HISTÓRIA CIÊNCIA - A NOVA VERDADE,CRÍTICA, EPISTEMOLOGIA
A evolução da ciência histórica do século XIX aos nossos dias.
Problemática e conceitos fundamentais da ciência histórica actual; história e ciências humanas e sociais; estruturas, conjunturas e complexos histórico-geográficos. Os grandes eixos problemáticos da história e suas interações (diacronica e sincronica).
É ao longo do século XIX, o século da história por excelência, que esta ciência se vai expandir, buscando caminhos próprios.
Uma história sobretudo narrativa, a continuar uma tradição vinda do século XVIII, um género literário e artístico que põe a tónica no detalhe pitoresco, típico, anedótico no gosto pelo exótico, em que não raras vezes, romanesco e histórico se aproximam e confundem.
A objectividade preocupa pouco os historiadores românticos, mais empenhados em evocar a Idade Média, em acentuar a individualidade nacional, em glorificar a Pátria e a Revolução, que em abrir novas vias à investigação histórica.
A historiografia romântica não conseguiu satisfazer por muito tempo os espíritos ávidos de uma explicação racional. O historiador não podia continuar a ser o romancista do passado. Esta corrente, foi em breve, abalada pelo positivismo de Augusto Comte, que exigia da história "uma verdadeira filiação racional na sequência dos acontecimentos sociais". A história devia elevar-se para além do indivídual, formular leis, leis absolutas, objectivas e universais. A história procurou tornar-se uma ciência de laboratório, a erudição afirma-se progressivamente, a formação profissional do historiador apura-se, a crítica da proveniência, da autenticidade, da exatidão das fontes, desenvolve-se exaustivamente, o aparato das notas infrapaginais confere à obra histórica um carácter indiscutível e sério.
A aplicação de um método seguro, que visava ao "Estabelecimento dos factos", depressa esgotou o programa da História Positivista, que se situava ao nível dos acontecimentos superficiais, pressupondo a existência do dado histórico perfeitamente objectivo, que bastava apreender e reconstituir "com tesoura e cola", fazendo do historiador, que é, inevitavelmente, um observador indirecto do passado, um observador passivo, espécie de fotógrafo, dando a primazia àtradicional história política, uma vez que os factos mais fáceis de estabelecer eram os "grandes acontecimentos" secundarizando os aspectos económicos, sociais e culturais, enfim, desprezando as outras ciências do homem, separadas da história por compartimentos estanques.
Uma história que se julgava e queria desembaraçada de toda e qualquer implicação filosófica, fundada em postulados estéreis, que afectavam gravemente a natureza e extensão do seu campo de estudos. Nada de mais decepcionante do que a forma como esta história, positivista, factual, dava conta, por exemplo das grandes revoluções do século XIX, ao reconhecer que "os fenómenos superficiais da vida política dominam os fenómenos profundos da vida económica, intelectual e social" !...
A partir do início do século XX, a história positivista começa a ser posta em questão. A história económica, ainda que permanecendo um sector isolado da investigação, vai ganhando adeptos. Sob o impulso da sociologia, fundada por Durkheim, a história social ganha um novo impulso. A geografia humana, com Vidal de la Biache e Albert Demangeon, chama a atenção para a inserção da história no espaço. Lucien Febvre e Marc Bloch iniciam uma luta contra a história política e diplomática, uma história passiva perante os factos, uma história factual, que se perdia nos caprichos individuais dos "grandes", e que recusava a pesquisa dos motivos reais, profundos e multíplos,, ou seja, os motivos geográficos, económicos, sociais, intelectuais, religiosos e psicológicos. Estes historiadores, repudiando uma história simplista, que se mantinha apenas à superficie dos acontecimentos, uma história pobre, solidificada, pseudo-história, apelam a uma história profunda e total, preconizando uma critica cerrada da noção de facto histórico. Como todo o homem de ciência, o historiador, "face à imensa e confusa realidade", devia fazer a "sua escolha", a qual não significava, nem simples recolha, nem arbitrariedade, mas uma construção científica do documento, cuja análise permitiria reconstruir e explicar o passado.
A história explicativa, lentamente, vai triunfar da história puramente factual. Em 1929, Lucien Febvre e Marc Bloch lançam a revista Annales d'Histoire Économique e Sociale, a qual procura destruir as barreiras estritamente disciplinares em que a história se tinha encerrado, reagindo contra o monopólio da história política e institucional, combatendo os determinismos, para melhor pondo em relevo o papel da liberdade e do trabalho, renovando a problemática da história, das suas fontes, técnicas e métodos, associando a história às ciências humanas, recusando fazer da objectividade histórica um dogma (embora sem renunciar àquela), procurando estender as suas investigações às dimensões do mundo, captar a totalidade do social e elevar-se até àhistória comparada das civilizações, interessando-se tanto pelo passado como pela actualidade.
Anais de história económica, porque se tratava de promover um domínio completamente desprezado pela história tradicional e cuja importância na vida dos povos se revelava cada vez mais crescente. Não foi por acaso que os Annales nasceram em 1929, o ano da grande crise económica do mundo capitalista.
Anais de história social, porque se pretendia chamar a atenção para os grupos sociais, a sua estratificação e relações entre si, para as interacções existentes entre os diferentes níveis da realidade histórica: o económico, o social e o cultural.
A partir de 1946, os Annales apresentam-se com um novo título, que demonstra o alargamento dos seus horizontes: Annales Économies, Societés, Civilisations mais do que nunca, os Annales querem fazer compreender, por problemas, construir uma história prudentemente regressiva, que permita compreender o presente pelo passado, mas, igualmente, compreender o passado pelo presente. Daí a abertura desta revista, europeia, mas que recusa o eurocentrismo para o mundo inteiro e, em particular, para o terceiro mundo.
Os Annales criavam, finalmente, uma escola, para a qual vai contribuir, poderosamente, Fernand Braudel, sucessor de Lucien Febvre na direcção da revista, e que, em 1949, pública a obra mais importante do nosso século: La Mediterranée et Monde Méditerranéen à l'Èpoque de Philippe II.
A história, vigorosamente, nas últimas décadas, procurando acompanhar a renovação profunda operada no domínio científico, em particular nas ciências humanas ou sociais, mercê de um esforço de aprofundamento e de adaptação, enraízando a sua mutação em tradições sólidas e antigas, renova-se integralmente, quer a nível da problemática, quer a nível da metodologia, quer pela aparição no campo da história, de novos objectos, justificando assim, que se possa falar de uma nova história.
A nova história teve, naturalmente, os seus percursores. Voltaire, já em 1744, chamava a atenção para a história económica, demográfica, história das técnicas e dos costumes, e não só história política, militar ou diplomática. Uma história de todos os homens, e não unicamente dos reis e priviligiados. Uma história das estruturas, e não dos acontecimentos. Uma história em momento, das evoluções e transformações, e não uma história estática. Uma história explicativa, e não puramente descritiva, narrativa ou dogmática. Uma história total.
Este programa velho de dois séculos, vai ser retomado no séc. XIX, por Chateaubriand e Guizot. Porém no século XIX, os principais precursores da nova história foram Michelet e François Simiand.
Michelet, em 1869, recusa uma história essencialmente política e apela a duas orientações essenciais da nova história: uma história mais material, enunciando a história da cultura material, interessando-se pelo clima e alimentação; e uma história mais espiritual, dos "costumes", anunciando a história antropológica.
François Simiand, economista e sociólogo, em 1903, denuncia os "três idolos da tribo dos historiadores".
O idolo político, quer dizer a preocupação geral pela história política vai caminho a uma pesquiza que se debruça sobre os mecanismos subjacentes às variações ou oscilações ciclicas, às flutuações económicas, a fim de elucidar as causas que as provocam, distinguindo, sempre, três tipos de movimentos: um movimento de longa duração, as oscilações ciclicas e as variações sazonais.
Em breve, porém, se tornou necessário ultrapassar o tempo das oscilações ciclicas e integrá-las, por seu turno, numa evolução ainda mais lenta. Independentemente de se interessar pelo que mudava, a história tinha o direito e o dever de se interessar por tudo aquilo que permanecia constante, durante épocas muito longas, e alargar o seu campo, de observação para além da História Económica.
As forças profundas da História não agem nem se deixam captar senão no tempo longo. Um sistema social e económico só muda lentamente. A história do tempo curto é incapaz de captar e explicar as permanências e as mudanças. Torna-se necessário estudar o que muda lentamente, a estrutura.
Tal objecto foi conseguido com Fernand Braudel. O estudo das permanências, das repetições, deixa de ser um domínio particular, que coexistia com a história tradicional, para se tornar numa parte fundamental e indispensável da pesquisa histórica.
Braudel, num artigo publicado nos Annales, em 1958, vai demonstrar que a história, longe de se encerrar no estudo dos acontecimentos, era não só capaz de apreender as estruturas, como devia, em primeiro lugar, interessar-se por elas. E continuava, esclarecendo que para os historiadores, uma estrutura constituia, sem dúvida, "um agrupamento, uma arquitectura, mais ainda, uma realidade que o tempo demora imenso a desgastar", um conjunto de elementos que se mantem invariável, durante um período plurisecular, constituindo, assim, um fenómeno de longa duração.
Segundo Braudel, podemos distinguir no tempo histórico três níveis diferentes: os acontecimentos, as conjunturas e as estruturas.
Os acontecimentos, são os factos ocasionais, efémeros, factos aparentemente independentes uns dos outros, que se localizam no tempo curto.
As conjunturas. Os acontecimentos, porém, interessam enquanto que elementos de uma série que se inter-relacionam, na medida em que nos permitem chegar às variações conjunturais. As conjunturas dizem respeito às oscilações ciclicas, ao tempo de média duração. São flutuações mais ou menos extensas que, na maioria dos casos, se sucedem contrapondo-se violentamente dando-nos a impressão que, entre uma época e outra, tudo muda e que, portanto, a história pode ser talhada em pedaços sucessivos que, praticamente, se desconhecem uns aos outros. É nesta prespectiva que falamos do Renascimento do Romantismo do século de Luís XIV porque tanto há conjunturas culturais como conjunturas económicas, sociais políticas, etc.
As estruturas. Essas épocas, porém, só nos dão a conhecer o que varia as mudanças. Se queremos captar o que não varia o fundo do cenário enquanto se desenrola o espectáculo então há que prestar atenção a outras realidades estáveis e permanentes quase imóveis, que atravessam um século vários séculos, é que podem chegar a durar tanto tempo que parecem imutáveis.
Nestas realidades contam-se as sujeições impostas pelo mero geográfico, pelas hierarquias sociais, pelas mentalidades colectivas, pelas necessidades económicas, todas elas forças profundas e dificilmente reconhecíveis à primeira vista. Estas realidades são as estruturas, que se situam no tempo da longa duração.
Só é possível compreender e seguir o rasto destas realidades, na sua lentíssima evolução, se se recorrer a períodos de tempo muito amplos. Os movimentos de superficie, os acontecimentos as mudanças facilmente detectáveis, desaparecem para dar lugar às grandes permanências ou semipermanências tanto conscientes como inconscientes. Aqui residem os fundamentos, as estruturas das civilizações: os sentimentos religiosos, as atitudes do homem perante a morte, o trabalho a vida familiar, a função da mulher na sociedade, etc.
Estas realidades, estas estruturas são, em geral, antigas, de larga duração, contendo os traços distintos, originais que caracterizavam as civilizações que não mudam, porque se consideram valores insubstituíveis.
Uma civilização resiste, em geral, à incorporação de apronações culturais que ponham em causa as suas estruturas profundas. De que os contactos violentos entre civilizações sejam normalmente trágicos, inuteis, saldando-se, quase sempre por fracassos. Os povos vencidos cedem perante os vencedores, mas a sua submissão desde que há conflito entre as civilizações, éapenas aparente (por exemplo o, colonialismo).
As estruturas, são pois, fenómenos geográficos, ecológicos, técnicos, económicos, sociais, políticos, culturais, psicológicos, que permanecem constantes perante um longo período, evoluindo de um modo quase imperceptível.
As conjunturas constituem flutuações de amplitudes diversas quase se manifestam dentro deste quadro, limitadas pelas barreiras estruturais.
O ídolo individual, ou o hábito de conceber a história como uma história dos individuos.
O ídolo cronológico, ou seja, o hábito dos historiadores se perderem nos estudos das origens.
Destronar a História Política, desembaraçar-se da História dos Grandes homens, rever os hábitos cronológicos dos historiadores, eis alguns dos cuidados apresentados pela nova História.
Uma história que se pretende cada vez mais interdisciplinar a quem a teoria da longa duração forneceu a aproximação com as outras ciências nomeadamente: com a antropologia, que constitui, hoje, o interluctor principal da nova História, substituindo, de certo modo o papel que a História económica e social desempenhou na primeira fase dos Annales; com a economia, uma vez que o desenvolvimento da História económica sempre presente na nova História, exige o encontro estreito das duas ciências; com a sociologia que exerceu uma influência considerável sobre os Annales; com a Geografia, que desempenhou um papel fundamental no pensamento de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel contribuindo para uma análise mais profunda das variações espaciais e da hierarquia dos espaços.
Presentemente, a História reabre o diálogo com a Psicologia e a linguistica e encara novos contactos; com a psicanalise dando origem ao aparecimento da História psicanalitica com as ciências exactas, mais particularmente com as matemáticas, tendo, assim surgido as Matemáticas Sociais; com as ciências da vida, uma vez que a nova História pretende, constituir uma história do homem total, com o seu corpo e a sua fisiologia situados na duração social.
Finalmente não podemos ignorar as relações da nova História, com o Marxismo, que, também tem sido aprofundadas: Marx é um dos mestres da nova História, enquanto problemática, interdisciplinar e baseada na longa duração - a periodização de Marx e do marxismo, definindo três estádios na evolução humana, esclavagismo, feudalismo e capitalismo, constitui uma teoria de longa duração.
Mesmo se as noções de infra-estruturas e superstruturas parecem incapazes de dar conta da complexidade das relações entre os diversos níveis da realidade histórica, a verdade é que tais conceitos relevam de um apelo à noção de estrutura, uma tendência essencial da nova História.
A nova História não fez acompanhar a renovação dos problemas por uma semelhante renovação das técnicas de erudição. Torna-se, pois, necessário a promoção de uma nova erudição. Tal objecto deve compreender três pontos fundamentais.
Uma nova concepção de documento acompanhada de uma nova crítica do mesmo, considerando que o documento não é inocente, Épreciso detectar as condições de produção e ao mesmo tempo tentar explicar as lacunas e os silêncios da História.
Uma reformulação da noção de tempo histórico. É preciso abandonar a ideia de um tempo único, homogéneo e linear, construir conceitos operacionais dos diversos tempos de uma sociedade histórica. Construir uma nova cronologia científica que date fenómenos históricos segundo a duração da sua eficácia no passado e não segundo a data da sua produção.
Uma flexão crítica quanto aos métodos comparativistas, pertinentes, apenas, na medida em que comparem o que é comparável por exemplo, a propósito do feudalismo, evitar uma definição extensa que coloque, sob o mesmo conceito, realidades, demasiado afastadas no tempo e no espaço e que não dizem respeito a sistemas históricos comparáveis - os chamados feudalismos africanos - mas igualmente uma concepção demasiado estreita que só julgo comparável o feudalismo europeu com o feudalismo japonês.
Alargamento do campo de observação do historiador pela descoberta de novos objectos renovação das técnicas de erudição, diálogo com as ciências humanas, utililação de métodos quantitativos, cada vez mais sofisticados, partir de documentação serial (embora não esquecendo que o quantitativo apoia a explicação mas não a substitui), eis algumas das preocupações dominantes da nova História.
A nova História, longe de se virar para o que surge de novo, para o inédito interessa-se pelo que se mantém constante ou quase constante durante um longo intervalo temporal, preferindo o regular ao excepcional, o quotidiano ao extraordinário, os factos que aparecem em massa aos factos singulares.
Esta mudança de atitude traduz o desinteresse da nova História pela História política e a promoção da História económica e social, sobretudo da História dos preços, que, entre as duas Guerras, se torna um domínio de ponta.
Não, é pois surpreendente que tenha sido a História económica a primeira a romper com o tempo linear da História factual e a detectar ritmos diferentes.
Temos, pois, diferentes tempos da História, traduzidos em unidades de medida diferentes desde os dias e anos, às dezenas de anos e aos séculos. Exemplificando, diremos que o historiador trabalha a três planos diferentes:
O da História tradicional, o do relato, que liga acontecimento a acontecimento, como fazia outrora o cronista e faz, na actualidade, o jornalista, dando-nos uma História rica em peripécias, como uma novela que não mais termina.
O da História conjuntural, ou das épocas, dos episódios considerados em bloco, em que a unidade de medida se conta pelos 10, 20 e 50 anos, que diz respeito aos períodos, fases ou conjunturas, nas quais são relacionados e interpretados os factos históricos e se dá já uma série de explicações (a Revolução Francesa, a Segunda Guerra Mundial, etc.).
Por último um terceiro nível, o das estruturas, que ultrapassa essas fazes e se debruça sobre os movimentos seculares ou pluri-seculares. Estuda uma História de movimento lento e que ocupa grandes espaços. As civilizações surgem-nos, assim, em toda a sua longevidade, em todas as suas permanências fundamentais. Sob este ponto de vista, a Revolução Francesa é, apenas, um momento ainda que fundamental, da longa História do destino revolucionário, liberal e violento do Ocidente.
História das populações totais. Contrariamente à História tradicional, inconscientemente elitista, a História estrutural éuma História das populações, das populações e não das massas, porque não se trata de excluir da História aqueles que ocupam uma posição priviligiada nas hierarquias do poder, do saber ou da riqueza. Trata-se apenas de os colocar no seu devido lugar: o de pequenas minorias que se aproveitam de condições excepcionais. O interesse da História estrutural pelas populações por todos os membros de uma sociedade, conduziu a transportar para o centro do campo explorado pelos historiadores os problemas da demografia que, de um ponto de vista tradicional, não tinha senão uma importância marginal.
Daí e ao contrário dessa História elitista, prisioneira dos acontecimentos e do tempo curto, a preferência pelo banal, pelo repetitivo, pelo que está presente na vida quotidiana, senão de cada um, pelo menos das fracções numericamente mais importantes da população total.
Uma História Psicológica, que visa, para além de descrever as estruturas demográficas, no interior das quais evoluiam as populações antigas, penetrar até aos modos como essas populações reagiam, detectar os seus comportamentos mais secretos, mais íntimos, esclarecendo-nos sobre a sua maneira de viver, a concepção que tinham do seu próprio corpo, as suas práticas sexuais, os seus gestos, a sua existência familiar as suas atitudes perante a vida e perante a morte, a sua memória colectiva.
Uma História Antropológica, que encara o tempo enquanto objecto estudado pelos historiadores como um fenómeno social total, procurando encontrar, para além da realidade manifestada pelas fontes históricas, os mecanismos e a lógica que explicam uma conjuntura, uma época, ou uma dada evolução, procurando detectar a História dos hábitos físicos, gestuais, alimentares, afectivos, mentais, os fenómenos absorvidos e interiorizados pelas sociedades.
Uma História Biológica, que se interessa pela alimentação, sexualidade, doença, morte, as reacções humanas aos constrangimentos naturais. A biologia e antropologia física oferecem à História os resultados das suas pesquisas sobre essa fonte extraordinariamente rica e até agora negligenciada pelos historiadores, que é o corpo humano, oferecendo, assim, a possibilidade de introduzir na História o corpo humano, como a geografia aí introduziu o seu meio natural.
A História estrutural, atribuindo aos fenómenos históricos uma importância tanto maior quanto maior é a sua duração, contribuiu, poderosamente, para um repensar do conceito de revolução. Toda a revolução não é mais que a alteração de uma estrutura e o aparecimento de uma nova estrutura. Tomada neste sentido, a palavra revolução não mais é concebida como uma mutação violenta, espectacular, dramática. Pelo contrário muitas vezes, é silenciosa e até imperceptível para aqueles que a fazem, tal o caso da revolução agrícola, industrial ou demográfica.
A revolução não é pensada como uma série de acontecimentos únicos, como o fazia a História factual. É uma onda de inovações que se propaga a partir de um ponto inicial, através de inúmeras repetições, que traduzem mudanças de estruturas, transformações universais, qualitativas, rupturas de continuidade.
A maior parte dos acontecimentos são inovações que fazem parte de uma revolução que se processa lentamente, para dar lugar a uma nova estrutura. Dentro desta perspectiva talvez se pudesse apresentar a tripartição do tempo histórico do seguinte modo: Estruturas, Conjunturas e Revoluções.
É ainda dentro da História estrutural que se compreende a noção de complexo Histórico-Geográfico, uma vez que a realidade, como afirma Vitorino Magalhães GODINHO, constituiu sempre o conjunto de estruturas que, desde o económico ao mental, se configuram "num espaço geográfico, processando-se nos tempos histórico-sociais".
O complexo Histórico-Geográfico é, pois, uma estrutura social caracterizada por uma economia, tendo em conta o espaço que ocupa; um feixe de estruturas existentes numa mesma área, que mantêm entre si inter-relações funcionais importantes. O "complexo Histórico-Geográfico" surge, assim, como um conjunto de elementos de diversa natureza, no qual se insere o diálogo entre a economia e o espaço de uma determinada sociedade, os seus vectores dinâmicos a utilização das suas possibilidades, o seu comércio, e as suas rotas, a indústria, a formação e evolução do seu povoamento, as suas actividades os elementos de clivagem social, a circulação dos produtos, a natureza dos transportes, as relações próximas ou longinquas da região ou do Estado, etc., que nos permitem detectar as situações de interdependência, dependência e contraste que se estabelecem entre os diferentes complexos Histórico-Geográficos e estabelecer a hierarquia dos mesmos, uns em regresso, ou bloqueados no seu desenvolvimento, outros em expansão, apresentando uma salutar actividade.
As "economias e sociedades humanas - Vitorino Magalhães Godinho - não existem fora do meio geográfico nem do tempo histórico, entrecedem-se com um e outro. No caso de aplicarmos a noção de estrutura a uma sociedade que ocupa um espaço determinado, um meio fisico-biológico, numa época histórica demarcada, teremos aquilo a que poderemos chamar complexo Histórico-Geográfico: precisamente complexo, para dar a ideia da multiplicidade de componentes e factores que o constituem, histórico porque situado nos tempos em que os homens vivem, e o geográfico, porque ocupando uma mancha espacial que não é mera representação cartográfica, mas sim uma realidade multiforme de geografia física e humana".
É, igualmente, à luz da História estrutural que se deve entender a problemática acerca da distinção diacronia e sincronia.
Estabelecida na linguistica por Saussure, a distinção sincronia-diacronia, que se tornou usual em todas as ciências humanas, pretende distinguir, no caso particular da história, os factos simultâneos, dos factos ou fenómenos de evolução ou de mudança. Temos, pois, numa perspectiva sincrónica ou estática, o estudo dos factos coexistentes, relativos a uma determinada época, e, numa perspectiva diacronica, genética ou dinamica, o estudo dos factos que se sucedem, das alterações que se verificam ao longo do tempo.
Assim esta antonomia entre diacronia e sincronia, estabelecida por razões de ordem metodológica, não diz respeito ao objecto da história mas ao tipo de abordagem efectuada pelo historiador.
Os trabalhos de investigação histórica efectuados numa perspectiva sincrónica, sob a influência do estruturalismo, multiplicam-se entre 1960-1970, ao mesmo tempo que se debatia, polemicamente, qual das visões, diacrónica ou sincrónica, importava mais à História.
Tal polémica, contudo, carece de significado, uma vez que o papel específico da História é o de estudar a génese e evolução das estruturas.
Para o historiador, estrutura e movimento são inseparáveis. É certo que a estrutura prossupõe que seja possível efectuar a abstração das mudanças em determinado contexto sociogeográfico e por um período de tempo igualmente definido sem tal operação não haveria construção teórica possível já que não se poderiam definir as constantes de um determinado sistema. Mas a história, ao contrário da antropologia estrutural, só aceita realidades transitórias.
A visão de mudança que o historiador apresenta baseia-se no autodinamismo das estruturas, num mecanismo dinâmico-estrutural interno, não externo, pelo que não se pode estabelecer um corte radical entre diacrónico e sincrónico, os quais na verdade, não são mais do que duas maneiras complementares, interdependentes, porventura inseparáveis, de entender o processo histórico na sua diversidade e unidade. Não há estrutura independente de um processo de evolução, como não há percepção do fluxo incessante da História sem se ter em consideração os factores descontinuos.
Mas tal não impede, que a um nível mais elevado, logo se restabeleça a continuidade fundamental do processo histórico, "o continuo no descontinuo".
Em História como diz Fernand Braudel, que aliás considera inútil discussão sobre os conceitos de diacronia e sincronia, não pode haver absoluto sincronia perfeita - um corte ou suspensão que detenha todas as durações é, na prática um absurdo - nem uma diacronia total - a não ser que se tivessem em consideração todas as múltiplas estruturas históricas o que é praticamente impossível.
O tempo histórico simultaneamente ascendente e descendente, não se apresenta como um eixo de coordenadas sobre o qual se dispõem, cronologicamente, os factos minuciosamente descriminados. O historiador para apreender a totalidade do social põe em contacto durações e tempos diversos, estruturas, conjunturas e acontecimentos. No que coexiste encontra-se o passado e o porvir. Uma ou mais estruturas, num dado momento, podem estar a desagregar-se, enquanto outras se geram e desenvolvem. Cada momento remete, sempre, a movimentos de ritmos diferentes. O sincrónico, o simultâneo, como diz Vitorino Magalhães Godinho, reevia sempre ao diacrónico, à sucessão do tempo.
A diacronia não deve, pois, considerar só as mudanças, mas ter em consideração a continuidade como a sincronia não deve ser estática, mas dinâmica, estudar os fenómenos que revelam tendência a uma modificação de estruturas.
A descrição do todo não pode ignorar as partes, a descrição de um processo não pode desconhecer as etapas. O objecto histórico é simultaneamente permanência e sucessão.
Noções elementares de metodologia e epistemologia da História: fontes históricas: objecto, método e síntese histórica: a relatividade do conhecimento histórico.
As fontes constituem a matéria-prima da História. A primeira tarefa do historiador consiste na pesquisa, tão sistemática quanto possível das fontes históricas.
Durante muito tempo os historiadores eruditos limitaram as fontes propriamente ditas aos documentos escritos, aos textos. Acompanhando a abertura da História a todas as ciências humanas, a escola dos Annales, tendo em vista a História total - uma História em que o económico, o social, o político e o cultural se interpenetram estreita e indissoluvelmente - vai contribuir, significativamente para o alargamento do conceito de fonte histórica.
A renovação da problemática e dos centros de interesse da História exigiu um aproveitamento de fontes, sobretudo de carácter quantitativo, que tinham sido ignoradas pelos historiadores do século XIX. A emergência da longa duração por exemplo, é fruto da descoberta e da experimentação de novas fontes que permitiram uma cronologia mais ampla, fontes do quotidiano, do banal que dizem respeito à vida das massas anónimas, na sua continuidade - preços agrícolas, registos paroquiais, com especial relevo para os testamentos, etc.
Por outro lado, as fontes já conhecidas e utilizadas passam a ser de modo diferente. As crónicas por exemplo, estudadas desde há muito tempo, sob o ponto de vista da história literária, passam a ser utilizadas para a construção da História das ideologias.
Por fonte histórica entendemos todo o produto específico da actividade humana, tudo o que testemunha o passado humano, qualquer que seja a sua natureza - arqueologia, artística, científica, etnológica, histórica ou literária - ou a sua forma de transmissão - escrita, fotográfica, oral, plástica, radiofónica ou visual. Por fonte entendemos todo o vestígio humano, a partir do qual o historiador pode e deve extrair "qualquer coisa para o conhecimento do passado humano".
A História como escreve Lucien Febvre, "faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando os há. Mas pode fazer-se deve fazer-se com tudo o que o engenho do historiador lhe pode permitir utilizar". "Portanto com palavras. Com indícios. Com paisagens e telhas. Formas de campos e ervas daninhas. Eclipses da lua e cabrestos de tiro. Exames de pedras por geólogos e análises de espadas de metal pelos químicos".
Numa palavra, com tudo o que na herança do passado, pode ser interpretado como um vestígio revelador da presença, actividade sentimentos e mentalidade do homem.
Em busca da vida material, da vida quotidiana dos povos, a nova História continua a priviligiar o documento escrito, mas interessa-se, igualmente por outros tipos de fontes:
Pela paisagem rural, com as formas de aproveitamento da terra, culturas e plantas agrícolas, técnicas e instrumentos agrários; pela paisagem urbana, pelos conjuntos arquitectónicos, ou simples habitações, com as suas formas e os seus materiais de construção, os utensílios e equipamentos domésticos; pelos cemitérios, sepulturas, lápides, e inscrições de toda a espécie; pelos alimentos, vestuários, moedas, selos e brasões pelas representações iconográficas, quadros fotografias, postais, desenhos, mapas, cartazes, filmes, discos, gravações e testemunhos sonoros; pelos arquivos; livros e fichas; pelas onomásticas, mitos, contos, tradições e testemunhos orais; pelo próprio homem, enquanto ser biológico e cultural.
Tipologicamente, se tivermos em consideração a forma, à qual está ligada o modo de transmissão e conservação, as fontes podem distribuir-se por três grandes grupos: Fontes materiais, fontes escritas e fontes orais.
As fontes materiais ou arqueológicas dizem respeito aos vestígios materiais do homem, aos objectos e às paisagens. Fontes arqueológicas e não fontes monumentais, porque abrangem além dos objectos artísticos, ou conjuntos de grandes dimensões, pequenos e humildes utensílios, desde o pente e espelho a uma arca ou peça de vestuário, desde a escudela ao grão de trigo.
Estas fontes normalmente, são seguras, por 2 razões: em primeiro lugar, porque graças à matéria de que são feitas, conservam-se melhor e prestam-se menos à falsificação; em segundo lugar, porque constituem documentos involuntários, isto é, regra geral não foram construidos para provar ou informar pelo que não deturpam a realidade que testemunham. Torna-se necessário porém o recurso aos textos e à pesquisa etnológica sob pena de os documentos materais nos levarem, por vezes a graves erros de interpretação. Torna-se igualmente necessário reconstituir ou reconhecer o sítio, ou seja situar as fontes materiais no contexto geográfico, a fim de melhor se conhecerem as suas funções, o papel que desempenharam na comunidade.
A atenção dada pelos historiadores do nosso tempo aos vestígios não escritos do passado humano veio a revelar um número substâncial e diverso de fontes materiais. Agiram, no mesmo sentido, a descoberta de novos meios de registo - fotografia, filme - de investigação - fotografia aérea prospecção electrónica do solo, paleobotânica, pedologia - e de utilização - microquímica petrografia, teste do carbono 14.
Fontes arqueológicas não quer dizer, como o demonstram os exemplos dados, fontes relativas à Antiguidade reportam-se tanto aos tempos mais recuados da pré-História como aos períodos cronologicamente mais recentes. Ajudam a conhecer e a compreender melhor todas as épocas históricas. Englobam toda a vida humana em todos os tempos e por toda a parte.
A documentação material é objectiva, interessa-se por todas as classes e grupos sociais, constitui uma fonte insubstituível e complementar das fontes escritas.
As fontes escritas situam-se entre as fontes arqueológicas e as fontes orais. O seu suporte material, duro como a pedra, macio como o papiro, pergaminho e papel, sensível como as bandas magnéticas, exige o recurso a técnicas especificas. Os problemas que estas fontes levantam, quando estudadas desde há longo tempo deram origem a disciplinas especiais como a epigrafia, a papirologia, a codicologia, etc.
O objectivo destas fontes varia, quer no sentido de fazer prova, quer unicamente para informar. Daí a distinção entre fontes arquivisticas e fontes literárias, para além das fontes epigráficas.
As Fontes Arquivisticas ou Diplomáticas. São os documentos escritos, concebidos ou redigidos oficialmente por uma administração, os textos estabelecidos, segundo Tessier, para constatarem a realidade de uma acção ou de um facto de direito. Um documento de arquivo, é segundo Geniot, um documento concebido ou redigido por uma pessoa pública, enquanto tal, ou seja, por uma pessoa investida, em certas circunstâncias pela lei ou pelo costume, de uma autoridade especial, e enquanto que no uso dessa autoridade.
As fontes arquivisticas representam a documentação de uma instituição, de uma personalidade, constituem os títulos de bens, as provas de direito ou de pretensão, contêm os documentos que permitem a instrução de um processo ou o esclarecimento dos assuntos que se pretendem tratar. Em princípio, são de natureza essencialmente jurídica. Não se destinam à curiosidade do público mas para uso e proveito dos que lhe deram origem e dos seus sucessores.
As fontes arquivisticas, ao consignarem, com exatidão, os factos têm por força probatória, isto é, fazem prova em caso de contestação. Pelo seu carácter prático e jurídico, constituem documentos seguros.
Entre as fontes arquivisticas contam-se as leis, livros de actas ou autos, livros notariais, registos de contratos, livros de contas ou de registos de propriedades, inquéritos, relatórios e inventários oficiais ou judiciais, papéis administrativos, de instituições ou de empresas paroquiais ou civis, etc.
Fontes Narrativas ou Literárias. São os documentos destinados a informar os contemporâneos ou a prosteridade. Não apresentam utilidade prática e teoricamente, têm menos valor que as fontes arquivisticas. As fontes narrativas podem repartir-se em obras históricas - anais, crónicas, memórias - obras literárias, que ajudam a conhecer melhor uma época - romances, diários, narrativas de viagens - e escritos de informação imediata - jornais revistas - cujas informações mais ou menos exactas, dependem da periocidade, objectivos e meios de existência.
Fontes Epigráficas - São constituidas pelas inscrições feitas na superficie de materiais duros, como a pedra bronze e cerâmica, que dizem respeito a todas as épocas, e que não podemos negligenciar.
As fontes escritas, quer arquivisticas, quer literárias, tanto se podem apresentar manuscritas como impressas. Os arquivos, à medida que nos aproximamos do nosso tempo, integram cada vez mais conjuntos de documentos impressos.
As fontes escritas, insuficientes em quantidade e qualidade para a Antiguidade, dispersas e descontínuas durante quase toda a Idade Média, aumentam maçivamente a partir do século XVII, levantando problemas quanto à sua inventariação e utilização.
A partir de segunda metade do século XVI, surgem os registos paroquiais, e durante os séculos XVII e XVIII, multiplicam-se os tombos das propriedades, os fundos notariais e judiciais, os livros de actas e vereações dos concelhos, os livros de impostos e passaportes, os numeramentos, a legislação, etc. surgem-nos igualmente, fontes de carácter quantitativo, formando séries contínuas e homogéneas, como os livros de registo de compras e vendas, de preços e salários, de estivas camarárias, que permitem o tratamento estatístico.
Na época contemporrânea, as fontes escritas ganham uma amplidão e precisão até então ignoradas. As fontes quantitativas ganham uma importância crescente quer no que diz respeito àpopulação - recenseamentos, movimentos da população, estado civil - quer no que diz respeito à História económica e social - cadastros sistemáticos da propriedade, inquéritos agrícolas, indistriais salariais, etc.
Fontes Orais, estas fontes normalmente são menos seguras, uma vez que a ausência se suporte material as expõe, mais que às outras, a deturpações, razão porque hoje em dia, se procuram fixá-las. As tradições orais, recordações entrevistas depoimentos, inquéritos, etc. são hoje passados a escrito ou registados em gravações.
As aportações deste tipo de fontes permanecem muito importantes, particularmente no que diz respeito às sociedades rurais, herdeiras de uma longa e lenta história. O inquérito etnológico torna possível e mais segura a análise minuciosa e comparativa - simultaneamente, tipológica, espacial e histórica dos utensílios. O mesmo se pode dizer quanto aos costumes, ritos sociais, ideologia e mitologias que fazem parte da nossa vida quotidiana.
Por outro lado, o testemunho oral constitui, não raras vezes o único meio de escrever a história imediata - que diz respeito a períodos muito recentes servindo-se, primordialmente, de inquéritos e entrevistas - e clandestina de certas categorias ou grupos sociais.
De um modo geral, podemos falar da multiplicidade, heterogeneidade e complementariedade das fontes históricas. As fontes, muitas vezes, até à segunda metade do século XIX, são descontínuas, apresentam lacunas que impedem ou dificultam a constituição de séries e revelam-se de qualidade medíocre.
Para apreendermos o passado em toda a sua riqueza e complexidade, o historiador tem de se servir do máximo número de fontes, combinando, sempre que possível, as fontes materiais, escritas e orais. Uma fonte ou só um tipo de fontes não bastam para se fazer História.
O objecto da História é por natureza, o homem, ou melhor como diz Marc Bloch, os homens. A História, como diz Lucien Febvre, não se interessa pelo homem abstracto, eterno, imutável "perpetuamente idêntico a si mesmo, mas pelos homens sempre tomados no quadro das sociedades de que são membros, pelos homens membros dessas sociedades numa época bem determinada do seu desenvolvimento, pelos homens dotados de funções múltiplas, de actividades diversas, de preocupações e de aptidões variadas". Os factos históricos são factos humanos.
Este objecto apresenta 2 traços característicos: é mal conhecido e ao contrário do objecto das ciências naturais, goza de uma certa liberdade, não obedecendo fatalmente a leis.
A História só é ciência na medida em que dispõe de um método específico que lhe permite chegar ao conhecimento do passado humano.
O método histórico é constituido pelos processos técnicos que a erudição coloca à disposição do historiador é o conjunto de operações intelectuais que vai da ordenação e avaliação das fontes à aplicação das técnicas que nos permitem conhecer o objecto histórico.
Este método, o método crítico, é fundamentalmente o mesmo quer se trate de mapas, de documentos escritos, de vestígios materiais moedas ou de tradições. Mas a sua aplicação levanta para cada tipo de fontes, problemas específicos, a exigirem técnicas especiais - a cartografia histórica, a arqueologia, numismática e etnologia apresentam métodos e, sobretudo técnicas específicas. Vamos pois descrever, sucintamente, o método histórico, exemplificando quando necessário, a sua aplicação às fontes escritas.
A crítica histórica é a arte de distinguir o verdadeiro do falso, ou seja, distinguir o documento verdadeiro do documento falso distinguir o que pode haver de falso num documento verdadeiro, e o que pode haver de verdadeiro num documento falso.
Pertence à crítica histórica discernir o que é seguro, provável, possível, inverosimil e inverificável.
Como a história se faz com documentos, distinguir o verdadeiro do falso leva o historiador a efectuar três operações fundamentais: procurar e classificar as fontes, verificá-las e compreendê-las, interpretá-las. Tal é o papel da heuristica, a critica propriamente dita, e da hermenêutica.
Se os homens não tivessem deixado traços da sua existência, não poderiamos escrever a História. Só os testemunhos do passado humano permitem que a História-realidade se torne história-conhecimento. O historiador só trabalha em função dos documentos que tem à sua disposição.
O papel da heurística consiste, pois, em procurar as fontes históricas escritas, arqueológicas e orais.
A heurística é a ciência da investigação que procura detectar e explorar o mais exaustivamente possível, as fontes, os vestígios do passado do homem desde o documento escrito e das tradições orais às paisagens e a todos os vestígios materiais. A heurística incide necessariamente sobre as fontes, manuscritas ou impressas, existentes nos arquivos e bibliotecas, mas deve igualmente, tomar contacto com a região, a paisagem os vestígios materiais, que dão achegas para o conhecimento ou compreensão do período em estudo.
A documentação histórica é praticamente infinita. Novas fontes surgem constantemente, abrindo a via a novas hipóteses e a novas conclusões.
Convém distinguir as fontes primárias, às quais o historiador deve sempre reportar-se, dos textos que nos fornecem reflexões dos historiadores sobre aquelas fontes. Muitas vezes textos antigos que pertencem, teoricamente, à segunda categoria confundem-se na prática, com as fontes originais, uma vez que permanecem os únicos testemunhos das fontes que desaparecem (por exemplo a História Romana de Tito Livio).
A pesquisa documental, porém, não se compreende sem uma prévia investigação bibliográfica, servindo-nos para tal, das grandes colecções históricas, de enciclopédias e dicionários, gerais ou especializados, de reportórios bibliográficos, e de outros instrumentos básicos de consulta.
Enquanto que as fontes da Antiguidade Clássica, à excepção dos papiros, se encontraram publicadas, as fontes históricas, a partir da Idade Média, têm de procurar-se em arquivos, e no que diz respeito aos textos literários, que completam, muitas vezes, as fontes diplomáticas, nas bibliotecas.
A heurística, em Portugal, revela-se frustrante. As fontes por inventariar ou catalogar ultrapassam, em volume, as fontes conhecidas. Nos nossos arquivos e bibliotecas faltam inventários, catálogos, ficheiros que ajudam o estudioso a conhecer a documentação que se encontra depositada em tais instituições. Falta igualmente não raras vezes, o pessoal especial e dedicado para efectuar a inventariação ou catalogação das fontes. A investigação histórica no nosso país não poderá desenvolver-se substancialmente, sem que se ultrapasse rapidamente esta lamentável situação.
Entendemos por crítica histórica própriamente dita, o estudo metódico das fontes históricas, com o fim de averiguar os elementos verdadeiros contidos nas mesmas. A crítica procura apurar a autenticidade das fontes, o valor do seu testemunho. Apoiada nas ciências auxiliares da História, a crítica histórica permanece absolutamente indispensável para se poder utilizar adequadamente os testemunhos. A crítica exige discernimento e respeito, opondo-se, quer ao espírito céptico, quer ao espírito crédulo. Mais que o detalhe técnico, importa ao historiador a qualidade da sua crítica.
Aceitar, sem provas, as generalizações fáceis, sacrificar-se a partidos, querer ter sempre razão não dar o seu a seu dono não procurar compreender mesmo os inimigos da sua pátria ou da sua fé; colocar a História ao serviço de preconceitos ou ideologias, caindo em anacronismos grosseiros, são alguns dos perigos mais vulgares que ameaçam o historiador.
O primeiro trabalho da crítica histórica consiste em lutar contra as falsas certezas o que é já servir a verdade. Toda a verdade merece respeito e amor mesmo que a verdade histórica seja uma parte da verdade que o historiador não pode apreender em absoluto.
O que há de menos subjectivo na História é o seu método crítico, e é porque a História não constitui uma ciência exacta que esse método se deve tornar cada vez mais exigente.
Os tratados clássicos distribuem as operações da crítica em dois grupos sucessivos: crítica externa e crítica interna.
A crítica externa ou crítica de autenticidade examina a proveniência dos documentos - verdadeiros ou falsos, originais ou cópias - efectua a restituição do texto, na ausência do original, procurando através das várias versões, chegar ao texto primitivo, e finalmente, procura conhecer a sua originalidade a fim de se apurar se estamos perante um testemunho directo ou indirecto.
A crítica interna, crítica da credibilidade ou da autoridade, mede o grau de confiança que se pode dar aos documentos.
Esta classificação tradicional revela-se, porém, artificial. Apesar do seu carácter sistemático e lógico, este esquema só se aplica bem a uma História de tipo factual, narrativa, que utiliza apenas as fontes textuais, e que visa, sobretudo, o período medieval, crítica externa e crítica interna só se podem isolar pelo esforço do espírito lógico. Seria um erro pensar que, na verdade, são passíveis de separação. A pretensão da crítica externa em estudar os documentos independentemente do seu conteúdo é insustentável. A crítica interna impõe-se, por vezes, primeiro que a crítica externa - se um manuscrito não datado imita ou utiliza um texto já conhecido, o manuscrito não pode ser anterior ao texto. Crítica interna e crítica externa são dois aspectos concorrentes e complementares da crítica histórica - um documento que a crítica externa atribui ao séc. XII, e que cita uma personagem no século XIII, só pode ser falso. Não se pense que estes processos da crítica clássica são dispensáveis para o controlo dos testemunhos: o historiador, colocado perante os documentos, tem de pôr certas questões prévias, como a matéria, forma, escrita, estilo, data, proveniência, etc. Mas tem de atender o problema crítico sobre todos os aspectos, aliando às considerações de autenticidade, as condições de credibilidade, assim como fazer apelo às ciências auxiliares mais diversas.
No fundo é o estudo do testemunho que importa. É sobre a autoridade do testemunho que repousa a certeza moral da História. O tempo histórico seria bem curto, se cada um de nós estivesse limitado ao que observou por si mesmo. O testemunho goza assim, de um papel insubstituível no desenvolvimento da cultura.
O historiador deve saber distinguir e optar entre um testemunho sério e honesto, e vários testemunhos, por vezes contraditórios, e que nem sempre correspondem a igual número de observações - uma mesma afirmação redigida por autores diferentes, em documentos diferentes, dá a ilusão de várias afirmações. O que o historiador pretende não é a repetição dos testemunhos mas um conjunto de testemunhos, ao mesmo tempo independentes e convergentes diversos na sua forma e semelhantes quanto ao seu conteúdo. O historiador porém tem de renunciar, muitas vezes, à concordância dos testemunhos. Colocado perante testemunhos inconciliáveis, o historiador terá que, segundo um critério de veracidade, optar por um, ou seja pelo que lhe der mais garantias de segurança, informação e honestidade, e mencionar as divergências dos testemunhos que detectou.
A crítica interna ultrapassa o simples contrôlo dos textos. Pertence já em parte, à crítica da interpretação ou hermenêutica. Importa perguntar qual a aportação que o texto em causa dá àHistória. É essa a missão da hermenêutica, que vai permitir em seguida a elaboração da síntese.
A Hermenêutica ou exejese estabelece o sentido do documento, precisa o que o seu autor disse e o que quiz dizer. Fixa o sentido das palavras e extrai do texto tudo o que ele contém. A Hermenêutica é a ciência da interpretação das fontes, de todas as fontes históricas, embora normalmente, a Hermenêutica se limite àinterpretação dos documentos escritos. Neste sentido, esta interpretação tem em consideração a forma - aspectos linguístico ou gramatical, lógico, psicológico e técnico - e o fundo ou o conteúdo.
A Hermenêutica aprofunda o exame da tipologia do documento, para estabelecer o seu género literário. Prossegue o estudo da origem do documento e do meio do autor, a fim de precisar a sua orientação ideológica ou psicológica. Analisa o contexto, para verificar a conveniência das hipóteses propostas.
Nenhuma hipótese, contudo, pode ser retida, se não for rectificada pela consideração do género literário, da origem e do contexto do documento. A interpretação mais sedutora perde toda a sua autoridade quando é contrariada pelas conclusões da hermenêutica.
A experiência da crítica histórica traduz-se por algumas regras que o uso consagrou.
A primeira e mais geral diz-nos que é preciso escrever história a consultar fontes e não a copiar os escritos dos historiadores modernos.
Uma cópia não deve a sua autoridade à sua antiguidade, ao aspecto antigo com que chegou até nós. O risco de erro numa cópia é proporcional ao número de intermediários existentes entre o original e a cópia.
Um texto não deve ser corrigido antes de o compreendermos tal como se apresenta.
Um texto não pode ser isolado do seu contexto.
Um texto deve ser estudado tendo em consideração o seu género literário.
Uma hipótese só é aceitável quando se refutam todos os argumentos que a contrariam.
Estas regras, diz Alkin, contam-se entre as mais importantes aquisições da crítica histórica. De uma crítica que se situa entre a credulidade e a hipercrítica, uma crítica à medida do homem, aberta ao bom senso e à simpatia. Simpatia que não éparcialidade, mas vontade de compreender o passado humano.
Finalmente não poderiamos terminar estas breves considerações quanto à crítica histórica, sem falarmos das ciências auxiliares da História.
A missão do historiador consiste em arrancar às fontes tudo aquilo que têm para nos dizer. Tal missão não se pode realizar, sem que se mobilizem, juntamente com a crítica histórica, as ciências auxiliares.
A crítica histórica, ao averiguar a autenticidade das fontes, a sua importância, tem de socorrer-se das ciências auxiliares da História.
Se todas as ciências podem ser úteis, ocasionalmente ao historiador, há algumas que são utilizadas permanentemente, como:
A paleografia, estudo da decifração das escritas antigas;
A filologia, estudo dos textos escritos e da sua tradição;
A diplomática, estudo dos documentos oficiais, os diplomas;
A sigilografia, estudo dos selos dos documentos;
A arqueologia, estudo dos vestígios da actividade humana;
A papirologia, estudo da decifração dos papiros;
A epigrafia, estudo das inscrições feitas em matérias duras;
A numismática, estudo das medalhas e moedas;
A codicologia, estudo dos códices;
A cronologia, estudo da distribuição dos factos históricos no tempo;
A genealogia, estudo das filiações;
A heráldica, estudo dos brazões;
A climatologia, estudo dos climas;
A onosmática, estudo dos nomes próprios;
A psicologia, estudo da natureza, carácter e comportamento do homem;
A sociologia, estudo do homem na sociedade;
A antropologia, estudo dos agrupamentos humanos;
A geografia humana, estudo do homem dependente do meio físico, e agindo sobre o mesmo;
A economia política, estudo dos fenómenos relativos àprodução, repartição e consumo de bens na sociedade;
A estatística, análise de um conjunto de dados numéricos relativos a uma categoria de factos.
A demografia, estudo quantitativo das populações.
Em sentido estrito, apenas a paleografia, filologia e diplomática com as suas disciplinas anexas, a cronologia e a sigilografia se apresentam como disciplinas auxiliares da História.
Por ciências auxiliares da História não podemos entender, longe disso, ciências de segunda ordem, dependentes da História. Estas ciências são, antes de tudo, ciências que conquistaram já, por vezes, mais cedo que a História a sua autonomia.
As ciências, porém, não se podem isolar. Pelo contrário, épreciso associá-las na investigação. Todas as ciências são solidárias, todas as ciências são auxiliares umas das outras.
A História é uma disciplina científica, graças à crítica histórica e às ciências auxiliares. Mas, enquanto a crítica permanece essencial à História nem todas as ciências auxiliares se revelam, sempre necessárias. É a crítica que elege as ciências auxiliares, decide da sua interpretação e aprecia os seus resultados, fazendo-os contribuir para a análise histórica.
Após a análise, segue-se a sintese. Sem análise não pode haver sintese, sem sintese a História não seria inteligível.
A História não se contenta em recolher os testemunhos, controla-os, articula-os, explica-os. Os testemunhos não podem ser nigligenciados, a sua leitura é particularmente enriquecedora e estimulante, mas a obra do historiador vai mais longe, da crítica dos textos à sua explicação e utilização na sintese.
O historiador submete-se aos documentos na análise ultrapassa-os na sintese, valorizando testemunhos, esclarecendo-
-os ou completando-os, tomando sobre si a responsabilidade da explicação. Sintese cuidada, em que o historiador renuncia às hipóteses que não confirmou, e esclarece o que na sua obra permanece seguro e aquilo que permanece provável, sem iludir as lacunas do seu trabalho.
Na sintese, de um modo esquemático, podemos distinguir 3 etapas:
1. A classificação ou agrupamento dos factos através da qual o historiador procura dar-lhes uma ordem definitiva, retendo apenas aqueles que importam à sua investigação.
2. A interpretação dos factos, na qual o historiador, para além dos traços particulares que o individualizam, busca os traços gerais que permitem a constituição de grupos ou conjuntos e procura, ainda, preencher as lacunas que lhe apresentam, através de raciocinios construtivos.
3. A explicação dos factos, que visa o estabelecimento dos laços da causalidade, uma vez que as causas, directas ou indirectas próximas ou remotas, não se revelam simples evidentes e constantes.
Os factos isolados ou simplesmente justapostos não constituem a História. O historiador para saber "como" e o "porquê", tem de penetrar num encadeamento de factos que, por vezes, lhe escapam e os quais nem sempre se conhece o fim. Explicar a História é determinar as condições dos acontecimentos, é compreender as causas do sujeito colocado no seu meio.
Toda a relação causal é, porém, uma relação parcial. O historiador só pode recorrer à noção de causa à custa de uma esquematização arbitrária, de uma simplificação grosseira do real. Nenhum facto histórico constitui a causa única e exclusiva de outro facto histórico. Não há uma só cadeia de factos. Temos sempre de considerar outras ordens de factos, para situar e explicar os acontecimentos. Não há uma causa mas dezenas de causas, conhecidas ou desconhecidas, mais ou menos importantes. A explicação em História consiste na descoberta, apreensão e análise dos mil e um laços que, de maneira quase inextricável, unem uns aos outros os múltiplos aspectos de realidade humana, que ligam cada fenómeno aos fenómenos vizinhos, cada estado a antecedentes imediatos ou remotos como às suas consequências. A História só alcança inteligibilidade na medida em que é capaz de estabelecer, de apreender esses laços, essas relações. A verdadeira História é a experiência concreta da complexidade do real, a tomada de consciência da sua estrutura e evolução.
A sintese procura apreender as ligações entre conjuntos significativos ou séries evolutivas, as conexões existentes entre as diversas ordens da realidade histórica, conexões e ligações susceptíveis, quer de explicar os fenómenos uns pelos outros, quer de construir um sistema que possua unidade e inteligibilidade próprias.
À medida que se eleva o nível da generalidade da construção histórica e a amplidão da sintese, as dificuldades, as incertezas crescem na mesma proporção. Há sempre mais coisas no homem e na vida, mais complexidade na riqueza do passado do que aquelas que qualquer teoria possa abranger. De qualquer modo, a teoria não pode sobrepor-se aos factos. A sintese condiciona a teoria. O historiador deve resistir à tentação de reduzir toda a multiplicidade dos acontecimentos à unidade.
Resta, finalmente, a exposição dos factos. O historiador não trabalha só, nem só para ele, deve portanto, escrever, escrever com cuidado, tendo em atenção que forma e conteúdo são inseparáveis, e que as deficiências daquela são, muitas vezes, o reflexo das deficiências deste.
A História é arte, pelo seu esforço de reconstituição e exposição do passado. Mesmo para os historiadores mais indiferentes à forma, a História não se reduz a uma técnica impessoal, reclama do historiador sensibilidade, criação verbal, mestria de estilo, um estilo claro, simples, concreto.
A introdução e a conclusão são inseparáveis em todo o trabalho histórico, assim como o aparato erudito e crítico, com a referência cuidada das fontes e bibliografia consultada.
A passagem da realidade histórica à verdade histórica faz-se através das fontes. A realidade histórica, em sentido estrito, éinacessível. O conhecimento dessa realidade é fatalmente indirecto.
É através dos documentos que o historiador se aproxima dos factos que não presenciou. É por meio de conceitos e juízos que o historiador representa o passado. Esta representação torna, pois, ilusória a objectividade total. Por mais que o historiador tente honestamente reagir contra as suas tendências, é sempre ele próprio que se exprime através das suas obras. O historiador não pode ver sem dar forma e cor ao que vê. É o historiador que procura ligar as causas e os efeitos.
A realidade histórica, porque humana, é equívoca, e inesgotável, levando, assim, a que se apresente diversa, de acordo com o ponto de vista de quem a pretende captar. Não há história impessoal, neutra ou indiferente. Os factos não falam por si próprios. Tudo depende da perspectiva do historiador. Não há uma História, como não há uma paisagem.
Não iremos concluir, porém, que as diferentes versões da mesma História se opõem indiscutivelmente. Muitas se aproximam e coincidem até, pelo menos, no essencial. As diferenças são, muitas vezes, mais superficiais que profundas. Seria um erro pensar-se que os homens se esgotam em visões contraditórias e incomunicáveis. O dever do historiador consiste, precisamente em fazer uma severa crítica às aproximações pessoais quanto àrealidade histórica.
A objectividade permanece o fim do historiador na busca da verdade, o qual pretende mostrar os factos tal como se passaram. Mas a objectividade perfeita é tão recusada ao historiador como a total imparcialidade.
Mesmo nas ciências experimentais não basta registar, medir o universo, torna-se necessário repensá-lo. A verdade cientifica éuma verdade construida, que podemos comparar sempre que necessário, com a realidade. Ora, este controlo objectivo escapa ao conhecimento histórico, uma vez que as verificações ou constatações do historiador não atingem a própria realidade. O que não impede o historiador de pretender a maior objectividade possível, através do controlo dos testemunhos e da sua interpretação, através de exames repetidos e diferentes aproximações da realidade histórica.
Não nos deixemos tentar pelo historiador que se diz ou pretende imparcial. O historiador mais escrupuloso permanece do seu tempo e dos seus pais, com todas as suas categorias morais e os seus imperativos sociais. Os historiadores mais independentes não escapam à herança constituida pela própria vida.
É certo, também, que o historiador mais prudente é ameaçado no seu próprio julgamento pelo que conhece de tudo o que seguiu aos acontecimentos que descreve, incluindo os acontecimentos recentes. Os acontecimentos passados, contudo, só ganham a sua verdadeira dimensão na perspectiva histórica, quando conseguimos apreender toda a série, o todo a que os factos históricos pertencem. O presente não falseia a História senão quando lhe impõe as suas soluções. O presente orienta-nos quanto àimportância relativa das questões a pôr à História, esclarece-nos quanto aos movimentos históricos que nos são mais caros, porque se prolongam até nós, em nós. O presente esclarece assim, o passado. Compreendemos hoje melhor, graças aos tempos atormentados em que vivemos, como nascem e morrem as nações. O 25 de Abril de 1974 ajuda a conhecer e a compreender melhor o 5 de Outubro de 1910.
A História é julgamento. Entre a História pura e a pura subjectividade situa-se o rigor da técnica e da autocrítica.
Um método prudente e compreensivo é a mais preciosa de todas as aquisições.
O historiador deve tornar o passado inteligível sem o deformar traduzi-lo sem o trair. Não se pode "ressuscitar" o passado. A História não pode pretender mais que uma representação imperfeita de um passado que não se atinge directamente, em si mesmo.
A explicação do passado não pode atingir um rigor absoluto. A História mais acabada não é mais que a interpretação provisória de uma evolução inacabada (Halkin).
Cabe perguntar se a História é ou não uma ciência.
No sentido estrito do termo, a História não é uma ciência, não conduz a leis, a menos que se chamem leis às relações habituais do condicionamento dos factos passados. A História como diz Le Febvre, não é um conhecimento racional que, fundado na observação do mundo sensível e verificado pela experimentação descubra as constantes que permitem a previsão.
A História não permite leis, conclusões válidas, simultaneamente, para o passado e para o futuro, para um futuro que permanece indeciso, constituindo um tempo ilimitado de possibilidades.
A História, como afirma, com certa ironia, Paul Valéry, é a ciência dos factos que não se repetem, conta e contempla as singularidades, em continua renovação.
O papel da História não reside no captar das analogias superficiais, mas em discernir o que há de irredutível numa experiência singular. O historiador procura aquilo que caracteriza, distingue e especifica os acontecimentos, as épocas, as civilizações.
É esta a condição da História, buscando incessantemente a verdade para só descobrir uma parte desta.
No sentido lato do termo, a História é uma ciência, pelo seu método, pelo rigor do seu método de controlo e de explicação, destacando-se cada vez mais do conhecimento vulgar e superficial. É uma ciência como diz Lucien Febvre, que não tem por objectivo descobrir leis, mas que nos permite compreender.
A verdade histórica - Paul Harsin - é uma verdade dinâmica, não estática, uma verdade que se realiza progressivamente, sem conseguir atingir jamais um grau de certeza absoluta. A História - Marrou - nada mais é do que aquilo que julgamos razoável aceitar como verdadeiro no que compreendemos das revelações contidas na documentação. O passado não pode ser isolado no estado puro. A realidade do passado, objectiva, é indissociável da realidade do presente, do historiador, que busca encontrar aquela. A História é simultaneamente, objectiva e subjectiva. Ela é passado autenticamente apreendido, mas o passado visto pelo historiador. A História constitui um misto indissociável do sujeito e objecto. A História é inseparável do historiador.
As características essenciais das diversas escolas historiográficas.
As características essenciais das diversas escolas historiográficas podem ser esquematizadas, quer quanto aos representantes principais, quer quanto às linhas de força que lhes deram origem, quer quanto à sua concepção historiográfica, quer quanto ao método utilizado. Iremos focar todos estes aspectos em relação ao Iluminismo, ao Romantismo, ao Marxismo, ao Positivismo, ao Historicismo e à escola dos Annales.
Iluminismo - Sendo assim temos que, em relação ao Iluminismo os seus representantes principais são: Voltaire, Condorcet, D'alembert, Diderot, Montesquieu.
As linhas de força que deram origem ao Iluminismo são as seguintes: o absolutismo e a intolerância religiosa que levou a diversas guerras no século XVII. O Iluminismo como doutrina cultural caracteriza-se pelo culto da razão, pela ideia de progresso baseado num pensamento racionalista, pela defesa das instituições culturais e escolares, pela defesa do despotismo esclarecido e pelo acreditar que a felicidade só será conseguida devido a esse mesmo progresso. O Iluminismo também se opôs ao empirismo, sobretudo o inglês.
A concepção historiográfica do Iluminismo, influenciado pela ideia de igualdade, de liberdade e de fraternidade, de poder popular, é que a História não deve estudar as manifestações brilhantes, os grandes homens e os grandes feitos, mas deve ser o estudo da sociedade das civilizações (termo que surge nesta época), dos costumes, das tradições, do povo, das famílias, das instituições e o estudo das leis que regem a sociedade.
Devido ao Iluminismo não ser uma escola historiográfica, mas uma doutrina cultural que surge no século XVIII com uma concepção de História, não utiliza própriamente um método definido, embora a crítica documental seja utilisada.
O Iluminismo, na sua essência como concepção historiográfica, deu origem ao Romantismo, já uma escola de História do século XIX.
Romantismo - Em relação ao Romantismo, os seus representantes principais são: Thierry, Guizot, Michelet, Scheggel, Shelling, Rousseau e em Portugal Alexandre Herculano.
As linhas de força que deram origem ao Romantismo são as seguintes: A Revolução Francesa de 1789 e as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, o Iluminismo e a sua concepção historiográfica, o humanismo da Renascença e a sua crítica filológica. Os românticos debruçam-se no seu estudo sobre a Idade Média sendo a sua base documental o documento escrito. Com as revoluções os arquivos senhoriais e eclesiáticos passam para as mãos do Estado e são postos à disposição dos historiadores românticos.
A concepção historiográfica do Romântismo é influênciada pela ideologia liberal. A História não deve ser o estudo dos grandes homens mas deve ser o estudo do povo, dos aspectos sociais, das instituições, em geral da sociedade. O método utilizado pelo Romântismo não é original pois vem já desde o Humanismo da Renascença. O método é o da crítica filológica do documento escrito que se baseia na heurística (recolha e pesquisa das fontes) na crítica externa e na crítica interna ou hermeneutica.
A História romântica preparou em certa medida a concepção histórica marxista embora também haja naturalmente pontos divergentes. Por exemplo a ideologia liberal considerava que através da aquisição de direitos políticos se levaria à acalmia social e à vivência. Isto contrapõe-se naturalmente ao marxismo que pressupõe uma mudança total da sociedade.
Marxismo - Com respeito ao marxismo os representantes principais são: K. Marx, F.Engels, Lukac, Plekhamov (sector social-democrata) Porhnev, Javrés, Adam Schaff, L. Althusser Kondratieff.
As linhas de força que deram origem ao Marxismo encontram-se no sec. XIX e são: a revolução industrial que originou quer a concorrência da mão de obra quer a concorrência da máquina que levou à degradação das condições de vida dos proletários levando ao distanciamento entre as classes trabalhadoras e as classes burguesas dirigentes.
A revolução industrial deve-se quer à evolução dos conhecimentos científicos quer naturalmente ao enorme desenvolvimento da técnica resultante do primeiro factor.
No aspecto filosófico o Marxismo como materialismo dialéctico opõe-se ao idealismo Hegeliano.
O motor da História é a luta entre as diferentes classes (no escravagismo, escravo-senhor; no feudalismo, servo-nobre feudal; no capitalismo, proletário-burguês).
A própria dinâmica social é devida à luta de classes que éproduzida pelas relações de produção e pelo modo como a riqueza édistribuida pelas diferentes classes.
O estudo histórico é feito através das estruturas sendo os marxistas os percursores do tempo de longa duração dando desta maneira predomínio ao estudo dos movimentos lentos das instituições e relegando para segundo plano o estudo das manifestações brilhantes.
A História marxista é uma História do inteligível defendendo que são as massas anónimas que fazem a História e como tal devem ser estudadas. O marxismo considera dois tipos de estruturas. As infra-estruturas que dizem respeito aos modos de produção e de troca e à organização social ou seja é a base socio-económica da sociedade e a superestrutura que diz respeito aos aspectos políticos, legislativos, às ideologias e à cultura para além da religião que é reflexo e consequência lógica da infraestrutura.
Daí podemos dizer que é a própria dinâmica social de um povo ou de uma nação que dita a sua mentalidade. Já Karl Marx tinha dito que "não é a consciência do homem que determina a sua existência mas pelo contrário é a sua existência social que determina a sua consciência".
Todo o aparelho ideológico todas as tendências culturais, religiosas e políticas são reflexo dessa estrutura socio-económica e dessa maneira defendendo o marxismo que são as relações de produção a base explicativa da sociedade faz-se um estudo profundo do aspecto económico estudando-se sobretudo as crises cíclicas do capitalismo realizadas sobretudo por K. Marx e Kondratieff (estudo dos ciclos e dos interciclos económicos).
O método historiográfico é o método dialéctico herdado de Hegel e transposto do estudo das ideias para o estudo das realidades sociais. Para Marx o processo dialéctico não tinha lugar no mundo abstrato das ideias mas no mundo material das coisas. Daí que Marx considere que nada existe em situação estática mas tudo está num processo de evolução. O marxismo propõe um certo finalismo - a sintese suprema - o comunismo e portanto a sociedade sem classes.
Positivismo - Em relação ao positivismo os seus representantes principais são: Momomsen, Maitland, Von Ranke, Niebuhr, Seignobos, Lenglois, Gustelo De Coulanges.
As linhas de força do positivismo encontram-se no século XIX e são: o cientismo ou seja o culto pela ciência devido precisamente ao seu desenvolvimento no século XIX e por nos encontrarmos num progresso técnico (na altura em que surge o positivismo (segunda metade do século XIX) encontramo-nos em plena revolução industrial). O positivismo surge como reação quer às filosofias da História quer às filosofias idealistas e metafísicas.
Defendia-se a ideia que para o conhecimento fosse científico era preciso que fosse positivo ou seja que se baseasse na observação e que pudesse ser verificado experimentalmente. Esta ideia da valorização da esperiência vem-nos desde o século XVI com Galileu e mais tarde com Kepler e Newton. Daí que o positivismo seja anti-metafísico.
A partir do conceito de positividade pura o positivismo distinguiria graus de maior ou menor cientificidade dentro do próprio conhecimento científico: as ciências e as pré-ciências. As ciências eram as da natureza. As pré-ciências eram as ciências do homem e naturalmente que a História se incluia neste segundo grupo.
Como os positivistas concebiam o processo histórico como idêntico na origem ao processo natural pensavam que se se aplicasse o método das ciências da natureza à História esta se tornaria em ciência positiva. Os positivistas consideraram que o método das ciências da natureza compreendia duas fases. Uma, determinação dos factos e por segundo o estabelecimento das conexões causais entre os fenómenos ou seja a elaboração das leis que seriam eternas, universais, globais.
Lançando-se na primeira fase com entusiasmo (daí o estudo promenorizado que os positivistas fizeram sobretudo Momomsen) tardavam na elaboração das leis. Daí ter A. Comte fundado uma nova ciência - a sociologia que teria como objectivo a elaboração das conexões causais entre os fenómenos. A sociologia tornar-se-ia numa super-História.
A concepção historiográfica do positivismo era a concepção atomística da História ou seja o estudo dos factos isolados sendo mais tarde fruto de severas críticas. Fazia-se o estudo exclusivo dos factos políticos e o tempo utilizado era o tempo breve como lhe chamou F. Braudel.
Os positivistas herdaram o método da crítica filológia dos românticos embora o tenham utilizado como uma técnica mais elaborada.
Defendendo a concepção de objectividade total os positivistas em termos gnoscológicos supervalorizaram o objecto e desprezaram totalmente o sujeito na ânsia de promoverem uma ciência exacta das coisas do espírito.
Assim o positivismo falsificou a própria noção de trabalho científico onde o sujeito tem de estar omnipresente pois o pôr problemas e o levantar hipóteses são características de qualquer trabalho científico.
A posição do positivismo deve-se essencialmente ao facto dos historiadores estarem convencidos de que poderiam apreender duma total e absoluta maneira os acontecimentos passados tal e qual como na realidade aconteceram. Este aspecto seria criticado pelas escolas historiográficas posteriores.
Historicismo - Com respeito ao historicismo os seus representantes principais são: Croce, Raymon Aron, Dilthey, H. Marrou, Windelband, Rickert, Simmel, Collingwood, Meinecke (último grande representante).
As linhas de força do historicismo surgido nos finais do século XIX na Alemanha, mãe do idealismo (Kant, Fichte, Hegel) são as seguintes: crítica acérrima do positivismo sobretudo no que respeita à sua concepção de História, renascimento das filosofias da História e terceiro surgimento de filosofias neo-idealistas de cariz kantiano.
Ao contrário do positivismo, o historiador defende a ideia de que há dois tipos de conhecimento: o conhecimento dado pelas ciências da natureza e o conhecimento dado pelas ciências do homem, respectivamente as ciências nomotóticas e as ciências ideográficas. As primeiras conhecimento do universal, as segundas conhecimento do singular.
Como o método de apreensão do real não é idêntico nos dois tipos de ciências a opção positivista é posta de parte. Para os historicistas o conhecimento integral do passado não era possível devido quer à qualidade quer à quantidade de documentos chegados até nós para além da subjectividade presente em todos eles. Para os historicistas a objectividade total não é possível defendendo que a História é um tipo de conhecimento relativo e subjectivo. Ésubjectivo porque o historiador é omnipotente e omnipresente.
A partir desta base gnoscolológica de supervalorização do sujeito em relação ao objecto o historicista defende que a reconstituição, embora parcelar da realidade histórica só será possível se o historiador recorrer à intuição (influências do idealismo kantiano - diferença entre coisa em si e fenómeno). A visão do historiador é relativa porque a História é evolução, é mudança e a elaboração de leis universais, eternas e gerais não épossível.
O método utilizado quanto à pesquisa histórica quanto àrecolha é o mesmo dos positivistas, utilizam a crítica filológica (heurística, crítica externa, crítica interna ou hermenéutica) mas vão mais longe pois o historiador intervem dá a sua interpretação dos acontecimentos faz os seus juízos de valores sobre as diversas personagens e em vez de historiador adquire características de juiz como o notou Lucien Febvre. O estudo histórico é sobretudo os aspectos políticos - História factológica - tempo breve embora os aspectos culturais tenham também a sua importância. Para o historicista é a acção das manifestações brilhantes que molda as instituições e não como diziam os marxistas que é as instituições que moldam os indivíduos. Dada a importância que a personagem histórica adquire desenvolvem-se as biografias nesta época.
O historicista ao criticar a concepção atomistica da História caíu na obcessão da causalidade como referiu Marc. Bloch. As criticas historicistas ao positivismo continuam válidas mas o que nunca foi válido foram os exageros em que o historicismo caiu e que o faria caducar como concepção historiográfica.
Escola Dos Annales - Com respeito à escola dos Annales os seus representantes principais são: Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, Vilar, Morazé e em Portugal Vitorino Magalhães Godinho.
As linhas de força que deram origem à escola dos Annales e mais tarde à História nova são as seguintes: oposição ao positivismo e ao historicismo, oposição ao conceito mais usual de História - História política e factológica - e porque depois da segunda guerra mundial as condições económicas, sociais e políticas do globo eram totalmente diferentes e haveria a necessidade de as justificar. Influências indirectas do estruturalismo e do ponto de vista gnoscológico da escola de Piaget com a sua epistemologia genética. Grande avanço verificado nas diversas ciências sociais influiram para que uma nova ciência histórica surgisse e finalmente uma necessidade duma unidade epistemológica das diferentes ciências que estudam o homem nas suas pluridimensionalidades. Para além disso temos também que considerar a geografia de Vidal de la Blanche.
Pelas críticas severas feitas ao positivismo e ao historicismo pelos seus exageros (ou de supervalorização do objecto no caso do positivismo ou de supervalorização do sujeito no caso do historicismo) havia a necessidade de renovar a História. Daí a escola dos Annales que surge em 1929 mas que encontra influências quer na perspectiva marxista da História quer na revista de sintese histórica fundada e dirigida por Henri Berr em 1900.
O estudo feito pela escola dos Annales é um estudo estrutural onde quer as estruturas económicas, sociais e mentais têm importância. Este estudo estrutural não é único pois a escola faz também um estudo conjuntural e de acontecimentos. A cada um destes estudos corresponde um tempo histórico específico. O tempo breve para o estudo factológico, o tempo médio para o estudo conjuntural (feito sobretudo em relação aos aspectos económicos (estudo dos ciclos e dos interciclos económicos) e o tempo de longa duração para o estudo estrutural. Qualquer um dos tempos e dos estudos é considerado com a mesma sensibilidade englobando-se para uma melhor compreensão do homem no espaço e no tempo, do homem histórico.
O estudo histórico tanto é feito numa análise sincrónica como diacrónica. É com a escola dos Annales que a História éfinalmente um estudo cientificamente conduzido.
Os métodos utilizados são profundamente diferentes, Surge a quantificação onde se faz apelo às matemáticas sociais à economia à estatística e à demografia. O documento escrito deixa de ser a fonte documental mais utilizada. O número adquire papel importante porque se consegue um estudo mais objectivo.
A análise quantificativa é utilizada no estudo da longa duração, no estudo das estruturas por intermédio de gráficos e estatísticas, mas devido à necessidade de grandes quantidades de material documental só pode ser utilizada no estudo da Idade Contemporânea e da Idade Moderna. Para que a História seja quantitativa é necessário a colaboração entre não só os diversos historiadores como a unidade entre os cientistas sociais com os historiadores. Daí que o fazer História seja sinónimo de colaboração.
Dialéctica passado-presente. O passado é estudado de uma perspectiva presente e o presente é compreendido pelo estudo do passado. A crítica filológica é utilizada onde a quantificação não é aplicável devido à falta de material documental. Acontece por exemplo no estudo da Antiguidade.
Do ponto de vista gonoscológico como a História é reconstituição há finalmente um equilíbrio uma interdependência, entre o sujeito cognoscente e o objecto cognoscível. Um, só é o que é em relação ao outro. Existe uma relação correlativa. Isto encontra-se de acordo com os dados da ciência.
A História nova faz apelo a uma unidade das ciências humanas que só será possível se existir uma interdependência entre as ciências porque sendo o objecto das ciências sociais uno, indivisível e complexo impõe-se um estudo global entre todas as ciências humanas. Desta maneira um conhecimento mais profundo do humano será possível na base da livre circulação de ideias e técnicas. Trabalhar-se-ia para o global do domínio humano. Lado a lado o historiador, o sociólogo, o geógrafo, o psicólogo, o arqueólogo, o antropólogo, teriam o mesmo objectivo. Com a História surgem novos conceitos aplicados à História ou aplica-se conceitos de sociologia e de economia à História. Tais são os exemplos de: estrutura, conjuntura, complexo histórico-geográfico, sistema, regime, modelo, diacronia, sincronia, ciclo, interciclo, tendência secular, flutuações sazonais, realidades sociais, etc.
A interdisciplinaridade só será possível se o tempo for comum (o tempo de longa duração) e se as diversas ciências sociais tiverem o mesmo idioma ou seja tiverem uma linguagem científica comum. Para além disso é necessário ter presente a dialéctica passado-presente. Os conceitos de tempo e espaço possuem actualmente fundamental importância. Essa linguagem comum será possível aos esforços da linguística e da filologia e das matemáticas sociais coma as estatísticas. Para além disso a interrelação espaço-realidade social é também necessária. Desta maneira teremos a unidade científica do social.
Os assuntos que poderiam levar à unidade das ciências sociais seriam entre outros a cultura, a religião e dentro desta o mito, o vestuário, as técnicas agrárias, etc. Um exemplo - a cultura é pela sua temática, campo da antropologia pela sua origem (exedentes económicos) campo da ciência económica, pelo seu desenvolvimento, campo da História, pelas estruturações jurídicas internas, campo da ciência jurídica, pelas formas de imposição, campo da psicologia e psicanálise pelo seu complexo social, campo da sociologia, e pela sua distribuição espacial, campo da geografia humana.
Chama-se História nova ao conjunto da escola braudeliana, àHistória marxista e à História americana. No sentido restricto História nova refere-se somente à escola braudeliana.
Considerações pessoais sobre o Positivismo, do Historicismo, críticas dos Annales às duas escolas e perspectiva própria de considerar a História.
Considerações ao Positivismo.
O Positivismo pode ser definido como a filosofia ao serviço das Ciências da Natureza tendo estes uma significação especial que é a bem dizer superficial. Para os positivistas estas consistem em duas coisas: primeiro determinar os factos e segundo estabelecer as leis. Os factos eram determinados pela percepção sensorial. As leis eram estabelecidas através da generalização feita a partir destes factos por indução. Sob esta influência do método das ciências da Natureza surgiu a História gráfica positivista.
A concepção atomística da História consiste no conceber os factos como sendo isolados ou atómicos. Isto levou os historiadores a adoptar duas regras de método no tratamento dos factos. Em primeiro lugar cada facto devia ser considerado como uma coisa susceptível de ser determinada por meio de um processo de investigação ou pelo conhecimento de um acto isolado. O campo total do cognoscível no aspecto histórico era dividido em múltiplos factos diminutos, sendo cada um deles considerado isoladamente. Em segundo lugar cada facto para além de ser considerado independente do conjunto (conjuntura entendendo-se) era também considerado independente do próprio sujeito. Neste caso o historiador não emitia juizos de valores sobre os factos mas deveria dizer apenas o que eram.
O método utilizado pelos positivistas foi como dissemos influenciado pelo método das ciências da Natureza. Dividia-se em duas fases: primeira a determinação dos factos e segunda estabelecimento das leis. Começando pela primeira fase os historiadores tentaram determinar todos os factos que pudessem. O resultado positivo impediu-os no entanto de se lançarem na segunda fase. O conhecimento pormenorizado foi aumentado pelo exame cuidadoso e crítico dos factos.
Aspectos positivos a salientar são os seguintes: Fez-se sem precedentes um exame cuidadoso, pormenorizado e crítico das provas e fez-se a compilação de enormes quantidades de material. No que respeita ao método atomístico. Podemos dizer como aspectos positivos que habituou os historiadores a prestarem cuidadosa atenção aos pormenores e os habituou a evitar que as suas reações emocionais colorissem o assunto em causa.
Aspectos negativos a salientar são os seguintes: A mera determinação dos factos por si mesmos era insatisfatória visto que os historiadores positivistas não se lançaram na descoberta das conexões causais desses mesmos factos. Os filósofos positivistas lamentavam e criticavam que a História enquanto se prendesse aos simples factos não fosse científica. As pessoas vulgares lamentavam que os factos trazidos à luz pela História não tivessem interesse.
Daqui o dizer-se que se cavou um abismo entre o historiador e o homem inteligente vulgar.
Os historiadores positivistas mais significativos são: Moumsen e Maitland em que o primeiro se tornou mestre máximo do pormenor. Outro positivista importante foi Augusto Comte que formou uma nova ciência - a sociologia - onde propôs que teria como âmbito o descobrir dos factos respeitantes à vida humana descobrindo seguidamente as conexões causais entre estes factos. O objectivo de Comte era fazer do sociólogo um super-historiador fazendo ascender a História à categoria de ciência ao pensar cientificamente sobre os mesmos factos acerca dos quais os historiadores pensavam apenas empiricamente. Deve-se mencionar o nome de Ranke que defendia que a História devia dar os acontecimentos do passado como na realidade se passaram.
1. A História é o conhecimento do passado humano.
2. Diremos conhecimento e não narração porque primeiro o trabalho histórico deve levar a uma obra escrita portanto seria escusado especificar esse aspecto numa definição e segundo porque a História existe já elaborada no pensamento do historiador mesmo antes de ele a ter escrito.
3. Diremos conhecimento e não pesquisa porque o que interessa realmente é o resultado alcançado pela pesquisa e não própriamente a pesquisa. O resultado final é o conhecimento que se entende como válido e verdadeiro opondo-se a História desta maneira à fantasia e à utopia.
4. Esta verdade do conhecimento histórico é um ideal. Éimpossível apreender os acontecimentos como na realidade se passaram. A História será no entanto o esforço mais rigoroso para se aproximar desse ideal.
5. A História não será própriamente um conhecimento científico mas um conhecimento cientificamente elaborado. Se se fala de ciência em História é sómente por oposição ao conhecimento do senso comum e pela existência dum método sistemático e rigoroso.
6. Diremos conhecimento do pensamento humano pois só o passado como tal é que interessa e ao contrário do filósofo da História aceitamos na sua complexidade tudo o que pertenceu ao passado do homem incluindo sobretudo as ideias, os valores e o espírito.
7. Passados humano no sentido de acções, pensamentos, sentimentos, mentalidades, criações materiais ou espirituais das suas sociedades e civilizações. O passado do homem como homem e não como ser biológico.
2. O Historicismo: As suas principais teses.
1. O novo espírito histórico surgido com a doutrina historicista e que se opõe ao positivismo é de que a História éinseparável do historiador.
2. Para que haja um conhecimento autêntico e verdadeiro do passado humano e dentro de limites as condições apontadas são a estrutura mental do historiador a sua formação pessoal e as fontes, os documentos de que dispõe.
3. Como no historicismo há a supervalorização do sujeito ou seja o papel do historiador é fundamental isto contribui para que haja diversas perspectivas dentro da doutrina. Assim enquanto uns pretendem demarcar os limites da objectividade histórica (Raymond Aron) outros pretendem conhecer as condições da verdade histórica cuja objectividade não é o critério supremo (Marrou).
4. Os positivistas queriam colocar a História a par das chamadas ciências exactas. O seu objectivo era procurar definir as condições que a História deveria satisfazer para ser considerada ciência positiva. A sua ambição era promover "uma ciência exacta das coisas do espírito".
5. Ao contrário dos historiadores os positivistas supervalorizaram o objecto e relegaram para segundo plano ou melhor renegaram o sujeito como desempenhando papel importante.
6. Para os positivistas a História aparece como o conjunto dos "factos que se extraem dos documentos. Ela existe latente mas já real nos documentos mesmo antes de intervir o trabalho do historiador. Portanto não se constrói a História encontra-se já feita. Isto levou à crítica dos historicistas chamando-lhe "conhecimento histórico pré-fabricado" ou ainda "a História feita com tesouras e um frasco de cola".
7. Para o historicista a fórmula adoptada é a seguinte:
H = h + P.
História = historiador - diálogo - Passado
A História é o resultado do esforço pelo qual o historiador estabelece uma dialéctica entre o passado que procura e o presente onde está inserido.
8. Apesar de tudo a História pretende-se científica e o abuso de referências à contribuição criadora do historiador pode transformá-la numa arte.
9. Como conclusão a seguinte frase sintetiza o fundamental "A História é o passado na medida em que nós o podemos conhecer".
Resumo das críticas de Lucien Febvre ao Positivismo
As críticas feitas por Lucien Febvre à História positivista são de variada índole. Sabemos perfeitamente que os positivistas ao aplicar o método das ciências da Natureza à História foram mestres no que respeita à primeira fase ou seja do determinar os factos. Mas se eles foram mestres quanto à primeira fase o mesmo não podemos dizer quanto à segunda fase ou seja na descoberta das suas conexões causais. Para que isto aconteça é indispensável logicamente a presença suprema do sujeito, é indispensável portanto a interrogação a problematização das questões. Como nós sabemos o positivista na ânsia de promover e definir as condições que a História deveria satisfazer para ser considerada ciência positiva (o mesmo é dizer anular todo o tipo de subjectividade imanente) supervalorizam o objecto e desprezam o sujeito. Logo a segunda condição era impossível de satisfazer e daí a crítica acérrima de Lucien Febvre considerando que por o problema é o começo e o fim de toda a História e que sem isso só há narrações e compilações. Lucien Febvre também crítica o facto do positivista se limitar a observar o fenómeno sem a seguir o interpretar. Quer os positivistas queiram ou não a objectividade total não é possível nem numa ciência dita da Natureza quanto mais numa ciência humana como é a História. A História é escolha, melhor dizendo é dupla escolha. Por parte do historiador que aceita este testemunho e renega aquele e por parte do acaso que destruiu aquele testemunho e conservou o outro. Lucien Febvre também crítica (e neste caso argumenta como um apóstolo do historicismo) o realismo ingénuo de Ranke que defende a ideia que é possível conhecer os factos como se passaram. Numa alusão ao pensamento kantiano diz-nos que só nos apercebemos da chamada realidade histórica como da realidade física através das estruturas e do modo de funcionamento do nosso espírito que são chamadas as "formas à priori". A palavra compreensão adquire um significado muito grande e importante na historiografia definida por Febvre. Para que a História seja científica o seu último objectivo não será a descoberta das leis mas sim a compreensão dos fenómenos. Para que esta compreensão exista (como aliás queriam os positivistas embora sem o conseguir e aparecendo devido a isso Augusto Comte com a ideia da formação da Sociologia com esta intenção) é necessário a formulação prévia duma teoria e sendo a teoria uma construção do espírito voltamo-nos a encontrar contra os positivistas. Inclusivamente a ideia dos positivistas em tornarem a História uma disciplina científica não tinha cabimento visto eles renegarem a formulação da teoria por ser uma construção do espírito. Ora na verdade e toda a ciência é unânime em confirmar, sem esta teoria prévia o trabalho científico não épossível. O positivismo é uma doutrina que nos nossos dias se encontra definitivamente ultrapassada.
Resumo das críticas de Lucien Febvre ao Historicismo
Apesar das críticas feitas por Lucien Febvre ao Historicismo serem mais suaves ele não deixa de as fazer. Sabendo como sabemos e ao contrário dos positivistas, os historiadores historicistas influenciados pelo desabrochar dum neo-idealismo de características kanteanas supervalorizaram o sujeito em relação ao objecto. Como consequências directas a personagem histórica desempenha um papel primordial desenvolvendo-se as biografias e a História torna-se inseparável do historiador como diz H. Marrou. O historiador segundo os historicistas desempenha um papel decisivo na elaboração do conhecimento histórico sendo inclusivamente impensável a não intervenção activa do historiador, do seu pensamento, da sua personalidade na elaboração desse mesmo conhecimento histórico. Daí o facto de na perspectiva historicista não existir uma História mas sim e simplesmente histórias estando cada uma impregnada de subjectividade (como aliás não podia deixar de ser tendo este argumento ainda nos nossos dias validade positiva). Ora toda esta situação ideológica levou naturalmente a exageros e são precisamente esses exageros que Lucien Febvre crítica neste texto. O historicista transformou-se em procurador ora elogiando a conduta dum determinado personagem ora criticando-a.
Concluindo Lucien Febvre critica o Positivismo porque na sua tentativa de objectivação duma realidade passada se limita a observar e critica o Historicismo porque levou a exageros o papel do historiador transformando a História em romance em julgamento. Na concepção de Lucien Febvre a História nem é nem observação nem julgamento mas compreensão. O importante é compreender e fazer compreender.
Lucien Febvre: A História é um estudo cientificamente conduzido
Para Lucien Febvre a História é um estudo cientificamente conduzido porque para a concepção historiográfica que Lucien Febvre defende que ficou conhecida por escola dos Annales esta expressão implica duas operações que se encontram na base de qualquer trabalho científico que são pôr problemas e formular hipóteses. Ora se actualmente isto nos parece cientificamente natural o facto é que durante o apogeu do positivismo era algo contestado pelos motivos declaradamente apontados. Dito isto poder-nos-emos perguntar porque é que Lucien Febvre ao referir-se à História falou em estudo cientificamente conduzido e não simplesmente em ciência. A resposta penso que é a seguinte: apesar de estar bem provado que as próprias ciências da Natureza não possuirem uma total objectividade visto que o sujeito não pode ser afastado sendo até mais corrente falar-se em vez de objectividade de intersubjectividade podemos no entanto concluir que a objectividade das ciências da Natureza é maior que a objectividade das ciências do homem e especificamente da História e isto mesmo apesar da quantificação pelo simples facto que o físico pode no laboratório reproduzir um determinado fenómeno as vezes que for preciso para poder estudar as causas e consequências. Ora sabemos perfeitamente que isso em História não é possível. O estudo do passado humano é feito indirectamente e de outra maneira não pode ser realizado.
Nota pessoal: A problemática gnosiológica
Penso que o problema fundamental que está subjacente ao positivismo ao historicismo e à escola dos Annales é um problema de ordem gnoscológica. Como sabemos o positivismo supervaloriza o objecto. O historicismo toma a posição contrária ou seja supervaloriza o sujeito. Em termos filosóficos diremos que o positivismo se identifica com o empirismo enquanto que o historicismo se identifica com um racionalismo. Pela evolução da epistemologia poderemos dizer seguramente que em todo o conhecimento um "cognoscente" e um "conhecido", um sujeito e um objecto encontram-se face a face. A relação que existe entre os dois é o próprio conhecimento. A oposição dos dois termos não pode ser suprimida. Esta oposição significa que os dois termos são originariamente separados um do outro, trancendentes um do outro. Os dois termos da relação não podem ser separados dela sem deixar de ser sujeito e objecto. O sujeito só é sujeito em relação a um objecto e o objecto só é objecto em relação a um sujeito. Estão ligados um ao outro por uma estreita relação; condicionam-se reciprocamente. A sua relação é uma correlação. Édesta correlação, da interpenetração entre o sujeito e o objecto que se dá o conhecimento. Portanto nem a opção historicista o émais. A opção que se aproxima mais destes dados epistemológicos e que são válidos nesta altura para a comunidade científica é a opção da escola dos Annales em que nem se cai no exagero dos positivistas nem no exagero dos historicistas. Apesar de tudo os documentos nem sempre abundam e a elaboração contínua do conhecimento histórico deve ser feita. O processo do conhecimento histórico deve ter e sempre um carácter activo dinâmico, dialéctico.
Fernand Braudel: A problemática da objectividade e da compreensão em História.
Fernand Braudel encara esta problemática considerando que a crítica dos documentos e materiais históricos são importantes porque, como ele próprio diz, o espírito histórico é basicamente crítico. Mas Braudel considera que isto é insuficiente. Ele faz apelo à intervenção do sujeito, portanto do historiador dizendo que o espírito histórico é também reconstrução. Mas chegados a esta altura a situação complica-se. E porquê ? Porque Braudel toma consciência que não há História unilateral ou seja a explicação do passado humano através dum facto considerado dominante. A objectividade e sobretudo a compreensão em História surgem com Braudel na ultrapassagem deste tipo de História. Considera primordial o estudo daquilo que ele chama as realidades sociais. Mas o que são realidades sociais? Fernand Braudel dá-lhe um significado bastante lacto considerando realidade social todas as formas amplas da vida colectiva.
Neste sentido incluíriamos as economias as instituições e sobretudo as civilizações. Como nota é importante realçar a identidade de estudo deste tipo de História com a sociologia contemporânea. Como vemos o estudo das chamadas manifestações brilhantes seriam relegadas para segundo plano digamos que seriam sinais e símbolos* O tempo social também teria que ser naturalmente diferente para o estudo deste tipo de História apontado por Braudel. Seria aquilo que ele chama tempo de longa duração que opor-se-ia ao tempo breve próprio do estudo da "histoire événementielle".
A perspectiva de Braudel e a de Lucien Febvre.
Sem dúvida que a perspectiva de Braudel se nos apresenta diferente de Lucien Febvre. Antagónica? Naturalmente que não. E porquê? Bem, não esquecer que Braudel é disciplo de Febvre e que ambos pertencem à mesma escola. Então em que medida é que dizemos que ambos têm uma perspectiva diferente? O que se pode dizer sobre isso é que Braudel fundamentando-se no pensamento de Febvre foi mais longe ou seja a sua perspectiva histórica é mais ampla. E porquê? Bom, para isso é melhor fazermos uma pequena análise sobre as duas perspectivas. Então, está bem. Um aspecto curioso em Fernand Braudel é que pelo menos quando fala do seu conceito de historiografia não se refere à expressão "facto histórico" e como sabemos foi uma expressão muito utilizada pelos historiadores anteriores. Em vez deste termo ele utiliza outro com o significado muito mais amplo mas também muito mais complexo. Ele fala de realidade social referindo-se com isso a economias a instituições e sobretudo a civilizações. Quanto a Lucien Febvre ele ainda se refere a facto histórico. E como é que isso acontece? Não esquecer que Febvre juntamente com Marc Bloch são os fundadores da Escola dos Annales e a sua principal preocupação era antes de tudo fazer com que esta nova concepção historiográfica fosse aceite pela comunidade histórica e científica. Daí o facto de Febvre se preocupar em criticar os exageros do positivismo por um lado e por outro criticar os exageros do historicismo. Do positivismo pela super valorização do objecto e renegação do sujeito como elemento activo na reconstrução do passado humano. Do historicismo pela sua subjectividade e pelo facto do historiador se ter transformado em juiz e em seu bel-prazer elogiar ou criticar a conduta individual das diversas personagens. Sem dúvida que Febvre lançou os fundamentos desta nova historiografia. Não pomos isso em dúvida. O que simplesmente dizemos é que Braudel e os colaboradores da revista "Annales" já aceite mundialmente conseguiram "suplantar o pensamento febvriano assim como o de Marc Bloch é aprofundar os conceitos já existentes e determinar outros como é o caso deste já focado de realidade social.
O problema da interdisciplinaridade: A epistemologia da convergência.
Gusdorf defende a ideia que a unidade das ciências humanas épossível porque o próprio homem constitui uma realidade indivisível. Se o domínio humano foi dividido em campos estanques (e no entanto totalmente, isso não foi conseguido) foi simplesmente para maior comodidade metodológica ter sempre presente que o campo humano constitui um aspecto parcelar do real muito mais complexo que o campo físico (por alguma razão os primeiros filósofos dedicaram-se primeiramente a aspectos cosmológicos por isso lhes chamaram "físicos" e só mais tarde num período avançado da reflexão filosófica se dedicaram a problemas de teor antropológico).
Mas para que a unidade das ciências humanas se verifique énecessário a interdisciplinaridade entre as várias ciências sociais. Para que isto aconteça seria inevitável a conversão da actual atitude epistemológica. Dentro do campo das ciências humanas à medida que uma base epistemológica no conhecimento inteligível se aprofunda cada vez mais, o próprio domínio humano se torna mais complexo e portanto podemos concluir que um avanço significativo no conhecimento desse mesmo domínio humano só será possível se as ciências sociais derem as mãos e aceitarem trabalhar em conjunto sem preconceitos e na base da livre circulação de ideias e técnicas. Trabalhar-se-ia para o global do domínio humano. Lado a lado o historiador, o economista, o sociólogo, o geólogo, o psicólogo, o arqueólogo o antropólogo teriam o mesmo objectivo.
Tempo do historiador, tempo do sociólogo.
Coitado do positivismo. Com a supervalorização do objecto e o desprezo total pelo sujeito criou as bases epistemológicas mais do que necessárias para a sua própria destruição. Como se o conhecimento científico fosse possível sem a intervenção do sujeito.
A explicação histórica podemos seguramente afirmá-lo encontra-se no tempo, personagem complexa e multifacetada, personagem concreta e ao mesmo tempo abstrata. Sem tempo não há história, o próprio tempo é vida, e esta personagem ésimultaneamente fruto da reflexão do historiador, o tempo é uma ideia aplicada ao estudo e à compreensão da realidade social. Daí que, tenha surgido a necessidade com a nova concepção historiográfica proposta pela escola dos Annales, dum novo tempo que correspondesse à explicação de novas realidades sociais que se apresentaram indispensáveis para a explicação histórica, melhor dizendo para uma nova e diferente explicação histórica. O tempo é uma unidade pluridimensional num mesmo espaço que éúnico. Uma História do sensível está implícita numa História do inteligível. Ambas coexistem. O espaço engloba toda a realidade social circundante. Os sociólogos encaram esta questão de maneira diferente ou melhor dizendo, oposta. Para eles o tempo é só uma particularidade da realidade social, que excluindo permite-lhes estudar o mecanismo social como uma imagem estática. Daí que o tempo do sociólogo não é o tempo do historiador e portanto a tão ambicionada interdisciplinaridade entre as ciências sociais não ser possível só prejudicando o próprio avanço das ciências humanas porque à medida que uma base epistemológica no conhecimento inteligível se aprofunda cada vez mais, o próprio domínio humano se torna mais complexo e portanto, podemos concluir que um avanço significativo no conhecimento desse mesmo domínio humano só será possível devido à interdisciplinaridade. O estudo dos ciclos e dos interciclos económicos, o estudo de conjunturas e de estruturas só é possível de registar em relação a um tempo uniforme como é lógico, ao tempo uniforme dos historiadores e não ao tempo social multiforme dos sociólogos como é o caso das temporalidades de Georges Gurvitch.
Resumindo, diremos que para o historiador as realidades sociais inscrevem-se no tempo (que Braudel chamou de longa duração) e que é único, enquanto que para o sociólogo é o tempo que consoante os grupos, as sociabilidades e as sociedades se multiplica consoante essas mesmas realidades sociais. Cada realidade social segrega o seu tempo.
Estamos portanto cientes que enquanto o tempo do sociólogo for diferente do tempo do historiador a interdisciplinaridade entre as ciências sociais não é possível e esse tempo comum só poderá ser o tempo de longa duração. A longa duração é apesar de tudo uma das possibilidades da linguagem comum que as ciências sociais devem naturalmente possuir para se poder falar da unidade das ciências humanas. As outras são as matemáticas sociais que se apresentam com as estatísticas e naturalmente a inclusão da realidade social num espaço que é ocupado o que nos levaria a pensar na interrelação entre espaço e realidade social.
A unidade científica do social é possível melhor dizendo éindispensável mas as barreiras a ultrapassar são muitas e difíceis. No entanto se esse objectivo for conseguido a nossa percepção do social modificar-se-ia até atingir uma acuidade hoje inimaginável.
Conclusão
Apesar do trabalho ter chegado ao fim naturalmente que a investigação histórica há-de continuar. A História contemporânea trilha caminhos nunca antes experimentados o que abre perspectivas de reflexão importantes para a epistemologia. Todo o trabalho teve em consideração o curso de epistemologia geral e aquilo que nós consideramos as suas grandes teses. Vários problemas importantes de base tem este trabalho. Problemas subjacentes e adjacentes. Problemas directamente ligados e problemas indirectamente ligados ao trabalho. Alguns dos problemas que o trabalho aborda podem ser sintetizados da seguinte maneira: O problema do conhecimento e a relação sujeito-objecto onde temos de ter em conta a questão da objectividade. A inexistência de referenciais absolutos (isto no século XX) que equacionem a problemática estrutural relação História-realidade. História ideológica e História ciência. O problema da objectividade que nos remete necessáriamente para a linguagem e para a ideologia assim como o problema da verdade. Dentro da problemática do conhecimento a questão da relação da realidade com a minha representação ou seja o problema da adequação. Adequação também entre séries mentais com séries materiais. A ideia de que uma explicação é uma interpretação está também presente no trabalho (bastaria ver as posições das escolas historiográficas).
Uma ideia que também nos dominou é a que a ciência faz-se por construção. Também é por isso que quando falamos em Epistemologia é por nós encarada como uma reflexão-intervenção acerca das condições em que surge um discurso científico neste caso em que surge o discurso histórico. Porque a História tem também um discurso. A História faz-se com palavras e com pensamentos. A problemática ideológica reveste por inteiro o discurso da História. E por dar como terminado o trabalho de epistemologia da História queria transcrever um pequeno texto de Lucien Febvre da obra "Combates pela História", vol. I. historiador a quem a história contemporânea muito deve.
"De facto, a História é escolha. Arbitrária? Não. Preconcebida? Sim. Hipóteses, programas de pesquisa, mesmo teorias (...) Ora, sem teoria prévia, sem uma teoria preconcebida, não há trabalho científico possível. (...) Qualquer teoria é naturalmente fundada sobre esse postulado de que a natureza é explicável. E o homem, objecto da História faz parte da natureza. É para a História (...) uma coisa a explicar. A fazer compreender. Portanto, a pensar. Um historiador que recusa pensar o facto humano, um historiador que professa a submissão pura e simples a esses factos, como se os factos em nada fossem fabricados por ele, como se não tivessem sido minimamente escolhidos por ele, previamente, em todos os sentidos da palavra escolhidos, é um auxiliar técnico. Que pode ser excelente. Não é um historiador".
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