Friday, February 16, 2007

FASCISMOS, FASCISMOS


Parece que andamos a dormir. E estamos. Parece que estamos apáticos. E andamos. Nunca a paralisia mental foi tão grande como hoje em dia. Nunca a surdez verbal atingiu níveis inauditos. O fascismo começa a impôr-se, melhor dizendo, recomeça a impôr-se nos aspectos mais díspares da sociedade portuguesa. Ontem nos estádios de futebol. Hoje já, se começa a mostrar nas escolas de ensino secundário.
É verdade que a situação actualmente vivida em Portugal é esporádica e não tem comparação com aquilo que se passa em países como a França e a Alemanha porque no nosso país não existe uma Frente Nacional ou um partido Republicano e também porque ainda não apareceu um Le Pen português. Mas, para lá caminhamos. As "novidades" costumam chegar a Portugal com alguns anos de atraso, É capaz de ser mais um caso,
Aliás, não nos podemos esquecer que os líderes dos partidos neo-nazis, fascizantes ou de extrema-direita por duas ou três vezes elegeram Portugal para as suas reuniões, o que naturalmente, a sua causa não deve ser procurada na gastronomia ou no clima.
Diz-se que a História não se repete. Penso que sim e não é uma questão de crença nesse facto. No entanto existem algumas semelhanças na situação vivida por alguns países nomeadamente Portugal e a Alemanha do pós-primeira guerra; crise económica difícil para parte significativa da população, regime político impotente para perspectivar vida de futuro, descrença em valores de ordem cultural, prepotência esporádica por parte de certos governantes (basta pensar por exemplo nesta frase pronunciada convictamente por parte do Primeiro Ministro: "Tenho sempre razão e raras vezes me engano").
A acrescentar a tudo isto temos que o Comunismo, o chamado socialismo científico, já não é uma ideologia de multidões, já não é cientifico... e o Anarquismo ou os Movimentos Libertários, chamem-lhe como quiserem não conseguiu, não tem conseguido e nada indica do tecido social que venha a conseguir, pelo menos nos tempos mais próximos, impôr-se como alternativa ao regime constitucional, dito democrático.
Daí que os movimentos autoritários, chamemos-lhes deste modo, tenham amplo espaço político-ideológico de manobra e que essas infiltrações aconteçam ao nível das camadas adolescentes da sociedade. Adolescentes, porque são aqueles mais permeáveis, em termos sociais, a um enquadramento ideológico que pode ter, visualmente falando, aspectos atractivos.
Daí que, pertinente se torne o retorno a um conjunto de reflexões que possam fazer alguma luz acerca deste tema. Neste sentido, este artigo significa a continuação lógica dum outro, já publicado sobre a personalidade autoritária onde se destacavam o contributo de dois dos filósofos mais importantes da escola de Francoforte: Horkheimer e Adorno.
Ao avaliarmos a contribuição da Escola de Francoforte para a compreensão do fascismo, devemos, em primeiro lugar, considerar o tema através da literatura científica sociológica e política.
Uma das primeiras tentativas para uma explicação sociológica da ascensão do nazismo foi feita por Theodor Geiger. O seu estudo clássico, trata do problema da relação entre as classes médias e os nazis. A sua análise da estatística da votação dos últimos anos da República de Weimar estabeleceu uma correlação entre a votação decrescente dos partidos burgueses do centro e da votação crescente do partido nazi (NSDAP).
A sua tese é que êxito do movimento de Hitler não provém de qualquer idealismo, mas das frustrações materiais e económicas, da falta de esperança da antiga classe média, dos pequenos empresários e da nova classe média de trabalhadores de escritório.
Depois da guerra, os sociólogos discutiram de novo o problema, se bem que inicialmente na forma de reflexões em vez de investigação científica. Leopold Von Wiese exprimiu a contínua confusão sobre o fascismo entre os sociólogos alemães, chamando-lhe um fenómeno metafísico e enigmático que não pode ser penetrado pelo sociólogo,
O carácter complexo e confuso do fenómeno do fascismo manifesta-se no estranho facto de que, 70 anos depois da ascensão dos fascismo italiano, 60 anos depois do aparecimento do nazismo alemão, e mais de quatro décadas depois da queda de ambos (um acontecimento que abriu uma torrente de material de arquivo aos estudiosos), não está ainda à vista uma teoria global do fascismo universalmente aceite.
As tentativas das ciências sociais para explicar o fenómeno do fascismo, integram-se em duas categorias: teorias "puras" do fascismo e teorias do "totalitarismo". As teorias puras investigam as componentes sócio-económicas e ideológicas do fascismo; as últimas centram-se nas semelhanças na dominação política de regimes extremistas de esquerda e de direita, considerando-os uma doença geral das sociedade de massa do século XX, especialmente daquelas assediadas pelos problemas de modernização.
Desde que Estaline e Hitler subiram ao poder em 1929 e 1933 respectivamente, muitos teóricos propuseram uma teoria geral do totalitarismo - uma teoria que agrupava os regimes fascista e comunista numa estrutura teórica de referência. Assim Leão Trotsky sugeriu que o estalismo e o fascismo, apesar de uma profunda diferença nas bases sociais, são fenómenos simétricos. Em muitas das suas características, mostram uma semelhança mortal". (A Revolução Traída)
Depois de ter testemunhado os acontecimentos na Rússia, Schumpeter teve uma noção semelhante acerca do socialismo estalinista, um socialismo que é muito parecido com as actuais características racistas. Anteriormente a Ideologia e Utopia (1929) de Karl Mannheim comparava apenas o fascismo italiano ao leninismo e ao estalinismo crescente. Admostrava que seria errado não notar as diferenças ao salientar as semelhanças.

As teorias totalitaristas sublinham as semelhanças em métodos básicos e processos de dominação. Os regimes totalitários são, pois caracterizados pela total centralização e regimentação de todas as esferas da vida política, social e intelectual. Além disso, é-lhes básica e defesa exclusiva da chefia de um partido e ideologia. A política totalitarista pode resumir-se por um síndroma de características básicas: 1) uma ideologia anti-englobante e exclusiva, 2 movimento de massas centralizado e uniforme, 3) controlo de todos os meios de comunicação através de coerção, e 4) controlo burocrático de economia e das relações sociais.
As ciências sociais ainda não definiram o fascismo com uma precisão aceitável para todos. Nas teorias do fascismo de orientação marxista, o aspecto agitação-propaganda, de acordo com as exigências diárias da linha política, sempre dominaram as considerações escolarmente científicas, como se exemplifica muito banalmente nas teorias do "social-fascismo", que juntam todos os adversários do Partido Comunista para os denunciarem como fascistas ou, pelo menos, potencialmente fascistas.
As divergências nacionais parecem transformar a criação de uma teoria geral do fascismo num problema quase invencível. Mesmo os dois protótipos, o fascismo italiano e o alemão, tiveram diferenças significativas. O êxito de todos os movimentos fascistas dependeu em grande parte do grau em que uma economia mais ou menos capitalista podia fazer as necessárias mudanças para a modernização e da reacção histórico-politicamente determinada das massas. Todos os movimentos fascistas foram movimentos antidemocráticos de direita, dirigidos contra as ordens políticas e sociais democratas-liberais e socialistas-comunistas. No entanto, o fascismo alemão foi único na sua extrema ideologia racista, na exigência global de dominação, no impulso imperialista e na eficiência tecnológica.
Com a remoção do período da guerra fria e das mudanças pós-estalinistas das sociedades de tipo soviético, a abordagem da teoria totalitária parece perder o seu apelo para muitos estudiosos. O cientista político Peter Ludz, um estudioso de longa data das sociedades comunistas, sugeriu que as teorias do totalitarismo enquanto ferramenta metodológica e conceptual deveriam ser abandonadas no seu todo.
Outros parecem ainda aderir à ideia do totalitarismo como um conceito útil, não meramente um produto do estudo e atmosfera da guerra fria, e defendem uma aplicação diferenciada. Para Bracher, as teorias totalitárias e fascistas podem ser complementares.
As teorias do fascismo da teoria crítica de Horkheimer e Adorno, formuladas durante a década de 1940, representam uma viragem gradual de um tipo particular de teoria do fascismo para as teorias do totalitarismo na variedade filosófica-social. Assim, algumas das obras de Horkheimer tentaram expor o fascismo em termos sócio-económicos, com uma ênfase específica sobre a componente judaica. Noutras obras, especialmente na Dialéctica do Iluminismo e Eclipse da Razão, a dominação, o conceito-chave das teorias do totalitarismo, tornou-se a categoria e foi aplicada às sociedades capitalistas ocidentais. Apenas em meados dos anos de 1960, a Negative Dialektik de Adorno e O Homem Unidimensional de Marcuse desenvolveram o seu tipo especial de teorias do totalitarismo. Estas obras afastaram-se de outras teorias dominantes daquela abordagem no facto de salientarem a tendência para a dominação total de todas as sociedades industriais avançadas a uma escala global.
Basicamente, as expressões menos sistemáticas de Horkheimer sobre um "mundo totalmente administrado" concordam com Adorno e Marcuse. Cada um deles chegou a conclusões práticas diferentes - Adorno ao niilismo absoluto, Marcuse ao apoio da revolta estudantil, e Horkheimer a uma ânsia de um outro mundo.
No tocante ao fascismo, as maiores deficiências da Teoria Crítica podem agrupar-se como segue: 1) diferentes abordagens e produtos deste período nunca foram integrados numa teoria geral significativa do fascismo ou do totalitarismo; 2) não houve análise empírica das condições sócio-históricas, apenas reflexões extremamente especulativas mesmo na história intelectual de capítulos de ideias.
A apresentação deste problema feita na obra de Lukács, se eliminarmos as passagens polémicas, ou seja, passagens de agitação e propaganda, é superior na sua história da análise das ideias do pensamento irracional retornando ao mito. Históricamente, a razão e a não-razão caminham paralelamente no pensamento ocidental, e a última triunfou apenas em países onde as condições sócio-económicas a facilitarem.