Friday, February 09, 2007

O ANARQUISMO DA ASSOCIAÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA


O mundo estudantil e o movimento libertário, em geral, ficaram surpresos e simultaneamente expectantes, quando tiveram conhecimento de que a lista O, que se declarava anarquista, tinha ganho as eleições para a direcção do Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa. O acontecimento assumia um tal significado político e ideológico que A Batalha, não podendo ficar indiferente a tal acto, decidiu contactar e investigar directamente alguns dos elementos da direcção da referida associação. Dessa iniciativa nasceu este artigo.

1 - Processo em que a Lista O chegou à direcção da Associação

A lista O obteve unicamente 57 votos quando pela primeira vez dá a cara ao eleitorado. Logo a seguir, ao concorrer às eleições de Dezembro de 1987 conseguiu alcançar alguns lugares devido a irregularidades cometidas. Com a repetição do acto eleitoral, a lista O passou a ter acesso ao Conselho Pedagógico e à Assembleia de Representantes.
Finalmente, em maio de 1988, alista O ganhou as eleições para a direcção da Associação, tendo obtido 1037 votos, ou seja, 75% dos votos expressos e, portanto, 25% da totalidade dos 4500 estudantes da faculdade.
No entender dos elementos da direcção da Associação, o que os caracterizava e lhes deu possibilidades de ascenderem à vitória nas eleições resultou da expressividade do seu posicionamento apolítico. Esse facto diferenciava-os das outras listas concorrentes que estavam demasiado ligadas aos partidos e que sofriam as vissicitudes do seu imobilismo militante. A sua coragem e transgressão contra esse estado de espírito identificou-se com as necessidades mais prementes dos estudantes. Como emergência dessa confluência de interesses persiste a prova de haver uma só greve desde 25 de Abril de 1974 e que foi justamente liderada pela lista O em 1989.

2 - Estrutura organizativa da Associação

A associação de estudantes é constituída por um presidente e por quatro vice-presidentes. Cada vice-presidente toma a presidência de um dos seguintes sectores: a) serviços; b) gestão financeira; c) área pedagógica; d) área associativa.
A área associativa é constituída por um departamento cultural e recreativo, um departamento desportivo, um departamento informativo, um departamento de informática jurídica e finalmente um departamento de apoio aos estudantes estrangeiros.
Todas as áreas analisadas funcionam, no entanto, em termos práticos com base numa dinâmica bastante espontânea e um pouco a tender para a "autogestão".
Relativamente à Assembleia de Representantes, a lista O tem 13 elementos entre os 30 que a constituem. É importante salientar que esta associação não tem a simpatia dos professores nem dos funcionários. Dos segundos porque só se preocupam com o seu ganha-pão quotidiano, enquanto que em relação aos professores é preciso compreender a sua mentalidade conservadora e a sua função de produção de poder instituído através da referida faculdade. A sua postura inquisitorial e conservadora, nos domínios científicos e pedagógicos, é bem expressa na pessoa do famigerado salazarista Martinez e da grande parte dos catedráticos daquela casa. Com a excepção de alguns professores, como é o caso de Marcelo Rebelo de Sousa (que declarou simpatia pela lista O) e Freitas do Amaral, no geral, a prática da docência e da avaliação prima pela arbitrariedade. Por mais estranho que pareça os dois últimos professores citados passam pôs ser de "esquerda" perante a ideologia fascista e conservadora da maior parte dos outros.
É convicção dos elementos da lista O que o ambiente criado pelos referidos professores (sobretudo os catedráticos) foi propício à criação de um processo de revolta que deu origem à votação maciça na lista O e inclusive contribui para a sua configuração ideológica contestatária.

3 - O anarquismo dos elementos da direcção da Associação

Em relação à questão de saber até que ponto ou que nível os elementos da lista O são libertários, os que foram entrevistados confessaram que em termos ideológicos e programáticos não eram anarquistas. O que os caracterizava advinha da sua rebeldia e da sua estratégia apartidária. Se eles se intitularam, ou alguém os denominou de anarquistas nos meios de comunicação social, tudo isso resulta de um equívoco. Demonstrando-se peremptórios nas suas afirmações, disseram-nos que os seu "anarquismo" só tinha significado e poderia ser compreendido "no sentido de sermos da balda, de sermos libertinos".
Na emergência da conflitualidade assumida pela lista O na defesa dos interesses dos estudantes, a sua estruturação política-ideológica configurou-se na diversificação e na divergência. Nesse sentido, houve um elemento que demonstrou simpatia pelo "socialismo de Bismark", ou ainda um outro disse, com ar de gozo, que gostaria de ser "Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros". No fundo, o que potenciava a sua homogeneidade política-ideológica provinha da sua rebeldia e revolta contra as injustiças e o conservadorismo da Faculdade de Direito de Lisboa.
O epíteto de anarquistas resultou mais como uma maneira de se demarcarem da pseudo-independência que grassa actualmente no movimento estudantil. Para eles o objectivo da lista O é de ajudar os alunos na resolução dos seus problemas: "se aparecer alguém com boas ideias que vá para a frente que nós o apoiamos". A sua acção é também substantivada por uma prática contestatária do poder dos professores: "nós não somos anarcas, mas eles (professores, subentenda-se) são uns mafiosos".
No grosso modo, a associação considera-se de esquerda, mas de esquerda não partidarizada. Não existe uma ética, uma filosofia explícita de actuação ou de pensamento. A irreverência e a revolta destes estudantes não tem, do nosso ponto de vista, articulações sistemáticas com a sociedade de que fazem parte.
Consideram-se anti-dogmáticos, heterodoxos, e cultivam aquilo que eles chamam o espírito O: "ser da lista O é uma maneira de manifestar livremente as suas opiniões e dizer as coisas pelo seu nome. A apartidarização, no seu entender, não é sinónimo de neutralidade, razão pela qual a direcção da Associação se preocupa tanto com os problemas específicos dos alunos e tenha conseguido mobilizá-los para as lutas. Um aspecto que ficou bem vincado reside na descrença que têm em relação aos partidos políticos. Assim, embora não tenham tomado uma posição clara sobre qual seria o modelo de sociedade em que gostariam de viver, demonstraram-se adeptos de uma sociedade cada vez mais libertária e democrática.

4 - Últimas considerações

Quando a entrevista estava a acabar, a lista O manifestou certos pontos de vista sobre a validade da prática da democracia directa. Segundo eles é impossível sociedades complexas organizarem-se numa base de democracia directa. Em relação a publicações libertárias conhecem A Acção Directa e Antítese (embora há pouco tempo). Por outro lado, com excepção do Gil, demonstraram grande conhecimento do jornal A Batalha, tendo, no entanto, lamentado a perca do grande militante Emídio Santana.
O diálogo com a direcção da Associação da Faculdade de Direito de Lisboa foi, para nós, uma experiência enriquecedora em múltiplos aspectos. Em primeiro lugar, permitiu-nos compreender um fenómeno social que está imbuído de simpatias pelo ideário libertário, pese embora a sua não referência substantiva a esse modelo ideológico. Em segundo lugar, deu-nos a possibilidade de perceber como os "mass media" recolhem e tratam a informação mais relevante do pulsar quotidiano da sociedade.