PREFÁCIO À ESTRUTURA DO TÍTULO
Enquanto se misturam num caos verdadeiramente romântico as sobrevivências, sonhadoras ou cínicas, e as antecipações loucas, os sentimentos generosos e os interesses sórdidos, as pretensões científicas e o dogmatismo furioso, o nacionalismo e o pacifismo, o autoritarismo e o democraticismo, Proudhon está praticamente só quando se esforça para trazer ao “mal do século” as soluções construtivas. Ele não é um sortudo- será preciso dizê-lo?- algum dia; através das sucessivas aproximações, dos repetidos ajustamentos, dos excessos e dos atrasos, das tentativas seguidas de bruscas cintilações, este espírito genial e obstinado chegará somente contra o fim da sua vida a um conjunto de proposições coerentes que constituem uma resposta ao problema político-social em geral e ao da Europa em particular; pois, com razão, Proudhon não os separa um do outro.
O valor essencial desta “desobediência civil”, é que ela apoderou-se de sujeitos da sociedade “tranversais”, quer dizer federadores de preocupações fundamentais e múltiplas. Deste modo, a defesa dos sem-papéis abre por sua vez perspectivas sobre a luta contra a xenofobia e o racismo, sobre a precaridade, sobre o direito à habitação, sobre as trocas norte - sul, etc. Do mesmo modo, o combate pela defesa do direito ao aborto está directamente ligado ao problema mais geral da condição feminina, sobre o trabalho das mulheres, sobre o anti claricalismo e a laicidade autêntica, etc.
Paradoxalmente, agora que o político e o sindical estão em crise, assistimos a uma emergência dum movimento de essência política, ainda difuso, que põe em causa os mecanismos e as práticas duma sociedade que poderíamos crer gelada.
Com partidos políticos desacreditados e políticos que frequentem mais assiduamente os tribunais que o Parlamento, é dizer pouco que assistimos a uma formidável desafeição da política institucional. O sindicalismo institucional não está melhor bafejado. Ao escolher a institucionalização exageradamente, ao escolher ligar-se ao sistema dominante, condena-se ao ver-se englobar, justamente na mesma crítica.
Há portanto qualquer coisa de novo num movimento social que fraco ainda e parcelar, se inscreve em ruptura com o modelo sócio - económico dominante.
Primeira intuição do federalismo… Mas, tudo imediatamente, primeiras reticências de um espírito nunca descansado e social de não deixar tomar o passo ao sentimento sobre a razão. Porque, a lufada de emoção apagada. Proudhon empreende a análise do princípio nacionalitário e ele discerne depressa os equívocos. Sob a mentirosa aparência dos significados, escondem--se com efeito duas realidades fortes diferentes e praticamente contraditórias. De uma parte a reivindicação pelas comunidades oprimidas do direito de se governar livremente e de estabelecer relações com quem elas entendem; mas, por outro, a afirmação que existe nas afinidades “naturais” entre tantos e tantos grupos separados pela história e, consequentemente, a reivindicação por estes grupos de um Estado unitário que assemelhava-se contra todos os outros.
O federalismo é sempre a aposta duma unidade na manutenção da maior diversidade possível. É portanto neste sentido, a recusa dum “super-Estado” europeu. É evidente que, em Proudhon, encontramos um grande cuidado em respeitar a diversidade individual: as diferenças resultam da liberdade individual. Mas o seu racionalismo tende simultaneamente a minimizar ou a considerar como arcaicos os conflitos políticos saídos das diferentes culturas (“as guerras de religião”). O seu racionalismo toma precisamente apoio sobre a evidência racional da interdependência económica. Para ele, as antigas divisões políticas entre os homens não são mais que diversidades. Como e porquê a mutualidade chega a operar uma tal transformação? Integra antes de tudo o cálculo utilitário segundo a qual a mudança vale mais que o conflito. Há mais uma unidade espontânea de toda a sociedade que nasce da sua submissão à verdade.
O homem é o único ser que escapa a esta necessidade da natureza: ele não é determinado, mesmo por sua própria natureza. Assim ele não é dirigido por um instinto, como a abelha ou o castor. O oco e a distância internas que o caracterizam neste sentido, não constituem portanto nem uma fuga fora da ordem natural, nem uma independência relativamente à natureza. isso não é a contemplação da natureza, mas, 1/ a acção sobre ela; 2/ a troca “langagier” com outros a este propósito, que permitem decifrar a necessidade natural: noutros termos, em descobrir a razão natural. Mas nem tudo revela as ciências da natureza. existe este domínio intermediário, onde os homens transformam os materiais com vistas em assegurar ou melhorar a sua própria existência: o domínio do trabalho. A ciência de referência - a economia política - comporta uma dimensão que contém a razão natural, pois não se pode fazer nem importa o quê com um material a transformar, nem o fazer importa como (é necessário aceitar, por exemplo, uma certa divisão do trabalho). Ela não vai constantemente sem uma outra dimensão, ela própria humana, que é o direito, ou a justiça. A economia política bem compreendida atingindo um regime da justiça é o lugar de reencontro da razão natural (que coloca um limite à damiurgidade humana) e da razão humana: ela é um exemplo privilegiado da razão prática.
O mutualismo permite salvaguardar a riqueza da vida, a diversidade, o pluralismo, fonte de progresso infinito, sem conduzir relação hierárquica de subordinação. E, se esta fórmula de equilíbrio mutualista não pode ter por este momento que valor ideal, nada se opõe a que a humanidade, fiando-se na razão, trabalhe para a por em prática. De utópico, o discurso de Proudhon tornou-se político.
Compreenderemos, pois, os “equilíbrios”, os “balanços”, não como as estruturas que se manteriam imóveis desde logo que elas fossem estabelecidas, mas como relações dinâmicas, asseguradas pelas iniciativas e as acções dos cidadãos; relações que não destroem os antagonismos mas perseguem-nos num sistema não fechado, não congelado, num não - sistema aberto às iniciativas e às discussões. A sociedade justa não marca o fim das acções, nem marca o fim da história: a revolução não é o fim dos antagonismos como não há fim de história.
É de ter em conta para nós neste final de século que “capacidade política” é o estrito contrário de “fatalismo económico”. Encontramos a oposição do político e do económico, mas sobretudo o da fatalidade e da capacidade. O contexto contemporâneo deste fim de século vinte é percebido sob a forma duma crise. Podemos falar também duma mudança das referências e dos paradigmas sob os golpes e as críticas dum discurso “neo-liberal” que toma a sua vingança na marginalização durante os dois primeiros terços deste século pondo em causa os esquemas de pensar e de acção política e económica adquiridos após a crise de 1929 e da reconstrução do após-guerra. O resultado é antes de tudo uma confirmação da primazia do económico sobre o político pois que e ainda por cima os problemas económicos aparecem como sendo os mais urgentes e os mais massivos. Ma s não reside ainda a novidade pois que podemos dizer que o económico domina largamente o discurso político desde o século XIX, do mesmo modo nos liberais que no socialismo. O problema é que esta dominação da preocupação económica faz-se sob o signo duma análise neo-liberal que amplifica a crise e a rejeição do político, precisamente porque o político pensa-se em termos de vontade e de capacidade de agir, de se organizar
Por consequinte, em vez de salvaguardar a liberdade individual, o Estado impõe do alto um sistema de governo e joga deste modo um papel repressivo, como Proudhon o sublinha no princípio do texto. Proudhon procura pensar uma associação que recairá sobre a dinâmica social. Vai esforçar-se a demonstrar que a “liberdade se basta a ela própria e não tem necessidade do Estado”, mais, o Estado é uma “contradição” pois que ele “pretende fazer da liberdade a sua criação”, quando é ele que “deve ser uma criação da liberdade”. Paradoxalmente, a ausência de poder está associada ao por em evidência do mais seguro princípio da ordem social.
Ao fim da sua crítica do Estado, Proudhon encontra-se face à pesada tarefa de provar que a liberdade só por si pode constituir um princípio político.
A noção de contrato, expressão dos benefícios bilaterais onde se encontra excluída toda a alienação, serve-lhe de novo para reger as mudanças, não somente entre produtos e consumidores, mas entre todas as associações de indivíduos, entre os membros e os grupos e entre os grupos eles mesmos. É o federalismo, de onde se poderia dizer inspirando-se de uma fórmula conhecida, que ele é, depois da anarquia teórica da igualdade restricta, uma teoria de igualdade generalizada. Mas, tanto caso como noutro, uma só e mesma ideia, simples e perturbadora, comanda as fórmulas de extensão e de complexidade crescentes: destruir até à sua origem todos os benefícios hierárquicos, e por conseguinte dominadores, entre os homens, para lhe substituir uma quantidade de ligações harmoniosas, no seio das quais cada participante recebe o mesmo que ele dá e, onde por conseguinte, a liberdade de cada um é garantia por aquela de todos.
A Justiça é portanto em primeiro lugar uma ideia, uma regra moral, mas não é só isso. Se fosse uma simples noção, uma relação concebida pelo entendimento e admitida pela vontade, o cepticismo poderia negá-la. Para preencher o seu ofício de razão suprema das coisas, a Justiça deve ser uma realidade. Proudhon insiste várias vezes com grande energia, sobre o realismo da Justiça. É uma realidade interior e exterior, que rege a natureza como o homem, que é por sua vez faculdade do espírito, função orgânica e lei das coisas.
Quais são os princípios da determinação da liberdade, suprimindo a anarquia que lhe é imanente. Proudhon não pode satisfazer a sua exigência de fornecer “as bases duma verdadeira associação entre os povos” que mostrando os princípios de determinação, fonte de relação e de harmonia, de solidariedade e de federalismo entre forças livres, irredutivelmente antagonistas; pois, sem estes princípios, as relações dramaticamente dialécticas da liberdade não seriam unicamente irredutivelmente antagonistas, mas antinómicas, bem mais: contraditórias, fatalistas e trágicas.
O livre câmbio surgiu a Proudhon como uma teoria erguida para fazer face às tendências dirigistas das doutrinas comunistas. Entretanto, como sempre, segundo ele, economistas e comunistas cometem os mesmos erros; se uns são muito dirigistas, os outros deixam uma total liberdade e nenhum resolverá o problema, todos o negam.
Proudhon vai pois criticar a concepção dos economistas, nomeadamente partindo do seu princípio de base: o interesse bem entendido assim como os resultados práticos do livre câmbio que se revelam todos muito erróneos no que diz respeito ao factor da hegemonia económica e instrumento de alienação.
Ora, nós apercebemo-nos, nas sociologias contemporâneas, um paradoxo singular. Se a obra de Proudhon é pouco presente, ao nível das referências explícitas, é impressionante ver surgir os temas, as questões e também as respostas que têm os caracteres de uma repetição de temas e de questões formuladas nos escritos de Proudhon. Mas estas reconquistas não são de modo algum idênticas nas diferenças sociológicas actuais, como tão, implicitamente, se perseguiram os debates, as aprovações e as rejeições, no que diz respeito às teses da anarquia bisontina.
Estes preconceitos revelam também uma interrogação sobre a possibilidade do anarquismo. Todo o movimento de crítica denuncia os exageros tradicionais da sociedade, a propriedade, o poder político, a religião, conduz a colocar dramaticamente o problema das liberdades e dos controlos sociais. Proudhon procura destruir todos os sistemas de repressão e não poder encontrar a garantia à ordem social nem na ciência soberana, nem na ditadura popular, nem na pretendida racionalidade económica. Desde logo o perigo de um laxismo político e de uma incoerente liberdade dos costumes prefila-se, na problemática do proudhonismo, como um obstáculo imediato. O anarquismo não será portanto possível se o incómodo é consentido por cada assunto e se a repressão, que não pode ser mais exterior, é interiorizada por cada participante.
Estes preconceitos revelam também uma interrogação sobre a possibilidade do anarquismo. Todo o movimento de crítica denuncia os exageros tradicionais da sociedade, a propriedade, o poder político, a religião, conduz a colocar dramaticamente o problema das liberdades e dos controlos sociais. Proudhon procura destruir todos os sistemas de repressão e não poder encontrar a garantia à ordem social nem na ciência soberana, nem na ditadura popular, nem na pretendida racionalidade económica. Desde logo o perigo de um laxismo político e de uma incoerente liberdade dos costumes prefila-se, na problemática do proudhonismo, como um obstáculo imediato. O anarquismo não será portanto possível se o incómodo é consentido por cada assunto e se a repressão, que não pode ser mais exterior, é interiorizada por cada participante.
O que eu digo até aqui tem uma importância particular no que diz respeito à política. A política pertence ao domínio da acção do pequeno número sobre a massa. Ela não devia então procurar transformar a sociedade. Ele não pode fazê-lo, e, se, tomado pela euforia, ela tenta-o, contudo ela não pode arrastar as perturbações, nunca as mudanças reais e verdadeiras. Por conseguinte, ela não se pode basear sobre o conhecimento global, mas somente sobre um conhecimento particular: o conhecimento das situações e dos problemas do poder. No meu sentido, isso queria para o federalismo também, na medida onde o federalismo tem o dever político de destruir as instituições da centralização e do encerramento, para fundar aquelas da abertura e do pluralismo.
Isso não quer dizer que o federalismo não o seja mais ainda. Eu creio doravante que ele pode elevar-se à altura de um conhecimento global. Mas, neste caso, mesmo que ele possa ser uma ajuda aos conhecimentos, particulariedades indispensáveis à acção social, ele não pode, a meu ver, traduzir-se na acção, mas somente na previsão. A precisão, creio eu, que desta forma, e farão doravante no futuro, os homens mesmo que eles se agitem espontaneamente, ou seja, no conhecimento do novo curso da história.
Enquanto se misturam num caos verdadeiramente romântico as sobrevivências, sonhadoras ou cínicas, e as antecipações loucas, os sentimentos generosos e os interesses sórdidos, as pretensões científicas e o dogmatismo furioso, o nacionalismo e o pacifismo, o autoritarismo e o democraticismo, Proudhon está praticamente só quando se esforça para trazer ao “mal do século” as soluções construtivas. Ele não é um sortudo- será preciso dizê-lo?- algum dia; através das sucessivas aproximações, dos repetidos ajustamentos, dos excessos e dos atrasos, das tentativas seguidas de bruscas cintilações, este espírito genial e obstinado chegará somente contra o fim da sua vida a um conjunto de proposições coerentes que constituem uma resposta ao problema político-social em geral e ao da Europa em particular; pois, com razão, Proudhon não os separa um do outro.
O valor essencial desta “desobediência civil”, é que ela apoderou-se de sujeitos da sociedade “tranversais”, quer dizer federadores de preocupações fundamentais e múltiplas. Deste modo, a defesa dos sem-papéis abre por sua vez perspectivas sobre a luta contra a xenofobia e o racismo, sobre a precaridade, sobre o direito à habitação, sobre as trocas norte - sul, etc. Do mesmo modo, o combate pela defesa do direito ao aborto está directamente ligado ao problema mais geral da condição feminina, sobre o trabalho das mulheres, sobre o anti claricalismo e a laicidade autêntica, etc.
Paradoxalmente, agora que o político e o sindical estão em crise, assistimos a uma emergência dum movimento de essência política, ainda difuso, que põe em causa os mecanismos e as práticas duma sociedade que poderíamos crer gelada.
Com partidos políticos desacreditados e políticos que frequentem mais assiduamente os tribunais que o Parlamento, é dizer pouco que assistimos a uma formidável desafeição da política institucional. O sindicalismo institucional não está melhor bafejado. Ao escolher a institucionalização exageradamente, ao escolher ligar-se ao sistema dominante, condena-se ao ver-se englobar, justamente na mesma crítica.
Há portanto qualquer coisa de novo num movimento social que fraco ainda e parcelar, se inscreve em ruptura com o modelo sócio - económico dominante.
Primeira intuição do federalismo… Mas, tudo imediatamente, primeiras reticências de um espírito nunca descansado e social de não deixar tomar o passo ao sentimento sobre a razão. Porque, a lufada de emoção apagada. Proudhon empreende a análise do princípio nacionalitário e ele discerne depressa os equívocos. Sob a mentirosa aparência dos significados, escondem--se com efeito duas realidades fortes diferentes e praticamente contraditórias. De uma parte a reivindicação pelas comunidades oprimidas do direito de se governar livremente e de estabelecer relações com quem elas entendem; mas, por outro, a afirmação que existe nas afinidades “naturais” entre tantos e tantos grupos separados pela história e, consequentemente, a reivindicação por estes grupos de um Estado unitário que assemelhava-se contra todos os outros.
O federalismo é sempre a aposta duma unidade na manutenção da maior diversidade possível. É portanto neste sentido, a recusa dum “super-Estado” europeu. É evidente que, em Proudhon, encontramos um grande cuidado em respeitar a diversidade individual: as diferenças resultam da liberdade individual. Mas o seu racionalismo tende simultaneamente a minimizar ou a considerar como arcaicos os conflitos políticos saídos das diferentes culturas (“as guerras de religião”). O seu racionalismo toma precisamente apoio sobre a evidência racional da interdependência económica. Para ele, as antigas divisões políticas entre os homens não são mais que diversidades. Como e porquê a mutualidade chega a operar uma tal transformação? Integra antes de tudo o cálculo utilitário segundo a qual a mudança vale mais que o conflito. Há mais uma unidade espontânea de toda a sociedade que nasce da sua submissão à verdade.
O homem é o único ser que escapa a esta necessidade da natureza: ele não é determinado, mesmo por sua própria natureza. Assim ele não é dirigido por um instinto, como a abelha ou o castor. O oco e a distância internas que o caracterizam neste sentido, não constituem portanto nem uma fuga fora da ordem natural, nem uma independência relativamente à natureza. isso não é a contemplação da natureza, mas, 1/ a acção sobre ela; 2/ a troca “langagier” com outros a este propósito, que permitem decifrar a necessidade natural: noutros termos, em descobrir a razão natural. Mas nem tudo revela as ciências da natureza. existe este domínio intermediário, onde os homens transformam os materiais com vistas em assegurar ou melhorar a sua própria existência: o domínio do trabalho. A ciência de referência - a economia política - comporta uma dimensão que contém a razão natural, pois não se pode fazer nem importa o quê com um material a transformar, nem o fazer importa como (é necessário aceitar, por exemplo, uma certa divisão do trabalho). Ela não vai constantemente sem uma outra dimensão, ela própria humana, que é o direito, ou a justiça. A economia política bem compreendida atingindo um regime da justiça é o lugar de reencontro da razão natural (que coloca um limite à damiurgidade humana) e da razão humana: ela é um exemplo privilegiado da razão prática.
O mutualismo permite salvaguardar a riqueza da vida, a diversidade, o pluralismo, fonte de progresso infinito, sem conduzir relação hierárquica de subordinação. E, se esta fórmula de equilíbrio mutualista não pode ter por este momento que valor ideal, nada se opõe a que a humanidade, fiando-se na razão, trabalhe para a por em prática. De utópico, o discurso de Proudhon tornou-se político.
Compreenderemos, pois, os “equilíbrios”, os “balanços”, não como as estruturas que se manteriam imóveis desde logo que elas fossem estabelecidas, mas como relações dinâmicas, asseguradas pelas iniciativas e as acções dos cidadãos; relações que não destroem os antagonismos mas perseguem-nos num sistema não fechado, não congelado, num não - sistema aberto às iniciativas e às discussões. A sociedade justa não marca o fim das acções, nem marca o fim da história: a revolução não é o fim dos antagonismos como não há fim de história.
É de ter em conta para nós neste final de século que “capacidade política” é o estrito contrário de “fatalismo económico”. Encontramos a oposição do político e do económico, mas sobretudo o da fatalidade e da capacidade. O contexto contemporâneo deste fim de século vinte é percebido sob a forma duma crise. Podemos falar também duma mudança das referências e dos paradigmas sob os golpes e as críticas dum discurso “neo-liberal” que toma a sua vingança na marginalização durante os dois primeiros terços deste século pondo em causa os esquemas de pensar e de acção política e económica adquiridos após a crise de 1929 e da reconstrução do após-guerra. O resultado é antes de tudo uma confirmação da primazia do económico sobre o político pois que e ainda por cima os problemas económicos aparecem como sendo os mais urgentes e os mais massivos. Ma s não reside ainda a novidade pois que podemos dizer que o económico domina largamente o discurso político desde o século XIX, do mesmo modo nos liberais que no socialismo. O problema é que esta dominação da preocupação económica faz-se sob o signo duma análise neo-liberal que amplifica a crise e a rejeição do político, precisamente porque o político pensa-se em termos de vontade e de capacidade de agir, de se organizar
Por consequinte, em vez de salvaguardar a liberdade individual, o Estado impõe do alto um sistema de governo e joga deste modo um papel repressivo, como Proudhon o sublinha no princípio do texto. Proudhon procura pensar uma associação que recairá sobre a dinâmica social. Vai esforçar-se a demonstrar que a “liberdade se basta a ela própria e não tem necessidade do Estado”, mais, o Estado é uma “contradição” pois que ele “pretende fazer da liberdade a sua criação”, quando é ele que “deve ser uma criação da liberdade”. Paradoxalmente, a ausência de poder está associada ao por em evidência do mais seguro princípio da ordem social.
Ao fim da sua crítica do Estado, Proudhon encontra-se face à pesada tarefa de provar que a liberdade só por si pode constituir um princípio político.
A noção de contrato, expressão dos benefícios bilaterais onde se encontra excluída toda a alienação, serve-lhe de novo para reger as mudanças, não somente entre produtos e consumidores, mas entre todas as associações de indivíduos, entre os membros e os grupos e entre os grupos eles mesmos. É o federalismo, de onde se poderia dizer inspirando-se de uma fórmula conhecida, que ele é, depois da anarquia teórica da igualdade restricta, uma teoria de igualdade generalizada. Mas, tanto caso como noutro, uma só e mesma ideia, simples e perturbadora, comanda as fórmulas de extensão e de complexidade crescentes: destruir até à sua origem todos os benefícios hierárquicos, e por conseguinte dominadores, entre os homens, para lhe substituir uma quantidade de ligações harmoniosas, no seio das quais cada participante recebe o mesmo que ele dá e, onde por conseguinte, a liberdade de cada um é garantia por aquela de todos.
A Justiça é portanto em primeiro lugar uma ideia, uma regra moral, mas não é só isso. Se fosse uma simples noção, uma relação concebida pelo entendimento e admitida pela vontade, o cepticismo poderia negá-la. Para preencher o seu ofício de razão suprema das coisas, a Justiça deve ser uma realidade. Proudhon insiste várias vezes com grande energia, sobre o realismo da Justiça. É uma realidade interior e exterior, que rege a natureza como o homem, que é por sua vez faculdade do espírito, função orgânica e lei das coisas.
Quais são os princípios da determinação da liberdade, suprimindo a anarquia que lhe é imanente. Proudhon não pode satisfazer a sua exigência de fornecer “as bases duma verdadeira associação entre os povos” que mostrando os princípios de determinação, fonte de relação e de harmonia, de solidariedade e de federalismo entre forças livres, irredutivelmente antagonistas; pois, sem estes princípios, as relações dramaticamente dialécticas da liberdade não seriam unicamente irredutivelmente antagonistas, mas antinómicas, bem mais: contraditórias, fatalistas e trágicas.
O livre câmbio surgiu a Proudhon como uma teoria erguida para fazer face às tendências dirigistas das doutrinas comunistas. Entretanto, como sempre, segundo ele, economistas e comunistas cometem os mesmos erros; se uns são muito dirigistas, os outros deixam uma total liberdade e nenhum resolverá o problema, todos o negam.
Proudhon vai pois criticar a concepção dos economistas, nomeadamente partindo do seu princípio de base: o interesse bem entendido assim como os resultados práticos do livre câmbio que se revelam todos muito erróneos no que diz respeito ao factor da hegemonia económica e instrumento de alienação.
Ora, nós apercebemo-nos, nas sociologias contemporâneas, um paradoxo singular. Se a obra de Proudhon é pouco presente, ao nível das referências explícitas, é impressionante ver surgir os temas, as questões e também as respostas que têm os caracteres de uma repetição de temas e de questões formuladas nos escritos de Proudhon. Mas estas reconquistas não são de modo algum idênticas nas diferenças sociológicas actuais, como tão, implicitamente, se perseguiram os debates, as aprovações e as rejeições, no que diz respeito às teses da anarquia bisontina.
Estes preconceitos revelam também uma interrogação sobre a possibilidade do anarquismo. Todo o movimento de crítica denuncia os exageros tradicionais da sociedade, a propriedade, o poder político, a religião, conduz a colocar dramaticamente o problema das liberdades e dos controlos sociais. Proudhon procura destruir todos os sistemas de repressão e não poder encontrar a garantia à ordem social nem na ciência soberana, nem na ditadura popular, nem na pretendida racionalidade económica. Desde logo o perigo de um laxismo político e de uma incoerente liberdade dos costumes prefila-se, na problemática do proudhonismo, como um obstáculo imediato. O anarquismo não será portanto possível se o incómodo é consentido por cada assunto e se a repressão, que não pode ser mais exterior, é interiorizada por cada participante.
Estes preconceitos revelam também uma interrogação sobre a possibilidade do anarquismo. Todo o movimento de crítica denuncia os exageros tradicionais da sociedade, a propriedade, o poder político, a religião, conduz a colocar dramaticamente o problema das liberdades e dos controlos sociais. Proudhon procura destruir todos os sistemas de repressão e não poder encontrar a garantia à ordem social nem na ciência soberana, nem na ditadura popular, nem na pretendida racionalidade económica. Desde logo o perigo de um laxismo político e de uma incoerente liberdade dos costumes prefila-se, na problemática do proudhonismo, como um obstáculo imediato. O anarquismo não será portanto possível se o incómodo é consentido por cada assunto e se a repressão, que não pode ser mais exterior, é interiorizada por cada participante.
O que eu digo até aqui tem uma importância particular no que diz respeito à política. A política pertence ao domínio da acção do pequeno número sobre a massa. Ela não devia então procurar transformar a sociedade. Ele não pode fazê-lo, e, se, tomado pela euforia, ela tenta-o, contudo ela não pode arrastar as perturbações, nunca as mudanças reais e verdadeiras. Por conseguinte, ela não se pode basear sobre o conhecimento global, mas somente sobre um conhecimento particular: o conhecimento das situações e dos problemas do poder. No meu sentido, isso queria para o federalismo também, na medida onde o federalismo tem o dever político de destruir as instituições da centralização e do encerramento, para fundar aquelas da abertura e do pluralismo.
Isso não quer dizer que o federalismo não o seja mais ainda. Eu creio doravante que ele pode elevar-se à altura de um conhecimento global. Mas, neste caso, mesmo que ele possa ser uma ajuda aos conhecimentos, particulariedades indispensáveis à acção social, ele não pode, a meu ver, traduzir-se na acção, mas somente na previsão. A precisão, creio eu, que desta forma, e farão doravante no futuro, os homens mesmo que eles se agitem espontaneamente, ou seja, no conhecimento do novo curso da história.
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