Wednesday, February 28, 2007

Como diminuir o défice do Estado sem aumentar impostos


O governo propõe-se como todos sabemos mas que convém ter sempre presente reduzir o défice orçamental em 4 pontos percentuais, de 6,8% para apenas 2,8%. É verdade que entretanto o défice já não se situa nos 6,83% do PIB mas baixou para 6,72% devido às contas mal feitas da comissão Constâncio…mas para aquilo que quero demonstrar, vamos falar sempre em quatro pontos percentuais que é o que está em causa e que levou o governo a trilhar o caminho mais fácil, ou seja, o aumento dos impostos indirectos que como se sabe são os impostos mais injustos.
Falamos em quatro pontos percentuais do défice que o governo quer baixar no prazo da legislatura, ou seja quatro anos de 2005 até 2009. Sabemos que um por cento do défice corresponde a 1400 milhões de euros. Logo quatro por cento corresponde a 4 vezes 1400 milhões, ou seja, 5.600 milhões de euros. É isto que está em causa e é este número que a partir de agora vamos ter sempre presente na análise que se segue.
O nosso objectivo não é dar receitas, até porque ninguém nos encomendou nenhuma, mas apontar certas realidades visíveis para quem esteja numa posição liberta de grupos do que quer que seja. Vejamos então o que a realidade nos aponta.
Na análise da situação podemos ir por dois caminhos diferentes mas não necessariamente opostos. Trata-se do mesmo país que tem um défice de 5.600 milhões de euros em 2005 e que no entanto calcula que a fraude e as fugas fiscais se situam na ordem dos 11,4 mil milhões de euros…por ano. O problema do défice ficava logo resolvido. É claro que a questão não é assim tão fácil, até porque não é um problema de dinheiro mas é mais de poder. Poder que gere dinheiro…
Nos tribunais existem 3 milhões de processos por resolver, devido a evasão e fraude fiscais que correspondem a 15 mil milhões de euros. Na segurança social há uma dívida por cobrar de cerca de 2,4 mil milhões de euros. As empresas cotadas na bolsa, que usufruem de inúmeros benefícios fiscais, em 2004 aumentaram os seus lucros em 47%. Os bancos que duplicaram os lucros em suposta época recessiva só pagam 15% de imposto enquanto que as outras empresas pagam 25%.
Vejamos agora um outro caminho pelo qual podemos também ir. Segundo o Orçamento Geral do Estado se olharmos para as despesas dos serviços integrados por classificação funcional (basta ir à página da direcção geral do orçamento em http://www.dgo.pt/oe/2005/Aprovado/Mapas/map02-2005.pdf podemos chegar a conclusões muito interessantes. As funções gerais de soberania contando com os serviços gerais da administração pública (os políticos e a burocracia) com a defesa nacional (as forças armadas) e a segurança e ordem públicas (as diversas polícias) vão gastar, já estão a gastar 6 856 480 840 euros em 2005 (mais de 6.800 milhões de euros) mais do que todo o défice…
Só para se ter uma ideia da enormidade deste valor as funções económicas do Estado incluindo a agricultura e a pecuária, a silvicultura a caça e a pesca, a indústria e energia, os transportes e as comunicações, o comércio e o turismo, para além de todas as outras funções económicas envolvem um montante da ordem dos 2.100 milhões de euros, mais precisamente 2 105 449 822 euros em 2005 que corresponde a menos de um terço da manutenção da máquina do Estado. Estes valores devem-nos levar a reflectir…Aqui sim é que podemos falar de “monstro”…
Segundo o Jornal de Negócios existem em Portugal 88 683 cidadãos fardados, dados de 2004, que custam às finanças públicas para cima de 4.000 milhões de euros distribuídos da seguinte maneira:
Exército: 8028 do quadro permanente mais 8961 em regime de voluntariado ou contratados.
Marinha: 7810 do quadro permanente mais 2099 em regime de voluntariado ou contratados.
Força Aérea: 3534 do quadro permanente mais 3234 em regime de voluntariado ou contratados.
Polícia Marítima: 1062
PSP: 27633
GNR: 26322
Total de efectivos: 88683 cidadãos. Pergunta-se: Para quê tanta gente fardada? Para quê quase 17000 no exército, 10000 na marinha e 8000 na força aérea. Metade não seria mais do que suficiente para os generais e os almirantes “brincarem” às guerras?
Mas olhando para os mapas respeitantes às diversas despesas do orçamento do estado há uma que sobressai imediatamente pela sua dimensão e pela sua exorbitância que é a respeitante às operações da dívida pública que totaliza mais de 45.000 milhões de euros.
Tendo em conta que a totalidade dos dinheiros que o orçamento monopoliza é um pouco mais de 83.000 milhões de euros, repare-se que o país tem que se “organizar” com 38.000 milhões de euros que corresponde a 45,7% do total. Dito a partir dum exemplo mais simples vamos imaginar que o vencimento dum trabalhador por conta de outrem é de 830 euros mas que quando ele recebe o ordenado no final do mês tem que entregar imediatamente 450 euros devido a uma dívida que contraiu ao banco, de modo que na prática só tem 380 euros para se governar durante todo o mês. Temos que concordar que este trabalhador tem algumas dificuldades de gestão…assim está o país. Quem é que o governou? Quem é que o tem governado? Tire-se as ilações devidas. É por isso que acho sempre muita piada àqueles que defendem que o caos se instalaria com o fim do Estado pelo menos tal e qual como o conhecemos…
Isto vem a propósito dum texto escrito por um dos ideólogos do neo liberalismo que com o título “A nobre missão dos políticos” defendia no início do mês uma outra opção uma outra opção para o aumento dos impostos e isto na senda de outros ideólogos do mesmo quadrante. Qual a opção? Privatizar! Privatizar todas as empresas que ainda estão nas mãos do Estado. Não sei se estes ideólogos defendem que o Estado deve guardar alguma coisinha para si mas isso não faz parte do argumento principal que é privatizar, privatizar o que o Estado ainda tem no seu controle…
Segundo ele “A democracia moderna emergiu de um processo para limitar o poder do governo, nomeadamente o poder arbitrário de cobrar impostos.”
Esta democracia de que ele fala é a que emergiu no mundo de língua inglesa a partir do século XVII em Inglaterra tendo como contraponto a democracia francesa que teria “apagado” da memória das pessoas esta origem liberal e conservadora da democracia e introduzindo a ideia que ele considera “bizarra” de que um governo grande seria aceitável e mesmo desejável desde que fosse um “governo do povo”. O responsável por essa ideia seria Rousseau que teria produzido várias consequências todas negativas e particularmente uma que seria igualmente ineficaz que era a ideia de que os impostos deveriam ser altos. Daí que a missão dos políticos é de tomar consciência de que o principal mal do país reside no excessivo poder do Estado. E portanto o político deve ter como preocupação fundamental liderar um processo que limite e faça recuar o poder do Estado ou seja o seu próprio poder…Está bem à vista de todos o que aqueles que defendem a via liberal pretendem realmente. Pouco Estado que para eles será melhor Estado porque não será um empecilho às suas actividades económicas…
Repare-se numa certa semelhança entre anarquistas e capitalistas selvagens, desculpem, entre anarquistas e liberais. O ponto de partida da análise política, social e económica tem a ver com o Estado e com as mais amplas limitações que se pretende impor mas com consequências enormes para todo o conjunto da sociedade. O mais das vezes a análise do discurso “tout court” revela-se insuficiente, limitativo e enganador.

P.S. Premonição. Os valores poderão alterar-se o que é perfeitamente normal, os argumentos utilizados quer neste texto quer no anterior intitulado “Saldo Total das Administrações Públicas e Orientação da Política Orçamental em Portugal – Uma Reflexãozita” manter-se-ão válidos até 2009, ou seja, até ao fim desta legislatura, isto é, se ela chegar ao fim…