A HISTORIOGRAFIA CRÍTICA E A IDEOLOGIA POLÍTICA E SOCIAL DE ALEXANDRE HERCULANO
" Burguês dos quatro costados, liberal ferrenho e proprietário, ainda que pequeno..."
(Cartas, vol. I "Carta a Oliveira Martins", Vale de Lobos, 25 de Dezembro de 1872.)
"...Assim foi que Herculano se transformou em modelo das virtudes características da Grei, podendo até aventar-se a hipótese de que tenha encarnado o arquétipo (na acepção de Jung) de certa exemplaridade portuguesa. Nessa linha, ele liga-se ao tipo nacional de "antes quebrar que torcer" (ou seja, a intransigência moral ante o curso das coisas) e inscreve-se numa família de espíritos de eleição a que pertenceram, entre outros, Sá de Miranda, Mouzinho da Silveira e Antero de Quental e da qual faz parte, nos nossos dias, um António Sérgio."
Joel Serrão, Dicionário da História de Portugal, vol. II pág. 437.
"...os partidos representam os interesses das diversas classes..."
A. Herculano, Cartas sobre a História de Portugal, (Opúsculos, vol. IV; carta V pág 142 da 4ª edição)
"...a biografia das famílias ou dos indivíduos nunca pode caracterizar qualquer época; antes, pelo contrário, a história dos costumes, das instituições, das ideias, é que há-de caracterizar os indivíduos, ainda quando quisermos estudar exclusivamente a vida destes, em vez de estudar a vida do grande indíviduo moral, chamado povo ou nação."
"...busquemos a história da sociedade e deixemos por um pouco a dos indivíduos."
A. Herculano, Cartas sobre a História de Portugal, (Opúsculos, vol. V, carta V, pág 105 da 4ª edição)
"É inegável a mediana envergadura intelectual dos homens dessa geração, a qual jamais correspondera à esperança que nela de positara Herculano. Geração que optou pelo mais fácil. Ela não discutiu o nosso autor como portador dum ideário, não o estudou como homem de pensamento e de ciência, nem pretendeu, a partir duma doutrina, renovar uma mentalidade ou educar um país; vituperou algumas vezes o escritor, não raro o admirou, - mas sempre, sem verdadeira crítica; adulou e quase divinizou quem afinal antes devera servir de exigente estímulo e de severo exemplo de autoridade moral. Lição para o nosso tempo, onde muito renovo promissor ameaçava abortar, por falta dum escol minimamente responsável, sério e competente: e como ilação daquela, uma tarefa pedagógica prioritária para as instituições deste País, a de preparar e formar os homens, para que amanhã não venham a desiludir algum outro Herculano, que acaso os possa observar."
Francisco da Gama Caeiro "Herculano: Homem Romântico ou Liberal? "in Alexandre Herculano à luz do nosso tempo, Academia Portuguesa de História, Separata, Lisboa, 1977, pág. 33.
"Todo puro grita de protesto tem em Vale de Lobos a sua fonte."
António Sérgio
"É honra nossa vir prestar a vassalagem àquele que foi bom, o Verbo, o ensinamento é honra nossa vir prestar esta homenagem ao plebeu imortal, austero, nosso guia que ele escute chorar na sua cova fria toda a geração nova!"
Gomes Leal
"Três séculos depois da morte de camões morre Alexandre Herculano. Neste longo intervalo não há um só nome em Portugal que aos dois se possa igualar. Estes dois nomes sós, dão uma literatura e uma nacionalidade."
António de Serpa Pimentel, Alexandre Herculano e o seu tempo - estudo crítico, Lisboa, Imp. Nac., 1881
Quase meio século depois, António Sérgio falaria de Herculano em termos parecidos, como "aquela personagem entre todas nobre que, dando (...) o modelo das suas virtudes, o seu emblema de carácter, a sua inspiração de ressurgimento, comparte com Camões o privilégio máximo de um representante da Nacionalidade."
António Sérgio, Ensaios III
"Mas a circunstância duma visão temporal (um autor do passado, encarado àluz da actualidade) envolve, para além de certo risco de ambiguidade que é inerente a este tipo de história comparativa - um apelo irrecusável (talvez até, inadiável) para os portugueses desta geração e deste momento histórico, que se cifra na pergunta - parafraseando um livro célebre de Benedetto Croce sobre Hegel - : "O que é vivo e o que é morto em Herculano?".
"Mas, volvamos à questão: Alexandre Herculano - homem romântico ou liberal? Onde é o romântico?; por assim dizer, predominantemente, ou mesmo puramente romântico? E onde revela já a simbiose ideológica: onde é romântico-liberal?"
Francisco da Gama Caeiro - "Herculano: Homem Romântico ou Liberal?" in Alexandre Herculano à luz do nosso Tempo, Academia Portuguesa de História, separata, Lisboa, 1977, págs. 11 e 25.
"A história dos sucessos políticos, que não é senão o resumo das cependências do género humano, quer se refira à vida interna, quer à vida externa das nações, cifra-se em descrever fenómenos mais ou menos notáveis dessa luta interminável. À conquista empreendida ou realizada pelo mais forte corresponde a resistência ou a reacção do mais fraco; ao despotismo de um as conjurações de muitos; à opressão oligárquica a revolução democrática. Nenhum, porém, desses factos traz uma situação definitiva. Na conclusão da peleja em que um dos princípios triunfa absolutamente começa a preparar-se a vitória do princípio adverso. Deste modo a história encerra um protesto perene da liberdade contra a desigualdade, digamos assim, activa, e ao mesmo tempo atestamos que todos os esforços para a substituir por uma igualdade absoluta têm sido inúteis e que esses esforços ou degeneraram na tirania popular, no abuso da desigualdade numérica, ou fortificam ainda mais o despotismo de um só, ou o predomínio tirânico das oligarquias da inteligência, da audácia e da riqueza."
Alexandre Herculano - História de Portugal, vol. VI, Lisboa, 9. ed., s. d. págs. 87-89.
Algumas Considerações -Alexandre Herculano. O Homem, O Pensador, O Romântico, O Liberal.
Tem este trabalho o objectivo de tratar do pensamento político e social, assim como o de analisar a concepção historiográfica do maior vulto intelectual português do século XIX: Alexandre Herculano que viveu entre o periodo conturbado politica e socialmente de 1810 a 1877.(1) Momento também agitado do ponto de vista cultural em que o nosso historiador (2) também participou, visto que Herculano foi também poeta romântico. Aliás antes de se dedicar à História e aos problemas políticos e sociais do seu tempo foi poeta tendo convivido com Castilho, com o morgado de Assentis e com a marquesa de Alorna. Mais romântico do que Garrett, foi em A Harpa do Crente que o chamado ultra-romântismo bebeu inspiração, assim como, mais tarde, aconteceu ainda com Antero de Quental, a quem essas poesias influenciaram. Quanto ao romance, género literário tanto do agrado do público burguês, cabe também a Herculano o mérito de o ter introduzido entre nós, conquanto sob a sua forma "histórica". Ora, se a sua acção como literato se revestiu, na verdade, da maior importância, foi, todavia, como historiador que Herculano influenciou mais duradouramente a cultura portuguesa. Na peugada de Guizot e de Thierry, seus pares europeus na historiografia romântica, aquilo que singulariza, entre nós, a história herculaniana é, por um lado, a importância atribuída ao devir das sociedades e, por outro, nessa trama social, a valoração do povo trabalhador, a atenção prestada às origens da burguesia, que após a sua revolução, acabara de chegar, em Portugal, ao Poder e se instalara para reinar por muito tempo. Por isso, mais que de métodos - as regras da crítica histórica já estavam estabelecidas e só havia, aí, que praticá-las - a inovação historiográfica efectivada por Herculano foi antes de objecto, de perspectiva sobre o que importava historiar, isso que ele exprimiu assim: "busquemos a história da sociedade e deixemos por um pouco a dos indivíduos." Mas num país onde quase sempre, de cada vez, se torna necessário fazer ou desfazer tudo, ou quase tudo, desde o começo não admira que a História de Portugal não revele logo, a uma primeira abordagem, o desiderato supremo que o seu autor procurava alcançar. Como, pertinentemente, salientou Oliveira Martins(3) descortinam-se na História de Portugal duas perspectivas, dois ritmos que nem sempre se ajustam: o da história política e o da história social. Com efeito, é sabido que Herculano buscando embora, primacialmente, elementos para o estudo da sociedade medieval portuguesa, foi necessariamente carreando, de caminho, dados para uma história política, que resolveu, por fim reunir e fundir. Além do mais, a importância e o relevo da historiografia herculaniana na conjuntura cultural portuguesa podem avaliar-se por este facto incontestável: até aos dias de hoje, toda a nossa historiografia tem sido e continua a ser tributária de Herculano. Gama Barros, Oliveira Martins, Jaime Cortesão, nos cimos, Rebelo da Silva, Alberto Sampaio, Costa Lobo e tantos outros entroncam, directa ou indirectamente, na lição herculaniana, reflectindo embora os condicionalismos dos seus próprios meios culturais. Não pode esboçar-se o perfil da personalidade mental e moral de Herculano sem se referir também a importância nacional da sua actividade polemística. Empenhado na estruturação da vida portuguesa segundo os cânones liberais, como ele os entendia, nunca perdeu o ensejo de discutir, a essa luz, os assuntos públicos e de procurar promover a dignificação do país pelo trabalho, pelo acesso, tão generalizado quanto possível, à propriedade (nem que fosse apenas a enfitêntica), pela elevação do nível educativo - tudo isso condição, segundo pensava, da efectiva liberdade do indivíduo, postulado de toda a sua ideação, pedra de toque da sua mundividência muito bem estruturada. Os seus escritos sobre questões públicas, reunidos em grande parte nos Opúsculos, constituem, pois, manancial indispensável não só a quem pretenda entrever as tramas mestras da sua personalidade de escritor - cidadão, mas também a todos quantos procuram compreender o ciclo histórico português em que viveu. Alexandre Herculano o homem, o pensador, o romântico, o liberal, onde revela a simbiose ideológica: onde é romântico-liberal? Ao fazer esta pergunta pensamos numa comunicação feita à Academia Portuguesa de História pelo Prof. Dr. Gama Caeiro (4) onde se aborda esta problemática a partir das fontes de Herculano, questão sempre difícil de abordar. Na página 23 dessa comunicação podemos ler o seguinte em relação às fontes de Herculano: "Certamente que algumas ideias vigentes em Herculano se apoiavam nos fundamentos universais e genéricos do liberalismo, como a promoção da dignidade do homem, a supressão da pena de morte, da Inquisição e da tortura, o fim dos privilégios das cidades sobre os campos e da nobreza hereditária sobre méritos reais e do trabalho, a proclamação das liberdades fundamentais." E a seguir lê-se o seguinte: "A questão das fontes inspiradoras desse liberalismo, e das circunstâncias concretas em que as suas ideias se desenvolveram, tem sido amplamente esmiuçada, se bem que estabelecida em bases controversas, caindo fora do nosso propósito, na brevidade desta comunicação, numa tomada de posição polémica. António José Saraiva publicou, em 1949, o estudo Herculano e o Liberalismo em Portugal - os problemas morais e culturais da instauração do regime- 1834-1850.
Esse tema será de novo analisado, discutindo as fontes da formação do historiador, por Joaquim Barradas de Carvalho, na 2ª edição (de 1971) de As Ideias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano, com úteis esclarecimentos sobre procedência francesa de algumas posições mentais do historiador, como os aspectos em que ele se torna tributário de Thierry e de Guijot (mas, a nosso ver, não valorizando devidamente a génese germânica das ideias de Herculano)."
O que podemos ver deste excerto é que à partida à dois tipos de fontes em Herculano: as francesas e as alemãs. É também de ver que Barradas de Carvalho na sua tese de licenciatura defende que a influência de Guijot e Thierry são mais importantes que por exemplo Savigny, Monmsen ou Ranke mas de qualquer das maneiras não deixa estas fontes totalmente de lado afirmando o seguinte na página 133: "Muitos trabalhos sobre Herculano, ao tentarem dar-nos as fontes do seu historicismo, não têm dúvidas em nos afirmar a profunda influência em Herculano da historiografia alemã e, em especial, a da Escola Histórica, de que destacam Savigny." A seguir cita-nos dois pequenos textos de Herculano retirados da sua História de Portugal. (5)
Barradas de Carvalho diz o seguinte: "Realmente, Herculano encarece bastante os estudos históricos na Alemanha, afirmando: "É, na verdade, vergonhoso, que Portugal se não tenha associado ainda ao grande impulso histórico dado pela Alemanha, por esse foco do saber grave e profundo, ..." Noutro texto diz-nos ainda que, se houvesse da nossa parte ilusões, elas ficariam completamente desfeitas com o conhecimento dos "estudos de história romana de Monmsen depois dos de Niebuhr..." Portanto o que vemos pelas palavras de Barradas de Carvalho é que ele não despreza as fontes alemãs de Herculano. Apesar de tudo vai considerar as fontes francesas mais determinantes no pensamento do nosso historiador por motivos que analisaremos mais adiante. Ainda sobre o texto do Prof. Dr. Gama Caeiro queria só corroborar as suas palavras confirmando-as com o que diz Barradas de Carvalho ainda na sua tese de licenciatura. Quando o Prof. Gama Caeiro diz que "Certamente que algumas ideias vigentes em Herculano se apoiavam nos fundamentos universais e genéricos do Liberalismo" Barradas de Carvalho vai também afirmar na pág. 25 "Muitos autores têm tratado o pensamento de Herculano, e até o seu pensamento político, sem se aperceberem de que, se é na verdade fundamental ligar Herculano ao momento político português, não é menos fundamental ligá-lo ao pensamento político europeu. António José Saraiva, num notável livro de ensaios, diz acerca da obra de Oliveira Martins, que, se ela é influenciada por pensadores franceses e alemães, é, no fundamental, uma resposta a problemas postos antes dele pela cultura portuguesa, ou melhor, por intelectuais portugueses de cultura europeia" (6) "Intelectuais portugueses de cultura europeia", eis o que nos parece uma grande verdade. Herculano era um intelectual português de cultura europeia. O seu pensamento, e, para o nosso caso, o seu pensamento político, deve ser em grande parte visto à luz do pensamento político europeu." Estas afirmações altamente revolucionárias para a época e ainda para os nossos dias vai levar a uma conclusão verdadeiramente original mas que deixaremos o seu estudo mais para adiante do trabalho.
Sobre a simbiose romântica-liberal defendida pelo Prof. Dr. Gama Caeiro dá-nos como exemplo a concepção do município. "Com outro exemplo, queriamos agora ilustrar o que nos parece ser já a tónica de conjunto, a síntese romântico-liberal. Referimo-nos à concepção do Município como instituição histórica, e ao Municipalismo como solução que virtualmente ele pretende apresentar para a sua geração. O estudo de Herculano sobre os municípios constitui ilustração significativa da sua tese, de que a História serve para a compreensão do presente, e de que a análise das raízes daquela contribui, ou pode contribuir, para uma via de solução actual. Nem outra é fundamentada justificação da sua escolha da Idade Média, como tema e período histórico, oferecida à reflexão dos contemporâneos. E esta nota é caracterizadamente romântica. A descoberta do valor e alcance actual da instituição municipal - proveio, como influência próxima, da historiografia francesa, pela via de Thierry, mas o alicerce destas posições continua a residir, na sua génese teorética, no plano fundante das suas doutrinas, na Filosofia do Nacionalismo romântico alemão." Sobre as fontes que influenciaram Herculano, teremos oportunidade de aí voltar. Para finalizar esta introdução e entrar mais especificamente na problemática que constitui o âmago deste trabalho não quero deixar de salientar uma última nota referente a Alexandre Herculano como homem e como pensador. Procurando um texto sobre esta questão na obra dum investigador do pensamento de Herculano não pude resistir a voltar ao pequeno mas denso e rico texto do Prof. Gama Caeiro que numa dúzia de linhas nos dá uma perspectiva completa do homem e do pensador que é Herculano. Ei-lo: "Convivem no mesmo homem a religiosidade profunda, a emoção estética, a poesia das instituições tradicionais, o medievalismo, o culto das raízes pátrias, o respeito pela índole do povo, a defesa inteligente do nacionalismo (embora não da patrioteirice) - dados alinhados pelos padrões do Romantismo - com o espólio ideológico do Liberalismo, que explicará o seu anti-clericalismo, a sanha a todo o regime político de feição absolutista e a toda a orgânica social e económica que suscite o jogo desenfreado dos interesses e desencadeie os mecanismos de coacção de ricos e poderosos sobre pobres e oprimidos, posição essa que se desdobrava, ou repercutia, em diferentes acepções, na condenação dos privilégios - na Política (haja em vista a sua crítica à Regeneração é, em especial, ao Fontismo), na Educação (o seu programa de instrução popular), na Economia (a apologia da pequena propriedade rústica e as formas associativas dos agricultores), facetas diversas que, uma vez aproximadas, descobrem a sua íntima coerência."
2 A Historiografia científica de Alexandre Herculano, Fontes, influências e principais obras historiográficas.
O primeiro grande postulado que queremos já avançar é o seguinte: em meados do século XIX, Alexandre Herculano caracteriza a sua História de Portugal como a primeira tentativa de uma história crítica de Portugal. Nós vamos mais longe e afirmamos que foi com a sua obra de historiador que nasceu em Portugal a historiografia científica. Há uma certa continuidade entre este trabalho sobre Alexandre Herculano e o anterior sobre António Sérgio. Àcerca de António Sérgio afirmamos a dado passo que conjuntamente com Jaime Cortesão tinha sido o introdutor da historiografia científica em Portugal porque até ele temos em Portugal uma historiografia que não difere profundamente daquela que faziam os cronistas medievais ou renascentistas, sejam eles Gomes Eanes de Zurara ou João de Barros, Rui de Pina ou Damião de Góis. (7) Generalizando podemos até dizer que a história até ao século XIX não passou daquela história que Paul Laconbe (1848-1921) e François Simiand (1873-1935), baptizaram de histoire événementielle.
A propósito deste assunto ouçamos o que nos diz Barradas de Carvalho não na sua tese de licenciatura mas numa obra mais recente (8) àcerca deste tipo de história praticada em Portugal e nos outros países até meados do século XIX: "Esta história, com a sua base epistemológica no conhecimento sensível, com a sua base epistemológica no conhecimento sensorial, esta história com a sua base epistemolígica no senso comum, esta histoire -bataille, esta histoire événementielle, como hoje lhe chamamos, esta história dos meios dirigentes e dos chamados grandes homens, esta história dos reis, dos ministros, da corte, levou mesmo durante séculos a serem tomadas como de grande importância certas disciplinas auxiliares, como a genealogia e a heráldica. Haverá talvez ainda quem se lembre da boutade: "Le blason est la clef de l'histoire de France", ("o brasão é a chave da história da França")." E mais à frente Barradas de Carvalho vai apresentar-nos um exemplo para clarificar o que lhe quer dizer com "duas histórias possíveis": "Finalmente distinguimos, com um exemplo bem dos nossos dias, es-
tas duas histórias possíveis - a história com a sua base epistemológica no conhecimento inteligível. O assassínio do presidente John Kennedy é um acontecimento histórico no plano do nosso conhecimento sensível. A conjuntura económica, social e política dos Estados Unidos da América do Norte que tomou possível, ou até conduziu ao assassínio do Presidente John Kennedy é algo diferente, de mais profundo, algo que podemos dizer estar no plano do nosso conhecimento inteligível. Poderíamos ter visto com os nossos olhos o assassínio do presidente John Kennedy. Não poderíamos ter visto a conjuntura económica, social e política dos Estados Unidos da América do Norte. Vemos um acontecimento. Não vemos uma conjuntura, uma estrutura."
Seria importante estudar aquilo que Barradas de Carvalho chama "A Pré-História da Grande História." E para isso seria importante referir o papel de Voltaire, Condorcet, Michelet, Thierry e Guizot. Como isso nos levaria para muito longe, faremos só breves referências aos dois últimos que influenciaram decisivamente Herculano.
Alexandre Herculano liberal, antidemocrata (9) e anti-socialista, adepto da monarquia cartista como o foram todos estes historiadores situa-se como historiador, como homem de ciência, na linha de evolução e de revolução como Thierry e Guizot que irá desembocar até Marx.
Augustin Thierry escreveu as lettres sur l'histoire de France. Herculano escreveu as cartas sobre a História de Portugal. E neste estudo, escrito em 1842, Herculano, seguindo Thierry, insurge-se contra aquilo a que este chamou a história das raças reinantes. Herculano afirma ser altamente absurdo sujeitar "a ordem dos aconteci- mentos sociais às mudanças das raças reinantes..." (10) pois "a biografia das famílias ou dos índividuos nunca pode caracterizar qualquer época; antes, pelo contrário, a história dos costumes, das instituições, das ideias, é que há-de caracterizar os indivíduos, ainda quando quizermos estudar exclusivamente a vida destes, em vez de estudar a vida do grande indivíduo moral, chamado povo ou nação." (11) Por isso Herculano vai acabar dizendo que "busquemos a história da sociedade e deixemos por um pouco a dos indivíduos." Nesse mesmo ano de 1842 no Elogio Histórico de Sebastião Xavier Botelho Herculano escreve "A revolução literária que a geração actual inventou e concluiu não foi instinto: foi resultado de largas e profundas cogitações; veio com as revoluções sociais, e explica-se pelo mesmo pausamento destas. (12)
A este propósito Herculano rebela-se contra a história dos chamados grandes homens: "É uma daquelas falsidades históricas, que nascem do curto pensar. Nunca um ou alguns homens puderam assim mudar nem a míni- ma das formulas sociais, em cujo número a arte, decerto, não é a última. São as gerações arrastadas e agitadas por ideias que nasceram e se derramaram insensivelmente que fazem semelhantes transformações. Essas cabeças de escola são o verbo da ideia, são os interpretes do género humano e - mais nada" (13)
Ainda neste mesmo estudo Herculano define o seu conceito de revolução, a propósito das reformas de Mouzinho da Silveira: "A época de 1833 foi a única época revolucionária por que tem passado Portugal neste século. Nem antes, nem depois, quadra tal epíteto aos sucessos políticos do nosso país; porque só então foi substituída a vida interna da sociedade por uma nova existência. As forças sociais antigas desapareceram para dar lugar a novas forças; destruiram-se classes; criaram-se novos sistemas, que substituíram os que aniquilaram: os elementos políticos mudaram de situação".
Mas o Herculano fidelíssimo discípulo de Thierry e Guizot, o Herculano intelectual português de cultura europeia, o Herculano homem de uma escola, o romantismo, não fica por aqui. Guizot acerca da luta de classes, na sua obra De la Démocratie en France, afirma: "Quando tivermos decididamente reconhecido e admitido que as diversas classes que existem entre nós e os partidos políticos que lhes correspondem são elementos naturais, profundos, da sociedade francesa, teremos dado um grande passo para a paz social." (14)
Recapitulemos: "...as diversas classes..., e os partidos políticos que lhes correspondem,..." As classes correspondem aos partidos, os partidos correspondem às classes...; parece que estamos a ouvir Marx.
Mas Herculano seguindo as pisadas do seu Mestre irá escrever em 1842 (15) nas Cartas sobre a História de Portugal: "...os partidos representam interesses das diversas classes..." (16)
Assim não nos devemos surpreender o que Herculano escreveu em 1841 no trabalho intitulado Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres: "Quem pode duvidar de que a classe média, ensaiando as forças adquiridas lentamente , invade todo o género de domínio, e, estendendo uma das mãos para as terras de menagem e a outra para as choupanas colmadas, diz ao nobre que desça, ao humilde que se alevante? Quem lhe disputa hoje a palma da inteligência, da propriedade e da indústria? A ideia de liberdade civil e política, ideia progressiva e de transformação, é representada por essa classe que , por isso, é forte e dominadora e para ela e por ela se traçam e aperfeiçoam instituições e leis. Como, com razão, diziam há um século Luis XIV e D. João V "l'état c'est moi" com razão, diz hoje o mesmo de si a classe média. Virá um dia em que o predomínio desta classe se converta em violência e opressão, soando para ela a sua hora de morrer, quando a ideia geradora do progresso presente se corrompa e envelheça nas suas mãos. Que grande pensamento social surgirá então? Não o sei; nem me importa, porque já não estarei neste mundo: mas embora o sangue vertido pelos sectários da liberdade, quais mártires do Evangelho, não seja fecundo e a liberdade e o cristianismo, ora vencidos ora vencedores, venham enfim a conquistar para si o império do género humano; sei que, bem como houve já tiranias do balcão, da oficina, da granja, da fábrica, e até, porventura, da imprensa, que agora ruge e agita o mundo em nome da igualdade civil dos homens." (17)
Joaquim Barradas de Carvalho dá-nos a sua interpretação deste texto na obra As Ideias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano. Diz ele o seguinte: "A primeira parte do texto nada de extraordinário nos mostra, pois Herculano considera a classe média como a classe dominante da época e a classe progressiva. Considera-a a classe que dá estabilidade ao corpo social, aquela que evita a existência de uma barreira estanque entre o grande e o pequeno. O que de extraordinário existe no texto está na segunda parte, quando Herculano prevê que o domínio da classe média lhe escapará porque esse domínio se transformará de fonte de progressão em fonte de violências e opressões.
É de fazer notar:
1º Que o texto fala de classes sociais que dominam as sociedades;
2º que as classes sociais se sucedem nesse domínio;
3º Que o domínio de cada classe desaparece quando a classe que domina deixa de representar progresso para representar opressão."
Estas ideias aliadas às anteriores sobre a luta de classes, e sobretudo à ideia de que "...os partidos representam os interesses das diversas classes...", levam-nos a pensar no materialismo histórico de Marx e Engels, com a concepção da luta de classes, na qual uma classe dominante, progressiva e revolucionária, no próprio quadro da luta de classes, se transforma em regressiva e opressora. Mas não há que pensar em influência de Marx no pensamento de Herculano. Longe de nós tal ideia. Este texto é de 1841 o das classes e dos partidos é de 1842 e o Manifesto Comunista é de 1848. Assim, as fontes de Herculano são indubitavelmente os homens da historiografia romântica do século XIX, e entre eles sobretudo Thierry e Guizot. Por tudo o que se disse é que ao ler a obra de António José Saraiva (18) não pudemos deixar de sorrir quando no Capítulo III intitulado "Um Ecletismo Filosófico-Religioso" nos diz que Herculano se remete a uma "teoria providencialista da história" que afinal não é mais do que "uma interpretação religiosa dos acontecimentos." E antónio José Saraiva define "uma interpretação religiosa da história" como uma "interpretação sempre acompanhada de juízos absorvendo, condenando ou glorificando as acções dos homens e dos povos." Uma interpretação que "não toma em conta a relativida- de histórica: fazendo comparecer todos os homens por igual perante o tribunal de Deus considera-os igualmente responsáveis, sem atender à diferênça dos tempos, à relatividade das estruturas sociais. É uma concepção contraditória com a ideia de evolução, com o próprio espírito histórico". È assim que se exprime António José Saraiva, para nas páginas seguintes nos fundamentar estas afirmações, dizendo-nos que "toda a História de Portugal está cheia de juízos morais". Juízos morais sobre personagens históricas e sobre instituições como é o caso do Absolutismo e também nos diz que a história da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal "é fundamentalmente um processo e um julgamento". António José Saraiva fecha esta crítica ao pensamento de Herculano com a afirmação de que "o que há de efectivamente evolutivo, histórico, no pensamento moderno, escapa, por estranho que pareça, ao primeiro historiador português." Naturalmente que não aceitamos em grande parte esta tese pelos motivos apontados que foram baseados em textos do próprio Herculano, E vamos agora provar também através de textos que em relação a instituições como o Absolutismo e o Feudalismo não há um sentido valorativo mas sim positivo expressamente dito.
Herculano escrevendo sobre o absolutismo diz que: "Esta interrupção das formas exteriores da vida política moderna, foi absolutamente falando, um mal ou foi um bem? Não o sei; mas sei que foi uma necessidade." (19) E a seguir diz "Porque cumpre confessar que, se o absolutismo pesou duramente na Europa, também facilitou de um modo admirável a ligação e harmonia do corpo social." (20) E ainda a seguir diz: "Foi por isso que já confessei ignorava se esse grande acontecimento tinha sido um mal ou um bem, contentando-me como saber que havia sido uma necessidade." (21) Em relação ao Feudalismo Herculano afirma que "Não é um desar, um nome desonroso que nós queiramos aqui apagar na fronte do passado - o feudalismo foi um meio de progresso, um elemento de ordem, e por consequência um bem, enquanto a civilização precisou dele..." (22)
Depois de todos estes exemplos penso que já desmontei suficientemente de que não tem qualquer validade a tese de que a interpretação de Herculano é uma "interpretação religiosa da História". Mas apesar disto tudo António José Saraiva pode dizer em sua defesa que as personagens históricas julgadas valorativamente, a História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal foi uma obra polémica, assim como alguns textos em que Herculano ataca o Absolutismo. Há em Herculano uma obra de polemista que nos parece devermos tomar em conta numa análise cuidadosa do seu pensamento. Não vou desenvolver mais este ponto para não fugir demasiadamente ao tema e por falta de tempo mas quero só acrescentar que é um aspecto importante da actividade intelectual de Herculano que não deve ser de nenhuma maneira menosprezado.
Para Alexandre Herculano a História não era nem uma recreação para o espírito, nem um ramo do conhecimento destituído de qualquer utilidade. Como ele próprio afirmava "buscava na história do passado doutrina para o presente." (23) Numa carta a Oliveira Martins, dizia: "O único intuito do que escrevi foi deixar às gerações futuras em Portugal alguns meios para uma coisa que me parece hão-de algum dia tentar fazer, isto é, tomar as instituições mais harmónicas, mais consequentes com as tradições e indole desta família portuguesa..." (24) Alguns anos antes, aquando da publicação da 3ª edição da História de Portugal, já ele dissera no prefácio que "...destinava o encetado trabalho para estudo de um príncipe, então na puerícia, que em futuro remoto, quanto a incerteza das coisas humanas permitia ajuizá-lo, devia reinar em Portugal." (25) E destinava-o para estudo do principe "persuadido de que o conhecimento da vida anterior de uma nação é o principal auxilio para se poder e saber usar, sem ofensa dos bons princípios, do influxo que um rei de homens livres tem forçosamente nos destinos do seu país..." (26) É na sua própria História de Portugal que Herculano nos diz: "Coligir esses factos, que constituiram o desenvolvimento e a vida colectiva dos povos, é o mister principal da história; porque ordenados e expostos, a convertem numa ciência útil pela sua aplicação às graves questões que abalam os fundamentos das sociedades modernas." (27) E continua Herculano: "É sobretudo com este último intuito que procuramos delinear agora a situação interna de Portugal na primeira época da sua História." (28)
É de acordo com estas afirmações de Herculano acerca da utilidade dos seus estudos históricos na resolução dos grandes problemas do nosso século XIX, que iremos agora tentar compreender como é que o grande historiador "buscava na história do passado doutrina para o presente".
Herculano dá-nos elementos para a resolução deste problema em vários passos da sua obra: nas Cartas sobre a História de Portugal de 1842, na parte final dos Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e dos Foraes de 1843-1844, nas Cogitações soltas de um homem obscuro de 1846, e finalmente na História de Portugal vol. VI, obra que começou a ser publicada em 1846 e cuja publicação se arrastou até 1853.
Nas Cartas sobre a História de Portugal, Herculano divide a história pátria em dois grandes periodos: "Em dois ciclos me parece dividir-se naturalmente a história portuguesa, cada um dos quais abrange umas poucas de fases sociais, ou épocas: ...o primeiro é o da idade-média fora o periodo em que a nação portuguesa teve as instituições que estavam na sua índole. O renascimento foi um periodo de decadência, embora uma análise superficial nos possa deixar chegar à conclusão contrária. Diz Herculano: "A geração a quem verdadeiramente pertence tanta glória - a do renascimento -, foi educada pelo século anterior. Os grandes homens do reinado de D. Manuel tinham conhecido o nosso último rei cavaleiro; tinham sido educados na época da robustez moral da nação. O século décimo-sexto nada mais fez que aproveitar a herança da idade-média." (30)
Como é a idade média, a época em que Portugal se fortalece e progride, é à idade-média que Portugal deve ir procurar o remédio para os males que, pela história afora, o apoquentem. É nesta linha de raciocínio que ele nos diz: "Mas, se a história não é um passatempo não; se, como toda a ciência humana, deve ter uma causa final objectiva...", "se no estudo da história pátria cada povo vai buscar a razão dos seus costumes..."; ir vigorar o sentimento na nacionalidade...", "não é por certo naquela brilhante época que havemos de encontrar esses importantes resultados do estudo da história; porque a virilidade moral da nação portuguesa completou-se nos fins do século XV, e a sua velhice, a sua decadência como corpo social, devia começar imediatamente" (31) Mais adiante, continua: "Nem descobrimentos, nem conquistas, nem comércios estabelecidos pelo privilégio da espada, nem o luxo e magestade de um império imenso, nos podem ensinar hoje a sabedoria social." (32) "A existência enfim intelectual, moral e material da idade-média é que pode dar proveitosas lições à sociedade presente, com a qual tem muitas e mui completas analogias." (33) Algumas páginas adiante, volta a insistir: "...a ideia fundamental sobre que tenho procurado fixar a atenção do leitor, isto é, sobre a conveniência de se estudar exclusivamente, ou pelo menos com preferência, a história da idade-média, se do estudo da história queremos tirar aplicações para a vida presente." (34)
Nos Apontamentos para a História dos Bens e da Coroa e dos Foraes e nas Cogitações soltas de um homem obscuro, Herculano nada acrescenta ao que dissera nas Cartas sobre a História de Portugal. O pensamento é o mesmo, embora menos claro e menos desenvolvido, pois não é o motivo central destes trabalhos. Esquematizando: divide a história portuguesa em dois grandes períodos, a idade-média e o renascimento; afirma a idade-média como a grande época de Portugal e o renascimento como a época da decadência; diz ser a idade-média a época da variedade, e o renascimento a época da unidade; diz que na época moderna reagimos contra a unidade renascentista e tentamos aproximar-nos da variedade medieval. Aponta em consequência o estudo das instituições medievais como o mais adequado a quem queira resolver os problemas portugueses do seu tempo.
A designação de unidade e unidade absoluta com que classifica a época renascentista, parece-nos significar centralização do poder real, monarquia absoluta. A designação da variedade, que dá à idade-média, parece-nos ter a sua justificação na existência dos concelhos, das comunas, e dos feudos (35) (que segundo Herculano não é o caso de Portugal) que descentralizavam a vida da nação, tornavam-na diferenciada, variada. Na idade-média os "elementos feudal e municipal" davam variedade à vida da nação. Com o renascimento "o elemento monárquico foi gradualmente anulando os elementos aristocrático e democrático, ou, para falar com mais propriedade, os elementos feudal e municipal, anulando-os não como existências sociais, mas como forças políticas", até "que o princípio monárquico se torna a única força política, que a unidade absoluta se caracteriza rigorosamente e, sem aniquilar as classes sociais, as dobra, subjuga e priva da acção pública. Servas, elas se corrompam rapidamente; a gangrena eiva por fim o próprio trono; e, em menos de um século, a nação portuguesa desaparece debaixo das ruínas da sua nacionalidade e independência." (36)
Pela ordem cronológica e também pela ordem de elaboração ideológica, depois das Cartas sobre a História de Portugal, dos Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e dos Foraes e das Cogitações soltas de um homem obscuro, surge-nos a História de Portugal, onde, segundo o prof. Paulo Merêa (37), "a filosofia é outra". E, na realidade, a filosofia é outra. Nestes primeiros trabalhos-Cartas sobre a História de Portugal, Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e dos Foraes, e Cogitações soltas de um homem obscuro-Herculano não faz mais do que uma apreciação de duas épocas históricas e incitar ao estudo de uma delas, assegurando-nos que era a que estava mais profundamente de acordo com a índole da nação, afinal a que nos levou à perda da independência tinha características bem diferentes, fora esta que aniquilara aquela. Na história de Portugal não há apenas uma apreciação estática de duas épocas históricas. Na História de Portugal, a filosofia é bem diferente: os fundamentos com que aconselha a volver os olhos para a idade-média obedecem a toda uma interpretação geral da história. Diz herculano na História de Portugal: "Na essência de todas as associações humanas e em todas as épocas e por toda a parte actuam dois princípios: um de ordem moral, íntimo, subjectivo; outro de ordem material, visível, objectivo. É o primeiro sentimento inato da dignidade e liberdade pessoal; é o segundo o facto constante e indestrutível da desigualdade entre os homens. As revoluções interiores das sociedades, as suas lutas externas, as mesmas mudanças lentas e pacíficas da sua índole e organização constituem fases mais ou menos perceptíveis do ascendente que toma um ou outro desses dois princípios em luta perpétua entre si. Cavando até ao âmago de qualquer grande facto histórico, lá vamos encontrar esse perpétuo combate." (38) Herculano fala-nos da existência de dois princípios que sustentam uma luta eterna: o princípio da liberdade e o princípio da desigualdade (39). A história das sociedades humanas reduz-se às linhas gerais da luta entre os dois princípios que são da essência de todas as associações humanas de todas as épocas e de todos os lugares. Na luta entre eles, algumas vezes um sobrepõe-se ao outro e predomina, mas este predomínio é efémero pois as sociedades em todas as épocas e em toda a parte tendem para o compromisso e a coexistência, este equilíbrio. Dá a fórmula político-social perfeita, aquela para que toda a sociedade tende, aquela que era a das instituições medievais "na verdade bárbaras e incompletas, mas que, apesar da sua imperfeição e rudeza, continham os elementos de equilibrio entre a desigualdade e a liberdade.(40)
Quando qualquer dos dois princípios predominar, teremos uma das tiranias possíveis para Herculano, ou a tirania do maior número ou a tirania de um só, "a democracia absoluta, que desmante a lei natural das desigualdades humanas, ou a oligarquia opressora e materialista que se ri das aspirações do coração, que não crê na consciência das multidões, que confunde o facto da superioridade com o direito de oprimir as classes populares, cujos menbros são para ele simples máquinas de produção destinadas a proporcionar-lhes os cómodos gozos da vida." (41) Pelas próprias palavras de Herculano, a harmonia entre os dois princípios é uma "lei eterna que não é lícito ofender impunemente" pois "nunca a liberdade e a paz poderão subsistir enquanto concessões mútuas não tornarem possível a coexistência e simultaneidade dos dois princípios."
Na História de Portugal não há apenas, como já dissemos, uma apreciação estática de duas épocas históricas, mas , pelo contrário, há a noção de movimento, de devir, integrada numa ordenação lógica a partir da qual todo o arbitrário parece desaparecer. Aparecem-nos dois princípios de todos os tempos e de todos os lugares, isto é, dois princípios absolutos, a liberdade e a desigualdade. A luta pelo predomínio de qualquer deles desenrola-se através de toda a história. Mas o estádio ideal é aquele em que haja coexistência, estádio esse para que sempre se tende e que é o da fórmula político-social perfeita. Qualquer estádio que não seja este, embora necessário(42) é efémero, transitório, corresponde a fórmulas político-sociais imperfeitas, seja a democracia igualitária, o despotismo das massas, ou seja o despotismo de um só. A idade-média foi a época da coexistência dos dois princípios, do equilibrio entre a desigualdade e a liberdade.
E para finalizar a opinião de Barradas de Carvalho acerca de toda esta problemática exposta na sua tese de licenciatura.
" A mudança permanente, o devir perpétuo da filosofia de Herculano, não é um devir circular em que tudo caminha sempre pelas mesmas fases. É em espiral e, como tal, cada nova fase e cada novo alvo aparecem sempre em estádios novos de desenvolvimento. A volta que Herculano preconiza à idade-média não pode confundir-se com uma volta pura e simples aos séculos XII ou XIII, mas com uma volta a alguns princípios gerais da nossa idade- média, convenientemente adaptadas à vida do século XIX. Herculano chega a pensar que um dia, depois de dolorosas tragédias, a Europa chegará a reconhecer que a maneira de resolver muitos dos seus grandes problemas, como o da imcompatibilidade entre o Capital e o Trabalho, será "restaurar, em harmonia com a ilustração do século, as instituições municipais, aperfeiçoadas sim, mas acordes na sua índole, nos seus elementos com as da idade-média." (43)
3) A Ideologia política e social de Alexandre Herculano.
Vamos neste capítulo reportarmo-nos à ideologia política e social do primeiro historiador português. Embora certas pistas tenham sido dadas nos capítulos anteriores é momento de sistematizar essas mesmas pistas e de cristalizá-las numa ideologia. E queríamos começar por tratar de um problema que António José Saraiva trata no capítulo II do já falado hino Herculano e o Liberalismo em Portugal, capítulo esse intitulado Liberalismo e Cristianismo. É numa nota a este capítulo que António José Saraiva combate o tão falado Kantismo de Herculano. Chega à conclusão que Herculano conheceu Kant de segunda mão e foi sempre levado pelas deformadoras interpretações daqueles que lho deram a conhecer, quer estes fossem Madame de Staël, Bautain, ou ainda e sobretudo Victor Cousin (44) através das suas Leçons sur la philosophie de Kant, onde "le scepticisme absolu devrait être la conclusion dernière de toute la philosophie de Kant, aussi bien dans la partie morale que dans la partie spéculative", e ainda, onde "le scepticisme...est le résultat rigoureux de la Critique de la Raison Pure...". (45) Lembremo-nos de que Herculano afirmara que, "com Kant o universo é uma dúvida."
A suposta influência de Kant em Herculano constitui um problema de que foi culpado Oliveira Martins que chamou a Herculano Kantista no Portugal Contemporâneo. Esta convicção de Oliveira Martins foi tomada a sério por posteriores comentadores do pensamento de Herculano que adoptaram simplesmente. Uma das excepções deve-se a Paulo Mêrea no seu trabalho já citado de "O liberalismo de Herculano" onde põe em dúvida a afirmação de Oliveira Martins. Uma outra questão que queria desde já esclarecer e que Barradas de Carvalho também trata na sua tese de licenciatura é a distinção entre liberalismo e democracia. Esta distinção é fundamental para um inteira compreensão do pensamento político de Herculano. Herculano afirmou-se sempre liberal, mas adversário irredutível da democracia, sem que no entanto houvesse qualquer tipo de contradição no seu pensamento.
Herculano opõe-se à ideia de que o indivíduo é um produto da sociedade. Segundo o pensamento de Herculano e segundo o liberalismo de um modo geral, a democracia (e ainda mais claramente o socialismo) pretende a valorização da sociedade esquecendo o indivíduo, ao passo que o liberalismo tem como objectivo supremo a valorização e o livre desenvolvimento do indivíduo. Herculano chega a afirmar em cartas a Oliveira Martins: "o socialismo vê no indivíduo a coisa da sociedade; o liberal vê na sociedade a coisa do indivíduo (46); e ainda "As ideias democrático-republicanas tendem, pela sua índole, a apoucar o indivíduo e a engrandecer a sociedade..." (47)
Barradas de Carvalho diz que a confiança ou a falta de confiança nas massas populares é que separa o democrata do liberal. O democrata vê como autoridade suprema a soberania popular e é nessa soberania popular que está a suprema garantia da liberdade. Por seu lado o liberalismo identifica a soberania popular com o despotismo. Só não seria a soberania popular um despotismo se todos exprimissem a mesma vontade geral (48), se fosse possível a unanimidade. Segundo o liberalismo, na democracia a quantidade prevalece sobre a qualidade; daí que o liberalismo ponha limitações ao sufrágio universal considerando que nem todos têm condições para o exercer. Como diz Barradas de Carvalho é tudo uma questão de "confiança ou falta de confiança nas massas populares".
Perguntemos agora: Como se define o liberalismo de Herculano e quais as coordenadas do seu pensamento?
Tem de fixar-se o princípio de que o nosso autor foi ao mesmo tempo, um romântico e um liberal, pela época em que viveu e pela expressão do seu idéario. Se a sua concepção mediena e a busca de uma definição secular para a origem da nação portuguesa o prendem ao movomento romântico, a valorização do homem como princípio e fim da sociedade política tomou-o um liberal de expressiva marca. Como pensador, Herculano foi mais romântico; como homem para quem a acção política tinha de orientar-se pelo culto de uma doutrina, impõe-se pela segunda face. É na conjugação dos dois movimentos, sem qualquer escusada alternativa, que Herculano encontrou a plena realização da sua personalidade, no diálogo permanente que a si próprio impôs entre a pureza doutrinal e a sua vivência no tempo.(49)
Herculano considerava a liberdade humana um verdadeiro axioma, "uma verdade de consciência com Deus".(50)
Não era preciso demosntrar um princípio que dava origem no direito absoluto como fundamento da vida social. O homem era livre na medida em que contribuia para a existência da sociedade, respeitando a esfera dos actos livres dos outros e na certeza de que também os seus recebiam igual tratamento. A vida de uma comunidade era a natural consequência da liberdade individual. Esse facto permitia a Herculano sustentar a origem e a necessidade do princípio liberal: "Todas as instituições que não respeitarem estas ideias serão, pelo menos, viciosas." (51)
Que o poder fosse assumido por um monarca ou um presidente, era para ele uma questão de somenos, ainda que nunca ocultasse a preferência que tinha pela monarquia liberal. Na expressão do pensamento que, mais tarde haveria de clarificar nas cartas a Oliveira Martins, entendia que "as ideias democrático-republicanas tendiam, pela sua índole,a apoucar o indivíduo e a engrandecer a sociedade." (52) Herculano deixara, porém a escolha da monarquia ou da républica ao foro íntimo de cada um. O que se impunha rejeitar era qualquer forma absoluta de governo, por traduzir dois "impérios abomináveis", quer a ditadura pessoal, quer a ditadura de grupos humanos, ambos contrários ao espírito da liberdade: "Tão ilegítimo acho o direito divino da soberania régia, como o direito divino da soberania popular. A soberania não é direito: é facto - facto impreterível para a realização da lei psicológica, e até fisiológica, da sociabilidade, mas, em rigor, negação, por restricção, nos seus efeitos, do direito absoluto, e cujas condições são portanto, determinadas só por motivos de conveniência prática e dentro dos limites precisos da necessidade. Fora disto toda a soberania é legítima e monstruosa. Que a tirania de dez milhões se exerça sobre o indivíduo, que a de um indivíduo se exerça sobre dez milhões, é sempre a tirania é sempre uma coisa abominável..."(53)
O conceito de democracia, que identificava com o estatuto político dos Estados Unidos da América, não era de molde a convencer Herculano. Nem uma só vez encontrava uma definição satisfatória para essa forma de governo que lhe parecia destinada a "converter o homem em molécula". Como poderia a velha Europa, formada por estratos da mais variada proveniência céltica, romana e germânica, identificar-se como uma forma de "republicanismo democrático" que levaria, cedo ou tarde, ao cesarísmo político? (54) O credo liberal defendia o homem e não a sociedade, não passando esta de uma abstracção que diminuía a realidade humana: "...Mas a minha inteligência amotiva-se contra a conversão do homem em molécula. Repugna-se vê-lo apoucado, quasi anulado, diante da sociedade, e esta, pessoa moral, indivíduo colectivo, artificial, subrogando-se ao indivíduo real. Resume-se nisto a índole da grande républica americana. Nas democracias, a igualdade fabrica-se mergulhando-se as cabeças que se elevam e flutuam acima das vagas populares, na torrente das vontades irreflexivas e inconscientes que se precipitam para o imprevisto só porque as paixões as arrastam. E este mergulhar é eterno, porque a realidade, a verdade natural, protesta eternamente contra ele." (55)
Herculano considerava o regime "democrático" como inadaptado aos estratos mentais do homem europeu, marcado pela crença católica que levara no fortalecimento das instituições de vários países. Admitia que na origem da mentalidade republicana da Suiça e das colónias inglesas da América estivesse a força respectiva do calvinismo e do puritanismo, como "prolação da sua vida moral". A índole, os costumes e a expressão própria desses países mergulhava em práticas religiosas que lhe mantinham o rigor. Já o mesmo não sucedia com as nações católicas da Europa, ligadas pelas suas raízes seculares ao liberalismo monárquico: "São justamente considerações desta ordem que vêm fortificar a minha persuação de que, independentes do seu mérito, ou demérito absoluto, a democracia repugna às nações ocidentais da Europa, educadas pelo catolicismo que, na pureza da sua índole, é o tipo da monarquia representativa. Seria preciso ignorar a imensa influência que as religiões têm no desenvolvimento intelectual e moral das grandes famílias humanas, na formação lenta da sua índole particular, para não perceber quão difícil é dar um carácter, não só novo, mas até oposto, ao seu organis-
mo social e político..." (56)
Sustentando uma concepção determinista nos campos geográfico e espiritual, temos de reconhecer que Herculano foi um profeta sem visão, por ter apenas em conta a monarquia de tipo liberal e não a república de expressão representativa que veio a caracterizar a maior parte dos governos europeus a partir de 1870. Mas onde não errou, antes soube equacionar o problema social a um século de distância, foi na viveza do debate que, pelos anos de 1872-77, travou com Oliverira Martins acerca da viabilidade do socialismo como doutrina política. Intitulando-se "um burguês de quatro costados, um liberal ferrenho e proprietário" (57), ao agradecer a teoria do socialismo que o seu jovem amigo acabara de publicar (58), exprimiu uma forte convicção liberal que impressiona o homem do nosso tempo. Quais as bases do seu pensamento?
Para ele, o socialismo era uma doutrina utópica, por assentar numa "terminologia nebulosa". (59) Não se tratava de uma visão política, nem tão pouco de uma concepção económica, antes devia ser encarado como "uma espécie de religião" e, como tal, dogmática, por ferir a pureza do indivídualismo como princípio e fim das sociedades. Tratava-se, no fundo, de apoucar o homem para engrandecer um ficção. Com que fim? Para fazer crer na impossível miragem da igualdade social, que ele não hesitava em definir como "fantasma irrealizável". Se os princípios da natureza diferenciavam os homens no fisico e na estrutura mental, não era possível, segundo Herculano, aceitar uma doutrina que os convertia em moléculas: "Parece-me que, reduzindo a pergunta a termos chãos, alheios à terminologia nebulosa da filosofia socialista (que seria dela sem essa termonologia?) V. S.ª quer saber se, à vista das suas apreciações históricas, eu acho que a vida das sociedades não resulta dos efeitos da vontade individual, combinados com os acontecimentos fortuitos. Distingo. A vontade individual, ajudada pela superioridade da inteligência, tem, teve e há-de ter sempre uma influência maior ou menor, às vezes grandíssima, na vida exterior das sociedades, e até não raro na sua vida interior, na sua filosofia. Que esta influência necessariamente é limitada pelas outras vontades inteligentes, também me parece óbvio: que há circunstâncias independentes, tanto de qualquer vontade individual como do complexo de todas, que as limitam, parece-nos indispensável. Que estas circunstâncias sejam determinadas pelo concurso das vontades individuais, não o creio, aliás confundir-se-iam com os efeitos delas e o modo de ser das nações teria essa origem. Circunstâncias tais dependem de factos anteriores, de leis físicas ou morais, de causas, em suma, que podemos ou não podemos conhecer. Neste último caso chamamos-lhe circunstâncias acidentais, fortuitas. No mundo real não há senão causas e efeitos. Fortuito é um adjectivo inventado para consular a vaidade humana de ignorar a cada passo a geneologia dos factos e dos acontecimentos..." (60)
Alexandre Herculano não aceitava a "lógica da história", que ao tempo entusiasmava Martins, como sucessão de factos que conduziam a trajectórias diferentes de novos impulsos sociais: "...Eu posso lá saber o que é a lógica da história que sai da sucessão dos factos históricos? A lógica, no meu tempo, era o complexo das leis, das regras expontanêas conforme as quais funciona a inteligência: era a fórmula por cujo meio se manifesta a razão no homem. fenómeno puramente subjectivo, congénito com o indivíduo, e mais ou menos aperfeiçoado na sua manifestação externa, conforme a educação de cada um, não concebo como tal fenómeno possa derivar da sucessão dos factos históricos. Que, aplicando-se aos factos históricos, a lógica nos possa ou deve levar a tais ou tais conclusões ou ilações, entende-se. É o mesmo que sucede aplicando-a a outra qualquer província do saber humano. Lógica engendrada pelos factos da vida das nações, ainda não havia no meu tempo. É descobrimento mais moderno..." (61)
Na crítica que faz ao socialismo como doutrina política, Herculano tinha em conta a sua formação liberal e, mais ainda, o arreigamento ao campo, que lhe fazia ver os problemas sociais à pequena imagem do seu mundo agrícola. Não é pois de estranhar que buscasse no exemplo próprio as razões que o opunham a uma mudança estrutural da sociedade, não considerando que pudesse haver luta de classes onde apenas existia o bom aproveitamento da terra para benefício dos lavradores, rendeiros e agricultores. Defendendo o princípio sagrado da propriedade, não negava tão pouco o direito ao trabalho, que era indispensável para o interesse comum. Se patrões e rurais cumprissem o dever que ambos assistia, estava resolvido o problema social pela força dos laços que a própria terra criava entre os seus membros.
Não era a sociedade abstrata, mas o homem real que podia solucionar, num espírito de "verdadeira fraternidade", as questões suscitadas pela posse e pelo trabalho do campo. No entender de Herculano, a que poderia conduzir a doutrina de Proudhon? "...tenho todos os sinais que caracterizam a besta do moderno apocalipse do evangelista Proudhon; sou tirano do operário. Uma das nossas manias, que se manifesta de modo escandaloso neste tempo de varejo, é a de não nos deixar roubar (desculpe o termo velho, porque não me ocorre outros) por aqueles pobres mártires, nem no trabalho que ajustaram dar-nos, mediante um salário livremente ajustado, nem nos frutos das árvores, que, por cega preocupação, supomos nossas, com o frívolo fundamento de que comprámos ou plantámos. O grande trabalho (trabalho essencialmente improdutivo), de feroz alcateia dos lavradores é neste tempo, vigiar os ranchos, que, sem isso, dormiriam metade do dia e empregariam a outra metade em encher os embornais de toda a azeitona que pudessem levar à noite e ir vender a algum lagar, e, com o preço dela , embebedarem-se e depois esfaquearem-se na taberna, para se esquecerem. para espairecerem (infelizes vítimas do capital!) da sua existência de miséria e trabalho. Enquanto andamos com isto, não pensamos em ler. E, ainda mal, que se, em vez de cuidar nas azeitonas, estudássemos Proudhon, talvez chegássemos a entrar em melhor caminho. Com esse pouco, porém, que tenho visto do seu hino, já apanhei uma rima de dúvidas, para as quais lhe pediria explicação se me coubesse no tempo que desbarato agora com as contas do lagar, trabalho igualmente improdutivo, porque apenas se trata de saber se é o dono ou o lagareiro que tiram maior interesse dele, questão ociosa se houvesse entre os homens verdadeira fraternidade." (62)
O liberalismo de Herculano foi profundamente nacional, assentando nos direitos do cidadão e nos valores da terra. Ele reconhecia que a simples definição da liberdade consagrada na constituição de 1822 e na Carta Constitucional, não tinha bastado para garantir a vida do regime. Impunha-se mudar as estruturas de uma sociedade anquilosada desde a abolição do que havia de nocivo nos "vínculos" a uma efectiva divisão da propriedade que pusesse termo às diferenças sociais existentes. (63) Obra voltada para o futuro, impunha-se a extinção de privilégios monásticos e de direitos senhoriais que tinham sustentado o antigo regime e eram obstáculo no desenvolvimento normal da Nação.
Em 1856, o grande escritor fazia o elogio de Mouzinho da Silveira como o homem que poderia ter conduzido o regime liberal para um futuro sólido. Embora o seu pensamento não fosse aplicado na íntegra, pois viu-se afastado da cena política em 1833, inspirou, pelo menos, dois "actos de verdadeira audácia revolucionária": a supressão das ordens relígiosas e do papel-moeda.
Tudo o resto que existia no país, nesse primórdio do regime liberal, pouco valia ao lado do homem íntegro que sonhara criar uma nova estrutura para benefício da população em geral. "Esses financeiros, barões, viscondes, marqueses de antiga e fresca data, comendadores, conselheiros e outros "apenas viam o acréscimo da glória e dos bens pessoais, tendo-se integrado no regime sem convicção. O fim dessa legião de oportunistas consistia em saquear o tesouro à custa dos bens espoliados à antiga nobreza e aos conventos. Se Mouzinho tivesse permanecido ao leme do Estado após a vitória dos liberais, a mudança do regime seria acompanhada de uma salutar reforma da vida portuguesa.
No que respeita aos vínculos, Herculano tinha em conta que a sua abolição negava o direito de propriedade que à monarquia liberal se impunha defender. O homem de Vale dos Lobos reconhecia que a existência desse instituto era, à primeira vista, contrário à conveniente partilha do solo, base para resolver a questão agrária. Mas entendia, por outro lado, que a supressão contrariava o princípio da transmissão patrimonial, pelo que mais convinha integrar os bens no circuito da riqueza nacional. (64)
Os vínculos devem assim ligar-se à própria essência da monarquia representativa. Não havia vantagem em abolir-se uma "qualificação nobiliária" que assegurava a concórdia política no seio do novo regime, pelo que não devia combater-se a existência dos vínculos, mas apenas "o que neles havia de nocivo" (65). Herculano invoca o caso da Irlanda, onde a grande propriedade não carecia de suporte vincular para dar origem a culturas extensas, mostrando depois que no caso português, com o predomínio da pequena propriedade, a partilha do solo seria mais facilmente atingida com a conservação dos vínculos. com isto não deixava de ligar o problema social ao fundamentalmente agrário: "Se os vastos prédios vinculados nas províncias meridionais de Portugal não nos dão o espectáculo que nos oferece a Irlanda, é porque nas nossas províncias do sul escasseia a população rural, e falta quem, impelindo pela fome, vá disputar a outro miserável como ele algumas nesgas de terra: é que o sul do reino, sobretudo o Alentejo, acha-se em grande parte deserto. Se assim não fosse, a existência dos vínculos não obstaria decerto a que procura escessiva da terra, compensando pela valorização da renda parcelária as desvantagens da divisão dos grandes prédios, trouxesse a pequena cultura, não com os seus caracteres benéficos, mas com aqueles que tomam fatal o seu predomínio ilimitado." (66)
Neste quadro integra-se o caso da emigração que Herculano discutiu em resposta a uma consulta da Associação Agrícola de Lisboa. (67)
Que factores conduziam o homem português a abalar para as Américas? Como evitar esse fenómeno que tão graves consequências trazia ao nosso mundo rural? Como se devia encarar, no seu conjunto, o movimento emigratório?
Para o historiador, que era também homem de campo, a questão era complexa pelas razões que forçavam torrentes humanas a abandonar o reino. Dentro de um amplo conceito de liberdade, não lhe parecia viável impedir as pessoas de seguirem o destino que lhes aprouvesse. Nem todos o faziam por carência de meios, muitos havendo que escolhiam o caminho da esperança que mais se adequava à sua maneira de ser. A causa fundamental era para Herculano "a índole aventureira e cobiçosa do homem" que provinha de motivações diversas. (68)
Herculano defende que a emigração era um fenómeno endémico na vida nacional, desde que a política ultramarina levara o homem português a espalhar-se pelo mundo. Exaltava a força do emigrante na pessoa do chamado "brasileiro", que define como "o homem que saíra de Portugal na puerícia ou na mocidade mais ou menos pobre e que , anos depois, voltara mais ou menos rico." (69) Não via motivo para reduzir o emigrante a um farrapo social, pois, ao deixar a Patria, ele levava um pensamento fixo que seria injusto não fortalecer. Daí que Herculano critique apenas a emigração forçada e valorize a de caracter espontâneo, por estar na origem de uma realização social feita de sacrifício e de vontade, no respeito devido à pessoa humana.
Nas páginas que Herculano escreveu discute o problema com largo conhecimento, aceitando que muitas pessoas fossem buscar ao Brasil melhores condições de vida, uma vez que o solo português não era abundante de recursos. Ainda que reconheça a vantagem de transferir populações para as zonas menos populosas, como o Alentejo, não lhes parecia digno que se obstasse à emigração só para obter mão-de-obra acessível para os trabalhos agrícolas.
O emigrante era também um criador de riqueza, na poupança investida em obras de fomento natural, no crédito à iniciativa privada e em actos de benemerência. Mas para reter braços válidos para o labor agrícola, mais do que a elevação de salários, impunha-se criar vínculos para fixar o rural à terra e a tomar parte dela. Na equitativa partilha do solo, por meio de contratos de enfiteuse, dir-se-ia aos rendeiros o interesse próprio que conduzia, em muitos casos, a pôr termo à emigração. Não era com a violência imposta que o problema agrário encontraria a justa solução.(70)
O liberalismo de Herculano foi profundamente nacional. Assentara nos direitos do cidadão, na realidade do indivíduo e nos valores da terra. No seu entender, a falta de seiva moral que, pelos anos de 1870, se podia denotar no país, não era uma consequência da liberdade, antes a carência dela, pois o absolutismo e a influência francesa haviam pervertido a evolução do espírito medieval português. Não fora o sistema constituicional, apesar de "incompleto, contraditório, às vezes absurdo", quem impedira o surto do liberalismo, mas a má aplicação que destes se fizera: "o mal está antes no país que nas instituições". (71) Nunca deixou de nutrir fundada esperança na perenidade do seu ideal: "Há muito e muito que reformar. Mas parece-me que a história não nos autoriza a exigir do liberalismo que conclua dentro de meio século uma dessas grandes transformações, em realizar e completar as quais a parte civilizada do género humano tem consumido, em diversas épocas, séculos e séculos. A exigência afigura-se-me iníqua e de quem tem pressa de mais. (72)
Merece uma breve referência a sua posição quanto ao encerramento das Conferências do Casino, que o governo determinou em 26 de Junho de 1871. Para Vale dos Lobos remeteu-lhe José Fontana o programa elaborado por Antero, inquirindo do velho escritor se estava de acordo com a severa medida que punha termo à iniciativa. Pedia-se, portanto, a Herculano uma tomada de posição que fosse de molde a agitar a opinião pública que continuava a ser fiel ao prestígio do seu nome. Embora reconhecendo que as questões públicas lhe faziam "tristeza" e que o seu "egoísmo" fugia de pensar nesses assuntos" que não cabiam na capacidade da sua inteligência", Herculano sentiu-se desvanecido e logo respondeu à solicitação de Fontana, condenando a supressão das conferências: "Que quer que lhe diga? É pior que uma ilegalidade, porque é um despropósito; e na arte de governar, os despropósitos são às vezes piores que os atentados. O que seria escutado e em grande parte esquecido por cem ou duzentos ouvintes será agora lido e meditado por milhares, talvez, de leitores.
Diz-me que se tomou por pretexto da supressão das conferências o desagravo da religião ofendida. Erro deplorável. Ideia perseguida, ideia propagada: lei perpétua do mundo moral, perpectuamente esquecida pelo poder. Por certo o governo tem obrigação de manter a religião do Estado, como tem obrigação de manter todas as instituições do paiz. Mas o respeito pela inviolabilidade do pensamento entra também no número das suas obrigações. E quando a religião do Estado e a liberdade do pensamento colidem, é aos tribunais judiciais que compete derimir a contenda. O discurso oral é manifestação da ideia, como o é o discurso escrito. Não se pode suprimir o orador, como se não pode suprimir o escritor. Para um, como para o outro, há a responsabilidade e a punição..." (73) Herculano falava em nome dos velhos princípios que viam na liberdade de expressão um direito sagrado; e como adversário implacável da corrente ultramontana, em tudo via a acção nefasta da Igreja Católica por intermédio da Companhia de Jesus- "a primeira entre as companhias comerciais do mundo" -, que se opunha à livre expressão do pensamento. Há nele, por vezes, marcas de radicalismo que o aproximam do ideário da Revolução de Setembro, mormente na crítica à Igreja que nos homens do Cartismo se fora atenuando com os anos.
Talvez por isso, apesar de cartista fervoso, nunca deixou de manter amizade com homens de formação setembrista. A oposição que Herculano manifestou aos governos de marca cartista da Regeneração, sem nunca o levar a abdicar do seu ideal de juventude, aproximou-o, contudo, pelos laços do convívio, de muitos companheiros que haviam aderido ao setembrismo. Tal facto explica que em muitos sectores do Partido Republicano se mantivesse o tenaz culto de Herculano, ao ponto de este ser considerado, sem razão válida para tanto, um dos doutrinados do regime vitorioso de 1910. Concusão abusiva, porque nas cartas que dirigiu a Oliveira Martins pouco antes de morrer elevou as vantagens da monarquia de tipo representativo como a forma ideal de Governo.
Barradas de Carvalho na conclusão da sua tese afirma de Herculano que "quanto às traves mestras da sua ideologia, foi mais um discípulo fiel dos livros estrangeiros que por essa época cá chegaram, do que um pensador nado e criado em Portugal."
Concordo com Barradas de Carvalho de que a arquitectura da ideologia de Herculano foi feita em relação a pensadores estrangeiros do romantismo. Mas também penso que com as considerações que fui fazendo, pretenderam demonstrar que o liberalismo de Herculano teve uma radicação nacional e que as ideias colhidas no ambiente romântico do tempo serviram também para confirmar uma ideologia política e social que lançava raízes na própria realidade portuguesa.
4) Conclusão e crítica a alguns aspectos da sua ideologia.
O liberalismo de Herculano era como já vimos um liberalismo de pura cepa individualista. A liberdade individual é uma exigência da razão humana fora da qual não se pode conceber nenhuma doutrina política. Mas é importante salientar que esta crença nos direitos individuais aparece contrabalançado por um senso prático em suma por uma visão realista do mundo e da sociedade. Esta compreensão das realidades, aliada a uns instintiva repugnância por todas as tiranias, põe-no em guarda contra o capitalismo e a plutocracia. Por outro lado, se Herculano é um liberal e um individualista, o que ele não é , e parece nunca ter sido, é um devoto da soberania popular. O seu conservantismo é antes de tudo o conservantismo do burguês que se acha restiuído aos seus direitos de cidadão livre e os defende contra todos os extremistas.
Não posso deixar de acabar o trabalho sem apresentar certas críticas ao pensamento de Herculano. É verdade que a crítica formal feita por Herculano do funcionamento das instituições parlamentares é exacta. Já, porém a construção que oferece em substituição do parlamentarismo que tão certeiramente criticou não nos pode hoje interessar senão como uma bela utopia. E porquê? Muito sucintamente tentarei responder. Desde logo parece utópico elaborar um programa de governo sem encontrar os meios para o realizar. O município é deliberadamente apolítico, mantém-se por definição à margem dos partidos nacionais, cuja supressão preconiza, nega ou minimiza o Poder Central. Como obrigar então o Poder a realizar o municipalismo? Em que interesses buscar a expansão da ideia municipalista? Herculano constrói a utopia municipalista como se ignorasse o facto de que os partidos políticos da sua época representam interesses e grupos sociais que se estendiam a todo o território (74). Em conclusão, o que temos é que para reformar a estrutura política no sentido municipalista seria preciso começar por refazer pelos alicerces a estrutura social do País; e para isto seria preciso revolucionar a sua estrutura económica a começar pela própria propriedade agrícola, que no fundo o municipalismo pretendia defender. Ligada a uma utopia temos uma nítida contradição. Na prática o que pretendia Herculano pressupunha destruir toda a ordem social existente na época. Mas por outro lado o municipalismo destinava-se a perpetuar um aspecto fundamental dessa ordem económica e social. Esta complexidade escapava a Herculano porque considerou o parlamentarismo sob o aspecto político sem investigar as suas raízes económicas.
Isto não quer dizer que a sua utopia política não tinha uma base económica. Simplesmente, era uma base quimérica, porque considerava o país como uma associação de proprietários rurais, esquecendo que a vida económica evolui constantemente, que todos os seus aspectos são inter-relacionados e que, dentro dela, determinadas funções têm uma importância central. Por outro lado, parece que não tinha em devida conta o facto de que a grande maioria da população camponesa é constituída não por proprietários, mas por trabalhadores, os quais ficariam praticamente de fora da organização política dos municípios. É verdade que para este problema imaginou uma solução radical: suprimir simplesmente os proletários agrícolas, convertendo-os em proprietários. Esta solução era todavia inviável desde que Herculano não preconizava a abolição da grande e da média propriedade. Além de que -quem ia fomentar o acesso do trabalhador à pequena propriedade? O governo então vigente? A futura federação de municípios, representante dos proprietários já estabelecidos? Herculano não respondeu.
Em resumo, o programa económico-social que Herculano opunha ao parlamentarismo e ao fomento regeneratório ia contra a evolução económica e social da sua época e assentava numa fase económica que há muito tínhamos ultrapassado pelo simples facto de se ter transformado o mundo à nossa volta. ao elaborá-lo, Herculano não se dava conta da realidade que se desenrolava diante dos seus olhos, que para alguns dos seus contemporâneos era já perfeitamente clara: o capitalismo industrial e financeiro dominando a economia mundial e integrando as economias mais atrasadas; certas características dessa estrutura, em especial o papel dirigente do capital financeiro; a criação de grupos sociais vertebrados por essa estrutura económica; e, por fim, o revestimento político desses grupos sociais, que são os partidos políticos parlamentares. Desse edifício perfeitamente articulado Herculano pecou por não ter tido a visão de conjunto, e apenas viu um pormenor, sem compreender que esse pormenor depende da estrutura geral do edifício a que pertence. A questão está em que Herculano tinha presente uma certa visão da história da Idade Média portuguesa, inspirada nos historiadores românticos...
Notas:
(1) Não pretendo fornecer uma biografia de Alexandre Herculano visto que para isso basta consultar o vol II do Dicionário da História de Portugal das págs 433 a 437, artigo assinado por Joel Serrão e que investigadores da craveira de um António José Saraiva e de um Joaquim Barradas de Carvalho consideram a velha biografia alguma vez feita sobre o nosso historiador. Aproveita esta oportunidade para dizer que apesar de existirem imensas biografias de Herculano muitas delas têm apontamentos falsos para além de repetirem sem nada acrescentar as afirmações de duas ou três obras gerais que consideramos obras que representam um esforço sério no conhecimento dos mais variados aspectos da personalidade de Herculano.
(2) A faceta poética de Herculano (estamos a pensar na Harpa do Crente, por exemplo) não nos interessa porque sai naturalmente dos âmbitos do nosso trabalho, embora a ideologia liberal esteja presente em diversos versos como por exemplo neste: "Creio que Deus é Deus e os homens livres" em que notamos claramente a colaboração cristã com credo liberal. Ver por exemplo o artigo do Prof. Dr. Paulo Mêrea "O Liberalismo de Herculano" in Biblos, vol. XVII, tomo II, 1941, págs. 733 a 746.
(3) Personagem que será objecto de estudo no nosso próximo trabalho.
(4) Caeiro, Francisco da Gama - "Herculano: Homem romântico ou Liberal?" in Alexandre Herculano à luz do nosso tempo, Academia Portuguesa de História, Separata, Lisboa, 1977.
(5) Herculano, Alexandre - História de Portugal, vol. I, advertência da 1º edição, pág. 23, 24 e Idem, Adver tência da 4º edição, pág. 6.
(6) A obra a que Barradas de Carvalho se refere é Para a História da Cultura em Portugal, Bertrand, Lisboa, pág. 220.
(7) Omitimos o nome de Fernão Lopes mas não foi por acaso visto que constitui um caso sui generis, sem para lelo, entre os cronistas medievais ou mesmo renascentistas. Em Fernão Lopes existe o cronista, mas já existe também, e da maneira mais anacrónica, o historiador. Na Crónica de D. João I, Fernão Lopes é cronista quando se ocupa de Nuno Álvares Pereira, o seu herói individual; é já historiador, como nenhum outro cro nista, quando personifica a cidade de Lisboa, quando se ocupa do povo de Lisboa na revolução de 1383, quando se ocupa do povo português, o seu herói colectivo; fica entre o cronista e o historiador, fica na transição da crónica à história, quando se ocupa de D. João I, mestre de Avis e rei de Portugal, por ele criticado, o seu anti-herói, se assim lhe podemos chamar.
(8) Carvalho, Joaquim Barradas de - Da História Crónica - à História Ciência, livros Horizonte, nº 16, Lisboa, 1979, págs. 81 e 82.
(9) Veremos em próximo capítulo como se pode ser liberal e antidemocrata simultaneamente sem haver contra dição, como pensava Teófilo Braga na História do Romantismo em Portugal.
(10)Opúsculos, Vol. V, "Cartas sobre a História de Portugal", carta IV, pág. 98 da 4º ed.
(11)Opúsculos, Vol. V, "Cartas sobre a História de Portugal", carta V, pág 105 da 4º ed.
(12)Idem, Vol. IX, "Elogio histórico de Sebastião Xavier Botelho", pág. 219 da 3º ed.
(13)Idem, Vol. V, "Cartas sobre a História de Portugal", carta V, pág. 213.
(14)Paris, 1849, pág. 106. Todas as citações que faça em relação soa historiadores liberais franceses não são de primeira mão ou seja não consultei directamente essas obras mas foram citações que tirei do Barradas de Carvalho.
(15)A primeira obra importante de Marx e Engels é como toda a gente sabe o Manifesto do Partido Comunista escrito em 1848. Ora Herculano escreve o que se segue com uma antecedência de 6 anos o que não nos dei xa de ser notável.
(16)Opúsculos, vol. V, "Cartas sobre a História de Portugal", carta V, pág. 142, da 4º ed.
(17)Idem, vol. VIII, "Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres", 1841, págs. 51-53 da 3º ed.
(18)Saraiva, António José - Herculano e o Liberalismo em Portugal, Bertrand, Lisboa, Nov. 1977.
(19)Opúsculos, vol. V, "Cartas sobre a História de Portugal", carta V, 1842, pág. 145 da 4º ed.
(20)Idem, págs. 145-146.
(21)Idem, pág. 150.
(22)Opúsculos, vol. VI, " Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e dos Foraes 1843-1844" págs. 247--248.
(23)Idem, vol. VIII, "A Escola Politécnica e o Monumento, 1843, pág. 220 da 3º ed.
(24)Cartas, vol. I, Carta a Oliveira Martins, Vale dos Lobos, 1872, págs. 223-224 da 1º ed.
(25)História de Portugal, vol. I, prefácio da 3º ed., pág. 7.
(26)Ibidem.
(27)Ibidem, vol. VI, pág. 12.
(28)Ibidem.
(29)Opúsculos,vol. V, "Cartas sobre a História de Portugal", carta V, 1842, pág. 128-129 da 4º ed.
(30)Ibidem, pág. 134.
(31)Ibidem, págs. 130-131.
(32)Ibidem, pág. 140.
(33)Ibidem.
(34)Ibidem, pág. 150.
(35)Herculano, quando se refere à idade-média com as suas instituições, a sua organização social, refere-se à idade-média portuguesa que ele distingue da clássica idade-média feudal. Diz-nos "Muitas vezes, falando da idade-média portuguesa, costumamos servir-nos da expressão "tempos feudais": estas palavras lêem-se em escritos graves, retumbam dentro do parlamento, e quantas vezes nós mesmos as teremos escrito e repetido! Todavia, em relação ao velho Portugal não há frase mais inexacta." (Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e dos Foraes, 1843-1844, Opúsculos, vol. VI, pág. 247 da 2º ed.)
(36)Opúsculos, vol. V, "Cartas sobre a História de Portugal", carta V, págs. 132-133, da 4º ed.
(37)"O Liberalismo em Portugal", in Biblos, vol. XVII, tomo II, 1941, pág. 740.
(38)História de Portugal, vol. VI, págs. 86-87 da 8º ed.
(39)O liberalismo político de Herculano tem como base estes mesmos dois princípios, o da liberdade e o da desigualdade. Ver o livro de Barradas de Carvalho, As ideias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano, Lisboa, 1949, págs. 21-40. Diz-se nesse livro, pág. 32: "Para Herculano, a liberdade e a desigualdade são dois princípios estreitamente ligados, eternos e imutáveis. Para o democrata, em vez da desigualdade, junta-se à liberdade a igualdade."
(40)História de Portugal, vol. VI, pág. 89 da 8º ed.
(41)Ibidem, pág. 88.
(42)Em vários passos da obra de Herculano se pode ver claramente quanto o contingente e o arbitrário andam arredados da sua filosofia da história. O necessário é dela critério fundamental. Como esta problemática já foi abordada e exemplos foram dados limito-me a remeter o leitor para páginas anteriores onde me dediquei a criticar a tese de António José Saraiva que considerava a interpretação de Herculano da história como uma interpretação religiosa.
(43)História de Portugal, vol. VI, pág. 90 da 8º ed.
(44)Ver a posição de Barradas de Carvalho em As Ideias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano no capítulo VI intitulado Fontes do liberalismo político págs. 101-121.
(45)Estas citações da obra de Cousin foram retiradas do livro de Barradas de Carvalho págs. 102-103.
(46)Cartas, vol. I "Carta a Oliveira Martins" 1877, pág. 235.
(47)Idem, 1870, pág. 208.
(48)Ter em conta o conceito de "vontade geral" defendido por Rousseau no Contrato Social.
(49)Voltamos a lembrar pois sobre esta questão: Merêa, paulo - "O Liberalismo de Herculano", in Biblos, vol.XVII, tomo II, Coimbra, 1941. E Caeiro, Francisco da Gama - "Herculano: Homem Romântico ou Liberal?" in Alexandre Herculano à luz do nosso Tempo, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1977, págs. 11-34.
(50)Carta a Oliveira Martins; Vale dos Lobos 10 de Dezembro de 1870; Cartas, tomo I, pág. 214.
(51)Idem, Ibidem, págs. 212-213.
(52)Idem, Ibidem, pág. 214.
(53)Idem, Ibidem, págs. 213-214.
(54)Idem, Ibidem, pág. 217.
(55)Idem, Ibidem, pág. 215.
(56)Idem, Ibidem, pág. 218.
(57)Carta ao mesmo; Vale dos Lobos, 25 de Dezembro de 1872; Ibidem, tomo I, pág. 221.
(58)Oliveira Martins, Theoria do Socialismo. Evolução Política e Económica das Sociedades na Europa, Lisboa, 1873. No mesmo ano publicou Portugal e o Socialismo. Exame Constitucional da Sociedade Portuguesa e sua Reorganização pleo Socialismo.
(59)Carta a Oliveira Martins; de 25 de Dezembro de 1872; Cartas, tomo I, pág. 224.
(60)Idem, Ibidem, págs. 224-225.
(61)Idem, Ibidem, págs. 222-223.
(62)Idem, Ibidem, págs. 221-222.
(63)"Os vínculos", 1856, in Opúsculos, tomo IV, Lisboa, 1879, págs. 3-104.
(64)Alexandre Herculano, "Mouzinho da Silveira ou la Révolution Portuguaise", 1856 in Ibidem, tomo II, Lisboa, 1873, pág. 200.
(65)Idem, Ibidem, tomo IV, pág. 103.
(66)Idem, Ibidem, tomo IV, págs. 97-98.
(67)Herculano escreveu onze cartas sobre " Emigração" que constam dos Opúsculos, tomo IV, págs. 105-292.
(68)Opúsculos, tomo IV, págs. 109-111.
(69)Ibidem, tomo IV, pág. 112.
(70)Ibidem, tomo IV, pág. 113.
(71)Carta a Oliveira Martins, Vale dos Lobos, 12 de Janeiro de 1870, Cartas, tomo I, págs. 209-210.
(72)Idem, Ibidem, págs. 209-210.
(73)"A Supressão das Conferências do Casino, 1871 A José Fontana" in Opúsculos, tomo I, Lisboa, 1873, págs. 256-257.
74)Na prática Herculano parece esquecer o que escreveu em 1842 nas Cartas sobre a História de Portugal: "... os partidos representam os interesses das diversas classes..." Neste caso a influência teórica que exerceu sobre o nosso historiador Thierry e sobretudo Guizot não deu os seus frutos...
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