Monday, January 08, 2007

PROUDHON E O MANIFESTO COMUNISTA DE 1848

“Com a clareza e o fulgor do génio, esta obra delineia uma nova concepção do mundo…” É com estas palavras que Lénine se refere ao Manifesto no texto biográfico sobre Marx. Esta é a perspectiva que os marxistas habitualmente fazem passar embora possamos encontrar no texto de Engels “Para a História da Liga dos Comunistas” algo de diferente como consta da seguinte passagem: “Quando, na Primavera de 1845, nos encontrámos de novo, em Bruxelas, Marx tinha já desenvolvido, de um modo acabado, (…) a sua teoria materialista da história nos seus traços principais e dedicámo‑nos, a partir de então, a elaborar no pormenor o modo de ver recém‑adquirido, nas mais diversas direcções.”Não está no meu horizonte investigar esta discrepância mas somente realçar esta tese: O Manifesto Comunista vale por aquilo que é: um Manifesto. E não deixa de ser estranho e ao mesmo tempo interessante que Marx numa obra que é considerada tão genial, não se consiga libertar do trauma que sempre constituiu a presença de Proudhon. Marx faz‑lhe referência explícita, aliás como acontece na maior parte das suas obras, no capítulo III, ponto 2 intitulado “O socialismo conservador ou burguês” e onde se pode ler: “Uma parte da burguesia deseja remediar os males sociais para assegurar a estabilidade da sociedade burguesa. Nela se contam economistas, filantropos, humanitários, melhoradores da situação das classes trabalhadoras, organizadores da caridade, protectores dos animais, fundadores de ligas anti‑alcoólicas, reformadores ocasionais dos mais variados. E também este socialismo burguês foi elaborado em sistemas completos.Como exemplo mencionamos a Philosophie de la misère, de Proudhon.”Esta crítica dura e feroz não é original. Em todo um conjunto de outras obras anteriores e posteriores encontramos o mesmo conjunto de críticas dirigidas àquele que foi considerado a “cabeça filosófica do socialismo em França”. Embora nem sempre tenha sido assim. É isso que é necessário aqui e agora investigar.É necessário relembrar rapidamente a história que levou à elaboração do Manifesto. Em 1847, membros da Liga dos Justos liderados por comunistas, reuniram­se em Congresso em Londres. Decidiu­se alterar o nome da sociedade, que se tornou a Liga dos Comunistas. Na mesma altura, a velha divisa dos “Justos”: “Todos os homens são irmãos”, foi substituída pela divisa marxista: “Proletários de todos os países, uni-vos!” Por fim, e antes de se separarem, decidiram apresentar no próximo Congresso uma Profissão de fé comunista.Moses Hess redigiu uma que Engels considerou “água de rosas”, que substitui por outra redigida por si no final de Outubro de 1847. É uma espécie de catecismo, através de perguntas e respostas, no total de 25. Podemos aí ver o primeiro despontar do Manifesto.O Manifesto do Partido Comunista foi elaborado por Marx, em Dezembro de 1847 e em Janeiro de 1848. Saíu da tipografia nos últimos dias de Fevereiro por altura em que a revolução rebenta em Paris. A acreditar no Prefácio de Marx‑Engels do Manifesto, edição de 1872, a primeira tradução francesa teria aparecido, em Paris “pouco antes da insurreição de Junho de 1848”. Mas se esta tradução foi alguma vez publicada, nunca foi encontrada até aos nossos dias.O que interessa ter presente, é que a existir passou completamente despercebida. O insuspeito marxista Vasco de Magalhães­Vilhena vai mais longe dizendo que “As tentativas de publicação do Manifesto em francês, em 1848, 1849, 1851 e 1869, fracassaram – tanto quanto se conseguiu apurar até hoje.” Só em 1872 é que a edição francesa do Manifesto apareceu e mesmo assim incompleta. A primeira tradução francesa completa do Manifesto parece ser, pelo menos no entender de Rubel (Bibliographie des oeuvres de Marx, Rivière, Paris, 1955.) a de Laura Lafargue, aparecida em 1886, no “Le Socialiste”, em Pa­ris. O texto foi revisto por Engels e impresso com os cuidados do Partido Operário Francês. Só mencionarei por divertimento a obra de Jean Collot, “Le complot communiste” (Baudinière, sem data, aparecida sob ocupação nazi.) O autor pretende explicar a revolução de 1848… pelo marxismo! É puxar a brasa à sua sardinha dum modo demasiado escandaloso.É caso para perguntar, quem em 48, tinha notado as “geniais” concepções de Marx? Entre os franceses, se não me engano, ninguém; entre os alemães, com a excepção de Engels, muito pouca gente. Na realidade, o carácter “genial” destas concepções só apareceu muito mais tarde. Pode lamentar‑se, mas o facto não é menos certo. Quem se preocupou, em 1848, com o Manifesto Comunista?Há na história da humanidade, anos que não têm sorte.Vindos demasiadamente cedo ou demasiadamente tarde para coincidir com grandes acontecimentos, guerras ou revoluções, nascidos antes ou após o seu termo, permanecem ignorados do futuro, mesmo se eles fizeram todos os possíveis em preparar novos caminhos.Enquanto que 1789 é universalmente conhecido por ter marcado o princípio da Revolução Francesa e a tomada da Bastilha, quem se lembra ainda de 1788 ou de 1787? Enquanto que a independência das colónias americanas data de 1776, quem se lembra de 1775 ou 1774? E, quem sabe que em 1846, dois anos antes da revolução de 1848, teve lugar um dos factos mais importantes para o futuro da humanidade, apesar da sua modéstia e do seu aparente mistério?1846, é o ano da ruptura entre dois homens, cada um representando uma concepção do socialismo.No mês de Maio desse ano, Karl Marx, envia uma carta a Pierre‑Joseph Proudhon. Este último responder‑lhe‑á e será o fim da unidade do socialismo, que bem vistas as coisas nunca existiu. Duas correntes vão desenhar‑se, uma na sequência de Marx, dirigindo‑se na direcção do totalitarismo, o estatismo e a perda das liberdades, a outra, ao lado de Proudhon, tentando realizar a associação dos homens livres e dos povos independentes. Duas correntes que, não para­rão de degladiar‑se e que, ainda hoje, dividem maneiras de pensar e de sentir.“Como Hegel, Proudhon exerceu sobre Marx uma influência constante, feita de atracção e de repulsa”.[1]1. A atracçãoEsquecemos demasiadas vezes a filiação Proudhon­Marx em proveito da polémica que os pôs frente a frente. Porém Marx, apesar de algumas divergências, foi desde as suas primeiras leituras, sensibilizado pela profundidade do pensamento proudhoniano.A Gazeta RenanaMarx não gozava de popularidade a não ser restrita e local quando descobriu a primeira memória sobre a propriedade de Proudhon. Nomeado, desde o dia 1 de Outubro de 1842, redactor em chefe da liberal “Gazeta Renana”, Marx rende-lhe homenagem, em 6 de Outubro declarando:“(...) para fazer a crítica de obras como as de Leroux, Considérant, e antes de tudo os trabalhos tão penetrantes de Proudhon, não chega algu­mas ideias superficiais e passageiras, mas é necessário primeiramente es­tudos prolongados e aprofundados”.[2]Marx não podia sentir‑se próximo dos socialistas alemães, dos “Livres” em particular, e das suas fantasias, e foi a leitura de Proudhon, “o escritor socialista mais lógico e o mais penetrante”[3], que lhe revelou certamente a possibilidade duma análise socialista profunda, rigorosa, científica.Paralelamente, Engels escrevia que “O que é a Propriedade?” era “da parte dos comunistas, a obra filosófica em língua francesa”[4].Podemos verificar que Proudhon não foi seguramente estranho à ade­são, em 1843‑44, de Marx e de Engels ao movimento comunista do qual pensavam eles, Proudhon era o mais fiel representante.Os “Deutsch‑Französischer Jahrbücher” e o “Vorwärts”Durante os anos 40, a repressão política intensificou‑se. Incomodados ou ameaçados pela polícia de Viena e de Berlim, os intelectuais alemães vinham em grande número para Paris. Rapidamente formaram uma coló­nia numerosa centrada à volta de Henri Heine que tendo‑lhes mostrado o caminho, os acolhia de boa vontade.Em Outubro de 1843, após a interdição da Gazeta Renana, Marx exilou­se em Paris onde empreendeu a criação dos “Anais franco‑alemães”. Foi Ruge que em 1843, propôs a formação dum tal periódico que deveria permitir pôr em relação o pensamento socialista alemão nascente com as diversas posições políticas e filosóficas dos socialistas franceses (L. Blanc, E. Cabet e, naturalmente, Proudhon). Marx responde imeadiatamente a esta proposição: “(...) eis um princípio, eis um aconteci­mento consequente, uma empresa pela qual podemos entusiasmar­nos.”[5]. Mas a ex­periência foi um desaire, e por duas razões; antes de tudo os socialistas franceses não se mobilizaram[6], em seguida os “Anais”, compostos de artigos de Marx, Ruge, Feuerbach e de Bakunine, foram perseguidos pelo governo prussiano desde o seu aparecimento, sob a forma dum número duplo, em Março de 1844, e Marx, Ruge, Heine e Bernays, banidos[7]; mas para além destes problemas objectivos, a ruptura de Marx com o seu co‑fundador A. Ruge, faziam dos Anais um “empreendimento moribundo”[8]. Esta ruptura teve como origem uma discussão durante a qual Ruge tro­çou de Herwegh; Marx não interveio logo, mas replicou escrevendo no dia seguinte uma carta apresentando Herwegh como um génio e Ruge co­mo um filisteu, um inimigo.É de notar que é a vontade de repetir esta experiência jornalística que desencadeia as hostilidades com Proudhon. Assim sendo, seria prematuro acreditar que os seus pensamentos não tivessem divergências mesmo se Proudhon permanecesse um modelo para Marx; deste modo o cita na sua crítica de Ruge:“(...) lembro os geniais escritos de Weitling que ficando bem atrás de Proudhon no seu desenvolvimento, o ultrapassam por vezes do ponto de vista teórico”[9].O “Vorwärts”[10] foi por sua vez interdito, desta vez por Guizot, sob pressão prussiana. Um artigo tinha com efeito, dado conhecimento do atentado contra Frederico­Guilherme IV lamentando que o atirador não tivesse sido mais bem sucedido. Marx teve que se exilar em Bruxelas.O encontroNão resta nenhum traço dos encontros entre Proudhon e Marx, mas podemos supor que Bakunine teria tido algum conhecimento[11]. Com efeito, enquanto germanófilo e vizinho de Heine, Bakunine frequentava bastante os refugiados alemães de Paris (Ruge, Herwegh,...) e vê Marx desde a sua chegada a Paris onde foram segundo Bakunine “bastante amigos”[12]. Para mais, completando, em Outubro de 1844 as ameaças de sanções do governo russo contra ele e os seus bens (Bakunine era nobre), aproximou­se dos refugiados polacos à volta dos quais gravitavam, por intermediário de George Sand, os socialistas franceses (V. Considérant, L. Blanc, Ledru‑Rollin,...) fieis à tradição polonófila dos republicanos franceses desde o Império. Bakunine já conhecia Marx quando encontra Proudhon pela primeira vez em 1844. Na época, Proudhon habitava em Lyon e foi durante a sua estadia em Paris (de 23 de Setembro de 1844 a 7 de Fevereiro de 1845) que se encontrou verosimilmente desde Setembro com Bakunine, e em seguida com Marx.Em 1844 Proudhon tinha já publicado, entre outros, as suas três me­mórias sobre a propriedade (1840, 1841 e 1842) e “Da Criação da Ordem na Humanidade” (1843) e trabalhava então no “Sistema das Contradições Económicas”. Era portanto já conhecido e respeitado. Daquilo que sabe­mos do carácter de Proudhon deixa o presságio que o orgulho de Marx (26 anos) foi lisongeado pelo acolhimento que o primeiro reservava às suas visitas.Marx escreveu, mais tarde, destes encontros: “No curso de longos de­bates que se prolongavam por vezes pela noite dentro, injectava‑o, para seu prejuízo, dum hegelianismo que não podia aprofundar, por causa da sua ignorância em alemão”[13].Podemos portanto legitimamente pensar que Proudhon fazia referên­cia a Marx quando escrevia, em 19 de Janeiro de 1845, ao seu amigo Bergmann: “Segundo os novos conhecimentos que fiz este Inverno, fui muito bem compreendido por um grande número de Alemães que admiraram o trabalho que fiz para alcançar sozinho o que eles dizem que há no seu país. Ainda não posso avaliar que parentesco há entre a minha metafísica e a lógica de Hegel, por exemplo, pois não li Hegel”[14].Além disso, podemos pensar que estas discussões não foram unica­mente filosóficas mas também económicas. Proudhon preparava O Sistema das Contradições Económicas e Marx estava já fortemente ligado a Engels desde a passagem deste por Paris em Setembro de 1844. Começava aliás a escrever sobre este assunto (Os manuscritos de 1844). Esta hipótese encontra­se reforçada por aquilo que escreveu Engels no prefá­cio duma nova edição da Miséria da Filosofia, na qual ele afirmava que Proudhon e Marx “tinham, em Paris, discutido, muitas vezes noites inteiras, questões económicas”.A Sagrada FamíliaEm Janeiro de 1845 é editada A Sagrada Família[15] (co‑assinada por Engels apesar de a sua contribuição se resumir a dois fólios) na qual Marx toma a defesa de Proudhon que representava então, para ele, “o proletariado elevado à consciência de si‑mesmo”, contra os ataques da “crítica crítica” de Bruno e de Edgar Bauer, declarando:“Proudhon submete a propriedade privada, base da economia política, a um exame crítico, ao primeiro exame categórico, tão impiedoso como científico por ele realizado, um progresso que revoluciona a economia política e torna possível, pela primeira vez, uma verdadeira ciência da economia política. A obra de Proudhon O que é a Propriedade? é tão importante para a economia política moderna como a obra de Sieyès O que é o Terceiro Estado? para a política moderna.”[16] e mais longe: “To­mou (Proudhon) a sério a aparência humana das relações económicas, e opô‑las cruamente à sua realidade inumana. Forçou estas relações a se­rem na realidade aquilo que são na ideia que temos delas, ou melhor, a renunciarem a essa ideia e a confessarem a sua inumanidade real. Portanto, representou muito logicamente consigo mesmo não esta ou aquela espécie de propriedade privada parcialmente, como fazem os outros eco­nomistas, mas tão só a propriedade privada, na sua universalidade, como falseadora das relações económicas.”[17]. E, enfim: “Ao fazer do trabalho a medida do valor e ao mostrar a mais­valia resultando da força colectiva, ele explicou porque é que o capitalista pode resgatar não somente o produto do trabalho, mas mais que este produto”[18].Vemos portanto com que força o jovem Marx ficou maravilhado e impregnado do pensamento proudhoniano. A questão que se coloca é de saber como é que após tantos testemunhos de admiração e de consenti­mento, tantas declarações respeitosas e elogiosas, Marx pode ter chegado ao arrebatamento de ódio que conhecemos? “As bruscas mudanças de humor de Marx, as passagens duma alegre camaradagem à hostilidade im­placável, de pézinhos de lã à garra”[19], não podem servir de explicação suficiente a uma ruptura que o colocou em rota de colisão tão profundamente, tão apaixonadamente com “o pensador mais ousado do socialismo francês”.[20]A repulsaA correspondência Proudhon­‑MarxFoi com um duplo objectivo que, em 15 de Maio de 1846, Marx es­creveu a Proudhon. Antes de tudo, o envio desta carta foi motivado pela vontade de formar uma organização internacional de informação. Lembramo‑nos do entusiasmo que já tinha suscitado um tal projecto aquando dos “Anais Franco‑Alemães”. Em boas relações com Prou­dhon nessa altura, Marx apressou‑se a contactá‑lo, fiel aos conselhos que Arnold Ruge lhe tinha dado em 1843 aquando desta primeira experiência.[21] A resposta de Proudhon neste ponto foi pouco encorajadora. Com efeito, se consentia “em tornar‑se um dos destinatários desta correspondência”, não se comprometia a “escrever nem muito, nem regularmente”.[22]O segundo objectivo não era directamente expresso por Marx, e só aparecia em post­scriptum na pena dum testa de ferro: Philippe Gigot. Este consistia numa denúncia de Karl Grün, apresentado como “uma espécie de charlatão que queria fazer o comércio de ideias modernas” e que após ter conhecido Proudhon permitia apresentar‑se como seu privat docent e de “troçar sobre os seus escritos”. Marx procurava desta maneira, um apoio em França no empreendimento que tinha começado na Ideologia Alemã, consistindo em desembaraçar­se da concorrência da influência de Grün junto dos refugiados alemães de Paris e assim libertava Proudhon. Aí novamente, a espectativa de Marx foi iludida, com Prou­dhon a convidá-lo a rever o seu “julgamento produzido devido a uma irritação”, desculpando Grün pelas suas “impertinências”, e relembrando finalmente que era devido a este último o seu conhecimento dos escritos de Marx e de Engels.Se as respostas de Proudhon às duas proposições que lhe foram feitas comportavam já uma condenação latente, o essencial da sua carta era constituído por uma lição moral dum ataque severo contra o autoritarismo do pensamento marxista que não deixava nenhuma dúvida sobre a oposição de Proudhon tanto a Marx como às suas teorias.Após um acordo de princípio sobre a utilidade duma tal correspondência (“Procuremos em conjunto, se quiser, as leis da sociedade, o modo como essas leis se realizam, o desenvolvimento segundo o qual com­se­gui­remos descobri‑las”), Proudhon insistia sobre a necessidade de “conservar por algum tempo ainda a forma crítica ou dubitativa” (“Por Deus! de­pois de termos demolido todos os dogmatismos a priori, não sonhemos nós em doutrinar o povo;”).É assim que após ter declarado o seu “anti­dogmatismo quase absoluto”, permite­se explicar o que em contrapartida exigia à rede epistolar à qual tinha sido convidado a participar: “Façamos uma boa e leal polémica; demos ao mundo o exemplo duma tolerância sábia e previdente, mas por­que estamos à cabeça do movimento, não nos tornemos os chefes duma nova intolerância, não nos apresentemos como apóstolos de uma nova religião (...) Acolhamos, encorajemos todos os protestos; desanimemos todas as exclusões, todos os misticismos; não consideremos nunca uma questão como esgotada (...) Com esta condição, entrarei, com prazer, na sua associação; caso contrário, não!”. Como é que Marx podia aceitar esta irrefutável lição de moral que para além disso, se apresentava como retorno duma carta de denúncia e no preciso momento durante o qual Marx acertava contas com os seus antigos mestres e amigos.Pior ainda, Proudhon insistia no seu desacordo com todo o pensamento revolucionário, violento e sanguinário, em proveito dum refor­mismo visando uma conciliação social: “Talvez você ainda conserve a opinião de que actualmente nenhuma reforma é possível sem um golpe repentino, sem aquilo que outrora se chamava uma revolução, e que não é, muito ingenuamente, senão uma sacudidela... Confesso‑lhe que os meus estudos mais recentes me fizeram desistir desta opinião, que aceito, que desculpo, que de boa vontade discutirei, já que durante muito tempo a tive também.” E enfim, “os nossos proletários têm uma tão grande sede de ciência, que seríamos mal acolhidos por eles, se não tivessemos a apresentar‑lhes para beber a não ser sangue. Em suma, seria, em minha opinião, de má política para nós, falar em exter­minadores.”[23]A Ideologia AlemãDevido ao facto do seu aparecimento tardio,[24] e o papel charneira que ocupa, A Ideologia Alemã na evolução das relações Marx­Proudhon nunca foi evocado. Com efeito, se a redacção do segundo volume estava concluída desde o princípio de Maio[25], a obra foi retrabalhada até ao fim do ano de 1846[26]. Parece no então claro, na leitura da obra, que se mistu­ram na Ideologia Alemã asserções dizendo respeito a Proudhon datando antes de Maio de 1846, da qual uma grande parte foram modificadas no seguimento, e outras acrescentadas após a carta de Proudhon de 17 de Maio de 1846. A Ideologia Alemã testemunha deste modo da evolução dos sentimentos que Proudhon inspirava a Marx antes e após esta correspondência.A remodelação constante da obra (até ao seu “abandono à critica dos ratos”), a ordem cronológica da escrita dos capítulos (diferente do da publicação), e o facto que a primeira redacção foi efectuada antes de Maio de 1846, fazem que não haja cisão clara, no seio da obra, entre as reflexões favoráveis e hostis a Proudhon. É deste modo que Proudhon tanto é apresentado como o comunismo incarnado[27], ou colocado no mesmo plano que Robespierre e Saint­Just[28], como negado de toda a profundeza intelectual[29].Duas passagens são particularmente reveladoras desta dupla lingua­gem. No primeiro caso, contra Stirner, Proudhon é felicitado pelo seu rigor:“(...) Proudhon apoia‑se sobre um facto histórico (...) Proudhon tinha todo o direito, face aos juristas dogmáticos (...), de os combater com as suas próprias hipóteses. (...) Só poderíamos atacar Proudhon acerca da sua fórmula se contra esta propriedade privada que saíu da comuna primitiva ele tivesse tomado o partido da forma anterior e menos evoluída.”[30] Marx conclui então pela ausência de qualquer sentimen­talismo no pensamento proudhoniano.O segundo extrato, no fim da parte sobre Karl Grün, foi visivelmente acrescentado após Maio de 1846: Marx tenta aqui voltar aos elogios que tinha endereçado a Proudhon:“Todas as demonstrações de Proudhon são falsas (...) As observações que nós fizemos sobre Proudhon na Sagrada Família (...), o Sr. Grün recopia‑as. Todavia compreendeu tão pouco do que se trata que deixou de lado o pico da crítica, a saber que Proudhon opõe as ilusões dos juris­tas e dos economistas à sua prática...O elemento mais importante do livro de Proudhon: Da Criação da Ordem na Humanidade é a sua dialéctica serial, tentativa de fornecer um método de pensamento graças ao qual substitui­se às ideias consideradas como entidades, o processo próprio do pensamento.Partindo do ponto de vista francês, Proudhon está à procura duma dialéctica, como a de Hegel, e não duma analogia puramente imaginária. Era portanto fácil fazer uma crítica da dialéctica proudhoniana por pouco que se tenha conseguido fazer a da dialéctica hegeliana”[31]!Como consta dos fragmentos supracitados, a carta de 17 de Maio en­gendrou instantaneamente uma revisão geral, uma inversão radical do que Marx havia até então pensado ou escrito a respeito de Proudhon. É entretanto surpreendente verificar que Marx não desencadeou então to­talmente a sua veia polémica. Esta reacção foi talvez devida a um receio táctico, a uma esperança de reconciliação, ou mais simplesmente, ao facto de Marx não dispor ainda da ferramenta conceptual suficiente ou adequada para combater um pensamento que tanto o influenciou e que, deste modo, se encontrava relativamente próximo do seu. Se não pode­mos afirmar que esta reserva de Marx provinha da dificuldade que ele encontrou em condenar Proudhon sem se negar, a Ideologia Alemã revela, em todo o caso, que a carta de Proudhon não faz mais que ferir a admiração de Marx sem a fazer voar em estilhaços.A preparação do Anti­‑ProudhonSe a Ideologia Alemã testemunha o reposicionamento de Marx em relação a Proudhon durante o ano de 1846, ela não permite datar com precisão durante este ano o momento desta mudança. É o estudo da correspondência de Marx e de Engels que nos irá trazer numerosas informa­ções suplementares, necessárias à precisão historiográfica, sobre a data e a maneira como se operou esta ruptura, mas também, para a identificação do papel desempenhado por Engels no processo que irá conduzir Marx à Miséria da Filosofia.A fase anti‑proudhoniana foi iniciada por Engels, no dia 18 de Setembro de 1846, quando de Paris, declarava numa carta a Marx, na altura em Bruxelas:“Na minha carta cometi uma injustiça gritante para com Proudhon. Eu pensava que ele tinha cometido um pequeno absurdo que ficaria dentro dos limites do senso comum. Mas ontem, a coisa foi discutida de novo e com detalhe, e apercebi‑me que este novo contrasenso é um contrasenso que ultrapassa verdadeiramente os limites.”Engels não foi portanto neutral na querela Proudhon­Marx, foi pelo contrário o fomentador, melhor, o iniciador. Mas é de notar que se são as ideias proudhonianas que são atacadas (“Nesta proposição, que repetiu um número incalculável de vezes Papá Eisermann e que tinha decorado de Grün, podes ver ainda distintamente transparecer as formulações ini­ciais de Proudhon”), é Grün que permanece, antes de qualquer outro, o principal inimigo (“É de qualquer das maneiras desencorajador ser ainda obrigado a atarefar­se contra inépcias do mesmo modo bárbaras. Mas é necessário ter paciência (…) antes de pôr em debandada Grün e dissipar a neblina do seu cérebro...”) Engels parecia portanto bem mais intransi­gente com Grün que difundia na altura a ideia de operários­accionistas no meio dos refugiados alemãs (que Engels considerava como o seu feudo), que com Proudhon, que tinha elaborado o conceito. Mas isto não deve mascarar a sinceridade da revolta de Engels. Pela primeira vez talvez, Engels viu a que ponto o socialismo que Proudhon anunciava na sua carta estava longe do seu e, portanto, que o Proudhon que ele quis que fosse o verdadeiro não era dissociável do Proudhon espiritualista que pensava poder ocultar[32].A divergência entre os nossos dois protagonistas, alimentada por um frente­a­frente passional derivado da espera específica de cada um para com o povo, visava igualmente os meios de alcançar o socialismo. Efectivamente, Engels, como Proudhon (e contrariamente a Marx, que nunca conseguirá manter um relacionamento íntimo com os operários ou os camponeses[33]), deixava­se encolerizar (“Isto é de dar crises de nervos.”) quando o “Peuple”, sobretudo os alemães, não respondia às suas esperanças[34]:“E aqui, os operários, estes jovens parvos (falo dos alemães), acreditam em todas estas idiotices; eles que não podem sequer guardar seis moedas no bolso para irem ao mercado comprar vinho na noite das suas reuniões, querem comprar toda a bela França com as suas economias!”. O empenho que Engels tinha tomado antes da sua vinda para Paris, de “encostar à parede” Karl Grün, deu lugar a uma luta de influência no fim da qual Engels declarou­se vencedor, no dia 23 de Outubro de 1846, na sua carta ao comité de correspondência comunista de Bruxelas:“O principal partidário e discípulo de Grün, Papá Eisermann foi posto fora, a influência dos seus outros fieis sobre a massa está difinitivamente minada, e fiz adoptar contra eles uma resolução que foi votada por unanimidade”.A estratégia desenvolvida por Engels para esta votação consistiu em três noites­ de debate acerca do projecto proudhoniano de associação, consistiu em fazer a assistência adoptar a designação de “comunista”, e depois pronunciar‑se contra os “anti‑comunistas”, e portanto contra Grün e Eisermann[35]. Na ocasião deste voto Engels definiu de maneira suficientemente ampla o comunismo de maneira a congregar o máximo de pessoas, sobretudo alemãs, à volta de Marx e de aniquilar deste modo a influência de Grün sobre estes. As intenções comunistas eram apresen­tadas como se segue:“1) promover os interesses dos proletários opostamente aos interesses dos burgueses;2) conseguir a abolição da propriedade privada, substituída pela comunidade dos bens;3) não reconhecer outros meios de alcançar estes fins que não sejam a revolução de­mocrática pela violência”.Como estamos a ver, Engels retoma progressivamente, negando‑os, os aspectos fundamentais do pensamento proudhoniano tal qual apareciam na carta de 17 de Maio de 1846[36].Esta correspondência de Engels esclarece‑nos portanto sobre o estado de espírito vingativo de Engels e de Marx durante o período que prece­deu “o Anti‑Proudhon”.Pelo seu lado, Marx escreveu uma carta a P. Annenkov, no dia 28 de Dezembro de 1846[37], ou seja somente dois dias após ter recebido o Sis­tema das Contradições Económicas, o seu primeiro ataque radical con­tra Proudhon. O tom de Miséria da Filosofia era dado logo nas primei­ras linhas:“O Sr. Proudhon não nos dá uma falsa crítica da economia política por­que ele é possuidor duma filosofia ridícula, mas ele dá‑vos uma filosofia ridícula porque ele não compreendeu o estado social actual na sua engrenagem...”.A crítica ao livro de Proudhon, considerado “em geral mau e muito mau”, “tosco e presunçoso”, dava os primeiros passos e baseava­se somente na crítica à compreensão proudhoniana da História. Aquele que declarava, somente dois anos antes, na Sagrada Família: “Proudhon não escreve só no interesse dos proletários, ele próprio é proletário. A sua obra (O que é a Propriedade?) é um manifesto científico do proletariado fran­cês, e por isso mesmo reveste um significado histórico completa­mente diferente da elocubração literária duma crítica qualquer”, afirma doravante: “O Sr. Proudhon é filósofo e economista da pequena burguesia, da cabeça aos pés. Numa sociedade avançada e por imperativo da sua situação social, o pequeno burguês faz­se socialista por um lado, economista por outro, quer dizer é ofuscado pela magnificência da alta burgue­sia e condói­se com as desgraças do povo. É, ao mesmo tempo, burguês e povo. Vangloria­se, no foro intímo da sua consciência, de ser imparcial, de ter encontrado o justo equilíbrio, que tem a pretensão de distinguir do meio termo. Um tal pequeno burguês diviniza a contradição, porque a comtradição é o fundo do seu ser. Ele é apenas a contradição social posta em movimento. Tem de justificar pela teoria o que é na prática, e o sr. Proudhon tem o mérito de ser o intérprete científico da pequena burguesia francesa – o que é um mérito real, porque a pequena burguesia será parte integrante de todas as revoluções sociais que se preparam.”Filosofia da Miséria – Miséria da FilosofiaSe a discórdia se concretiza com a carta de Proudhon que, além das suas críticas, punha em causa de maneira quase irremediável, o grande projecto duma correspondência internacional da qual Marx teria sido o centro, foi o Sistema das Contradições Económicas que desencadeou realmente a cólera de Marx. Para compreender a reacção deste último, é necessário retroceder, durante algum tempo ao ano de 1844.Foi em Setembro de 1844, quando da sua vinda para Paris, que Engels teve as suas primeiras discussões com Marx, iniciando‑o deste modo na economia política.[38]Em Outubro desse ano, Engels de volta à Alemanha, tem conhecimento que o seu novo amigo não está a trabalhar numa obra de economia política, mas sobre “esta coisa demasiado grossa” que era a Sagrada Fa­mí­lia; endereçou‑lhe então em Janeiro de 1845 uma carta da qual o com­teú­do era claro:“Trata de acabar o teu livro de economia política; mesmo que muitas das suas páginas não te satisfaçam, não importa. Os espíritos estão ma­du­ros e temos de malhar o ferro enquanto está em brasa (...) Mas já é altura! E procura terminá‑lo até Abril, faz como eu, fixa‑te uma data em que queiras ter acabado, e faz por que seja impresso rapidamente”[39]Esta primeira grande obra de economia social, que Engels esperava de Marx[40], foi publicada, logo em 1846, mas por Proudhon. Isto explica, sem dúvida, a obstinação de Marx, em Misère de la Philosophie, em demonstrar que Proudhon não podia orgulhar­‑se de ser o precursor da economia social. Se a identificação do socialismo com a economia política estava já anunciada na Criação da Ordem, só tomou uma forma rigorosa no Sistema das Contradições Económicas. Marx devia portanto libertar‑se totalmente desta nova paternidade de Proudhon se se quisesse impor co­mo o fundador do socialismo científico.Não é surpreendente que Engels, antes mesmo do aparecimento do Sistema das Contradições Económicas, tenha começado a crítica em 19 de Setembro de 1846, numa carta de Paris ao Comité de Bruxelas na qual concluía:“Proudhon torna‑se ridículo para sempre perante todos, e com ele todos os socialistas e comunistas franceses, aos olhos dos economistas burgueses se publica este trabalho”[41].No dia 15 de Outubro de 1846, é editado o Sistema das Contradições Económicas ou Filosofia da Miséria[42]; a resposta de Marx não tardará, escrita durante o inverno de 1846‑1847, anunciada em Dezembro na sua carta à Annenkov[43]. A Miséria da Filosofia foi editada em Junho de 1847.Não é necessário pensar todavia que esta oposição pode reduzir‑se a um simples caso de ambições, de estratégia política; O desacordo era mais profundo, e o que deixava entender a carta do dia 17 de Maio, sobre a oposição de Proudhon às teses comunistas, era larga e mais habilmente desenvolvido no seu livro. Inversamente, a evolução de Marx fazia com que não pudesse tolerar esta tese por sua vez tão próxima nos seus fun­damentos e tão longínqua nas suas implicações[44].Marx foi impregnado pelo pensamento proudhoniano que esteve na origem do caminho que o conduziu ao socialismo; partindo pois da mesma condenação moral da sociedade capitalista e das mesmas fontes económicas, não parou de reformular as noções proudhonianas[45]. Mas, a par da divergência dos seus pensamentos políticos, das suas metodolo­gias, das contradições acima apresentadas..., Marx transformará conside­ravelmente a essência do pensamento proudhoniano. Proudhon não viu esta transformação, sobretudo metodológica, quando anotou no seu exemplar da Miséria da Filosofia o seguinte:“O verdadeiro sentido da obra de Marx é que ele tem o desgosto que eu tenha, em todo o lado, pensado como ele e que o tenha dito antes dele. Pertence ao leitor acreditar que é Marx que, após me ter lido tem o pesar de pensar como eu. Que homem!”.Proudhon não se interessará mais por Marx e morrerá antes da publicação do Livro I do Capital; não pôde nunca medir a importância da re­toma dos seus conceitos pela análise marxista, do mesmo modo que o afastamento metodológico[46] e ideológico do novo quadro no qual estas noções se inscreverão. Se os conceitos proudhonianos se reencontram em Marx, o espírito já não está aí presente.Após o Anti‑ProudhonÀ publicação da Miséria da Filosofia Proudhon ignorará totalmente Marx, não o lerá nem o citará nunca. As únicas asserções encontram‑se nos seus cadernos pessoais em que tomam mais a forma de injúrias que críticas elaboradas; “Marx é a ténia do socialismo” (Cadernos, tomo II, Paris, ed. Rivière, 1961, p. 200.)Estes ataques visam o político, e não o teórico. Marx é então assimilado ao seu amigo Henri Heine que, no meio socialista francês, é comsiderado como um espião de Guizot que denuncia os socialistas não marxistas que o governo deseja suspender e que estorvam a implantação de Marx, em troca de uma imunidade relativa para os seus amigos políticos.Cadernos (tomo II, Paris, ed. Rivière, 1961, p. 74.): “7 de Abril (1847) Grün foi levado pela polícia e conduzido imediatamente para fora de França, após três semanas de solicitações e de promessas. H Heine e A. Weil, veementemente suspeitos de fazer o trabalho de delato­res contra os seus compatriotas socialistas.”Numerosas hipóteses foram propostas para explicar este silêncio de Proudhon ao contrário da Miséria da Filosofia. Consideremos as quatro mais importantes interpretações.Em primeiro lugar, Benoît Malon que se pergunta qual o interesse que teria Proudhon em responder ao libelo de Marx, e portanto dá­lo ao conhecimento do público:“Proudhon que não teríamos julgado tão hábil, sentiu toda a vantagem que lhe dava a obscuridade do seu terrível contraditor, e ele, que estava sempre pronto para a polémica e à invectiva, não responde a Marx, que continuará a ser ignorado do grande público francês. Esta situação durará bastante tempo (até à Comuna)”.[47]Daniel Halévy sugere uma outra explicação “mais digna da alma de Proudhon que a manobra conjecturada por Benoît Malon”:“Ele calou­se, talvez por lhe ser difícil dar a resposta honesta e por lhe repugnar dar origem a uma rixa de moços de recados por causa de um assunto que interessava a todo o futuro do socialismo”.[48]Enfim, Pierre Haubtmann propõe duas outras hipóteses: a pri­meira, que depressa foi afastada, era que Proudhon ao ver em Marx apenas o plágio, teria percebido a pertinência dos seus críticos. Então “incomodado por demonstrar a sua tese do plágio, por honestidade intelectual, cala­se”.[49] A segunda ideia reside nisto:“Proudhon pensava bem numa resposta (os Cadernos assim o indicam), mas, pouco depois, a revolução de Fevereiro de 1848 estalava: empenhado na política, eleito representante do povo, Proudhon, tornado “o homem terror” teve outros adversários a combater, mais próximos e mais perigosos que Marx, o proscrito alemão”[50].É provável que esta hipótese seja a mais sólida.Todavia,tomada como única explicação, não parece ser suficiente. Com efeito, é preciso lembrarmo‑nos com que veemência Proudhon declarava ao seu editor, M. Guillaumin:“Recebi o libelo do Sr. Marx, em resposta à Filosofia da Miséria: é um composto de grosserias, de falsificações, de plágios...”[51].Para compreender o silêncio de Proudhon, é necessário talvez transportar‑mo‑nos ao que ele escreverá, em Da Justiça na Revolução e na Igreja, a propósito da crítica de Léon Walras:“Não me alongarei agora sobre a refutação que o Sr. Walras se orgulha de ter feito das minhas doutrinas. Há vinte anos que me refutam, e eu ainda cá estou. Para que uma refutação mereça resposta, primeiro é que quem a faz tenha comprendido a obra que refuta, e depois que conheça do que trata a dita obra. Ora, não me parece que o Sr. Walras tenha meditado na natureza dos factos económicos, e ainda menos que me tenha feito a honra de me compreender”[52].Parece que os acontecimentos, sociais e pessoais, jogaram um grande papel no silêncio de Proudhon, mas mais ainda que com Walras, há fortes probabilidades que teria respondido pela injúria àquilo que pensava não ser mais que uma calúnia, e não uma refutação crítica.[53]Inversamente, Marx, pelo seu lado, estará sempre à espreita dos me­nores gestos e escritos de Proudhon. A sua correspondência, como as suas obras mencionam constantemente Proudhon ou o proudhonismo. Parece pois que, se a posição oficial de Marx está para o futuro fixada, os seus sentimentos permanecem menos nítidos. Com efeito, verificamos um certo embaraço, logo que chega a altura de ter que se pronunciar “em privado” sobre Proudhon. Foi nomeadamente o caso quando expôs a Engels o conteúdo de “Ideia Geral da Revolução no século XIX” de 1851 irá limitar‑se a um relato fiel, desprovido de toda a crítica, e mostrando‑se mesmo favorável à obra (“o livro compreende ataques bem fortes a Rousseau, Robespierre, a “Montanha”, etc.”)[54] e que acabam com um apelo (“Escreve­me em pormenor o que pensas desta receita.”)[55] Será portanto Engels que, na sua resposta, lhe indicará, com certa habilidade, a atitude a ter perante esta obra.[56]Assim, para além dos conflitos de ideias e de influências, Marx expe­rimentou sem dúvida toda a sua vida uma fascinação relativamente àquele que foi, antes de Engels, o seu principal iniciador no pensamento científico do socialismo[57]. E se as suas teorias são inconciliáveis, a marca do pensamento proudhoniano sobre Marx ficará indelével. Prou­dhon aparecerá em todas as obras críticas, filosóficas ou políticas, de Marx e de Engels, mas será sistematicamente e, sem dúvida, significativamente, omitido das suas obras teóricas (e particularmente n’O Capi­tal)[58].Assim, a calúnia marxista nunca parará. “O burguês intelectual, for­ma­do e marcado pelos seus estudos filosóficos nas Universidades ale­mãs” não mostrará mais o mínimo respeito pelo “grande moralista ple­beu”[59]. Em 24 de Janeiro de 1865, 5 dias após a morte de Proudhon[60], Marx, num artigo necrológico, continua a atacá­lo (o proudhonismo permanece no seio da primeira Internacional, um obstáculo à sua autoridade), mas as suas acusações tornam­se menos severas, e sobretudo me­nos sistemáticas, pois concede a Proudhon que “a sua intervenção na Assembleia Nacional, apesar de revelar a sua falta de discernimento, merece todos os elogios. Após a insurreição de Junho, era um acto de grande coragem.Teve, por outro lado, a consequência feliz que o Sr. Thiers, no dis­cur­so que ele proporá contra as proposições de Proudhon e que foi pu­bli­cado de seguida em brochura, mostrar a toda a Europa o catecismo puéril que servia de pedestal a este pilar espiritual da burguesia francesa. Em com­paração com o Sr. Thiers, Proudhon tomava comportamentos de colosso antediluviano”[61].ConclusãoSe a violência da reacção de Marx em relação a Proudhon parece excessiva, pensamos ter contribuído para discernir as causas. Antes de tudo, Marx não tolerava ideias divergentes das suas no que quer que fosse; lembremo­‑nos, por exemplo, das queixas que foram levadas a for­mular as suas “vítimas”, de A. Ruge. “(...) Marx é impelido a todos os excessos; insulta‑me em todo o lado com todos os termos, e vem de imprimir sem escrúpulos o seu ódio (...) incomoda­me taxando‑me de “livreiro” e de “burguês”. Eis‑nos chegados à inimizade mais mortal, sem que pelo meu lado possa encontrar‑lhe outras explicações que o ódio e a demência do meu adversário.”)[62] a K. Schuz (“Se alguém o contradissesse, tratava‑o com um desprezo que dissimulava com dificuldade. Recordo‑me ainda do tom de vómito com o qual pronunciava a palavra burguês; era de burguês que tratava toda a gente que se permitia contradizê‑lo.”)[63] Marx não foi portanto particularmente severo a respeito de Proudhon, a sua natureza era feita deste modo, teve sempre a mesma reacção face a toda a opinião afastando‑a da sua como lhe fosse possível.Mesmo assim, a resposta de Marx foi singular, no presente caso, devido à impulsão principal e à influência constante que Proudhon exerce no jovem Marx. Este não irá tolerar certamente, após o ter tanto admirado na “Gazeta Renana” e defendido n’A Sagrada Família[64], a afronta de Proudhon, residindo no triplo facto de divergir das suas propo­sições ideológicas, de lhe recusar o seu apoio incondicional (tanto no seio da junta de correspondência, como na eliminação de Grün) e de utilizar as mesmas armas económicas que ele, mas antes dele, na elaboração do seu socialismo.Politicamente, enfim, devia combater aquele que tinha durante estes últimos anos apresentado como exemplo, como “proletário elevado à consciência de si­mesmo”. O dilaceramento sentimental e a contradição ideológica tomam então igualmente a forma de um combate político, estratégico, em que a finalidade era impor os seus pontos de vista ao conjunto do mundo operário, colocar­se como o mestre do pensar uni­versal acerca do proletariado. O afrontamento de Marx para com Prou­dhon, se não era desapaixonado, não era, também, inocente. Sentia que lhe fazia “matar o pai”; e tanto mais que Proudhon desempenhava este “papel” não somente com Marx, mas também para com a maior parte dos socialistas franceses e dos refugiados alemães. Portanto, decerto que não se pode afirmar, com E. Dolléans, que este antagonismo buscava menos “um conflito de ideias do que uma oposição de raça e de tempera­mento”[65]. Isso seria efectivamente ocultar a sobredeterminação política de todas as acções de Marx.[66] Os ataques em panfletos, os libelos, as calúnias constituíram assim o método marxista de consolidação da sua influência pessoal durante toda a sua vida.[67] Deste modo, a partir de 1844, Marx, ao reencontrar Engels, passou do socialismo filosófico para o materialismo económico, e ao socialismo científico (para retomar a expressão de Prou­dhon que conheceu, pela sua apropriação por Engels, um maior sucesso), e deste modo, desligou‑se dos seus antigos mestres e amigos (Hegel, Bauer, Feuerbach, Grün, Weitling, Hess,...). Estas ruptu­ras não se fize­ram sem o espírito táctico do estratega político que formava a dupla Marx‑Engels. As críticas estendiam­se de A Sagrada Família (Crítica de Bruno Bauer e consortes) à Miséria da Filosofia passando por A Ideologia Alemã (Crítica da Filosofia alemã mais recente na pes­soa dos seus representantes Feuerbach, Bruno Baeur e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus diferentes profetas). A crítica parecia ser, em Marx, o modo privilegiado de procura da sua identidade, da originalidade da sua “crítica” social[68] e, ao mesmo tempo, o seu principal divertimento.[69]Antes de terminar gostaria de agradecer ao auditório o interesse e a atenção manifestada, pedindo desde já desculpa por algum aspecto mais enfadonho e por ter resgatado à História fantasmas que muitos pensariam enterrados para sempre.Um vivo agradecimento à comissão organizadora deste colóquio e muito especialmente ao Dr. Nozes Pires, principal responsável pela minha presença.[1] M. Rubel (ed.) – Pages de Karl Marx, pour une éthique socialiste, t. II: Révolution et Socialisme, Paris, Payot, 1970.[2] K. Marx – “Rheinische Zeitung”, 6 de Outubro de 1842, Mega I, 1, p. 263.[3] Nota da redacção atribuída a Marx (M.Rubel) da “Rheinische Zeitung” de 7 de Janeiro de 1843.[4] F.Engels no jornal de Owen: “New Moral World” em 4 de Novembro de 1843, Mega I, 2, p. 442.[5] K. Marx “carta a Ruge de 13 de Março de 1843”.[6] Ruge, que vivia em Paris, empreendeu com Julius Fröbel (o editor previsto) as diligên­cias junto dos socialistas franceses mas Proudhon estava na altura em Lyon, Pierre Le­roux não se apaixonava a não ser pela tipografia, Cabet, Considérant e Lamennais re­cusaram, Lamartine após ter considerado a ideia como “sublime e santa” desmentiu em seguida ter prometido toda a colaboração. Os socialistas franceses estavam (à excepção de Proudhon) e a exemplo de L. Blanc duma maneira geral chocados pelo ateísmo dos alemães. J. Bruhat Marx Engels, Bruxelles, Ed. Complexes, 1970, p. 71.[7] O ministério do Interior prussiano declarou que o conteúdo dos “Anais” constituía, “tanto pela sua tendência como por numerosas passagens, um crime de alta traição e de lesa­‑majestade”.[8] F. Mehring “Karl Marx”, Paris, Messidor, Ed. sociales, 1983, p. 89.[9] K. Marx – “Vorwärts”, 7 e 10 de Agosto de 1844, Mega III, p. 18.[10] “Vorwärts”, semanário alemão publicado em Paris por dois aventureiros mais ou menos espiões, Bornstedt e Bernstein. A equipa radical dos “Anais Franco­‑Alemães” encontrou­‑se neste semanário para acabar por o dirigir totalmente:“Desde 1 de Janeiro de 1844 que se publicava­ em Paris, com o nome de Vorwärts um pe­queno jornal alemão dirigido por alguns homens deste partido teutónico que tantas ve­zes tinhamos combatido e vencido. Pensei em apoderar­‑me dele, consegui e logo re­começei nessa folhinha a guerra contra o partido antifrancês na Alemanha.” (carta aberta de Bernays, escrita de “Sainte­‑Pélagie”, publicada na “Réfor­me”).[11] Se E. Dolléans insiste na simultaneidade dos dois encontros, outros entregam este papel a Moses Hess, e ainda outros pensam que Marx pôde contactar directamente Proudhon.[12] Partilham, é verdade, a lembrança comum do jovem hegeliano berlinense de 1840­‑1842. Marx escreverá lembrando­‑se deste período: “Em 1843­‑44, eram os aristocratas russos de Paris que estavam cheios de atenções para comigo.”, Carta a Kugelmann, de 10 de Outubro de 1868, in “Lettres sur ‘Le Capital’”, Paris, Ed. Sociales, 1964, p. 235.[13] K. Marx – Carta a Schweitzer, com data de 24 de Janeiro de 1865, publicada no “So­cialdemokrat” de 1, 3 e 5 de Fevereiro de 1865, reproduzida em apendice da “Misère de la Philosophie”, Paris, Ed. Costes, 1950, pp. 216­‑217.[14] Proudhon – Correspondance de P.J. Proudhon, Paris, Lacroix, 1874­‑1875, carta a Bergmann datada de 19 de Janeiro de 1845.[15] A escrita de “A Sagrada Família” data de 1843.[16] Marx­‑Engels – La Sainte Famille, Paris, Ed. Sociales, 1969, p. 42.[17] Marx­‑Engels – La Sainte Famille, Paris, Ed. Sociales, 1969, p. 43.[18] Marx­‑Engels – La Sainte Famille, citada por J. Langlois na Défense et actualité de Proudhon, Paris, Payot, 1976.[19] F.Raddatz – K. Marx: une biographie politique, Paris, Fayard, 1978, p. 62.[20] Marx­‑Engels – La Sainte Famille, Paris, Ed. Molitor­‑Costes, 1927, t. I, p. 38.[21] A. Ruge tinha com efeito escrito a Marx aquando da fundação dos “Anais”: “Penso que escrevestes a Proudhon. De outro modo é necessário decidir­‑vos a começar sem o francês.” Carta datada do 1 de Dezembro de 1843, Mega I, vol. 1, 2ª parte, pp. 320­‑321.[22] Proudhon – “Carta a Marx de 17 de Maio de 1846”.[23] A posição de Proudhon face à Revolução, concebida como processo violento, variou ao longo de toda a sua vida. Deste modo passará alternadamente do reformismo, à “ac­ção directa” (“O bastardo adulterino da filha de Josefina, filhos e netos de desavergo­nhados, inaptos, incapazes, sem virtude de mesmo modo sem vergonha, uma ironia ao nome e ao sangue de Bonaparte (...) Franceses cobardes, cobardes! Para mim, há uma maneira de merecer com honra libertar­‑nos de Louis Bonaparte: matá­‑lo. Eu amaria, louvaria, vingaria quem fosse capaz de tal acto”, (“Carnets”, 27­‑28 de Fevereiro e de 1 de Março de 1852). Igualmente (“Carnets de P.J. Proudhon”; Paris, Ed. Rivière, t. IV, 1974, pp. 227­‑228, “Carnet n.º 9”, pp. 41­‑42), à “revolução perma­nente” (“a esperança de levar pacificamente (...) a abolição do proletariado é uma uto­pia”; Só o proletaria­do, “para além de toda a legalidade”, “operando por ele­‑próprio, sem intermediários”, “pode completar a revolução económica”, “Les confessions d`un révolutionnaire”, ci­tado por G. Gurvitch, Proudhon, sa vie, son oeuvre, Paris, P.U.F., 1965).[24] P. Loraux – Les sous­‑main de Marx, Paris, Hachette, 1986, p. 68: A Ideologia Alemã: mencionada por Marx primeiramente sem título como “dois grossos volumes não pu­blicáveis” (A primeira menção do manuscrito é feita na “Deutsche­‑Brüsseler Zeitung” de 8 de Abril de 1847; por outro motivo o prefácio de 1859 à Contribuition à la criti­que de l`économie politique). Notar­‑se­‑à que, na história da edição destes ma­nuscritos, o texto, muitas vezes publicado sob títulos parciais, só recebe tardiamente, em 1926 com Riazánov, o título canónico que abarca todo o manuscrito (M. Rubel, Oeu­vres de Marx, Paris, N.R.F., Bibliothèque de La Pleiade, t. III pp. 1044­‑1047).”[25] K. Marx – “Carta a Weidemeyer”, 13 de Maio de 1846.[26] F. Engels copiou o primeiro manuscrito de A Ideologia Alemã durante o Verão de 1846 na esperança de o fazer publicar aquando da sua vinda a Paris, no dia 15 de Agos­to de 1846.[27] K. Marx – “Ora Owen, que representa o comunismo inglês, pode personificar o comu­nismo nada menos que o não­‑comunista Proudhon,...”, nota de rodapé suprimida no manuscrito de A Ideologia Alemã (Paris, Ed. Sociales, 1976, p. 210).[28] K. Marx – “Onde poderá este fundo estar senão na ideia, por exemplo, do clericalismo etc. de Robespierre, de Saint­‑Just, etc., de George Sand, Proudhon,...”, A Ideologia Alemã, Paris, Ed. Sociales, 1976, p. 171.[29] K. Marx – “Proudhon disse tudo isto bem antes do Sr. Grün e infinitamente melhor, sem ter somente aflorado o fundo da questão.”, A Ideologia Alemã, Paris, Ed. So­ciales, 1976, p. 524.[30] K. Marx – A Ideologia Alemã, Paris, Ed. Sociales, 1976, p. 364.[31] K. Marx – A Ideologia Alemã, Paris, Ed. Sociales, 1976, pp. 544­‑545; é precisa­mente o que fará na Misère de la Philosophie cujas passagens importantes residem mais so­bre uma crítica da dialéctica hegeliana que sobre a de Proudhon.[32] Marx e Engels realizaram desde a Sagrada Família o que podia separá­‑los de Prou­dhon. É deste modo que fazem uma distinção entre o “Proudhon crítico”, que é o Proudhon místico, moralista, positivista, e logo, idealista, e o “verdadeiro Proudhon”.P. Haubtmann, em “Marx et Proudhon, leurs rapports personnels 1844­‑1847”, coloca, de maneira particularmente clara, a evidente oposição entre estes “dois Proudhon”, oposição que oculta “o abismo que separa a concepção espiritualista do mundo e a dia­léctica materialista, abismo que, desde 1845, opunha o humanismo feuerbachiano e o materialismo histórico de Marx” (p. 43). Vemos, nesse caso, como o “verdadeiro Proudhon” não podia ser, para Marx, senão aquele que “declara que não persegue fins científicos abstractos, mas formula em direcção da sociedade, reivindicações imedia­tamente práticas”, e portanto “quem se ocupa da prática francesa da massa, fala sobre­tudo de conspiradores, em seguida de arruaceiros”, Sagrada Família, Paris, Ed. Moli­tor­‑Costes, 1927, pp. 40­‑41.[33] F.P. Levy – Karl Marx: Histoire d`un bourgeois allemand, Paris, Grasset, 1976; F. Raddatz Karl Marx: une biographie politique, Paris, Fayard, 1978;...[34] Engels não chegou nunca a desistir do tom arrogante, desdenhoso ou condescendente, que partilhava com Marx, e que aparecia na sua correspondência íntima. Carta a Marx de 23 de Outubro de 1846: “Quanto aos Straubingers daqui, penso vencer. Estes es­pertalhões são duma ignorância crassa, é verdade...”, ou ainda, p. 144 (Correspon­dance, t. I): “O weitlingismo e o proudhonismo são verdadeiramente a expressão com­pleta destes burros...”[35] Será aliás Eisermann que advertirá Proudhon do aparecimento de Misère de la Philo­sophie numa carta datada de 13 de Outubro de 1847.[36] “A discussão terminou deste modo: a reunião, por 13 vozes contra 2 grüniens, aceitou a definição de Engels. Cerca de vinte artesãos marceneiros frequentavam estas reu­niões. Deste modo em Paris, há 67 anos, se colocavam as bases do partido social­‑democrata da Alemanha.” Lenine, “Oeuvres”, Paris Moscou, t. 19, p. 598, e “A pro­pos de la France”, Ed. du Progrès, Moscou, 1970, p. 218. Apesar da fraca representati­vidade deste voto, esta citação de Lenine faz­‑nos medir a sua importância política, e devido a isso explica o orgulho ostentado por Engels após este voto, nas suas cartas ao comité de Bruxelas e a Marx.[37] Esta carta só foi tornada pública em 1912, numa compilação aparecida em S. Peters­burgo, e em seguida no “Movimento Socialista” em 1913.[38] Desde o seu primeiro livro, em 1843, Esboço de uma crítica da Economia Política que Engels se interessara por este domínio. É por isso que tudo leva a crer, com P. Haubt­mann, e segundo Engels, que Proudhon e Marx falaram de “questões econó­micas” em Paris.[39] F. Engels – “Correspondance”, t. I, p. 355.[40] Marx anunciava no dia 1 de Agosto de 1846 a propósito da sua própria obra de eco­nomia: “O primeiro volume, revisto e corrigido, estará pronto para impressão no fim de Novembro. O segundo volume que é mais histórico pode­‑se seguir rapidamente”. (somente fragmentos foram conservados, e foram publicados em francês em 1962 sob o título de “Manuscrits de 1844”, ed. Sociales), “Carta a Leske” (editor de Darmstadt), 1 de Agosto de 1846, Cartas sobre “O Capital”, Paris, Ed. Sociales, 1964, pp. 22­‑23.[41] F. Engels – Carta de 19 de Setembro de 1846 ao Comité de Bruxelas (citado no prefá­cio de H. Mougin a Misère de la Philosophie, Paris, Ed. Sociales, pp. 18­‑19).[42] É de sublinhar que o Système des contradictions économiques será editado por Gui­llaumin, o editor dos economistas, fundador do jornal dos economistas (1841) e da So­ciedade de Economia Política (1842).[43] K. Marx – Carta de Dezembro de 1846 a Annenkov (citado em Cartas sobre “O Ca­pital”, Paris, Ed. Sociales, 1972, pp. 26 e segs.)[44] Podemos distinguir, com M. Rubel, no seu livro, três temas principais, tratados na seguinte ordem: a teoria do valor, os métodos da economia política, o movimento ope­rário (M. Rubel Karl Marx, Essai de biographie intellectuelle, Paris, Ed. Rivière, 1971, p. 222).[45] M. Rubel – “Oeuvres de Karl Marx”, Paris, N.R.F. Bibliothèque de La Pleiade, 1963, “Economie”, t. I, fixadas e anotadas pelo “marxólogo” M. Rubel:“Ele (Proudhon) não ignora a origem da mais­‑valia. Antes mesmo de Marx ter pensado nela, ele aborda o seu objecto com o tema que também será o tema principal do Ca­pi­tal...”, p. 1545 (p. 20); ou ainda “Proudhon adivinhou a mais­‑valia, e também aqui Marx está a dever­‑lhe...”, p. 1546 (p. 33), “Se abstrairmos da diferença de voca­bulário, percebemos que a concepção de progresso de Marx (...) não deixa de ter afinidade com a filosofia do progresso aqui encabeçada por Proudhon (...) Uma mesma certe­za apro­xima o doutor em título do autodidacta. Deste último, ver o capítulo sobre “a balança comercial”, em que Marx não encontrou muito para tornar a dizer”, p. 1549 (p. 36); Outros autores estabeleceram com a mesma acuidade e em de­mons­trações mais impul­sivas a influência profunda das noções proudhonianas na con­ceptualização marxista. Podemos citar os exegetas de Proudhon (P. Haubtmann, G. Gurvitch, P. Ansart, J. Bancal, J. Langlois...) mas também marxistas (E. Bernstein...).[46] Marx procurará a síntese onde Proudhon procurava o equilíbrio.[47] “Proudhon, qu`on n’aurait pas cru si habile, sentit tout l`avantage que lui donnait l`obscurité de son terrible contradicteur, et lui, qui était si prompt à la polémique et à l`invective, ne répondit pas à Marx, qui continua à être ignoré du grand public fran­çais. Cela dura longtemps (jusqu`à la commune)”.B. Malon – “K. Marx et Proudhon”, Paris, La Revue Socialiste, 15 de Janeiro de 1887, p. 15 e seguintes.[48] “s’il s’est tû, c’est peut­‑être parce que la réponse tout à fait honnête lui était difficile à donner, et qu’il répugnait d’engager, sur un sujet qui intéressait tout l’avenir du socia­lisme, une rixe de portefaix”.D. Halevy – “Proudhon­‑Marx”, Paris, La revue Socialiste, p. 51­‑52.[49] “gêné pour démontrer sa thèse du plagiat, par honnêteté intellectuelle, il se tait” Haubtmann – “Marx et Proudhon, leurs rapports personnels, 1844­‑1847”, Paris, revue Economie et Humanisme, 1947, p. 97.[50] “Proudhon songea bien à une riposte (les carnets l`indiquent), mais, peu après, la Révolution de février 1848 éclatait: engagé dans la politique, élu représentant du peu­ple, Proudhon, devenu “l`homme terreur” eut d`autres adversaires à combattre, plus proches et plus dangereux que Marx, le proscrit allemand”.Haubtmann – “Marx et Proudhon, leurs rapports personnels, 1844­‑1847”, Paris, revue Economie et Humanisme, 1947, p. 97. Ao seu mandato eleitoral juntam­‑se outros acontecimentos que o afastam desta querela, concretamente a morte da sua mãe (em 17 de De­zembro de 1847, ou seja, pouco mais de um ano depois do falecimento do pai, em 30 de Março de 1846), “Eis­‑me toralmente só, sem afecto, desiludido, desgostoso, (...)” e da tia.[51] “J`ai reçu le libelle de M. Marx, en réponse à Philosophie de la Misère: c`est un tissu de grossièretés, de falsifications, de plagiats...”Proudhon – Correspondance de P.J. Proudhon, Paris, Lacroix, 1874­‑1875, “Lettre du 19 Septembre 1847 à M. Guillaumin”.[52] “Je ne m`étendrai pas davantage en ce moment sur la réfutation que M. Walras se flatte d`avoir faite de mes doctrines. Voilà vingt ans qu`on me réfute, et je suis toujours là. Pour qu`une réfutation mérite réponse, il faut que celui qui réfute ait d`abord compris l`ouvrage qu`il réfute, ensuite qu`il connaisse ce dont il est question dans le dit ouvra­ge. Or, il ne me paraît point que M. Walras ait médité la nature des faits économiques, bien moins encore qu`il m`ait fait l`honneur de me comprendre”.Proudhon – “De la Justice dans la Révolution et dans l`Église”, Paris, ed. Rivière, t. II, 1931, p. 150.[53] Proudhon – Carnets de P.J. Proudhon, Paris, ed. Rivière, t. II, 1961, p. 290 (Car­net 6, p. 110, 20 de dezembro de 1847)“Contradições económicas. – todos os que falaram até aqui fizeram­‑no com uma su­prema má fé, vontade, ou estupidez.“Contradictions économiques. – Tous ceus qui en ont parlé jusqu`icil`ont fait avec une sûpreme mauvaise foi, envie, ou bêtise.Podemos aliàs, a respeito da “Misére de la Philosophie”, compreender a reacção prou­dhoniana; com efeito:“Que maneira estranha de preparar a vítima (...) Marx começa por preprarar minucio­samente uma pá­gina de Proudhon, mas omite duas vezes as reticências. Atribuamos isto a negligência. Mas a última alínea é tirada do capítulo sobre a concorrência, im­pressa cem páginas adiante, e inteiramente estranho à questão debatida. Não fica por aqui: nesta mesma alínea, Proudhon opõe­‑se ao ‘comunista’ que muda para ‘economis­ta’...”“Étrange façon d`arranger la victime (...) Marx commence par tailler des morceaux dans une page de Proudhon, mais omet deux fois les points de suspention. Mettons cela au compte de la négligence. Mais le dernier alinéa est tiré du chapitre sur la con­currence, imprimé à cent pages de là, et tout à fait étranger à la question débattue. Ce n`est pas tout: dans ce même alinéa, Proudhon s`attaque au “comuniste” (qui) change en “économiste”...”M. Rubel – Oeuvres de Karl Marx, Paris, Bibliothèque de La Pleiade, 1963, “Econo­mie”, t. I, p. 31, p. 1548.(ver igualmente D. Meillier, Proudhon et Marx: De “Philosophie de la Misère” à “Misère de la Philosophie”, D.E.A., Université Paris I, Nov. 1990.).[54] “Le livre comprend des attaques bien tournées à l`encontre de Rousseau, Robespierre, la “Montagne”, etc.”K. Marx – “Lettre à Engels du 8 Août 1851”, Sur l’anarchisme et l’anarcho­‑syn­di­ca­lis­me”, Moscou, Ed. du Progrès, 1982, p. 35.[55] “Ecris moi en détail ce que tu penses de cette recette.”K. Marx – “Lettre à Engels du 8 Août 1851”, Sur l’anarchisme et l’anarcho­‑syn­di­ca­lis­me, Moscou, Ed. du Progrès, 1982, p. 41.[56] F. Engels – “Lettre à Marx du 21 Août 1851”, Sur l’anarchisme et l’anarcho­‑syn­di­ca­lis­me, Moscou, Ed. du Progrès, 1982, pp. 42­‑43.Engels apresenta as suas críticas como emanadas do próprio Marx, em seguida retoma as passagens que perturbavam mais Marx como provindo duma recuperação, duma apro­priação por Proudhon do que Marx vinha de publicar no O Manifesto do Partido Co­munista (que, seja dito em abono da verdade, nunca foi lido por Proudhon).[57] Bertrand – “P.J. Proudhon et les lyonnais”, Paris, Alphonse Picard, 1904, p. 32:“Só por si, esta desenvoltura de mau gosto em denegrir a seguir a um exagero nos elo­gios e na lisonja fariam suspeitar de roubo e plágio”.“Cette désinvolture de mauvais goût dans le dénigrement succédant à une exagération dans les éloges et la flatterie ferait à elle seule soupçonner l`emprunt et le plagiat”.[58] O facto de Proudhon ter sido totalmente excluído de O Capital após a 1ª edição, refor­ça esta tese.[59] “le bourgeois intellectuel, formé et marqué par ses études philosophiques dans les Universités allemandes” e “le grand moraliste plébéien”.E. Dolleans – “La rencontre de Proudhon et de Marx (1843­‑1847), Paris, Revue d`Histoire Moderne, 1936, pp. 24­‑25.[60] 19 de Janeiro de 1865.[61] “son intervention à l`Assemblée nationale, bien qu`elle révèle son manque de discer­nement, mérite tous les éloges. Après l`insurrection de Juin, c`était un acte de grand courage. Elle eut, en outre, pour conséquence heureuse que M. Thiers, dans le discours qu`il proposa contre les de Proudhon et qui fut publié ensuite en brochure, montra à toute l`europe quel catéchisme puéril servait de piédestal à ce pilier spirituel de la bourgeoisie française. En comparaison de M. Thiers, Proudhon prenait des allures de colosse antédiluvien.”K. Marx – “Lettre à Schweitzer du 24 Janvier 1865”, publicada no “Sozialdemokrat” em 1, 3 e 5 de Fevereiro de 1865, reproduzida em apêndice da Misère de la Philoso­phie, “Oeuvres complètes de Karl Marx”, Paris, Ed. Costes, 1950.[62] “(...) Marx est porté à tous les excès; il m`insulte partout dans tous les termes, et vient de faire imprimer sans scrupules sa haine (...) il me harcèle en me taxant de “libraire” et de “bourgeois”. Nous voilà donc arrivés à l`inimitié la plus mortelle, sans que pour ma part je puisse lui trouver d`autres explications que la haine et la démence de mon adversaire.”A. Ruge – “Lettre à Fröbel”, citado por F. Daddatz, Karl Marx, Une biographie politi­que, Paris, Fayard, 1978, p. 61.[63] “Si quelqu`un le contredisait, il le traitait avec un mépris qu`il dissimulait à peine. Je me souviens encore du ton de vomissement avec lequel il prononçait le mot bourgeois; c`était de bourgeois qu`il traitait toute personne qui se permettait de le contredire.”K. Schuz – citado por D.Halévy em La jeunesse de Proudhon, Paris, ed. Stock, 1948.[64] Relembremos o facto que cerca de 60 páginas são consagradas a Proudhon neste livro (trad. Costes – Molitor, t. II, pp. 37­‑94).[65] “à un conflit d`idées qu`à une opposition de race et de tempérament”E. Dolleans – “La rencontre de Proudhon et de Marx, 1843­‑1847”, Paris, “Revue d`Histoire moderne”, 1936, p. 9.[66] B.Voyenne – “Proudhon et Marx: Quel socialisme”, Paris, Revue: “Itinéraire”, 1990, p. 23.“Logo que em 1870 estala a guerra franco­‑alemã por motivos ganhos e perdas nos quais a revolução não tinha evidentemente nada a ver – eis com efeito qual é a reacção íntima de Marx, expressa numa carta ao seu confidente permanente: “Os franceses têm necessidade de serem sovados. Se os Prussianos forem vitoriosos, a centralização do poder de Estado será útil à centralização da classe operária alemã. A preponderância alemã, além disso, transportará o centro do movimento europeu de França para a Ale­manha (...). A preponderância sobre o teatro do mundo do proletariado alemão sobre o proletariado francês seria ao mesmo tempo a preponderância da nossa teoria sobre a de Proudhon” (Carta a Engels, tomo IV, p. 339)”.“Lorsqu`en 1870 éclate la guerre franco­‑allemande – pour des motifs et des enjeux dans lesquesls la révolution n`avait évidemment rien à voir – voilà en effet quelle est la réaction intime de Marx, exprimée dans une lettre à son confident permanent: “Les français ont besoin d`être rossés. Si les Prussiens sont victorieux, la centralisation du pouvoir de l`Etat sera utile à la centralisation de la classe ouvrière allemande. La prépondérance allemande, en outre, transportera le centre du mouvement européen de France en Allemagne (...). La prépondérance sur le théâtre du monde du prolétariat allemand sur le prolétariat français serait en même temps la prépondérance de notre théorie sur celle de Proudhon”[67] É deste modo que Marx e Engels acusarão os seus adversários de ser pequeno burgue­ses reaccionários ou farão correr diversos ruídos, em breve pelo rumor (Engels anun­ciará aos parisienses, em 1846, que Moses Hess era sifilítico) ou então através dos seus jornais:“No que respeita a propaganda eslava, asseguraram­‑nos ontem que George Sand tem em seu poder papéis e documentos que comprometem gravemente o Sr. Bakunine, o russo proscrito de França, e estabelecem que ele é um instrumento da Rússia ou um agente recentemente entrado ao seu serviço, e que é necessário torná­‑lo responsável em grande parte da prisão dos infelizes polacos.” “Neue Rheinische Zeitung”, 6 de Julho de 1848, citado em: A. Lehning Michel Bakounine et les autres, Union Gene­rale d’Éditions, 1976, p. 134.“En ce qui touche la propagande slave, on nous a assuré hier que George Sand est en possession de papiers et de documents qui compromettent gravement M. Bakounine, le russe proscrit de France, et établissent qu`il est un instrument de la Russie ou en agent nouvellement entré à son service, et qu`il faut le rendre responsable en grande partie de l`arrestation des malheureux polonais.”[68] J.Y. Calvez – La pensée de Karl Marx, Paris, Ed. du Seuil, 1970, p. 22:“Pouco a pouco esta crítica precisa­‑se. Ela exerce­‑se sobre objectos novos. Ela despoja o subjectivismo idealista que a inspirava primeiramente. Mas não fez mais que ser ainda mais radical”.“Peu à peu cette critique se précise. Elle s`exerce sur des objets nouveaux. Elle dépouille le subjectivisme idéaliste qui l`inspirait d`abord. Mais elle ne s`en fait que plus radicale.”[69] F. Engels – “Carta a Marx de 19 de Novembro de 1844”:“Entretanto, irei escrever de boa vontade alguns folhetos, em particular contra List (...)”“Entre­‑temps, j`écrirais volontiers quelques brochures, en particulier contre List (...)”