Wednesday, January 10, 2007

BAKUNIN: O HOMEM FÁUSTICO POR EXCELÊNCIA

Faust
"Eh! que suis-je donc?... Cette couronne de l'humanité vers laquelle tous les coeurs se pressent, n'est-il tous impssible de l'atteindre?MéphistophélèsTu es, au rest.. ce que tu es. Entasse sur ta tête des perruques à mille marteaux, chausse tes pieds de cothurnes hauts d'une aune, tu n'en resteras pas moins ce que tu es." (1)GOETHE"La critique en effet dessine plus souvent à travers bien des divergences, sur les étapes de l'itineraire notamment - l'image d'un Faust exemplaire, peu à peu conduit au cours d'un progrès aux modalites discutées, à la victoire sur le mal à l'action liberatrice, à la perfection de l'homme." (2)DABEZIES"Tudo o que é humano no homem e mais do qualquer outra coisa, a liberdade, é o produto dum trabalho social, colectivo. Ser livre no isolamento absoluto é um absurdo inventado pelos teólogos e pelos metafísicos"BAKUNINO título exposto poderá ser eventualmente intrigante para a maioria dos leitores. Ao apresentar uma comunicação sobre o anarquista Bakunin era perfeitamente natural debater variadíssimas questões entre as quais destacaria a temática do Homem e da Liberdade, fundamental em todo o pensamento anarquista e especificamente em Bakunin. Mas tal, o autor destas linhas, não o faz aparentemente..."Duas noções dominam a ideologia bakunista: indivíduo e liberdade. São dois pólos passionais em nome dos quais Bakunin trava um incessante combate com as instâncias da repressão." (3)"Tudo o que vive... tende a realizar-se na plenitude do seu ser. O homem, simultaneamente ser vivo e pensante, para se realizar tem primeiro de se conhecer. (...) Para se realizar na plenitude do seu ser, o homem tem de se conhecer, e nunca se conhecerá de um modo geral e completo, enquanto não conhecer a natureza que o cerca e da qual ele é produto. A não ser que queira renunciar à sua humanidade, o homem tem de saber, tem de penetrar com o seu pensamento o mundo real e, sem esperar atingir o fundo, tem de aprofundar sempre, cada vez mais, a coordenação e as leis, pois a sua humanidade só se atinge por este preço... para que ele possa compreender a sua própria natureza e a sua missão neste mundo, sua pátria e seu teatro único; para que neste mundo de cega fatalidade, ele possa inaugurar o seu mundo humano, o mundo da liberdade. Tal é a tarefa do homem." (4)O que se pretende á apresentar alguns tópicos que levem ao delineamento duma nova interpretação sobre a celebérrima personagem do mais famoso romance de Goethe: o Dr.Fausto, tendo como pano de fundo a vida e obra de Bakunin. Indiscutivelmente que se trata duma empresas ousada que acarreta os seus riscos. Não os tememos, no entanto.Quando falamos de Fausto não nos queremos referir às diversas interpretações que inúmeros pensadores apresentaram. Não está aqui em causa propriamente a interpretação específica do Fausto de Goethe, ou do Fausto de Valéry, ou do Fausto de Thomas Mann, ou do Fausto de Téosofos, ou do Fausto de Oswald Spengler, ou do Fausto Nazi, ou finalmente do Fausto marxista. O nosso objectivo é mais restrito e, ao mesmo tempo, na tentativa de encontrar um tipo de relacionamento entre Bakunin e Fausto, mais universalista, Não nos interessa analisar a história do Fausto de Goethe mas ver o que representa esse nome Fausto. Não o enredo, mas importância do Fausto na tradição ocidental. (5)Trata-se de levantarmos algumas questões sobre as possíveis relações que podemos estabelecer, entre Bakunin e Fausto no seu sentido mais geral, ou seja, o que está por detrás da história que chamaríamos, e parafraseando André Dabezies e João Barrento, de homem faústico? Vamos explicar o nosso ponto de vista. A história do mito de Fausto é uma história que impõe respeito, primeiro pela antiguidade do mito, que os comentadores mais abalizados fazem remontar ao século XVI, segundo, pelo número de pensadores que lhe têm feito referência.Perante esta problemática, pretendemos dar um novo contributo com um conjunto de interrogações que queremos levantar. Em primeiro lugar, já que falamos em homem faústico e ideologia faústica, é importante marcar bem uma distinção entre faústico e faustiano. João Barrento faz esta distinção da seguinte maneira:"Mas, se é certo que o faústico, como ideologia e como filosofia, deriva modernamente de Goethe, é também um facto que não encontramos o adjectivo neste autor. Conviria, aliás, para esclarecer o âmbito semântico dos adjectivos portugueses, por um pouco de ordem no uso, muitas vezes indiferenciado e pouco rigoroso, dos termos "faústico e faustiano."João Barrento prossegue, dizendo que:"O adjectivo "faustiano" servirá mais referir, ainda antes de Goethe, mas também depois dele, uma figura histórico-lendária, depois também literária, e tudo aquilo que a caracteriza, quer num sentido mais neutro, quer mais frequentemente, negativo, de acordo com a imagem dominante de Fausto até ao século XVIII. A temática faustiana é assim, a do herege condenável, religiosas, moral e politicamente, de que ainda encontramos ecos nas próprias versões modernas que, passando por cima de Goethe, regressam às origens (por exemplo a de Hans Eisler). O Fausto primitivo não é assim, "faústico", se entendermos que este adjectivo refere, depois de Goethe, um tipo humano, ideológica e filosóficamente marcado e positivamente conotado. Neste "segundo mito de Fausto" (Dabezies), em que os traços fundamentais da aspiração ilimitada e do esforço contínuo transformam a figura num modelo positivo, vamos encontrar as raízes, quer de uma "ideologia faústica" especificamente germânica, quer de uma filosofia e de uma psicologia do "homem faústico universal".Naturalmente que não vamos defender a "ideologia faústica especificamente germânica" mas pelo contrário "uma filosofia e de uma psicologia do homem faústico universal."João Barrento ainda nos vai dizer mais uma coisa que a nós interessa especificamente:"Em conversa com o seu secretário Eckermann, Goethe não deixa dúvidas quanto à forma como o seu Fausto deve ser lido: não como epopeia nacional - assim como assim impossível numa Alemanha sem qualquer unidade - mas antes como obra cujo sentido é universal e cósmico e cuja ideia central, se uma existe, é a do esforço humano como factor positivo de libertação." (6)Relembro a interrogação atrás deixada sem resposta: até que ponto é Bakunin exemplo do homem faústico? As duas características básicas do Fausto são em primeiro lugar o culto da acção e, em segundo lugar, o universalismo cosmopolita. A dimensão faustiana mais importante é a da existência humana. Isto são dados que considero adquiridos e que não vou aqui discutir. Por aquilo que poderia dizer sobre a temática Homem e Liberdade em Bakunin, as características básicas do Fausto e a sua dimensão fundamental aplicam-se integralmente ao pensamento bakuniano. Mas dizer isto parece muito pouco, pois sabemos muito bem como Hitler apreciava a frase faústica "No Princípio era a Acção" e quando falamos em culto da acção em relação a Bakunin, é num sentido diferente - o da prática revolucionária libertadora. Temos que encetar caminho por outro lado.Fausto representa o homem ocidental por excelência, o que há de mais específico nele, os seus encantos, as suas desilusões, as suas ansiedades, as suas angústias, a sua vontade de agir, o seu universalismo, enfim, o que há de mais representativo na tradição ocidental. Chegados a esta altura temos que perguntar até que ponto é Bakunin pertença dessa tradição? Esta é a grande questão. Pela originalidade do seu pensamento, pela recusa dos valores fundamentais dessa mesma tradição, pela recusa da constituição duma doutrina dada como evangelho, será Bakunin ainda um pensador da tradição? Por aquilo que simboliza a obra e a prática vivencial de Bakunin, a resposta só pode ser uma. Apesar de tudo, Bakunin é um pensador da tradição ocidental, pois como poderia ser de outro modo?Por muito que se critique a tradição e por muito que se queira alterar um estado de coisas é dentro desse estado de coisas que se deseja fazer esse tipo de alterações. Pelos antecedentes filosóficos de Bakunin e pelo próprio projecto anarquista só dentro da tradição se pode pensar em termos de mudança. Outros críticos perspicazes da tradição estão intimamente ligados a ela; só para citar um nome: Nietzsche.A nossa tese vai ainda mais longe. Não só o pensamento de Bakunin deve tudo à tradição ocidental donde ele emergiu, como Bakunin, por aquilo que ficou dito (e não dito) quanto à sua concepção de Homem e Liberdade é o expoente mais bem acabado do homem faústico.Não o homem faústico em que subjaz uma ideologia, seja ela nacional-socialista, marxista, ou outra, mas o homem faústico "cuja ideia... é a do esforço humano como factor positivo de libertação". Parece-me que o que Goethe pretende captar no Fausto é o ser afectado por uma força viva, por uma afecção de si, na terminologia de Paul Ricoeur. Esta força só pode ser sentida. O Fausto promove a afecção desta força viva, que só pode ser entendida e não conceptualizada. A captação da força viva dá-se pela vontade, como afirmação de si. Ora esta força viva, é o que há de mais essencial no ser humano que é ao mesmo tempo a afirmação de si: desejar ser livre para poder tranquilamente aspirar à felicidade. Também o anarquismo, tal como pode ser apresentado como uma doutrina, como um sistema à maneira de Kant ou de Hegel.O anarquismo bakuniano só pode ser sentido, desejado e posto em acção. Como nos diz Dabezies a respeito de Fausto, também o poderíamos dizer em relação a Bakunin:"Sem dúvida veremos mais uma vez, novamente Fausto surgir entre nós, sob uma máscara cada vez mais actual, para nos lembrar que é dado ao homem o poder de escolher a sua vida, de ser, com o seu deus ou com o seu demónio, criador de si próprio; reside aí a sua grandeza - o seu drama." (7)Finalmente para terminar, não posso deixar de citar as últimas palavras de Fausto que são palavras anarquistas à maneira de Bakunin, ou pelo menos, têm uma carga potencialmente anarquizante: "Eu gostaria de viver no meio dum povo livre numa terra livre."Notas:(1) Goethe - Faust, Trad. Gérard de Nerval, Paris-Flammarion, 1964, Pág.80.(2) André Dabezies - Visages de Faust aux XX Siècle, Paris, Puf, 1967, Pág.37.(3) Wanda Bannour - Bakunine, História da Filosofia, Ideias, Doutrinas, Direc.François Châtelet, Lisboa, D.Quixote, 1978, Pág.259(4) Bakunin - Conceito de Liberdade, Porto, Ed. Rés, 1975, pp.7-8(5) Sobre as diversas interpretações do Fausto ver a obra de André Dabezies, Visages de Faust aux XX Siècle, Paris, Puf, 1967(6) João Barrento - Fausto, A Ideologia Fáustica e o Homem Fáustico, Fausto na Literatura Europeia, Lisboa, Apáginastantas, pp.200-201.(7) André Dabezies, Visages de Faust aux XX Siècle, pág.515