Wednesday, February 21, 2007

PODER E OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA. UM REFLECTIR?


Falar de Objecção de Consciência é falar duma maneira diferente, das relações entre Poder com os cidadãos.
Falar de Objecção de Consciência é defender uma reorganização da sociedade em moldes não militaristas.
A presença constante destas duas teses parecem-me fundamentais, para começar a discutir as questões relacionadas com a objecção de consciência.
A necessidade premente de falar destas questões impõe-se nem que fosse só pelo facto de há algum tempo a esta parte os cidadãos que se declararam objectores de consciência estarem a ser julgados pelos Tribunais que para o efeito foram criados.
Por aquilo que se acabou de dizer é importante lançar algumas pistas de reflexão acerca da legislação que em Portugal se refere à Objecção de Consciência. Trata-se la Lei nº 6/85 de 4 de Maio.
É nossa convicção que por detrás de qualquer movimento de Objecção de Consciência existem claramente conteúdos antimilitaristas e nesses sentido a lei é claramente limitativa e de contornos inultrapassáveis. É verdade que em nenhum estado do mundo se reconhece o direito à Objecção a toda a gente, em qualquer momento e sem obstáculos pois tal equivaleria ao recrutamento voluntário, mas a verdade é que em linhas gerais a lei portuguesa e as outras leis de objecção cumprem objectivos fundamentais em que destacamos os seguintes: Despolitizar a Objecção, mediante a restrição de motivos de atribuição do estatuto de Objecção. Aceitam-se sobretudo motivações religiosas, éticas, filosóficas visando desta maneira esvaziar esta atitude de todo o conteúdo combativo, político e mais ainda antimilitarista. Um outro objectivo a ter presente é a divisão e o pessoalizar a objecção através justamente da criação dum tribunal que tem autoridade para aceitar uns objectores e rejeitar outros em função das respectivas motivações ou até mesmo em função das necessidades militares, ou seja, a experiência destes Tribunais mostra que quando o número de objectores cresce desmedidamente os tribunais endurecem para impedir que os jovens se declarem objectores. Finalmente impor um serviço, o chamado serviço cívico faz com que os objectores não se vêm livres de conscrição, continuando obrigados a reunir o Estado mas de outra maneira. Por isto, é impossível, que a Objecção de Consciência só por si, acabe com o recrutamento forçado. O que ela permite é que o jovem possa escolher entre duas modalidades de serviço: o militar ou o civil.
As lutas contra o Serviço Militar, ainda que não tenham acabado com ele, contribuíram para agudizar as contradições do sistema e produzirem sérias crises sobre as contradições do sistema sobretudo em épocas de conflito declarado. O exemplo paradigmático no nosso caso foram as deserções em massa no exército português durante as guerras coloniais que constituíram mais um elemento a deteriorar um sistema de poder insustentável e que viria a culminar com a revolução de 74.
O direito à Objecção de Consciência é estabelecido logo no primeiro artigo da dita Lei:
"1- o exercício do direito à Objecção de Consciência perante o serviço militar obrigatório e suas consequências são regulados pelo presente diploma e pela legislação complementar nela prevista.
2- O direito à Objecção de Consciência comporta a isenção do Serviço Militar, quer em tempo de paz quer em tempo de guerra, e implica para os respectivos titulares o dever de prestar num serviço cívico adequado à sua situação."
A recusa de prestar serviço militar obrigatório é apenas um dos aspectos de um movimento mais amplo antimilitaristas. Movimento que tem conhecido várias expressões, como por exemplo, a própria objecção ao pagamento de taxas militares com entrega das colectas a movimentos para a paz. Poderá, aliás, dizer-se que o movimento da Objecção de Consciência se acha em expansão crescente e a tal ponto que ultrapassa as fronteiras do mero antimilitarismo, já que o conceito de violência se alargou no ponto de assimilar todas as agressões da sociedade moderna. O que acontece é que o objector de consciência mais cedo ou mais tarde acaba por insurgir-se contra esta sociedade na sua globalidade. Para além disso o direito à Objecção de Consciência constituir, entre nós, um direito constitucional individual ou pessoal (nº 6 do Artº 41 da Constituição). Direito que não é mais do que um corolário do direito fundamental à liberdade de consciência. De qualquer das maneiras o que nos parece claro é que a objecção ao serviço militar obrigatório tende a por de pé uma outra ordem social e propõe outras soluções esperando suscitar outras formas de solidariedade. A reivindicação de um estatuto por parte dos objectores de consciência constitui de qualquer modo uma pretensão para que seja concretizada uma outra forma de civismo. O reverso da medalha a que assistimos hoje em alguns países é que o progressivo respeito pelo foro intimo das pessoas foi dando relevância a novos valores, tornando-se importantes as tomadas de posição anti-violência o que originou a profissionalização das forças armadas, integradas voluntariamente por cidadãos que disso fazem carreira. Profissionalização de voluntários que constitui o reverso táctico da aceitação pelo Estado da Objecção de Consciência na justa medida em que ganha a segurança de serviços militares mais dóceis e imunes a sensibilizações sociais resultantes da infiltração no seu seio de elementos populares e de consciências críticas.
Mas voltemos ao texto la lei, onde no seu artigo 2 define o que é a Objecção de Consciência. "Consideram-se Objectores de Consciência os cidadãos convictos de que, por motivos de ordem religiosas, moral ou filosófica, lhes não é legítimo usar meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, ainda que para fins de defesa nacional colectiva ou pessoal."
Imensas considerações poderiam ser tecidas à volta deste enunciado. Vamos no entanto, considerar apenas aquelas que consideramos mais permitentes. Assim temos que perante este artigo 2 do estatuto o Objector terá de alegar e provar um convicção sincera, pessoalmentei motivada e coerentemente demonstrada por comportamentos anteriores.
Estas exigências legais e, muito particularmente a última, parecem-me manifestamente inconstitucionais já que, nos termos do nº3 do Artº 41 da Constituição "ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosas, salvo para recolha de dados não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder."
Uma das condições de fundo exigidas pela lei é a existência de convicções. A esta limitação parece acrescentar-se a restrição de que tais convicções tenham carácter religioso, moral ou filosófico. Tal interpretação restritiva deve ser rejeitada para evitar a exclusão a outras referências que não as religiosas, morais e filosóficas, muito particularmente as humanistas e as políticas. Com dificuldade, porém, já que tal direito terá de demonstrar que o humanismo, o pacifismo, a ecologia ou mesmo a política, não são ainda e sempre, produto de dados concepções morais e filosóficas.
Finalmente um outra questão que não pode deixar de ser referida é o facto da lei, na sua ânsia de restringir, vir exigir a convicção de não ser "legitimo usar meios violentos... contra o seu semelhante ainda que para fins de defesa nacional, colectiva ou pessoal.." Fórmula correcta, do nosso ponto de vista, mas que pode ser mal entendida. Dessa maneira levaria ao absurdo de negar o estatuto de Objecto a quem afirme a compatibilidade do uso de meios violentos em legitima defesa, própria ou alheia. Tal absurdo, poderia levar a negar esse estatuto a quem tivesse aceite usar da força para fins de defesa democrática colectiva ou a quem aceitasse usar da força para defesa da sua vida ou de terceiro. Contra este absurdo basta invocar devidamente interpretada, a própria lei.
Na realidade ela impõe que se destinga o conceito de "meios de violência contra o seu semelhante" do de "meios de violência a favor do seu semelhante". Ora isto leva a precisar o próprio conceito de violência.
É preciso distinguir a legitima defesa da acção directa já que naquela o agente defende-se contra um ataque de força, enquanto nesta o agente afirma-se pela força.
Daí que não nos pareça incompatível com a Objecção de Consciência a convicção da utilização da violência, quer em defesa dos semelhantes quer em defesa própria contra a violência da força atacante. O que está no fundo desta questão é que não poderá entender-se, metafisicamente falando, a violência sempre como um mal.
Os meios de força quando utilizados em defesa própria ou alheia, individual ou colectiva nem sequer se podem entender como meios de violência já que esta pressupõe sempre uma agressão contra o homem e a humanidade e não a favor do homem e da humanidade não violenta a consciência ética. O estatuto de objector deverá ser apenas negado àqueles que aceitam a violência criminosa já que só esta faz, nos termos da lei, cessar a situação do Objector de Consciência.
E assim como a violência da legítima defesa não é criminosa, igualmente o não é da insurreição dos povos, legitimadas pela própria constituição.
A recusa do serviço militar obrigatório tem a ver fundamentalmente com a institucionalização permanente de um exército profissional a que a História imputa ser factor de inúmeros crimes contra humanidade ainda que para fins de defesa nacional.