Monday, January 29, 2007

PREFÁCIO À ESTRUTURA DO TÍTULO


Enquanto se misturam num caos verdadeiramente romântico as sobrevivências, sonhadoras ou cínicas, e as antecipações loucas, os sentimentos generosos e os interesses sórdidos, as pretensões científicas e o dogmatismo furioso, o nacionalismo e o pacifismo, o autoritarismo e o democraticismo, Proudhon está praticamente só quando se esforça para trazer ao “mal do século” as soluções construtivas. Ele não é um sortudo- será preciso dizê-lo?- algum dia; através das sucessivas aproximações, dos repetidos ajustamentos, dos excessos e dos atrasos, das tentativas seguidas de bruscas cintilações, este espírito genial e obstinado chegará somente contra o fim da sua vida a um conjunto de proposições coerentes que constituem uma resposta ao problema político-social em geral e ao da Europa em particular; pois, com razão, Proudhon não os separa um do outro.
O valor essencial desta “desobediência civil”, é que ela apoderou-se de sujeitos da sociedade “tranversais”, quer dizer federadores de preocupações fundamentais e múltiplas. Deste modo, a defesa dos sem-papéis abre por sua vez perspectivas sobre a luta contra a xenofobia e o racismo, sobre a precaridade, sobre o direito à habitação, sobre as trocas norte - sul, etc. Do mesmo modo, o combate pela defesa do direito ao aborto está directamente ligado ao problema mais geral da condição feminina, sobre o trabalho das mulheres, sobre o anti claricalismo e a laicidade autêntica, etc.
Paradoxalmente, agora que o político e o sindical estão em crise, assistimos a uma emergência dum movimento de essência política, ainda difuso, que põe em causa os mecanismos e as práticas duma sociedade que poderíamos crer gelada.
Com partidos políticos desacreditados e políticos que frequentem mais assiduamente os tribunais que o Parlamento, é dizer pouco que assistimos a uma formidável desafeição da política institucional. O sindicalismo institucional não está melhor bafejado. Ao escolher a institucionalização exageradamente, ao escolher ligar-se ao sistema dominante, condena-se ao ver-se englobar, justamente na mesma crítica.
Há portanto qualquer coisa de novo num movimento social que fraco ainda e parcelar, se inscreve em ruptura com o modelo sócio - económico dominante.
Primeira intuição do federalismo… Mas, tudo imediatamente, primeiras reticências de um espírito nunca descansado e social de não deixar tomar o passo ao sentimento sobre a razão. Porque, a lufada de emoção apagada. Proudhon empreende a análise do princípio nacionalitário e ele discerne depressa os equívocos. Sob a mentirosa aparência dos significados, escondem--se com efeito duas realidades fortes diferentes e praticamente contraditórias. De uma parte a reivindicação pelas comunidades oprimidas do direito de se governar livremente e de estabelecer relações com quem elas entendem; mas, por outro, a afirmação que existe nas afinidades “naturais” entre tantos e tantos grupos separados pela história e, consequentemente, a reivindicação por estes grupos de um Estado unitário que assemelhava-se contra todos os outros.
O federalismo é sempre a aposta duma unidade na manutenção da maior diversidade possível. É portanto neste sentido, a recusa dum “super-Estado” europeu. É evidente que, em Proudhon, encontramos um grande cuidado em respeitar a diversidade individual: as diferenças resultam da liberdade individual. Mas o seu racionalismo tende simultaneamente a minimizar ou a considerar como arcaicos os conflitos políticos saídos das diferentes culturas (“as guerras de religião”). O seu racionalismo toma precisamente apoio sobre a evidência racional da interdependência económica. Para ele, as antigas divisões políticas entre os homens não são mais que diversidades. Como e porquê a mutualidade chega a operar uma tal transformação? Integra antes de tudo o cálculo utilitário segundo a qual a mudança vale mais que o conflito. Há mais uma unidade espontânea de toda a sociedade que nasce da sua submissão à verdade.
O homem é o único ser que escapa a esta necessidade da natureza: ele não é determinado, mesmo por sua própria natureza. Assim ele não é dirigido por um instinto, como a abelha ou o castor. O oco e a distância internas que o caracterizam neste sentido, não constituem portanto nem uma fuga fora da ordem natural, nem uma independência relativamente à natureza. isso não é a contemplação da natureza, mas, 1/ a acção sobre ela; 2/ a troca “langagier” com outros a este propósito, que permitem decifrar a necessidade natural: noutros termos, em descobrir a razão natural. Mas nem tudo revela as ciências da natureza. existe este domínio intermediário, onde os homens transformam os materiais com vistas em assegurar ou melhorar a sua própria existência: o domínio do trabalho. A ciência de referência - a economia política - comporta uma dimensão que contém a razão natural, pois não se pode fazer nem importa o quê com um material a transformar, nem o fazer importa como (é necessário aceitar, por exemplo, uma certa divisão do trabalho). Ela não vai constantemente sem uma outra dimensão, ela própria humana, que é o direito, ou a justiça. A economia política bem compreendida atingindo um regime da justiça é o lugar de reencontro da razão natural (que coloca um limite à damiurgidade humana) e da razão humana: ela é um exemplo privilegiado da razão prática.
O mutualismo permite salvaguardar a riqueza da vida, a diversidade, o pluralismo, fonte de progresso infinito, sem conduzir relação hierárquica de subordinação. E, se esta fórmula de equilíbrio mutualista não pode ter por este momento que valor ideal, nada se opõe a que a humanidade, fiando-se na razão, trabalhe para a por em prática. De utópico, o discurso de Proudhon tornou-se político.
Compreenderemos, pois, os “equilíbrios”, os “balanços”, não como as estruturas que se manteriam imóveis desde logo que elas fossem estabelecidas, mas como relações dinâmicas, asseguradas pelas iniciativas e as acções dos cidadãos; relações que não destroem os antagonismos mas perseguem-nos num sistema não fechado, não congelado, num não - sistema aberto às iniciativas e às discussões. A sociedade justa não marca o fim das acções, nem marca o fim da história: a revolução não é o fim dos antagonismos como não há fim de história.
É de ter em conta para nós neste final de século que “capacidade política” é o estrito contrário de “fatalismo económico”. Encontramos a oposição do político e do económico, mas sobretudo o da fatalidade e da capacidade. O contexto contemporâneo deste fim de século vinte é percebido sob a forma duma crise. Podemos falar também duma mudança das referências e dos paradigmas sob os golpes e as críticas dum discurso “neo-liberal” que toma a sua vingança na marginalização durante os dois primeiros terços deste século pondo em causa os esquemas de pensar e de acção política e económica adquiridos após a crise de 1929 e da reconstrução do após-guerra. O resultado é antes de tudo uma confirmação da primazia do económico sobre o político pois que e ainda por cima os problemas económicos aparecem como sendo os mais urgentes e os mais massivos. Ma s não reside ainda a novidade pois que podemos dizer que o económico domina largamente o discurso político desde o século XIX, do mesmo modo nos liberais que no socialismo. O problema é que esta dominação da preocupação económica faz-se sob o signo duma análise neo-liberal que amplifica a crise e a rejeição do político, precisamente porque o político pensa-se em termos de vontade e de capacidade de agir, de se organizar
Por consequinte, em vez de salvaguardar a liberdade individual, o Estado impõe do alto um sistema de governo e joga deste modo um papel repressivo, como Proudhon o sublinha no princípio do texto. Proudhon procura pensar uma associação que recairá sobre a dinâmica social. Vai esforçar-se a demonstrar que a “liberdade se basta a ela própria e não tem necessidade do Estado”, mais, o Estado é uma “contradição” pois que ele “pretende fazer da liberdade a sua criação”, quando é ele que “deve ser uma criação da liberdade”. Paradoxalmente, a ausência de poder está associada ao por em evidência do mais seguro princípio da ordem social.
Ao fim da sua crítica do Estado, Proudhon encontra-se face à pesada tarefa de provar que a liberdade só por si pode constituir um princípio político.
A noção de contrato, expressão dos benefícios bilaterais onde se encontra excluída toda a alienação, serve-lhe de novo para reger as mudanças, não somente entre produtos e consumidores, mas entre todas as associações de indivíduos, entre os membros e os grupos e entre os grupos eles mesmos. É o federalismo, de onde se poderia dizer inspirando-se de uma fórmula conhecida, que ele é, depois da anarquia teórica da igualdade restricta, uma teoria de igualdade generalizada. Mas, tanto caso como noutro, uma só e mesma ideia, simples e perturbadora, comanda as fórmulas de extensão e de complexidade crescentes: destruir até à sua origem todos os benefícios hierárquicos, e por conseguinte dominadores, entre os homens, para lhe substituir uma quantidade de ligações harmoniosas, no seio das quais cada participante recebe o mesmo que ele dá e, onde por conseguinte, a liberdade de cada um é garantia por aquela de todos.

A Justiça é portanto em primeiro lugar uma ideia, uma regra moral, mas não é só isso. Se fosse uma simples noção, uma relação concebida pelo entendimento e admitida pela vontade, o cepticismo poderia negá-la. Para preencher o seu ofício de razão suprema das coisas, a Justiça deve ser uma realidade. Proudhon insiste várias vezes com grande energia, sobre o realismo da Justiça. É uma realidade interior e exterior, que rege a natureza como o homem, que é por sua vez faculdade do espírito, função orgânica e lei das coisas.
Quais são os princípios da determinação da liberdade, suprimindo a anarquia que lhe é imanente. Proudhon não pode satisfazer a sua exigência de fornecer “as bases duma verdadeira associação entre os povos” que mostrando os princípios de determinação, fonte de relação e de harmonia, de solidariedade e de federalismo entre forças livres, irredutivelmente antagonistas; pois, sem estes princípios, as relações dramaticamente dialécticas da liberdade não seriam unicamente irredutivelmente antagonistas, mas antinómicas, bem mais: contraditórias, fatalistas e trágicas.

O livre câmbio surgiu a Proudhon como uma teoria erguida para fazer face às tendências dirigistas das doutrinas comunistas. Entretanto, como sempre, segundo ele, economistas e comunistas cometem os mesmos erros; se uns são muito dirigistas, os outros deixam uma total liberdade e nenhum resolverá o problema, todos o negam.
Proudhon vai pois criticar a concepção dos economistas, nomeadamente partindo do seu princípio de base: o interesse bem entendido assim como os resultados práticos do livre câmbio que se revelam todos muito erróneos no que diz respeito ao factor da hegemonia económica e instrumento de alienação.
Ora, nós apercebemo-nos, nas sociologias contemporâneas, um paradoxo singular. Se a obra de Proudhon é pouco presente, ao nível das referências explícitas, é impressionante ver surgir os temas, as questões e também as respostas que têm os caracteres de uma repetição de temas e de questões formuladas nos escritos de Proudhon. Mas estas reconquistas não são de modo algum idênticas nas diferenças sociológicas actuais, como tão, implicitamente, se perseguiram os debates, as aprovações e as rejeições, no que diz respeito às teses da anarquia bisontina.
Estes preconceitos revelam também uma interrogação sobre a possibilidade do anarquismo. Todo o movimento de crítica denuncia os exageros tradicionais da sociedade, a propriedade, o poder político, a religião, conduz a colocar dramaticamente o problema das liberdades e dos controlos sociais. Proudhon procura destruir todos os sistemas de repressão e não poder encontrar a garantia à ordem social nem na ciência soberana, nem na ditadura popular, nem na pretendida racionalidade económica. Desde logo o perigo de um laxismo político e de uma incoerente liberdade dos costumes prefila-se, na problemática do proudhonismo, como um obstáculo imediato. O anarquismo não será portanto possível se o incómodo é consentido por cada assunto e se a repressão, que não pode ser mais exterior, é interiorizada por cada participante.
Estes preconceitos revelam também uma interrogação sobre a possibilidade do anarquismo. Todo o movimento de crítica denuncia os exageros tradicionais da sociedade, a propriedade, o poder político, a religião, conduz a colocar dramaticamente o problema das liberdades e dos controlos sociais. Proudhon procura destruir todos os sistemas de repressão e não poder encontrar a garantia à ordem social nem na ciência soberana, nem na ditadura popular, nem na pretendida racionalidade económica. Desde logo o perigo de um laxismo político e de uma incoerente liberdade dos costumes prefila-se, na problemática do proudhonismo, como um obstáculo imediato. O anarquismo não será portanto possível se o incómodo é consentido por cada assunto e se a repressão, que não pode ser mais exterior, é interiorizada por cada participante.
O que eu digo até aqui tem uma importância particular no que diz respeito à política. A política pertence ao domínio da acção do pequeno número sobre a massa. Ela não devia então procurar transformar a sociedade. Ele não pode fazê-lo, e, se, tomado pela euforia, ela tenta-o, contudo ela não pode arrastar as perturbações, nunca as mudanças reais e verdadeiras. Por conseguinte, ela não se pode basear sobre o conhecimento global, mas somente sobre um conhecimento particular: o conhecimento das situações e dos problemas do poder. No meu sentido, isso queria para o federalismo também, na medida onde o federalismo tem o dever político de destruir as instituições da centralização e do encerramento, para fundar aquelas da abertura e do pluralismo.
Isso não quer dizer que o federalismo não o seja mais ainda. Eu creio doravante que ele pode elevar-se à altura de um conhecimento global. Mas, neste caso, mesmo que ele possa ser uma ajuda aos conhecimentos, particulariedades indispensáveis à acção social, ele não pode, a meu ver, traduzir-se na acção, mas somente na previsão. A precisão, creio eu, que desta forma, e farão doravante no futuro, os homens mesmo que eles se agitem espontaneamente, ou seja, no conhecimento do novo curso da história.