O ESTADO E O PAPEL DAS ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS
Nos países capitalistas avançados, as assembleias legislativas tendem a desempenhar hoje em dia um papel subsidiário no processo de tomada de decisões. Embora se continuem a prestar tributos solenes às assembleias legislativas como últimos repositórios da "vontade popular", os governos procuram isolá-las cada vez mais da pressão parlamentar efectiva.Todavia, as legislaturas mantêm um certo grau de influência. E se por um lado os interesses mais importantes tendem actualmente a considerá-las como instrumentos auxiliares para a promoção dos seus objectivos, acham que ainda vale a pena exercer todas as pressões de que forem capazes através de assembleias representativas. Também neste caso os interesses do negócio estão muito mais bem colocados do que os seus competidores.Por outro lado, são os partidos conservadores, com esta ou aquela denominação, que têm continuado, pelo século vinte fora, a dominar as assembleias legislativas. Tem havido excepções, mas a situação geral tem sido, em simples termos de maiorias, de predomínio conservador. As maiorias conservadoras destas assembleias têm sido quase sempre constituídas por indivíduos das classes média e superior. Seja qual for a sua origem social, os membros destas maiorias têm-se mostrado sempre fortemente inclinados a assumir uma visão favorável da actividade capitalista e desfavorável das propostas e das políticas que lhes pareçam ser prejudiciais aos seus interesses. O caso extremo é obviamente o dos Estados Unidos. Mas mesmo nas assembleias legislativas doutros países, têm sido normalmente os interesses associados ao negócio e à propriedade que têm conseguido mobilizar as grandes forças parlamentares.Também não se pode esquecer que os grupos parlamentares dos partidos como os dirigentes e funcionários sindicais, têm muitas vezes agido, por ordem dos seus dirigentes e segundo o interesse nacional, por forma a não desenvolveram os interesses da classe trabalhadora, mas antes a aplacá-los. A maioria dos membros destes grupos têm sucumbido facilmente a uma sedução parlamentar que afecta acentuadamente toda a sua virilidade política, obrigando-os a ver o mundo através da névoa parlamentar, que de forma alguma conduz à afirmação militante de uma consciência de classe que, de qualquer maneira, muitos deles jamais nutriram. Mas aqueles que a tiveram e tentaram agir em conformidade, chegaram sempre à conclusão de que embatiam numa série de obstáculos de ordem diversa, destinados precisamente a refrear essa afirmação de militância. Mais importante ainda, experimentaram sempre inúmeras dificuldades face aos seus dirigentes parlamentares e partidários, e bem assim aos seus leais e responsáveis colegas: de todas as forças que têm refreado os parlamentares socialistas nos partidos sociais-democratas, nenhuma foi mais eficaz do que a dos seus próprios dirigentes e parceiros do parlamento.Os parlamentares comunistas, por seu turno, protegidos por uma carapaça ideológica mais espessa, têm sido muito menos vulneráveis aos efeitos debilitantes daquilo a que Marx chamou o "cretinismo parlamentar". Não têm estado, contudo, imunes à malícia. Nem tão pouco é inevitável que os grupos parlamentares de partidos revolucionários devam assumir as características dos seus homólogos burgueses. No entanto, a participação parlamentar, que os partidos empenhados na mudança revolucionária não podem desprezar nas condições políticas de regimes de tipo ocidental, fomenta na verdade as tendências oportunistas e constitui um estímulo para o ponto de vista de que a política é sobretudo uma questão de estratégia, de táctica e de manobra parlamentar, que exige sacrifícios em questões de princípio e de objectivo.As maiorias conservadoras funcionam para vantagem do negócio e interesses correlativos. Mas para muitos dos seus objectivos, estes interesses confiam não na superioridade numérica legislativa, mas noutros factores favoráveis.Um destes relaciona-se com o facto importante de que aos poderosos interesses estabelecidos basta muitas vezes impedir a aprovação e promulgação de leis que afectem desfavoravelmente os seus privilégios. As assembleias legislativas prestam-se admiravelmente a esta finalidade inibitória e bloqueante, descrita por um autor americano como fazer política sem estar presente. Mas o que é importante é que o espírito de destruição dos parlamentares se manifesta quase sempre contra medidas que a comunidade do negócio também desaprova, incluindo medidas de bem estar social que afectam direitos de propriedade e que podem ser denunciadas como socialismo sub-reptício ou algo do género.Este género de preconceito a favor do negócio que se encontra em todas as legislaturas do mundo capitalista, tem em parte origem nas inclinações espontâneas dos legisladores. Como no caso dos governos e dos funcionários públicos, seria ingénuo pensar que os membros das legislaturas são instrumentos involuntários do negócio poderoso e doutros interesses ligados à propriedade. Se eles defendem estes interesses, é porque acham que é fácil equacionar a sua defesa com o interesse nacional.Por outro lado, a pressão é algo que muitas vezes se exige no que concerne a políticas e exigências específicas. Essa pressão pode ser assaz difusa. Mesmo quando a relação entre as pressões e o comportamento parlamentar não são tão nítidas, o negócio e outros interesses ligados à propriedade têm recursos imensamente mais vastos do que qualquer outro interesse, para moldar o espírito e a vontade dos legisladores e influenciar o processo legislativo. As pressões poderão ser directas e pessoais e tomar diversas formas. Poderão também ser exercidas via opinião pública, por meio de campanhas de base, imensamente dispendiosas, que os interesses do negócio estão em muito melhor posição do que qualquer outro grupo para empreender (através do controlo dos orgãos de comunicação social, por exemplo.) Tais campanhas poderão não ser sempre coroadas de êxito; outros interesses conseguem frequentemente exercer considerável pressão sobre as legislaturas. Seja como for o negócio está infinitamente mais bem equipado do que outros grupos económicos para exercer uma pressão eficaz sobre todos estes orgãos.Aquilo que esse facto indica é o que o elemento legislativo do sistema de Estado, como todos os outros elementos anteriormente analisados, permaneceu normalmente, não obstante o sufrágio universal e a política de concorrência, muito mais um instrumento das classes dominantes do que das classes subordinadas, muito embora actualmente seja bastante menos seu instrumento exclusivo do que noutros tempos. As legislaturas poderão ajudar a atenuar o padrão da dominação de classes, mas também permanecem um dos seus meios.
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