Monday, January 08, 2007

Proudhon e a Educação

IDe todos os pensadores socialistas, Proudhon é aquele que nos deixou a obra mais compacta, a mais grandiosa, a mais vigorosa e subjectivamente a mais genial.É que, durante meio século - no decurso de um esforço titânico, com um furor, uma vontade indomável, entregou-se a uma análise estreita, a uma crítica impiedosa dos abusos, das ideias, das personalidades, das instituições e das coisas, lançando aos quatro ventos gritos de guerra agudos, suscitando por todo o lado o terror e o ódio.De onde provém o seu título de “pai da anarquia”.Mas, de acordo com a sua célebre divisa Destruam et aedificabo, não quis apenas destruir tudo, teve a ambição de reconstruir tudo.Então, em vez de arrasar com golpes repetidos, de bater sem piedade, o demolidor, que se diria estafado, procura rodear o obstáculo, multiplica os paliativos e os pequenos socorros.Passa muitas vezes das fórmulas incendiárias a soluções lenitivas de compromisso e de conservação social.Apressemo-nos a dizer que tal não foi o caso da sua obra no terreno educativo.Mas não tem menos interesse, no limiar deste estudo, por bem às claras a “contribuição viva” (1) que representa Proudhon, se se quer apreciar com justo valor o alcance das suas opiniões pedagógicas.Acontece,com efeito, que este pensador, que confunde, furtando-se a deixar-se prender numa fórmula, soube desmentir, quer o seu comportamento,quer a sua reputação, ao tratar os problemas pedagógicos.Pelo que lhes diz respeito, não nos deixou ele, à parte algumas contradições insignificantes, um conjunto de uma notável coerência? E não é verdadeiramente uma coisa extraordinária, vinda de um homem que tratou mais ou menos todos os problemas, num sentido ou noutro, e que foi até ao ponto de erigir a contradição em sistema? De um homem do qual Charles Rappoport - depois de ter consagrado anos a estudar a sua obra - exclamou: “O autor das Contradições está saturado delas até à crueldade.(2)(1) Marx - Misère de la Philosophie, ed. Girard, 1922, pág.233.(2) P.J. Proudhon et le Socialisme Scientifique, 1909, pág.37IIQuis-se ver nas mudanças de Proudhon a tradução da sua sinceridade e a manifestação da sua honestidade intelectual.Talvez, porque ele amou apaixonadamente a verdade e foi um grande homemhonesto.mas não poderíamos esquecer a nostalgia das suas origens, muito forte nele, nem as suas fontes intelectuais, nomeadamente Fourier, com as suas antíteses sociais, e Hegel, com a sua dialéctica, nem a sua vida, num meio social em plena transformação, nem sobretudo, que, muito bem ponderado, ele foi objectivamente a encarnação do socialismo pequeno-burguês, o representante típico da pequena burguesia, o orgão eloquente das suas aspirações e das suas cóleras.Sabemos, certamente, que esta afirmação precisa de ser seriamente atenuada, sendo Proudhon, por definição, um inclassificável.Ela não é menos verdadeira nas suas linhas gerais.E como a pequena burguesia é uma classe anfíbia entre o proletariado e a grande burguesia, uma classe que oscila, ora para um lado ora para outro, compreende-se melhor à luz deste reparo as hesitações e contradições do militante e do escritor.Há sempre motivos para considerar a viragem de espírito de Proudhon que o levava ao exagero, ou, como escreveu Victor Considérant, à “forma paradoxal por excelência, hostil e repulsiva” (3). Foi esta viragem de espírito que o levou, com uma violência quejulgarìamos calculada, a tomar o sentido inverso das opiniões geralmente aceites e a passar pelo crivo de uma análise mais feroz que a dos conservadores arrebatados as teorias dos seus irmãos em socialismo. Tanto mais,como já se fez reparo, que Proudhon se deixava facilmente levar pela sua paixão da discussão, o calor da sua eloqu~encia e - deve-se também dizê-lo pela sua tendência para o escândalo.Enfim, é legítimo, até certo ponto, comparar Proudhon a esses pioneiros que abrem um caminho na floresta virgem a golpes de machado.“Vinte vezes se perdem e voltam a um ponto de referência, por vezes, mesmo, de partida, e vinte voltam a por-se em busca e ao trabalho.Não têm, é evidente, nem tempo nem meios de apagar os rastos divergentes e contraditórios da sua passagem, tão apressados e possuídos estão pela preocupação de achar o caminho exacto.(4)(3) Le Socialisme devant le Vieux Monde, pág.103.(4) Revue Socialiste, 1909. pp.1-2.IIIAcima das variações e contradições de Proudhon, que desconcertaram mais de uma vez os seus amigos e macularam a sua obra tão vigorosa com uma indiscutível fraqueza, surgem, contudo, formando um todo indissolúvel, a sua paixão pela justiça e igualdade, o seu ódio pela autoridade, a sua fé no povo, o seu sentimento da nobreza, da grandeza, da força, do valor profundamente moral e educativo do trabalho.Passará à posteridade como o teórico da filosofia do trabalho.Filosofia prática para uso dos produtores, garantia do seu triunfo, instrumento da sua emancipação.Filosofia concreta, saída das próprias entranhas da produção, e, nesta qualidade, forçosamente socialista e proletária.Filosofia fecunda, prenhe de virtualidades e bem digna deste filho de tanoeiro, cepa camponesa, trabalhador manual e intelectual que, aos trinta e três anos, estremecia de entusiasmo ao escutar os operários cantar um estribilho que glorificava o trabalho e, aos cinquenta anos, recordava ainda “com delícia” “o grande dia” em que o seu componedor se tornou a seus olhos “o símbolo e instrumento da sua liberdade”.Facto notável: na filosofia do trabalho não se encontra nenhuma discordância na obra polifacetada de Proudhon.Esboçada no Système des Contradictions Éconómiquues em 1846, termina doze anos mais tarde, pelo trabalho De la Justice dans la Révolution et dans l`Église.E é esta filosofia bem enraizada no espírito de Proudhon, ciosamente conservada ao abrigo das suas negações, dos seus caprichos e oscilações de humor que serve de alicerce sólido à sua pedagogia.Por um lado, ela confere-lhe este carácter de constância, tão excepcional nas obras proudhonianas, por outro, este carácter original e essencialmente plebeu que não se encontra sempre em tal grau nas outras concepções pedagógicas dos grandes socialistas.A este respeito, Proudhon merece um lugar excepcional entre os teóricos da pedagogia socialista.Sem dúvida, escapa-lhe o lado político e cívico do ensino socialista, mas cocebeu verdadeiramente um sistema de educação adequado aos produtores, numa sociedade em que estes seriam reis.Quase sózinho, debruçou-se sobre o problema da formação intelectual do jovem trabalhador na cidade socialista, colocando-se dentro das condições económicas da sua época.IVComo deve entender-se a filosofia do trabalho de Proudhon? À concepção cristã, ou, antes, espiritualista, da transcendência, que busca fora do homem, ou seja, em Deus, os princípios da conduta, que faz do trabalho um castigo e considera o pensamento puro como superior à acção, Proudhon opõe a concepção da imanência.Vê no homem o princípio da sua existência, proclama a união da matéria e do espírito, reabilita o trabalho das mãos, ao qual concede um papel gerador na elaboração dos conhecimentos.Do desprezo da matéria e do trabalho manual resultam, segundo Proudhon, a desigualdade das condições e a divisão da sociedade em duas classes: uma superior, a dos espirituais, dos eleitos que dá os exploradores e os dirigentes, outra inferior, a dos carnais, dos condenados, que dá os explorados e os governados.Fazendo um parênteses, é curioso ver Proudhon, que geralmente se coloca no campo económico da produção, extrair a distinção das duas grandes classes rivais de uma diferença de concepção.Mas não é aí que reside a questão.O que é preciso reter é que Proudhon leva ao absurdo a teoria da imanência, fazendo do concreto a origem do abstracto, ou, dizendo de outra maneira, da ideia uma serva da acção, quer dizer, em primeiro lugar, do trabalho.É esta posição que o leva a ligar o problema da origem das ciências ao problema da origem do trabalho, este precedendo aquele.“ A ideia abstracta saiu da análise inevitável do trabalho; com ela, a representação, a metafísica, a poesia, a religião e, finalmente, a ciência, que não é mais que o regresso do espírito à mecânica industrial.”Logo, para Proudhon, a lei do trabalho e a lei do saber são a mesma.No trabalho, como no saber, é preciso proceder com método e, simultaneamente, usar a análise e a síntese, elevar-se ao pensamento, à filosofia.Que filosofia? À filosofia do trabalho.Essa filosofia positiva “de que a indústria é a forma concreta” e que Diderot, “hierofante da Enciclopédia” profetizou no século XVIII. Ela está destinada, segundo Proudhon,a substituir nas almas as crenças extintas.Melhor, na época da civilização socialista ela deve tornar-se uma religião: a religião do trabalho.“O trabalho seria divino, seria a religião.”Aqui, depois de se ter socorrido de Diderot, “o maior génio dos tempos modernos”, Proudhon reune-se a Voltaire, que exclamava: “O trabalho é o meu Deus, só ele governa o mundo”Ma s Proudhon não se contenta com enunciar e lançar as bases da filosofia do trabalho.Mostra que o seu triunfo se confunde com a vitória da igualdade, da liberdade, da justiça, da alegria, da beleza, permitindo em cada homem o desenvolvimento das suas faculdades natas de “animal capaz de afeiçoar a matéria” pelo nivelamento das capacidades e a supressão “vampirismo transcendental”, quer dizer, de toda a dominação do homem pelo homem.VProudhon compreendeu muito bem que, trazendo a revolução à concepção e ao papel do trabalho, revolucionava, por este mesmo motivo, a pedagogia.Escreve:”A ideia de, em plena civilização, fazer gozar o trabalhador de independência edénica e dos benefícios do trabalho, por uma educação simultânea da inteligência e dos sentidos, que,dotando-o da totalidade das artes adquiridas, lhe asseguraria, por isso mesmo, a plenitude da sua liberdade, esta ideia é certamente irrepreensível como concepção e de um enorme alcance.Fazendo alusão, não só ao “resultado económico”, mas à alteração profunda das mentalidades e ao impulso civilizador que daqui resultaria para a humanidade, acrescenta: “As consequências de uma semelhnate pedagogia seriam incalculáveis.”Não é que Proudhon acalente ilusões sobre a eficiência da pedagogia e se mostre repentinamente optimista com respeito à natureza humana:“Para mudar uma sociedade, fazer de uma multidão sujeita de há muito uma nação inteligente, livre e justa, são escassas as mudanças políticas; a própria educação não basta: é preciso uma regeneração da carne e do sangue.Admito todas as mudanças que se quiserem.Irei mesmo até ao ponto de supor, por um instante, que a nossa espécie, no físico e no moral, é fundamentalmente incorrigível e que esta maldade de espírito e de coração que o homem traz do berço, e que a servidão social tanto desenvolveu, essa conservá-la-à sempre.”Posto isto, Proudhon pede com energia que todos sejam lógicos, ligando-se à imperiosa tarefa educativa, e, dirigindo-se ao arcebispo de Besançon, Mgr. Mathieu, acha,na cólera sagrada que o empolga, acentos de uma comovente sinceridade:Mas, visto que, enfim, nos decidimos a termos governos, uma polícia, leis; visto que a filantropia do Poder vai até ao pontode se ocupar da criança das fábricas e indústrias insalubres, peço que se estabeleçam,de uma vez para sempre, os princípios da educação industrial e do direito do trabalhador...Vamos, que a questão seja posta, na sua grandeza, ao Conselho de Estado e ao Corpo Legislativo, debatida nas escolas, apresentada, por carta pastoral dos bispos, em todos os púlpitos.Que, ao menos, se a miséria moral e intelectual do operário é incurável, seja irrepreensível a sabedoria do legislador.Porque a situação não é sustentável por mais tempo; porque todo o pretexto de contemporização seria odioso, e não sei que furor de indignação toma conta de mim, só de pensar nisso.Sinto-me sem argumentos contra as execráveis teorias do statu quo; e, se pudesse esquecer diante de quem estou falando, não seriam palavras humanas que ouviríeis, Monsenhor, seriam os rugidos de um animal feroz.VIPara Proudhon, tratar a questão em toda a sua grandeza é tratá-la nas suas relações com a transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista, porque há incompatibilidade entre os verdadeiros princípios do ensino, entre a “ emancipação intelectual” do povo e o sistema de ensino preconizado, tanto pelo poder como pela oposição liberal.Antes de tudo, o pauperismo é “o maior obstáculo à instrução.Ele explica a má frequência escolar.“ É que , muitas vezes, a família não está em condições de dar à criança a alimentação, o vestuário e outros acessórios indispensáveis à frequência da escola e da oficina.Pelo contrário, é a própria família que exige o serviço da criança e que, em primeiro lugar, exerce sobre ela o sistema de exploração que outros continuarão, por sua vez, e que só terminará com a vida do indivíduo.A consequência é que a escola é abandonada o mais cedo possível, muito tempo antes que o jovem tenha apetrechado a sua inteligência; que muitas vezes até nem se a chega a frequentar.Em segundo lugar, escolhem-se os ofícios mais elementares os que quase não exigem aprendizagem, indo muitas vezes ao ponto de não alcançar uma profissão.Nem ofício nem cultura, miséria sobre miséria.”Proudhon, que em 1848 defendeu o princípio da gratuitidade de ensino e que teria considerado como traição e felonia a sua supressão da Constituição, considera em 1864 o ensino gratuito e obrigatório - palavra mágica da oposição - como uma “ridícula utopia”, uma “hipocrisia notável”, um “triste sermão”, um “meio charlatanesco de popularidade”.Porquê? Na sua Solution du Problème Social, quando analisa o programa de Lamartine de 1847, que previa o ensino gratuito, explica-se alguma coisa:Gratuito! Quereis dizer, pago pelo Estado.Ora, quem pagará ao Estado?o povo. Como vedes, o ensino gratuito não é gratuito.Mas não é tudo.Quem tirará mais proveito do ensino gratuito, o rico ou o pobre? Evidentemente que será o rico: o pobre está condenado ao trabalho desde o berço.”É sobretudo no capítulo da sua Capacité Politique des Classes Ouvrières consagrado à instrução pública que Proudhon nos dá mais amplas explicações sobre este ponto.Para efectuar o ensino gratuito e obrigatório seria preciso - diz ele - que “o Estado se encarregasse de todas as despesas de educação das crianças; que, além disso, nos casos não raros em que a família obtém algum serviço da criança, o Estado concedesse aos pais uma indemnização”.segundo os seus càlculos, o estado, como , de resto, as comunas e a assistência pública, não podem descobrir recursos suficientes para cobrir as despesas referentes à instrução que a democracia operária exige.trata-se de ministrar esta instrução “numa medida honesta” e que “deve ser, sob todos os pontos de vista, bem superior àquela que a média dos operários recebe hoje em dia, que não é mais que o distintivo da pobreza “. O ensino hoje dado à grande massa em quantidade conveniente, quer dizer, a instrução primária, que significa mais que os “simples elementos” e constitui, pelo conjunto das suas matérias, “uma enciclopédia completa”, do mesmo modo que a instrução num grau superior dada a uma vasta élite, “tornar-se-ia discordante, e, pela acumulação das capacidades, constituiria um grave perigo para a sociedade, para o próprio trabalho”.Para Proudhon, não resta nenhuma dúvida de que todo o indivíduo que tivesse recebido um bom ensino primário nunca consentiria “em ser simples jornaleiro na sua aldeia ou em tornar-se criado”.Conservadas todas as proporções, seria como actualmente o filho do proprietário camponês que sonha apenas “tornar-se advogado ou médico, para viver como senhor”. Proudhon pensa que, todos os anos, se achariam sem ocupação milhares de jovens, a maioria sem fortuna, que tinham seguido cursos “para obter lugares”.Assim, portanto, “nada de hipocrisia, nada de vã demonstração de amor ao povo”.Para Proudhon é certo que:“No estado actual da nossa sociedade, a instrução da juventude, com excepção de uma élite de privilegiados, é um sonho da filantropia; que, do mesmo modo que o pauperismo, a ignorância é inerente à condição do trabalhador; que esta inferioridade intelectual das classes laboriosas é invencível; ainda mais, que num regime político hierarquizado, com um feudalismo capitalista e industrial, um mercantilismo anárquico, esta instrução, desejável em si, seria desperdiçada, mesmo perigosa; e que não é sem razão que os homens de Estado, ao mesmo tempo que se ocupam da instrução do povo, a reduzem sempre aos simples elementos.VIIMas dizer não chega. Proudhon não se limita a afirmar que, no sistema capitalista, é impossível contar com uma instrução popular verdadeiramente séria.Vai mais longe: afirma que o sistema capitalista, pela sua própria natureza, só pode dar às massas um ensino nefasto.Este ensino consiste em “dar a inferiores o grau exacto de saber que exige uma consciência obediente”.Dizendo de outra maneira, trata-se de fazer “usando grande número de manhas, homens-máquinas, proletários”.A educação actual, que Proudhon chama, com uma expressão dura, “a educação servil”, tem por fim preparar um jovem plebeu para a servidão “para o melhor dos interesses e segurança das classes superiores”. Define -a mais prosaicamente como a arte de “educar mal a juventude”, de lhe ensinar tão pouco que o que se lhe ensina é “pior que uma ignorância completa”, de a calcar “ne estreiteza das suas funções limitadas”.Esta apreciação, que se junta às considerações formuladas noutro lado, ajuda-nos a compreender por que razão Proudhon ridiculariza com tanta força as hipócritas pretensões dos homens no Poder, respeitantes à melhoria da educação popular.Chega mesmo a acreditar que “os mais coerentes dos nossos homens de Estado” acabaram por considerar a “lepra hedionda da ignorância das massas” como “necessidade providencial”, unindo-se aqui “com a alta exploração”, que ficaria talvez aborrecida por “ver curada” esta lepra hedionda.“O que eles querem para o povo não é instrução; é, muito simplesmente, uma primeira iniciação nos rudimentos dos conhecimentos humanos, a compreensão dos sinais, uma espécie de sacramento de baptismo intelectual consistindo na comunicação da palavra, da escrita, dos números, das figuras, mais algumas fórmulas de religião e de moral.O que lhes importa é que, vendo estes seres, que o trabalho e a modéstia do salário mantêm numa barbárie forçada, desfigurados pela fadiga quotidiana, curvados para a terra, as naturezas sesíveis que fazem a honra e a glória da civilização possam ao menos constatar nestes trabalhadores, destinados ao sofrimento, o reflexo de alma, a dignidade de consciência, e que, por consideração para com elas próprias, não tenham muito que corar da humanidade.”Portanto, no estado presente das, quer encare a situação económica das famílias e os recursos financeiros do Estado, quer considere a própria natureza do ensino, o seu carácter sui generis, Proudhon pensa que a instrução popular “é de uma absoluta e radical impossibilidade”.Principalmente, ele não vê remédio fora de uma “sociedade justiceira, mutualista e livre”, fora de um “sistema de associação industrial, de federação política e de garantia mutualista”, o que ele chama algures “a federação universal”, e que correspondia, como sabemos, ao seu ideal de sociedade socialista.Numa tal sociedade saída da revolução:“A organização do ensino é, ao mesmo tempo, a condição da igualdade e a confirmação do progresso.”É isto a que Proudhon chama “a grande obra de que Roma, que nos deixou tantos modelos, nem sequer concebeu a ideia”.Para Proudhon:“Daqui para o futuro, nenhuma revolução será fecunda se a instrução pública recriada não se tornar o seu coroamento.Neste ponto, o antiestatal e o adversário de qualquer ditadura coincide com Blanqui.O fim da nova educação, segundo Proudhon, já não é favorecer “alguns privilegiados”, mas assegurar “a emancipação intelectual do povo”, quer dizer, “fazer trabalhadores civilizados e livres”.Trata-se de dar a oito milhões de jovens “a educação integral - como dizia Fourier -, o maior número de aptidões, criar a maior capacidade possível”.É preciso dispensar “uma educação seriamente liberal, à altura do sufrágio universal, e que concorra, com as instituições de mutualidade e de segurança, com a associação operária e a federação das comunas e das províncias, para estabelecer um certo nível entre as corporações, os recursos e os meios de fortuna”.A última parte desta fórmula faz saltar claramente à vista o carácter fundamentalmente pequeno-burguês da construção socialista de Proudhon. Ele ultrapassa esta fórmula quando esclarece que a educação nova deve culminar na supressão do vampirismo.Escreve formalmente que se trata de criar oito milhões de “pessoas hábeis, operários artistas, profissionais letrados, trabalhadores que possam dispensar intérpretes e advogados”.A educação procura, pois, “fazer de cada homem um cidadão capaz de desempenhar todos os postos do exército, todos os empregos administrativos, todas as funções científicas e industriais”.VIIIO grande princípio da educação socialista, segundo Proudhon, é a igualdade de cultura pelo ensino profissional, coisa que exprime pela expressão “politecnia da aprendizagem”, sistema que se traduz hoje pela “escola-oficina”.Proudhon pronuncia-se muitas vezes neste sentido.Para ele, a politecnia da aprendizagem é “a instrução literária e científica (...) combinada com a instrução industrial”, é “o ensino (...) conbinado com a aprendizagem”.Parece que Proudhon extraiu este princípio do seu próprio caso.Contudo, quando o enuncia, limita-se a transpor para o plano colectivo a sua aspiração íntima, o seu gosto pessoal de combinar o trabalho manual e intelectual.Desejando ver-se de regresso a Besançon, a 22 de Fevereiro de 1840, escreve:“Retomarei a minha vida feita de duas metades, de leitura e meditação e de trabalho manual:só assim me sinto bem.Nesta combinação, se nos reportarmos a uma passagem de 1843, “a aprendizagem é a instrução teórica e prática do progresso industrial, desde os elementos mais simples até às construções mais complicadas”.Isto significa que a aprendizagem deve abarcar “a totalidade do sistema industrial, em vez de só lhe captar um caso parcelar”.Não se trata, pois, como no ensino profissional da sociedade burguesa, de dar, ao trabalhador “uma fraca ideia e um trato restrito” com a sua profissão, de fazer dele “um mercenário e um servente”, mas de “iniciá-lo nos princípios gerais e nos segredos das artes humanas”, de torná-lo capaz de elevar-se, não só acima da sua especialidade, mas da sua profissão.Assim compreendido, o ensino industrial tem um alto alcance educativo.“A indústria exige do aluno mais tempo que a gramática, a aritmética, a geometria, mesmo a física:porque o operário não tem somente de exercitar a sua inteligência e enriquecer a sua memória; é preciso que ele execute com a sua mão o que a cabeça compreendeu: é uma educação ao mesmo tempo dos sentidos e da inteligência.Voltando à crítica da aprendizagem acanhada, Proudhon completa nestes termos a sua argumentação:“É claro que a indústria, assim como as ciências, não pode ser fraccionada, reduzida à rotina, sem morrer: o homem cujo talento circunscrito a uma profissão não sabe nada das outras, que além disso, é incapaz de reduzir o seu ofício a noções elementares e de lhe determinar a teoria, é como aquele que, tendo aprendido a assinar o seu nome como se faz uma rubrica, não sabe nada do resto do alfabeto.”Ao contrário do que agora se passa, a escolha do ofício e da especialidade, para o operário como para o politécnico, faz-se depois do acabamento do curso completo de estudos.Por preço nenhum Proudhon quer ligar indissoluvelmente o jovem aprendiz ao trabalho parcelar, que é, para ele, a abominação da desolação e que ele define em termos felizes: “a imobilização do trabalhador numa das partes infinitesimais da produção”, imobilização na qual ele vê “um factor de desordem, uma consequência da organização simplista e subversiva do direito de propriedade, que ´tudo tende a abolir”.IXEm páginas ponderadas e veementes, Proudhon faz o processo da “ridícula aprendizagem” baseada inteiramente sobre o trabalho parcelar.Lamenta que na mais bela época da vida, na flor da juventude, quando o adolescente dá “o que há de melhor em si”, se o consuma durante anos, “como primeiro empate de capital”, num trabalho desagradável, não exigindo para o exercício da mão e a direcção a tomar senão algumas horas, alguns dias, algumas semanas, quando muito.Entrando no ciclo da profissão, o operário está, pois, “automatizado”, embotado.Ele passa ao estado de robot.“Acostumamos o homem a um ardil que, longe de iniciá-lo nos princípios gerias e nos segredos da arte humana, lhe fecha a porta de qualquer outra profissão; depois de ter mutilado a sua inteligência, esteriotipou-se-lha, petrificou-se-lha; exceptuando a sua profissão, que ele se gaba de conhecer, paralisou-se tanto a sua alma como o seu braço.Durante os primeiros anos que seguem a aprendizagem, a imaginação, alimentada pela juventude, tem ainda alguns sonhos dourados; é então que o trabalhador casa e cria, para o sistema que o devora, os rebentos que o mesmo sistema devorará.Mas depressa se faz sentir a monotonia do trabalhador, com todo o seu tédio; o suposto trabalhador adquire a consciência da sua degradação; apercebe-se de que não é mais que uma peça de máquina no seio da sociedade; o desespero apodera-se lentamente dele; à falta de uma ciência positiva, a sua razão perde o equilíbrio; o seu coração perverte-se e o homem acaba nos sonhos da utopia, nas loucuras do iluminismo e nas raivas da impotência.Quis-se mecanizar o operário; fez-se pior, fez-se-o mutilado e cruel.”Proudhon, que não pára de falar neste tema, denuncia também fortemente noutro lado o “trabalho parcelar”, e, ao mesmo tempo, a aprendizagem da sua época, como atrofiando o raciocínio, pervertendo a consciência, provocando a incúria, a estupidez, a má vontade dos operários.Depois dos efeitos psicológicos e morais do trabalho e da aprendizagem parcelar, Proudhon passa aos seus efeitos económicos e sociais.Ao lado da imperfeição dos produtos, acentua um inconveniente de outro modo grave: o facto de aniquilar toda a capacidade de gestão e direcção nos operários.E como não havia de ser assim, visto que, ao fim, o operário se tornou “numa peça de máquina no seio da engrenagem social”? A tal ponto que, se o chefe se ausenta um momento, se a vigilância se relaxa, não só o trabalho se torna mais lento, como se sucedem “os erros por ignorância, os contra-sensos, os mal-entendidos; nada anda para diante, nada está seguro”.E Proudhon conclui:“O primeiro fruto do trabalho parcelar é multiplicar as incapacidades, tornar, por consequência, mais preciosos os contramestres, chefes de oficina, directores e engenheiros, e criar em seu benefício um direito de soberania e de privilégio.”Ao exigir a politecnia da aprendizagem, Proudhon continua, pois, a luta contra o vampirismo.Dotar os operários de uma capacidade profissional completa é, com efeito, libertá-lo da tutela dos agentes de domínio, é sapar a aristocracia do talento, que se origina, segundo Proudhon, “não numa superioridade real, mas na mutilação das pessoas”.Porque, sem negar que “a inteligência difere e há-de deferir sempre de um indivíduo para outro”, proudhon pensa igualmente que ela representa “na origem, uma força igual em todos”, que, pelo seu desenvolvimento, garante o progresso social e a igualdade.Falando aos patrões acerca dos trabalhadores, diz:“Desenvolvei essas inteligências, cultivai esses sentidos, emancipai essas almas, e brevemente - mortais endurecidos de egoísmo - vereis a que se reduz a vossa pretensa superioridade.”Assim, a politecnia da aprendizagem, que não é mais que o inverso do seu horror do trabalho parcelar, confunde-se, em Proudhon, com o fim igualitário e libertário que confere à educação.Contudo, Proudhon está demasiado ao corrente das coisas da indústria para contestar a necessidade e os efeitos produtivos do trabalho parcelar.Ele não ignora que, segundo a economia política, é “no interesse da produção” que se estabeleceu o princípio da divisão e até da subdivisão do trabalho.Afirma que é impossível renunciar a ele.E é por isso que ele procura conciliar “os dados da observação com os princípios absolutos da ciência”.Este problema resolve-o examinando “os diferentes modos de composição de que é susceptível o trabalho individual” e tirando as lições que se extraem deste exame.Proudhon, que conhece o trabalho dos campos porque o fez, pensa no trabalhador do Franco Condado.Mostra-o, a charrua, semeando o trigo e o centeio antes do Inverno, plantando ou semeando milho, batata, cânhamo e colza na Primavera, fazendo a ceifa e a colheita no Verão, a vindima no Outono, arrecadando depois as colheitas, cuidando delas, ao mesmo tempo que executa uma quantidade de trabalhos complementares.Tudo isto não é mais que trabalho parcelar que muda com a estação, mas cujo conjunto, na totalidade do ano, representa um trabalho sintético e variado.Transpondo esta “lei de composição” do plano agrícola para o campo industrial, Proudhon indica como o operário parcelar pode tornar-se “trabalhador completo” com a sucessão do tempo.Acrescenta:“Tudo o que o homem executa de mais engenhoso, de mais complexo, de mais múltiplo na sua unidade, fá-lo necessariamente em partes iguais infinitamente pequenas, mas que, ligadas por uma relação de progressão, produzem no fim um conjunto, um todo, uma composição, uma série.”Esta citação não deixa de ter importância.Projecta uma nova claridade sobre a concepção proudhoniana da aprendizagem.E verificamos que esta concepção enciclopédica, politécnica pelo seu conteúdo, é pedagogicamente irrepreensível porque parte do simples para o composto, dos rudimentos da especialidade para o domínio de um ramo da produção, e, finalmente, porque ela permite ao homem elevar-se “às leis gerais da natureza e do espírito”.XMas, antes de se inserir na fábrica, o futuro trabalhador insere-se na família.Não esqueçamos que, aos olhos de Proudhon, a família é sagrada.Portanto, a primeira educação é doméstica.E a instrução pública, di-lo com todas as letras, “não é mais que o desenvolvimento da educação doméstica”.A criança é, primeiro, inteiramente deixada à disposição dos pais, que, graças à reforma económica, não mais se vêem na necessidade de empregá-la antes de tempo, em detrimento da sua instrução.“Em princípio, todo o chefe de família deve estar à altura de fazer face, em troca dos seus serviços ou produtos, às primeiras despesas de educação dos seus filhos, desde o dia do seu nascimento até à idade dos sete a oito anos.”A educação doméstica em primeiro lugar, a aquisição dos elementos em segundo - o que Proudhon chama o “tempo de escolaridade” -, tal é a fórmula educativa proudhoniana a respeito dos pequenitos.O mestre-escola é sucessivamente definido:“O homem que ensina a pronúncia, as letras, as flexões, os algarismos, as figuras, as notas, o acento, o ritmo, o gesto e o passo.O iniciador da infância que tem por especialidade ensinar os sinais, instrumentos de toda a arte e ciência.O orgão fundamental do poder universitário, o ponto de reunião de todos os estudos, o primeiro intérprete da lei serial.“Digamos, entre parênteses, que é muito curioso o desvio que Fourier realiza desta última definição.A propósito do mestre-escola, Proudhon lamenta o “caminho retrógado” da sociedade no campo da organização, caminho que, todavia, considera lógico:“A sociedade, que buscou reis antes de saber fazer artífices, devia criar o instituto antes de definir o mestre-escola.”Se bem compreendemos este raciocínio, Proudhon preferia que se construísse o edifício escolar começando da base que do cimo.Para além da sua definição de mestre-escola- definição, além disso, demasiado sibilina para nos satisfazer - Proudhon não traz quase nada referente à instrução primária, quer do ponto de vista crítico, quer do ponto de vista construtivo.È, sem dúvida, porque, como não tinha experiência directa do assunto, tinha algum escrúpulo em querer dar conselhos aos práticos.Não afirma que “o mais insignificante dos professores de aldeia” sabe mais que ele em matéria de educação? Escreve, além disso, estas linhas significativas:“Não sou, estou muito longe disso, nem um jacotot, nem um Rousseau, nem nada que se pareça.”Faltou pouco, contudo, para que se tornasse perceptor, o que lhe teria dado, à falta da prática escolar no que respeita às crianças, alguma experiência profissional em pedagogia primária.A estre respeito, Proudhon teve menos sorte que Rousseau.Enquanto que este, aos vinte e sete anos, pode exercer um ano a função de perceptor dos dois filhos do preboste de Lyon, Proudhon não pôde, aos vinte e três anos, apesar do seu desejo, tornar-se preceptor dos filhos de um industrial de Gray.De qualquer maneira, e contrariamente ao que geralmente se crê, nunca será de mais salientar que, se Proudhon vê um produtor no adolescente, vê na criança, sobretudo, um aluno.Quer que o ensino primário seja, antes de tudo, de ordem geral.Muito claramente, estabelece o princípio de que “a educação preparatória”, ou “educação rudimentar”, deve ser idêntica para todos, “pelo menos que a sua especialidade nata não se caracterize por uma excessiva precicidade”.Este primeiro período da educação pública deve abranger “sensivelmente os mesmos objectivos que as nossas escolas e os nossos colégios até à quarta classe”, tendo por acréscimo, com carácter de exercícios, “frequentes trabalhos agrícolas e industriais, tanto como medida de higiene, como para incitar as qualidades morais e por em relevo as capacidades”.Proudhon reconhece que, em consequência deste acréscimo, os estudos seriam certamente retardados, mas os corpos “teriam mais vigor”, ao passo que as almas sairiam “mais bem caldeadas”.Coisa que merece ser notada, quando Proudhon reflecte acerca do seu passado, apenas evoca os seus tempos de colégio.Não fala da escola de Burgille, a vinte quilómetros de Besançon, onde, durante quatro a cinco anos, recebeu as primeiras noções.Apenas por ténues alusões se refere ao seu professor, que não soubera adaptar os métodos vulgares à natureza excêntrica do aluno que ele fora e ao seu carácter impenetrável, e que, tomando o atraso da sua formação intelectual por falta de inteligência o condenara sem o compreender.Sem dúvida, sabe-se que o jovem Pierre-Joseph passava mais tempo a guardar vacas e a fazer os trabalhos do campo que a estudar.Contudo, é legítimo pensar que, ao sair da escola da aldeia, aos onze anos, sem ter tido outra leitura além do Evangelho e Les Quatre Fils Aymon, Proudhon não era tão medíocre como o dá a entender, visto que pôde acompanhar, no colégio de Besançon, a primeira divisão do ensino mútuo.XIÈ desafiando as suas lembranças de escolar e recordando a sua passagem no colégio de Gray, durante algumas semanas, que Proudhon faz a crítica do ensino secundário do seu tempo.Fá-lo em páginas muito interessantes da sua Création de l`Ordre dans l`Humanité.Primeiro, crítica de estrutura.Porque Proudhon rejeita a “hierarquia em oito degraus dos professores”, dizendo de outra maneira, “esta sequência de professores de oitava, sétima, sexta, quinta, quarta, terceira, segunda, primeira, que, distintos uns dos outros como os capitães de um regimento, pelo número da sua companhia, compõem quase todo o pessoal dos colégios”.A seus olhos, não é mais que uma ordem artificial de desdobramento científico que dá, como ele diz, servindo-se das expressões da terminologia fourierista, “a aparência de distribuição e de série”. Para ele, o modo natural de especificação e de desdobramento compreende unicamente a série dos professores de línguas, de matemática, de canto, de física, de história natural, de artes e de ofícios.A esta crítica referente à organização, Proudhon acrescenta a crítica dos programas e dos métodos.Se bem comprendemos o seu pensamento, acha que se consome demasiado tempo no estudo das línguas mortas.“Indubitavelmente, só falamos bem a nossa língua quando a estudamos comparativamente com outra; só sabemos bem o que exprimimos com nitidez e precisão: a arte de falar e de escrever é a primeira de todas.Mas que há de comum entre a ciência e as letras nestes oito anos de educação à maneira da Idade Média?Proudhon ataca igualmente o “processo mecânico e encarneirado” que se usa no ensino das línguas, e que impede o jovem de aprender “a revestir o seu pensamento, sempre original, em si, com um estilo próprio deste pensamento e original como ele”.Em abono da sua tese, cita um facto que se passou com ele:“Nos meus primeiros anos de colégio saía-me sempre bem no tema, era menos feliz no tratamento do mesmo.Não sabendo a que atribuir esta inferioridade muito especial, pus-me a compor frases conforme leituras feitas e a transpor, dos meus livros para os meus deveres, os “truques” que aprendera.Ainda foi pior.O professor repreendeu-me a pretensão e o rebuscamento pensando que eu descurava o sentido.Apercebi-me enfim de que, tal como os temas giravam à volta de uma ou várias regras rudimentares, que era necessário aprender, do mesmo modo a redacção era escolhida de modo a nos exercitar na mesma regra, mas de modo inverso: de sorte que, do tema à redacção, era sempre o mesmo trabalho.Percebi desde então a que tinha de me limitar; readquiri, no tratamento do tema, a minha superioridade do tema, e fui aplaudido!Chama-se a isto ensinar uma língua: eu digo que é ensinar a macaquear (...) Julgamos formar escritores; só se fazem excrevinhadores.”Temas, versões, versos latinos, narrações, tais como são praticados, juntamente com a história, a geografia e as outras matérias, no fundo, não são mais que o exercício da memória, sob formas diferentes.É a maior acusação que Proudhon faz ao ensino secundário.Ele não se ilude com a “divisão pomposa”, mais ou menos fictícia dos estudos.Assim se explica, a seus olhos, o facto de que, em cada classe, o mesmo aluno ganhe quase todos os prémios, e que os ganhe ainda nas classes seguintes.Enquanto “o público se admira de que, numa mesma geração, se juntem tantos talentos precoces”.E Proudhon acaba por concluir:“Mostramos uns aos outros, com complaciência, a pobre criança que obteve oito prémios na sua classe; não pensamos que lhe demos, sob nomes diferentes, oito vezes o mesmo prémio.”Daqui a dizer que as distribuições de prémios são “absurdas” vai apenas um passo. Proudhon dá-o.Mas, como veremos mais adiante, nem por isso recusa a emulação; antes, pelo contrário, lhe alarga o âmbito, fazendo-a sair da rotina dos preconceitos e das antigas tradições.A emulação foi sempre olhada, com razão, como a grande mola do ensino e o móbil mais vigoroso da juventude; a classificação escolástica dos estudos faz dela um princípio de vaidade tola e uma causa de desencorajamento.”Ao passo que ela consagra e acentua as “desigualdades aflitivas”, Proudhon quer utilizá-la para as diminuir progressivamente, mesmo para as suprimir.“Estabelecei prémios de coragem, de força, de corrida, de dança, de canto, de marcenaria, de metalurgia, etc; estes valerão bem os outros e não serão menos significativos.Então, tal como na própria juventude o nivelamento das capacidades, à medida que vos afastais das idades inferiores.”Aqui, muito suavemente, pelo caminho da emulação, Proudhon leva-nos à concepção politécnica da educação, que não é mais que um meio de preparar a igualdade nas inteligências e condições básicas.Compreendemos agora melhor as suas largas opiniões acerca da instrução superior e por que razão a universidade, tal como ele a concebe, não está reduzida a quatro ou cinco faculdades, mas se torna “verdadeiramente universal, abrangendo no seu vasto seio ciências, letras, artes, indústria, agricultura, comércio, trabalhos públicos, exército, economia social, destino do género humano, dos rudimentos do pensamento até às últimas profundidades da inteligência”.XIIDepois do primeiro “tempo de escolaridade”, que dura até aos sete anos completos e pode ir até aos oito, começa, para Proudhon, a politecnia da aprendizagem.Tanto quanto é possível julgar pela análise dos textos, que nem sempre estão completamente de acordo, esta politecnia assume uma forma diferente conforme se trata do meio agrícola ou do meio industrial.Mas, tanto num como noutro meio, dura dos dez aos doze anos.Do ponto de vista agrícola, Proudhon não é inovador nem traz nenhuma sugestão.É que ele considera a politecnia como já realizada, empiricamente.E porquê? Porque, entre os camponeses, “as crianças são usadas desde cedo nos trabalhos dos campos, ao mewsmo tempo que recebem a instrução da aldeia”.Base bem frágil para uma politecnia digna deste nome!Contudo, é partindo daqui, e inspirando-se ao mesmo tempo no seu espírito anarquista e federalista e na sua desconfiança do Estado, que Proudhon arquitecta um modo de ensino que, pelo menos, tem o mérito da maior flexibilidade.“A partir dos sete até aos dezoito anos, a educação e a instrução da juventude prosseguirão, quer pelos próprios pais, no domicílio, se esse é o seu desejo, quer em escolas particulares, instituídas e dirigidas por eles, e a seu cargo, se, melhor, eles não gostam de confiar os seus filhos às escolas públicas.Com este objectivo, deixa-se aos pais e às comunas a maior liberdade: o Estado só intervém a título de auxiliar, onde a família e a comuna não forem capazes de cumprir.”Vê-se que Proudhon só subsidiariamente encara a intervenção do Estado no campo da politecnia agrícola.No que toca à politecnia industrial, modera esta intervenção, concedendo “um papel importante” às associações operárias e prevendo uma ligação destas com as famílias.Porque estas não abandonam o seu direito de vigilância e permanecem encarregadas de abastecer os adolescentes de fatos, roupa branca e sapatos.Mas, antes, juntamente com Proudhon, convém distinguir a grande e a pequena indústria.Proudhon não sente necessidade de fazer esta distinção em agricultura, porque, no seu tempo, as grandes explorações eram minoritàrias e, baseando os seus cálculos no geral, só quer considerar as explorações familiares.Proudhon não vê maior obstáculo a organizar a politecnia da aprendizagem na pequena indústria do que vê na agricultura.“Elas (as pequenas indústrias) acumulam-se facilmente, quer entre si, quer com o trabalho agrícola; longe de se mostrarem refractárias ao ensino amplo, elas chamam-no, a fim de que o operário possa mudar à vontade de ofício e circular no sistema da produção colectiva como a moeda no mercado.”XIIIÉ na grande indústria, formada da combinação de funções parcelares, portanto nas manufacturas, grandes fábricas, oficinas e estaleiros de construção, que Proudhon vê dificuldades práticas a ultrapassar.“Sendo a habilidade manual substituída aí pela perfeição das ferramentas, invertem-se os papeis entre o homem e a matéria: o espírito já não reside no operário, passou para a máquina; o que devia fazer o mérito do trabalhador tornou-se, para ele, um embrutecimento.O espiritualismo, demonstrando deste modo a separação da alma e do corpo, pode gabar-se de ter feito uma obra-prima.É, pois, uma ressurreição que se trata de operar”Sobre qur base executar esta ressurreição? Aqui, Proudhon extrai as consequências, quer das suas críticas, quer dos seus planos.Declara que a politecnia da aprendizagem é a união indissolúvel da instrução profissional e da instrução literária e científica, da teoria e da prática, do trabalho e do estudo, “durante tanto tempo e tão estupidamente isolados”.Opõe-se a que se limite o aluno-aprendiz a uma rigorosa especialidade, exigindo dele um trabalho útil e produtivo.Os dois primeiros pontos foram suficientemente tratados para que seja claramente inútil voltar a eles, mas o terceiro merece desenvolvimento.Proudhon, não faz mais que seguir caminhos já percorridos.Mas é conveniente acentuar que tem empenho especial nesta prática.Textos significativos, que se estendem de 1851 a 1864, passando por 1858, documentam a constância das suas opiniões a este respeito.Esclarecem que Proudhon não distingue a educação profissional “do exercício real, útil, sério, quotidiano da profissão”, e que vai até ao ponto de julgar que “as despesas de educação devem ser cobertas, e ultrapassadas, pelo rendimento dos alunos”.Para ele, “todo o cidadão dedicado à indústria deve, como aprendiz e companheiro, independentemente do serviço público que deve prestar, pagar a sua dívida para com o trabalho, executando, uma após outras, durante um tempo determinado e mediante salário proporcional, todas as operações que compõem a especialidade da exploração industrial”.Além disso, é esta obrigação que lhe dará, mais tarde, o direito “de participar na direcção e nos lucros”, como sócio ou patrão.Mas enquanto Michel Lepeletier encarregava os pais de família com funções de gestão em cada estabelecimento de educação nacional de avaliar e fixar o valor das tarefas, Proudhon, o antiestatal, encarrega o governo deste cuidado.XIVÉ o governo que organiza, igualmente, esses grandes trabalhos, “um bom número dos quais pode ser executado pela juventude das escolas”.Esses trabalhos incluem as “corveias repugnantes e penosas”, “todas as corveias que requerem as necessidades da sociedade e o serviço interior da grande oficina”.O dever dos jovens é “cumpri-las alegremente e com bravura”.Procedendo assim, eles pagam “a dívida da aprendizagem” - decididamente, Proudhon tem muito empenho nesta ideia - e satisfazem a “lei da igualdade”.É ainda o governo que está encarregado de generalizar a aplicação do “grande princípio” da instrução profissional combinada com a instrução científica e literária.O governo alcança isto através de acordos com as explorações agrícolas e manufactureiras, estaleiros, fábricas, portos, minas, do mesmo modo que com as principais entidades industriais e oficinais.Trata com as companhias, empreiteiros, fabricantes e artistas.Proporciona a criação das escolas-oficinas“devendo a instrução operária ser integralmente dada a todos, tanto do ponto de vista de cada especialidade industrial como no da colectividade das indústrias, e toda a fábrica de produção, onde as funções estão divididas, é, ao mesmo tempo, para os indivíduos em vias de aprendizagem e ainda não associados, uma oficina de trabalho e uma escola de “teoria e aplicação”.Deve, pois,abandonar-se a ideia tradicional que se faz da escola:“ Trata-se de fazer de um estabelecimento político uma instituição económica”.Nesta fórmula de uma tão grande clareza, Proudhon acentua bem o carácter novo que quer dar à escola.Mas não marca talvez ainda bastante até que ponto o ensino deve confundir-se, aos seus olhos, com o trabalho efectivo, a escola deve incorporar-se na oficina.É insurgindo-se contra as escolas profissionais, organizadas artificialmente fora do ciclo da profissão, que Proudhon esclarece a natureza exacta do objectivo que pretendia alcançar:“Se a escola das minas é outra coisa que não o trabalho das minas acompanhado dos estudos próprios da indústria mineral, essa escola não terá por objectivo fazer mineiros, mas chefes de mineiros, aristocratas.Se a escola das artes e ofícios é outra coisa que não a arte e o ofício, ela não terá já por objectivo fazer artesãos, mas directores de artesãos, aristocratas.Se a escola do comércio é outra coisa que não o armazém, o escritório, a sucursal de casa bancária e comercial, ela não servirá para fazer comerciantes, mas barões do comércio, aristocratas.”Assim, Proudhon mostra admiravelmente que o que ele pretende alcançar, guiado pelo interesse do proletariado, é a cultura profissional da massa, e não a de um escol.E é por isso que, coerente consigo mesmo, ele se insurge, em duas passagens significativas, tanto contra as escolas especiais médias, que formam contramestres e chefes de oficina, como contra as escolas especiais superiores.Relativamente a estas últimas escreve:“As nossas escolas, quando não são estabelecimentos de luxo ou pretextos para um emprego rendoso sem trabalho, são seminários da aristocracia.Não foi para o povo que se fundaram as escolas politécnicas, normal, Saint-Cyr, de Direito, etc, foi para alimentar, fortificar, aumentar a distinção das classes, para consumar e tornar irrevogável a cisão entre a burguesia e o proletariado.”A escola-oficina, segundo Proudhon, não é, pois, uma oficina fictícia, destinada a um pequeno número de operários, que, isolados da produção real, se isolarão eventualmente da classe produtora.É a oficina verdadeira onde se instruem profissionalmente todos os jovens produtores a quem nada separa, nem do ciclo, nem da classe da produção.E é porque eles fazem parte integrante da produção que os alunos-aprendizes são já assalariados.XVO governo recebe as somas que competem aos trabalhos que eles executam.Apóes o que, satisfeitas todas asa despesas, distribui o excedente aos interessados, “a título de salário, proporcionalmente à capacidade e aos serviços de cada um”.Todo este trabalho imenso de organização efectua-se, como já dissemos, com a ajuda das associações operárias.Contudo, Proudhon não nos explica como e em que medida estas participam nos acordos com os estabelecimentos industriais, marítimos e agrícolas, na vigilância das oficinas, na formação de mestres apropriados, no estabelecimento de salários, etc.Fica-se em vagas generalidades, limitando-se a estabelecer, em princípio, que as organizações operárias, postas em relação com o sistema de instrução pública, “se tornam ao mesmo tempo centros de produção e de ensino”.Dá a entender que elas estabelecem o contrato de aprendizagem, que, em consequência das mudanças ocorridas, se acha convertido num “pacto de mutualidade” entre “todos os pais de família das diversas profissões” para a permuta dos seus filhos.Proudhon replica, aos que se sentirem tentados a achar “exorbitante” esta tarefa destinada à juventude durante trezentos dias do ano, que não há nada, em tudo o que foi dito, que não se pratique todos os dias, quer no campesinato, quer nos ofícios e manufacturas, em que os aprendizes, “trabalhando sem ou mediante salário, pagam com os seus trabalhos a sua aprendizagem, ao mesmo tempo que prosseguem os seus estudos de matemática, desenho, etc.Mas, da “nova e grande instituição” cuja estrutura deu a largos traços, Proudhon espera duas vantagens, além da formação cultural conforme aos seus desideratos.É que, por um lado, as enormes despesas de instrução escolar e profissional, mais a alimentação, a lavagem de roupa e o alijamento, equivalendo o total, para a sua época, a uma soma de seiscentos milhões por ano, não custaria nada nem às famílias, nem às comunas, nem ao Estado.Por outro lado, pela primeira vez se achariam organizados os trabalhos do Estado e da grande indústria, tirando partido “destes milhões de jovens trabalhadores cuja força desperdiçada é enorme e que dariam o seu trabalho tão alegremente e a tão baixo preço”. Assim, em vez de serem abandonados “à exploração dos seus infelizes pais, ou - o que é pior - dos grandes especuladores da indústria monopolista”, em lugar de serem esmagados pela ignorância nos limbos da mendicidade e do crime, seriam utilizados no melhor dos interesses da comunidade.XVIProudhon completa a politecnia da aprendizagem, que dá ao trabalhador “um conhecimento lógico e enciclopédico da indústria”, pela organização das funções sobre o princípio da ascensão a todos os graus ou graduação maçónica.Este princípio de progressão hierárquica sobre a base de aspirações igualitárias, Proudhon parece tê-lo extraído, se bem que pareça repelir as acusações, do que ele chama as diversas “confrarias de franco-mações”: Bons Cousins, Carbonari, Compagnons du Devoir, etc. Vê na simbólica comum destes agrupamentos, que serviram de “prelúdio” à revolução do passado, o germe da revolução futura. E é por isso que ele pensa que a solução regeneradora em pedagogia popular é, junto com a politecnia da aprendizagem, a transposição do princípio de igualdade progressiva “das cerimónias de iniciação maçónica para a realidade industrial”.Esta opinião - muito firme em Proudhon, visto que ele a expressou com vigor com quinze anos de intervalo - percebe-se quando sabemos que Proudhon foi enfant de la Veuve (Loge Sincerité, Parfaite Union e Constante Amitié, à l`Orient de Besançon).Admirava os símbolos maçónicos: compasso, nível, esquadro, martelo, como instrumentos de trabalho e de medida. Via no “Grande Arquitecto” a personificação do Equilíbrio e do Trabalho universais.Enfim, mesmo “adormecida” em 1860, não mantinha menos a sua simpatia pela Ordem.De resto, visitou os “irmãos mações” de Namur e teve relações com Massol, Madier-Montjau e outros franco-mações famosos do Segundo Império, época em que invocava bastantes vezes Weisshaupt, o fundador do iluminismo.Mas como é que Proudhon quer aplicar o princípio da graduação das funções, que surge, em muitos aspectos, como uma imitação sem originalidade das iniciações maçónicas?Afirmando, sem dar sombra de prova, que a vocação de todos é a passagem da condição de aprendiz à de companheiro, depois à de patrão ou associado.“Fora disto há só mentira e palavreado;caís fatalmente, pela servidão do trabalho parcelar, repugnante e penoso, no proletariado; recriais a casta; voltais, pela insuficiência da instrução positiva, ao sonho místico; destruís a justiça.”No decurso da sua primeira iniciação, o trabalhador é, pois, aprendiz.É a época em que frequenta a escola-oficina e passa de uma oficina a outra, para fazer o seu “giro profissional”, como outrora os companheiros faziam o seu “giro de França”.Proudhon, é certo, não emprega este termo de “giro” profissional, mas é o que convém, sobretudo se levarmos em conta que, em todas as suas considerações sobre este ponto, ele procede por analogia.Em todo o caso, eis como ele raciocina:Do mesmo modo que a instrução literária implica uma pluralidade bastante considerável de conhecimentos, o que exige nas escolas uma pluralidade de mestres e de professores, do mesmo modo também a instrução profissional, tal como uma sã economia política, a dignidade da democracia e a segurança das pessoas a desejam, implica uma certa pluralidade de artes, o que exige aq pluralidade de mestres e contramestres, uma pluralidade de escolas e oficinas, e, por consequência, em certos casos, deslocação dos jovens.Para ser admitido como companheiro e tomar lugar entre os cidadãos, o aprendiz deve sofrer uma série de provas.“(...) Porque seria estranho imaginar que um indivíduo goza do direito social pela simples razão de que pertence à espécie e acreditar que o facto do seu nascimento o coloca na nobreza.Tal é, confesso-o, o preconceito monárquico e nobiliário, preconceito eminentemente desorganizador e anti-social.”Nos nossos dias, quando se apresenta um candidato para uma carreira administrativa, pergunta-se-lhe se ele cumpriu o serviço militar.Pois bem! Inspirando-se neste facto, Proudhon exige que - antes de “conceder ao jovem o direito de cidadão: liberdade individual, associação no trabalho, salário, casamento, voto, direito de petição, de acusação e de censura” - se lhe façam as perguntas prévias: “Recebestes a instrução prescrita?” “Exercitaste-vos nalguma arte ou profissão?” “Cumpristes as obrigações da aprendizagem?” “Passastes por todos os graus?” “Mostrai os vossos diplomas!”, etc.Quer que todo o ferreiro, serralheiro ou mecânico, que exige um emprego numa comuna, não só saiba manejar a lima e o martelo, mas possua “conhecimentos vastos de metalurgia, química, geologia e minas”, que tenha feito as suas provas nas forjas e arsenais e que, “ora, sob o uniforme da escola, tenha observado as leis da natureza inorgânica nos laboratórios, se tenha acostumado aos processos da arte nas oficinas da universidade, ora, sob a blusa do, pioneiro e a armadura do soldado, tenha pago o seu tributo à extracção dos óleos e dos minerais e à defesa da pàtria”.Se a comuna tem necessidade de pedreiros e canteiros, Proudhon exige dos pretendentes um corpo robusto,a mão forte e segura, alma de artista e, junto á prática do ofício, a geometria descritiva, a estática, a arquitectura, a composição dos cimentos, etc.Com estas concisões, com estes detalhes, Proudhon faz-nos compreender claramente o grau de instrução superior e de formação profissional integral que espera da politecnia da aprendizagem.Confirma-nos, ao mesmo tempo, o seu ódio pelo trabalho parcelar, visto que os trabalhadores, chegados ao segundo estádio da sua ascensão, quer dizer, munidos de uma especialidade, chegam a dominar de alto a sua profissão, adquirem esta visão do ofício na sua totalidade, que lhes ensina a fazer, como homem e como cidadão, com plena consciência e conhecimento, o que é preciso.De ora avante, estão aptos a tornar-se associados ou mestres.É o terceiro grau, ou grau supremo de iniciação.Neste estádio, os trabalhadores, “por novos estudos noutros géneros de indústria”, possuem a totalidade do sistema industrial.São superiores ao “homem de pura ciência”, que , atulhado de abstracções, em que se compraz o seu pretenso “génio”, só capta na realidade metade do real.Perspectiva grandiosa a desta cultura superior, arquitectada sobre um plano completamente diverso da cultura tradicional, e que não mais eleve alguns privilegiados à “fascinação aristocrática, espiritualista e predestinacionista”, mas a massa profunda do povo, por gradação, ao domínio e à filosofia do trabalho!De resto, Proudhon não vê limite para esta ascensão intelectual do trabalhador manual.Arrastado pelo seu fervor igualitário e suas ilusões sobre a eficiência da politecnia, vê a instrução chegando a este terceiro e último estádio de iniciação.Não escreve, fazendo uma comparação admirável:“A instrução do homem deve ser, como outrora o progresso na piedade, concebida e combinada de tal modo que dura aproximadamente toda a vida.Isto é, verdadeiramente, de todas as pessoas e das classes operárias, mais ainda que dos sábios de profissão.O progresso na instrução, como o progresso na virtude, é de todas as condições e de todas as idades: é a primeira garantia da nossa dignidade e da nossa felicidade.XVIISe agora, para além dos princípios fundamentais da politecnia da aprendizagem e da graduação das funções, que asseguram ao período da maturidade “uma habilidade enciclopédica e um lucro suficiente”, nós quisermos descortinar mais além nas opiniões pedagógicas de Proudhon, alguns pontos prenderão a nossa atenção.Em primeiro lugar, as suas exposições acerca da determinação das vocações, partindo da consideração sobre a desigualdade dos cérebros e a diversidade dos caracteres.Em sua opinião, os mestres fazem mal em tratar todas as crianças da mesma maneira e os pais em lhes determinar um destino sem atender aos seus gostos.Muitas vezes, há discordância entre o andamento didáctico da escola e “a natureza viva e reflexiva”.Reconhecem-se capacidades latentes.Elas rebentam no momento em que menos se espera.É que a evolução da vida e da razão não se medem “segundo o tempo”.Ela processa-se “por impulsos irregulares, por crises e entusiasmos”.Por outro lado, há caracteres e naturezas difíceis de revelar.“Este, que não aprendeu nada com o mestre-escola, chegado aos dezoito anos, nesta época de febre, de paixão e de entusiasmo, tornar-se-á mestre no estaleiro, manobrando os barcos e na prática.do machado e do alvião ascenderá à leitura e ao cálculo; para ele, o desdobramento dos conhecimentos parecerá seguir uma marcha retrógrada.É que tudo é começo e fim para a natureza, e, sobre qualquer ponto da alma que ele apoie o compasso, traça a sequência e faz nascer aí a inteligência.Esperar pacientemente o momento propício, espiar a natureza, captar o pensamento no momento da sua eclosão, são coisas que não se praticam nas nossas escolas; o método, concebido no cérebro de um ministro ou de um escriturário, está traçado; o destino do aluno está decidido pela sua família: “Anda, menino! Anda, rapaz! As condições que te põem não te são simpáticas? Não interessa, submeter-te-ás a elas ou não serás mais que um animal!”Como é que não se vê que em qualquer homem a actividade obedece a uma tendência particular? Que esta tendência, forçosamente especial, é o princípio da capacidade futura? Que compete ao mestre adivinhá-la, não a deixar fugir, firmar-se nela como num centro activo, para, de lá, operar em todos os sentidos e em todas as direcções?O vosso aluno nasceu empreendedor e devastador? gostaria de exercitar-se na madeira, na pedra ou no ferro? O seu cérebro, dotado de uma grande força de objectivação, só admite representações concretas e imagens? Livrai-vos de iniciá-lo por abstracções e leis! Dai-lhe ferramentas para manejar, árvores ou pedras para talhar, chegará o tempo em que, da prática, ascenderá à teoria; e, ao passo que, para outro, a inteligência precede a acção, para ele será a acção que precederá a inteligência.Estas observações, muito justas e bem expostas, que mereciam figurar nos tratados de pedagogia, confundem-se inteiramente com o ensino de Rousseau.Elas explicam por que razão Proudhon considera que a aplicação deve muitas vezes antecipar-se à teoria e a especialidade das lições deve restringir-se, “à medida que se declara a aptidão natural do aluno e que os seus progressos são mais rápidos”.Notemos que, se Proudhon atribui tanta importância ao desenvolvimento das vocações, é no próprio interesse do ensino, é, podíamos dizer, por preocupação de pedagogia racional.E sentimos bem que, na conjuntura, reflecte sobre o seu modo de proceder e fala com conhecimento de causa. Mas a ideia de cultivar a fundo, desde a infância, as vocações, não a aceita senão com muitas reticências.Só a admite para os indivíduos excepcionalmente dotados, para génios, susceptíveis de prestar os maiores serviços à comunidade.Em geral, recusa-se e edificar tudo pedagogicamente sobre a base da propensão e da aptidão.Nem quer o indivíduo fechado numa especialidade intelectual, nem um trabalho parcelar.Quer, pelo contrário, que se o prepare, antes de tudo, para a vida - que é um combate -, que, pela formação do carácter, se o torne apto a responder “a todas as situações”, que ele seja “capaz de tudo”.Basta dizer que, neste ponto, Proudhon se afasta ao mesmo tempo da pedagogia de Fourier e da pedagogia cristã.Aliás, reconhece-o formalmente.XVIIIProudhon está convencido “da capacidade manifesta de um grande número dos estimáveis professores”. Pensa que os mestres representam “verdades escondidas” que a democracia deve “fazer surgir”.Mas não pode estar de acordo com o grande mestre da universidade quando este impele os professores à candidatura legislativa, na medida em que, a seus olhos, eles representam uma espécie de mediocridade.É que Proudhon não quer que os transformem em clientela, destinados a servir com os seus “votos silenciosos” a guerra aos ricos e o arbitrário democrático.Nada de “prostituição dos mestres”, de “patriciado de mediocridades”. Tal é o ponto de vista de Proudhon, e, nas circunstâncias de então, o seu protesto documenta um amor e um respeito pela dignidade do professor que merecem ser notados.No que respeita aos mestres, com respeito à gestão do serviço público da educação, a tendência de Proudhon é democrática.Quer que intervenham na administração e direcção do ensino, que colaborem, como hoje se diria.Assim como não trata a fundo do problema da sua formação, não trata a fundo do problema do seu recrutamento.Contudo, no Programme Révolutionnaire de 23 de Abril de 1848, Proudhon sujeita os agentes de ensino à “eleição dos cidadãos” e prevê, sem dúvida, para eles como para outras categorias de funcionários, o voto “por maioria, quer relativa, quer absoluta, ou por maiorias mais fortes, consoante o objectivo e as circunstâncias”.É uma ideia que não é tão “estranha” como se pretendeu, pois que esteve em uso durante muito tempo nas nossas aldeias, pelo menos para o ensino primário, e Proudhon não deixa de lembrá-lo.Em 1851, volta a esta mesma ideia:“Uma comuna tem necessidade de um professor.Escolhe-o a seu gosto, jovem ou velho, casado ou celibatàrio, aluno da escola normal ou autodidacta, com ou sem diploma.A única coisa essencial é que o dito professor convenha aos pais de família e que eles sejam senhores de confiar-lhe ou não os seus filhos.”Ao contrário do que escreveu Auger-Laribé, nas Oeuvres Complètes de Proudhon, Marcel Rivière, 1938, pág. 331 esta era uma ideia bem firmada no espírito de Proudhon nesta época.Nas suas Confessions d`un Révolutionnaire, em Outubro de 1849, escrevia ainda:“A instrução pública não estaria muito mais universalizada, os mestres, inspectores e professores muito melhor escolhidos, o sistema dos estudos tão perfeitamente em relação com os interesses e costumes, se os conselhos municipais e gerais fossem chamados a entregar a escola aos mestres, ao passo que a universalidade só teria de passar-lhes diplomas, se, na instrução pública como na carreira militar, fossem exigidos os atestados de serviço nos postos inferiores para a promoção aos superiores?”Notemos, de passagem, o final desta citação. Ela determina claramente que Proudhon transpõe a graduação das funções do campo dos alunos para o dos mestres, o que representa uma crítica antecipada do sistema actual.Um pouco mais tarde, em 1851, na Idée Génerale de la Révolution au XIX siècle, pronuncia-se acerca do plano geral para a eleição dos funcionários e, ao mesmo tempo, apenas aflora o lado político e cívico do ensino socialista, tão fortemente salientado por Buonarroti.Mas a primordial importância da educação popular está longe de lhe escapar.Desde Outubro de 1846, na sua Philosophie de la Misère, imagina a sociedade futura capaz de assegurar “a igualdade política e industrial dos cidadãos” e fazendo por dar-lhes “a igualdade das funções e a equivalência das aptidões” pela elevação do seu nível, graças a “um vasto sistema de educação”.Mais tarde, no momento em que soçobra a democracia, estabelece a finalidade suprema da revolução: “para sempre, a educação da humanidade, a libertação do indivíduo”.E, confiante no futuro, afirma “a possibilidade de uma educação do povo”.Neste ponto, não faz mais que reunir-se aos outros teóricos socialistas.Mas, verdadeiramente, só ele concebeu um sistema de educação adequado à aprovação dos regulamentos pelos associados.Enquanto, no capítulo do ensino primário, pede que a função “proceda do contrato livre e seja submetida à concorrência”, a única coisa essencial que convém aos pais de família, estres permanecem senhores de confiar ou não os seus filhos ao professor.Escusado será dizer que esta ideia implica uma posição de hostilidade em relação ao monopólio universitário.Proudhon confirma esta posição observando que, por causa da politecnia da aprendizagem, a educação “não pode mais depender do Estado”, que els é “incompatível com o Governo”.Além disso, vimos que Proudhon recusava a intervenção do Estado nos primeiros “tempos de escolaridade” e limitava o seu papel o mais possível ao período de educação profissional.É perfeitamente certo que Proudhon, de acordo com as suas tendências anarquistas, se pronunciou contra o monopólio do ensino.No campo das relações entre o ensino e a religião, Proudhon aprova a “separação da instrução religiosa e da instrução elementar”, decretada pela Assembleia Nacional em 1848.Aos seus olhos, ela consuma “a obra dos enciclopedistas, a descatolização da França”. Ele é, pois, a favor da eliminação do ensino confessional.De resto, na escola-oficina, não cabe nem pode caber um ensino religioso.A politecnia da aprendizagem acarreta, ipso facto, o laicismo da instrução.XIXResta-nos saber se, no espírito de Proudhon, a politecnia da aprendizagem se aplica às raparigas e, neste caso, sob que forma.O fecundo publicista deu várias vezes uma resposta formal à primeira pergunta.Em todos os seus cálculos relativos às despesas de formação profissional, não deixa de especificar “rapazes e raparigas dos sete aos dezoito anos”, as “crianças e adolescentes dos dois sexos, parte mais interessante da nação”, que avalia entre sete milhões e meio, oito milhões de indivíduos, pouco mais ou menos.Mas Proudhon não se pronunciou formalmente acerca da natureza e das modalidades da politecnia da aprendizagem para as raparigas.Para responder a este segundo assunto estamos, pois, reduzidos a conjecturas, baseando-nos na opinião do pensador com respeito às mulheres e à família.Ora, é preciso dizê-lo, poucos escritores há que mais tenham rebaixado a mulher que Proudhon, salvo talvez os doutores em teologia.Há poucos que se tenham afirmado tanto a favor da omnipotência do marido e do pai.Proudhon, o partidário da igualdade, não só proclama a desigualdade dos dois sexos, mas faz da mulher um ser inferior, que coloca entre o homem e o reino animal, um “ser imoral”, e, o que para ele é tudo, uma “improdutora por natureza, inerte, incapaz de produzir riqueza, cuja capacidade de trabalho “não é nem um terço da do homem”.Daqui resulta que, a seus olhos, a mulherdeve ser escrava do homem.Este tem o direito de morte sobre ela, em seis casos enumerados friamente.Deste modo, o republicano e o anarquista estabelece no lar a monarquia absoluta, o inimigo das leis ratifica o direito romano, o inimigo de Deus volta à Bíblia, o mutualista rompe com o princípio de justa garantia recíproca dos serviços e dos valores.É claro que, se “a mulher não precisa pensar em si própria”, se não tem de colher os frutos da árvore da ciência, se se cobre de ridículo como sábia, “procurando no céu os planetas distantes”, “calculando a idade das montanhas”, “discutindo questões de direito e processos”, está-lhe vedada a cultura digna deste nome.E se, “na ordem política e económica, a mulher não tem verdadeiramente nada que fazer”, não se percebe por que razão se lhe havia de aplicar a politecnia da aprendizagem tal como ao homem.Mas, como, apesar de tudo, Proudhon prevê a politecnia da aprendizagem para o sexo fraco, deve-se então admitir que ela se reveste de uma forma particular no que respeita a este último.Aplica-se, não à produção no campo agrícola ou industrial e na comunidade do trabalho, mas em casa, no plano do lar e no isolamento familiar.O ensino profissional das raparigas só pode ser, portanto, um ensino caseiro.XXNo fim deste estudo, no qual demos o mais possível a palavra ao interessado, não ressalta - como já o dissemos ao começar - que Proudhon, a contradição encarnada, manifestou uma excepcional unidade de opiniões no tocante à filosofia do trabalho e uma continuidade de ideias muito notável em pedagogia?E, contudo, uando se defendeu da acusação de destruidor e enunciou a extensa lista das teorias muito positivas que podiam ser inscritas no seu activo, Proudhon não incluiu a sua teoria referente à educação.A menos, evidentemente, que ele a tenha incluído, implicitamente, na “chusma de verdades acessórias” contidas nos seus trabalhos.Mas, mesmo neste caso, teríamos a prova de que ele era muito propenso a minimizar o seu contributo em pedagogia, porque a sua teoria educativa é bem mais que uma “verdade acessória”.Quanto a saber o que, de Proudhon, já passou para a legislação universitária, a pedagogia prática e o movimento operário, basta reflectirmos e olharmos à volta para nos apercebermos.Este contributo é tão grande que se fez o balanço dele depois de 1920, à saída duma guerra. Para infelicidade dos homens, surgiu depois um novo cataclismo.Mas as opiniões pedagógicas de Proudhon não pararam de ganhar terreno.Inspiramo-nos nelas no ensino técnico, nos colégios modernos, nos centros de aprendizagem, nos cursos profissionais complementares.Do ponto de vista educativo Albert Thierry é o mais fiel e o mais consequente dos discípulos de Proudhon, mas essa é uma história que não cabe aqui contar.