Saturday, February 10, 2007

Que Nações, Amanhã


Qual pode ser o futuro da nação na hora da mundialização económica, da empresa aparentemente crescente dos sistemas políticos internacionais, dos progressos do individualismo e da comunicação generalizada? Não podemos seguramente responder com certeza a uma tal questão que compromete o mundo e o seu futuro, mas podemos propor hipóteses e confrontar as nossas opiniões sobre este assunto.
Queria antes de tudo tentar reduzir a ambição da questão e limitar-me ao futuro próximo; reformularei portanto a interrogação nestes termos: qual será o destino da nação num futuro relativamente previsível, aquele dos primeiros anos do XXI século? E por outro lado, desejo procurar se as hipóteses que tentaremos de esboçar podem encontrar justificativos no pensamento de Proudhon; será que Proudhon nos pode ajudar a formular algumas hipóteses sobre o nosso futuro imediato e sobre o futuro próximo da nação? Notemos, aliás, que Proudhon exerceu este tipo de interrogação perigosa e deu-nos um exemplo de tratamento razoável na sua obra escrita no fim de 1863: “Se os tratados de 1815 deixaram de existir”. Cerca de cinquenta anos após a assinatura dos tratados assinados pela aliança dos três imperadores, da Alemanha, da Rússia e da Áustria, após a queda de Napoleão, Proudhon interroga-se sobre o destino das nações europeias e tenta discernir o futuro. Calcula então que o exame da sua história passada autoriza a formular hipóteses verosímeis sobre o seu futuro. Tentemos portanto imitar a sua ambição.
Antes de começar a responder a esta questão, seria útil fazer um breve desvio histórico para lembrar algumas grandes linhas da história recente. E esta lembrança histórica sublinhará o carácter novo da questão colocada e a novidade da situação que ela evoca. Com efeito, a que é que assistimos desde há meio século a propósito das nações? Não certamente, à sua erosão, ao seu enfraquecimento mas bem pelo contrário à sua afirmação conquistadora, não sem ambiguidade, como veremos de seguida. Este reforço maciço dos Estados nações operou-se, podemos dize-lo em três vagas sucessivas:
1 A primeira vaga é a dos estados nações que tinham sido desmantelados pela forças do Eixo, e que recuperaram a sua soberania em 1944-1945. Foi o caso da Polónia que tinha sido anexada simultaneamente pela Alemanha nazi e pela União Soviética, da França, da Bélgica, da Holanda, ocupadas após a derrota em 1940. Em África, reconstituição da Abissínia tornada Etiópia; na Ásia, libertação da China e de todas as nações invadidas pelo exército japonês. Podemos acrescentar, nesta lista rapidamente lembrada, a criação do Estado de Israel, em 1948.
2 A Segunda vaga, não menos considerável pelas suas consequências históricas e esclarecedora para o nosso assunto, foi a das descolonizações, fase marcada por uma sucessão de guerras locais; longo período de trinta anos que podemos fazer iniciar desde 1948 pela independência da Índia, e que podemos fazer terminar em 1975 com a partida de Saigão do exército americano e com a independência das ex-çolónias portuguesas.
Sublinhemos bem a força destes movimentos de independência em direcção a Estados nações autónomos. Muitos observadores e actores políticos, em momentos diversos propuseram ou imaginaram outras evoluções. O general De Gaulle, por exemplo, imaginou durante um certo tempo que as sociedades africanas, anteriormente colonizadas pela França, poderiam seguir outras vias: constituir uma vasta Comunidade baseado no modelo da Commonwealth. Na Ásia, antes de Hiroxima, os japoneses imaginavam que o império militarista poderia lançar as bases duma vasta federação asiática. Outros, nos anos 50, afirmavam que os três países do Magreb formariam necessariamente o Grande Magreb. Todos estes projectos se mostraram ilusórios. Uma dinâmica histórica impôs-se, à escala do planeta, em direcção da forma do estado nação, quer dizer, sucintamente, um aparelho político reputado de independente e uma população indígena. Os movimentos de independência todos reivindicaram a mesma estrutura global, apesar dos dramas e das guerras civis como foi o caso entre a Índia e o Paquistão onde a independência foi seguida rapidamente seguida por uma guerra entre nações para a fixação das fronteiras.
3 A terceira grande vaga não foi menos significativa. Falo do que se seguiu ao desabamento da União Soviética e que confirmou, duma maneira ainda mais inesperada, esta tendência maciça deste último meio século em direcção à independência e a constituição das sociedades em Estados nações. Ainda nos anos 60, após o desaparecimento de Estaline, ninguém ou poucos observadores no Ocidente poderiam imaginar que a Ucrânia ou a Estónia iriam um dia erguer-se em Estados nações. Pensava-se que o internacionalismo comunista, mesmo debilitado e suavizado, tinha exercido uma influência suficientemente profunda sobre as populações da União Soviética para que as reivindicações independentistas não tivessem eco. Podia-se também imaginar que as sociedades de estatura reduzida não seriam tentadas pelo isolamento da autonomia. Ora, é precisamente o que se produziu e de maneira extrema em certos casos: os três estados Bálticos, que se pensava unidos pela sua cultura comum, e pela sua luta contra a Rússia, exigiram simultaneamente a sua independência e a manutenção da suas diferenças. Outros exemplos: a Checoslováquia rapidamente separada em dois estados, e, mais tragicamente, a Jugoslávia obstinando-se a dividir-se, e a retraçar numa certa medida, devido à Bósnia, a inventar fronteiras entre três Estados nações rivais.
Esta longa história, complexa, constitui de certa maneira a retaguarda paradoxal da situação actual e da questão que nos é colocada. Assistimos a estes dois processos que põem em perigo as nações hoje em dia: as nações parecem ser atacadas a dois níveis: ao nível das relações económicas pela mundialização das trocas de bens, de serviços e de capitais, e, ao nível das relações políticas entre Estados que instauram sistemas de consulta ou de integração sob múltiplas formas, como é o caso da Comunidade Europeia. Esta fase da história é bem uma nova fase, faz seguimento a este imenso movimento de construção e de reconstrução de Estados nações que se faz desde 1945. E, se quisermos voltar mais atrás no tempo, seria necessário lembrar o vasto movimento dos anos 1918-1920, após a primeira guerra mundial, onde já dois grandes impérios tinham sido destruídos, o império austrohúngaro e o império turco, dando lugar à constituição da Grécia, da Hungria, da Áustria, em Estados nações. Lembrávamos também a anterioridade de quatro movimentos históricos desde o princípio do século. E é, paradoxalmente, após esta história dum século de afirmação das nações que este sistema parece vacilar e, parece, anunciar todo um outro mundo.
Estamos, ou estaríamos, num momento novo da história onde se formariam figuras históricas em ruptura com as figuras de ontem. Mas onde estamos e como se nos apresenta a configuração de hoje no que diz respeito o destino das nações, e como podemos imaginar a sua sorte num futuro próximo?
Proudhon forjou uma expressão extremamente fecunda e que podemos retomar: a expressão “Sistema das contradições” que anuncia dois desenvolvimentos e duas hipóteses de trabalho. A primeira hipótese diz respeito à existência de contradições económicas, sociais, políticas, e também culturais, que importa por em evidência. A Segunda hipótese introduz a ideia que estas contradições fazem sistema, que elas são de alguma maneira interligadas, e que importa também analisar o seu modo de relação no sistema.
Comecemos portanto, como Proudhon nos convida, a reflectir sobre o Sistema das contradições económicas actuais.
Entramos, como se repete várias vezes, numa fase de mundialização económica, mundialização das trocas de mercadorias, generalização das trocas financeiras, extensão do sistema das trocas ao nível mundial.
Extensão maciça dos meios de comunicação que formam hoje em dia um cenário universal. E mais ainda, a existência de grandes instâncias mundiais de regulação financeira, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, capazes de agir de maneira concertada junto dos diferentes governos. Fenómeno novo, ulterior à segunda guerra mundial, onde vemos estas instâncias financeiras internacionais intervir sucessivamente no México, na Tailândia, na Coreia, na Indonésia, em qualquer lado onde se desenvolvesse uma crise financeira e económica. E a Europa cria também um sistema monetário integrado absorvendo as antigas moedas das nações da Comunidade.
Há efectivamente um sistema, mas é um sistema de contradições acrescenta Proudhon. Estas contradições não cessem de ser lembradas. A chamada mundialização das trocas faz-se entre nações tendo as possibilidades de acesso ao mercado completamente diferentes, faz-se maioritariamente entre as nações ricas. E parece que estas contradições são mais resistentes que eram há vinte ou trinta anos. Logo que a União Soviética ainda existia, este facto da desigualdade entre nações pobres e nações ricas era analisado, denunciado. Nos anos 60, muitos desenvolviam a ideia da troca desigual entre as nações, e a da pilhagem do Terceiro Mundo pelas nações industrializadas. E havia imensos casos de exemplos, para justificar esta ideia duma espécie de luta das nações substituindo a luta de classes. Mao Tsé Tung chamava à união das nações desfavorizadas contra os países ricos, e este tema era também de movimentos revolucionários na América latina.
Hoje em dia, o que parece mais brutal é ante a progressão dos países mais industrializados, a emergência também de novos pólos de progressão rápida, e a estagnação relativa dos países pobres. Em grandes traços, reencontramos uma situação que evoca os primeiros anos do XIX século, quando assistíamos a uma dupla progressão paralela: progressão da produção das riquezas por um lado, e, simultaneamente, progressão da pobreza. Mas a interpretação deste duplo desenvolvimento da desigualdade não é de todo o mesmo. Marx pensava, e muitos outros com ele, que a riqueza só provinha da exploração do trabalho. Hoje, vemos muito mais a desigualdade crescer na razão do dinamismo dos países industrializados ao ritmo das invenções tecnológicas. Os economistas liberais não deixaram de pensar que o desenvolvimento económico duma nação arrastava, por via das consequências, o desenvolvimento das outras nações, mas verifica-se sobretudo que as novas formas de relações entre as nações criam mecanismos de desemprego e de exclusão social. Vemo-lo hoje na Rússia, do mesmo modo que na Coreia do Sul ou na Algéria: desde que os conselheiros da Banca mundial intervêm e propõem, como se diz pudicamente “reformas”, ou menos brutalmente, logo que os Estados querem aplicar as regras capitalistas de racionalização, elas arrastam vagas maciças de licenciamentos. Racionaliza-se para melhor produzir e vender, mas, contraditoriamente, retira-se a múltiplos trabalhadores e assalariados os meios de adquirir.
Proudhon tinha melhor compreendido esta contradição provocada ao mesmo tempo pela extensão das técnicas, do maquinismo, da divisão do trabalho, e igualmente pela intensidade das concorrências. Analisava sucessivamente os efeitos criadores da concorrência (tais como a baixa dos preços) e os seus efeitos devastadores. O que dizia continua, sob formas renovadas, a reproduzir-se.
Contradições económicas a nível mundial, contradições económicas igualmente no seio das nações industrializadas como a França onde, por sequência de múltiplos mecanismos ( restruturações, privatizações, descentralizações, sobrecargas dos cargos públicos), a taxa de desemprego permanece elevada. Proudhon dizia já que esta dimensão mortífera da concorrência económica destruía a autonomia dos trabalhadores em benefício dos chefes de empresa; hoje, diríamos sobretudo exclusão dos trabalhadores sob múltiplas formas, e o abatimento dos poderes de resistência. Além disso, os fenómenos de crises que eram tão receados no XIX século, não desapareceram, batendo tanto uma nação, como uma vasta zona económica, como vimos na Ásia e no Sudeste Asiático.
Evidentemente, nesta mecânica mundial, neste sistema de contradições, as nações mais indefesas são as mais ameaçadas. Acontece o mesmo ao nível político?
Se nos interrogarmos sobre a configuração política actual, não seremos conduzidos a pensar que a expressão proudhoniana de “ Sistema das contradições políticas” se aplica adequadamente à situação?
Há bem um sistema político mundial, um sistema de Estados, relativamente integrado, simbolizado pelas Nações Unidas e por todo um conjunto de sub-sistemas intermediários, uns político militares como a Nato, outros económicos como a Asean, outros com vocação cultural ou humanitária como a Unesco ou a Unicef. Um sistema não significa uma organização gerida do vértice por um poder imperial. O sistema político mundial compõe tudo ao mesmo tempo relações de força, potências militares, grupos de pressão em número indefinido e de forças totalmente diferentes: é um enredo de sub-sistemas.
A palavra “sistema” não é talvez a melhor para designar este enredo gigantesco e sempre em mudança. Podemos preferir “sistema complexo ou hiper-complexo”; alguns propuseram “magma”, magma de forças, de comunicações, de pressões permanentes, ou ainda “caos”. Entretanto o conceito de sistema tem o mérito de por o acento sobre a multiplicidade das relações entre os actores privados e colectivos, entre as forças, e sobre o facto que toda a força, todo o acontecimento é susceptível de repercutir-se quer seja sobre um sector limitado do sistema, quer seja sobre a sua totalidade. Uma crise monetária ou financeira na Tailândia ou na Coreia do Sul repercute-se na Singapura ou na Indonésia, e em certos casos, duma maneira imediata devido aos meios actuais de comunicação. Mas esta noção não significa que os indivíduos privados ou colectivos não sejam dominados pelo sistema. Os indivíduos e as organizações agem, intervêm com mais ou menos poder e eficácia; somos todos participantes deste sistema, mais ou menos actores, mais ou menos vítimas, e as nações são actores e/ou vítimas.
Além disso, “sistema” não significa ( e, para Proudhon, de modo algum) sistema organizado, e, menos ainda, racional. É um sistema de facto que se construiu através das guerras e das violências: como diz Proudhon na “Guerra e Paz”, uma vitória militar enuncia um veredicto, decidiu duma fronteira, duma anexação, e uma nova ordem impôs-se que serve provisoriamente de moldura ás acções. Um sistema, uma “nova ordem mundial” e, por definição, provisória e mais ou menos frágil.
Sistema das contradições a dois níveis: em primeiro lugar no sistema no seu conjunto, e, de outro lado, nos seus diferentes componentes.
O conjunto do sistema é composto de forças imensamente desiguais. Centro-África ou Madagascar têm mandato das Nações Unidas do mesmo modo que a China ou os Estados Unidos, mas têm pouca influência face a estas grandes nações. Sistema, portanto, de forças desiguais, dominado pelos Estados Unidos, dirigida em certos casos pela superpotência americana, mas as relações de força são todavia móveis, a dominação nuclear é contestada pela Índia, pela China, pelas iniciativas militares no Médio Oriente contestadas pelos países árabes. Sistema portanto, desigual, dividido por tensões múltiplos, ameaçado em permanência de desequilíbrio. Relembremos que, para Proudhon, a dominação política, militar, duma superpotência é a situação mais perigosa para a manutenção da paz. Neste texto de 1863, “Se os tratados de 1815 deixaram de existir”, faz do equilíbrio entre Estados nações, a melhor garantia da paz internacional. Opõe então dois tipos de tratados: os que rectificam, segundo a sua expressão, o direito da força, e, por outro lado, os que procedem e regulam o equilíbrio entre estados nações independentes e de força comparável. Graças a este equilíbrio assegurando a pluralidade e o respeito recíproco das nações, a independência de cada Estado pode desenvolver-se, a exigência popular de liberdade política encontrar formas de expressão, em primeiro lugar pelo estabelecimento duma Constituição política, definindo os direitos de cada um. A existência dum Estado dominador, reconduziria as relações internacionais ao direito da força, ao direito da guerra.
Por outro lado, os Estados nações que compõem este mega sistema internacional, são eles próprios, mais ou menos, focos de contradição.
Deixei em suspenso até aqui, o grande tema de Proudhon, a sua reflexão sobre o Estado nação, a sua crítica dos estados, a sua defesa das nações. Sabemos que a razão essencial que o leva a construir a sua teoria federalista é a consciência do perigo que constituem os grandes Estados, forças centralizadoras e opressivas, fruto de estruturas burocráticas e de guerras.
Será que hoje, os Estados conseguem integrar as nações que os compõem? Será que os Estados autoritários atingem melhor ou pior que os Estados democráticos? As respostas contraditórias estão inscritas nos factos: o Ruanda, reputado de democrático, é dilacerado por um genocídio. Estados nações não cessam de ser atravessados pelas lutas das minorias contra o regime estadista que lhes é imposto: os Curdos na Turquia, os Tibetanos na China, os Kosovares na Jugoslávia, mas quantos outros: Ameríndios na América do norte e do sul, Arménios na Rússia, Bascos em Espanha, Árabes em Israel, etc. Estas minorias repõem a questão: “O que é uma nação”, e elas colocam-na nos factos e nas aspirações colectivas. Será que o Quebeque constitui uma nação? Seguramente que sim para os adeptos da independência. Para eles , o facto do Quebeque seja constitucionalmente, uma província do Canada não é, e não deve ser, um obstáculo à vitalidade económica e cultural do Quebeque que é, aos seus olhos, uma nação. Mas a maioria dos Canadianos anglófonos não o entendem assim e recusam que o Quebeque se considere como uma nação e potencialmente como um Estado nação.
O sistema político mundial não é portanto uma “ordem”, mas bem um sistema movediço e aleatório, aberto às violências e às decisões arbitrárias das potências.
As culturas têm alguma importância nestas violências? Consideremos portanto o terceiro sistema, não mais económico, não político, mas cultural. Proudhon atribuiu uma importância considerável, bastante mais que os analistas liberais e que Marx na mesma época. E não podemos hoje fazer tábua rasa das questões culturais (língua, hábitos, costumes, direito privado, crenças, religiões, ideologias políticas, imaginário social, formações científicas...) Ainda aí, consideremos o sistema cultural, se há um, e as suas contradições.
Há um sistema cultural universal? Esta foi a tese de Mac Luhan da revolução mediática conduzindo a uma via cultural internacional, à aldeia planetária; tese actualizada e parcialmente realizada com a extensão da Internet. E, com efeito, produz-se, a todo o instante hoje, uma circulação de informações, de mensagens, de imagens, e esta circulação não para de se desenvolver. Mas estas trocas múltiplas, importantes ao nível das trocas comerciais, financeiras, bolsistas, não afectam que de maneira reduzida a vida quotidiana. As trocas da vida quotidiana, familiar, local, nacional, continuam a fazer-se, bem entendido, em japonês no Japão, em chinês na China, em inglês na Inglaterra...
O que se assinala, a este nível, e, ainda aí, é uma relação de força entre culturas mais ricas, mais dinâmicas no domínio mediático, como os Estados Unidos e os Estados europeus e asiáticos, e as culturas menos poderosas, menos exportadoras, resultado de países menos poderosos, como os Estados nações do Terceiro Mundo. Os Estados Unidos tentam dominar as culturas nacionais e alcançam localmente mas falham noutras partes ou mesmo, suscitam atitudes agressivas e repulsivas nos países que se sentem ameaçados na sua religião, como certas nações islâmicas.
A Segunda questão a colocar, sempre nesta análise das contradições, é de saber se as componentes deste sistema cultural, os estados nações, estão na dimensão de assegurar quer a coexistência pacífica entre as suas culturas internas, quer a unidade duma cultura dominante. E a resposta a esta questão será importante para o futuro destas nações.
Não há evidentemente uma resposta a esta questão. Temos, sob os nossos olhos, todo o tipo de assunto a este assunto, desde os Estados nações culturalmente homogéneos até aos Estados conflituosamente divididos ou dilacerados por oposições culturais aparentemente insuperáveis. Certos Estados de pequena dimensão têm uma forte unidade cultural, como a Coreia do Sul ou Taiwan. Alguns, de longa data alcançaram a tolerância, ou a indiferença recíproca, como a Suíça. E outros, as minorias culturais são fortemente dominados pela maioria, como no Japão ou na China, país que tem uma longa tradição de tolerância e de vigilância das minorias ditas nacionais. Outros ainda compõem estas minorias mais liberalmente, como os Estados Unidos. A França proclama o seu multiculturismo, mas não o realiza que formalmente. Outros, enfim, são atravessados por divisões pouco afastadas da verdadeira guerra civil, a Turquia, a Índia, ou em guerra civil aberta como Angola, o Sudão, a Sérvia, a Algéria. Em múltiplos países assiste-se à reaparição de conflitos que abordam as divisões étnicas, sinuosidade das populações sobre fechamentos religiosos e étnicos.
Que concluir desta rápida síntese (rápida e certamente discutível): qual poderá ser o futuro da nação, pelo menos a curto termo9?
Seguramente, entramos num novo período, marcado pela emergência de novos sistemas de integração e de organização, por um lado, e de fortes contradições destes sistemas, de outro lado. Sistema económico mundialisado, mas atravessado de tensões, de crises e de incerteza. Sistema político aparentemente unificado por instâncias mundiais, mas, na realidade, dominado por uma única nação que gera os conflitos pela sua dominação. Sistema cultural que nunca foi integrado e que o não é hoje mesmo se uma ideologia como a dos direitos do homem é formalmente tida por universal. De modo que, parece-me, nenhuma das três hipóteses (mundialismo, internacionalismo, federalismo) não anuncia as formas que irá tomar o futuro das nações a curto e o meio termo. Há certamente, como vimos, processos parciais de mundialização da qual a extensão mundial das trocas internacionais é a ilustração, mas esta extensão capitalista não cessa de suscitar tensões, crises e não arrasta necessariamente o declínio político das nações. Há certamente formas de internacionalização da informação, dos saberes, mas elas podem ser compatíveis com as divisões entre os Estados nações e, por outro lado, a dominação dos Estados mais poderosos tendem a destruir o internacionalismo pela sua dominação unilateral. E quanto ao federalismo, podemos ser futuramente uma versão, muito pouco proudhoniana, na Europa, mas vemos mal como o japonês, os chineses ou os vietnamitas imaginam a converter-se.
A hipótese duma diluição das nações no sistema mundial pacificado esquece parece-me, a diversidade de forças e de situações, a complexidade económica, política, cultural, do mundo actual. Mas ela esquece também a profunda resistência dos povos e das culturas no curso da história. Não é necessário para imaginar o futuro, tomar em conta esta evidência da sobrevivência singular dos povos que, mesmo privados durante séculos da protecção de estruturas estaduais, dispersos através o mundo, chegaram a subsistir, a transmitir sinais de identidade, e a reivindicar o seu reconhecimento a partir do momento em que o Estado é menos constrangedor? Arménios, Curdos, Ameríndios, são exemplos mas outros casos podem ser evocados, todos reivindicando antes de tudo, serem reconhecidos como uma nação. E, por contradição suplementar, é quando o Estado nação se enfraquece que estes povos dispersos se reorganizam e vêm agitar a hipótese de extinção das nações.
Em conclusão, parece-me contas feitas deste panorama brevemente esboçado que as nações do mundo actual poderiam conhecer caminhos muito diferentes, em função do seu passado próximo e longínquo, em função das pressões internas e externas da qual eles são ou a origem ou as vítimas. Podemos também imaginar que as nações conhecerão evoluções muito diferentes: que algumas, apesar das mudanças e das dificuldades, prosseguirão a sua história (o Japão, a Inglaterra) outros serão ameaçados de mutações profundas ( a Turquia, a Indonésia) e outros enfim, terão que afrontar a luta pela sua sobrevivência ( a Sérvia, a Ucrânia, Taiwan...) Cada nação é chamada a conhecer evoluções particulares no seio destas imensas contradições que dividem i mundo hoje em dia. Na qual destas categorias estão comprometidas as nações da construção europeia e conhecerão elas destinos paralelos? A história não está ainda escrita, mas a inquietude de Proudhon reencontra hoje uma perturbante actualidade: na ausência dum verdadeiro equilíbrio dinâmico entre estados nações de força comparável, não é de temer que se constitua um super estado, chamado a dominar os Estados mais fracos numa relação de força e de dominação? Relembremos que Proudhon não se cansou de denunciar esta dominação imperial como a antítese mesma da democracia e do federalismo, como o modelo eminente da alienação política.