daí a necessidade da reflexão.

- Prova de Acesso ao Ensino Superior -

Gostaríamos para começar, por abordar o que se passou relativamente à pouco tempo ou seja, a prova de acesso ao ensino superior. Na altura toda a gente, inclusive os alunos, se referiram à facilidade da prova. Pensamos no entanto, que a facilidade da prova é aparente, tendo em conta o texto (Virgílio Ferreira, contracorrente) e o próprio tema (a questão da imortalidade). Talvez que os alunos esperassem algo de diferente. Menos subjectivo, mais esquemático... para além disso o Ministério da Educação ao fazer uma prova com estas características, tenta diminuir as pressões e as reacções negativas. Mas no que respeita à prova de acesso ao ensino superior, o que é realmente importante analisar é o significado deste exame. Repetidas vezes o Ministério falou desta prova como uma prova de maturidade. Contestamos totalmente esta designação, senão vejamos: o sistema educativo actual não serve de modo algum o desenvolvimento das capacidades do estudante, primeiro porque os juízos são contestáveis, segundo porque são asfixiantes.
O sistema está baseado fundamentalmente num esquema mecanicista - os testes e os programas são rei. Asfixiamento porque a avaliação chamada contínua é na realidade pouco formativa e muito mais punitiva.

- Reforma do ensino não superior -

Uma outra medida proveniente do Ministério mão merece especial atenção: a famigerada reforma do ensino. Há muitos professores que consideram que a reforma, não é mais do que uma operação demagógica governamental (como libertários sabemos muito bem as consequências deste tipo de operações). Há outros professores, no entanto, que consideram que, apesar do aproveitamento político imediato que a reforma implica, contém elementos interessantes a ter em conta, no caso da questão pedagógica - a proposta de simplificação curricular, é positiva em relação à actualidade, embora na prática nada esteja definido e pensamos que talvez não passe de boa intenção meramente teórica.
Diríamos que os aspectos privilegiados da reforma são: 1) resposta às carências da sociedade e 2) resposta às ânsias dos jovens. Dito isto desta maneira parece que a reforma vai resultar, porque é necessário de todos! Mas vejamos com maior pormenor todas esta problemática. Em primeiro lugar, a reforma do ensino nas actuais condições é sempre limitada, porque é imposta pelo mercado externo à escola, e, há sempre uma predominância das escolhas políticas sobre as orientações pedagógicas (nas condições actuais a pedagogia não é um complemento da política como Sócrates preconizava). Em segundo lugar, os jovens não ficarão nunca satisfeitos, porque a reforma não está vocacionada para eles, tendo em conta o que se disse à pouco.

- A questão do ponto de vista do Professor -

Depois, há o problema bicudo dos professores! É preciso ter consciência que uma boa parte dos professores faz da vida escolar uma rotina, porque não foi por vocação que escolheram esta profissão, mas unicamente por ausência de outro emprego. Uma reforma para ser bem sucedida, não pode descurar as condições económicas e sociais dos professores, aspecto que o Ministério nunca procurou preocupar-se.
A situação teórica, ideal, para que uma reforma desse efeito do ponto de vista do professorado, em que o futuro educador pudesse livremente optar pelo ensino, tendo uma situação minimamente de acordo com a sua condição ou poder optar por outras profissões à sua escolha, compatíveis com o seu estudo.

- O insucesso escolar -

Uma questão badalada e que mostra a falência do actual sistema tem a ver com o insucesso escolar. É legítimo do ponto de vista moral o governo querer baixar a percentagem de chumbos, o que é criticável é que isso seja feito demagogicamente, ou feito por uma simples questão política/eleitoralista.
Descontando este aspecto trivial em todos os governos, objectiva e pedagogicamente ainda existe no nosso sistema a ideia do ensino ligado ao culto das élites, ainda há um pouco a mística dos liceus, onde só os filhos dos diferentes estratos da burguesia tinha acesso. Com a situação social/demográfica é claramente diferente, compreende-se o rombo do sistema educativo nos actuais moldes.
Daí que o professor consciente da realidade sabe que as suas exigências são inadequadas, o que leva à desmotivação por parte da grande massa de alunos para quem a escola é uma grande chatice. A questão do insucesso escolar tem que ser vista também do ponto de vista do professor - ele pode ser responsável pela desmotivação da turma. O insucesso corresponde a um duplo castigo para o aluno 1) porque não aprende 2) porque chumba.
O insucesso escolar da parte do professor exigente que pretende garantir uma certa qualidade de ensino é sofismável, pois beneficia e exalta uma élite de dotados mas em contrapartida prejudica a grande maioria.
Em relação ao insucesso escolar, o que se propõe é a erradicação total da repetência ao nível de obrigatório mas com mecanismos de recuperação e de apoio como por exemplo, professores especiais, turmas desdobradas e outros que actualmente são inexistentes.

- Escola, Estado versus Escola, Comunidade -

As teses fundamentais que defendemos e que numa verdadeira reforma do ensino deveriam ser implementadas, é que o aluno não deve ser punido mas apoiado. A escola não pode ser uma caserna.
Os problemas da escola poderão ser vistos em termos macro-políticos como o governo quer, melhor dizendo, como os governos querem e em termos pedagógicos. No primeiro caso aceita-se ou rejeita-se se é a favor ou contra o governo instalado. É o que se tem assistido de todos os sectores e com todos os governos. Em termos pedagógicos o modelo a seguir seria o modelo de escolas pequenas, abertas à comunidade e às inovações, mas pequenas, coisa para 500 alunos e não as aberrações que conhecemos de 3000 alunos.
É claro que isto tem a ver com o modelo de gestão que queremos para as nossas escolas. Não a escola ligada à comunidade. É claro que este último problema põe questões muito sérias que é necessário ponderar. Portanto o problema deve ser posto nestes termos: 1) escola versus estado ou 2) escola versus comunidade. O Ministério valoriza indiscutivelmente o primeiro binómio enquanto nós valorizamos o segundo.

- Reflexões parciais -

Se a sociedade onde vivemos é uma sociedade consumista e capitalista a escola "sofre" como os aspectos negativos desse sistema. A reforma seja ela qual for, terá sempre o aspecto negativo de ser geral, massificada. Por isso a importância em salientarmos o ensino particular. Não o privado que enferma dos mesmos males que o estatal (com a agravante dos professores serem ainda mais mal pagos).
Para terminar, gostaríamos de deixar bem vincado que o objectivo fundamental deste artigo foi de suscitar reflexão e diálogo, daí que seja importante, manifestações de leitores a este propósito, pois ao contrário de outras questões, o problema da educação/ensino é uma problema que directamente diz respeito a todos.