Monday, January 08, 2007

O SOCIALISMO DE PROUDHON

“M. Louis Blanc representa o socialismo governamental, a revolução pelo poder, como eu represento o socialismo democrático, a revolução pelo povo.” É assim que nas Confessions d`un révolutionnaire o próprio Proudhon define “o abismo” que o separa de Louis Blanc . O propósito, é verdade, é o de 1849. Houve o insucesso de Louis Blanc e muitas ilusões se dissiparam. Antes de Fevereiro, a oposição talvez esteja menos dividida entre dois homens, entre os dois socialismos.Seguramente, Proudhon domina pela sua personalidade, pela sua expansão, esta fase de proliferação dos socialismos franceses. Contudo, é sobretudo depois de 1848 que ele irá influenciar o movimento operário. Quando ele nasce, em 1809, Saint- Simon tinha já a sua Introduction aux travaux scientifiques du dix-neuvième siècle, e morre em 1865, dois anos antes do aparecimento de Le Capital. Situa-se à margem das grandes escolas saint-simonistas e fourieristas.”Ele é Proudhon. Proudhon, o autónomo, o isolado, o único.”(E. Labrousse) Pelas suas origens, pela sua formação e também pelas suas contradições, aparece bem como o homem desta sociedade transitória onde coexistem “os novos proletários”e os artífices. É a esta concordância com o seu tempo que Proudhon deve a sua influência. Numa época em que o movimento operário é sobretudo enquadrado pelo artífices ou pelos operários artífices, estes “militantes” encontram-se com Proudhon. Dominam neste meio duas tendências, tão depressa convergentes como divergentes: a tradição dos sans-culottes e aquilo a que chamar-se o proudhonismo.“Nascido e educado no seio da classe operária”, escreve ele em 1838. Isto não é muito exacto e Proudhon está mais perto da realidade quando nota: “Eu sou filho de um pobre artesão tanoeiro e duma camponesa orgulhosa.” Ele é natural de Franco Condado e o seu pai, Claude Proudhon, era aprendiz de tanoeiro numa cervejaria de Besançon. A mãe era cozinheira e empregada doméstica para os trabalhos pesados. Tendo a cervejaria sido destruída, Claude Proudhon estabeleceu-se por sua conta vendendo cerveja fabricada por si mesmo. Retomou mais tarde o ofício de tanoeiro. Aos 11 anos Pierre-Joseph Proudhon entrou como bolseiro no col´egio de Besançon. Mas, seis anos mais tarde, os pais perderam algumas terras que tinham, e ele foi obrigado a interromper os estudos e a trabalhar para ganhar a vida. Portanto, pela sua origem, Proudhon insere-se neste mundo de trabalhadores cuja actividade é simultaneamente artesanal e camponesa. Torna-se operário tipógrafo. Depois, a empresa onde trabalhava foi à falência, e ele precisou “de por pernas a caminho e procurar de tipografia em tipografia algumas linhas para compor, algumas provas para ler”. Em Besançon, aonde regressou, um dos seus compatriotas, o fourierista Just Muiron, oferece-lhe um posto de redactor no jornal L`Impartial, que ele fundou em 1829. Proudhon recusa porque não quer aceitar a censura do perfeito. Torna-se de novo tipógrafo, mas em 1838 é uma vez mais vítima da ruína de uma tipografia. É nesta mesma altura que obtém durante três anos a bolsa da Academia de Besançon, fundada pela viúva do académico, o muito conservador J.-B. Suard. Ei-lo pois, em Paris, onde este rural se sente “desambientado”. Tem então 29 anos. É um semi-autodidacta. Foi sem dúvida um brilhante aluno no colégio de Besançon, mas só em Retórica. Teve que passar o bacharelato mais tarde para obter a bolsa Suard. Acumulou os conhecimentos ao acaso, aprendendo o hebraico e a teologia quando imprimiu a Bíblia e obras dos Padres da Igreja. Inicia-se na gramática comparada e na linguística. Em Paris, descobre a economia política. Os seus escritos revelam-nos as suas leituras: Adam Smith, Ricardo, J.-B. say, etc. Tendo a Academia de Besançon posto a concurso o tema De l`utilité de la célébration du dimanche sous les rapports de l`hygiène, de la morale, des relations de famille et de cité, Proudhon propõe a sua memória. Obtém somente uma medalha de bronze porque os académicos de Besançon ficaram espantados com a audácia do seu “pensionário” que denunciava a propriedade como “o último dos falsos deuses” e terminava o seu discurso pelas ameaças ao encontro dos ricos que não querem reconhecer os direitos do trabalho: “Muito bem! Chamamos a força. Proprietários, defendei-vos! Haverá combates e massacres.”No ano seguinte, sempre para responder a uma pergunta posta a concurso pela Academia de Besançon, Proudhon lança a sua exaltação: Qu`est-ce que la propriété? Ou Recherches sur le principe du droit et du gouvernement. Em Brissot é que ele tinha arranjado esta fórmula que quase lhe valeu perseguições e que, em todo o caso, originou a supressão da sua bolsa: “A propriedade é o roubo!” Proudhon continuou a sua jogada. Publicou a sua segunda memória, Lettres à M. Blanqui (1841), depois o Avertissement aux propriétaires (1842), que o leva ao tribunal de 1ª instância do Doubs, onde, aliás, foi absolvido. Entra como procurador numa empresa de transporte de carvão que acaba de fundar em Lyon o seu antigo condiscípulo Antoine Gauthier. Fica lá durante cinco anos. A sua nova profissão, graças à qual ele aprende “a era do contador”, deixa-lhe momentos de ócio e permite-lhe fazer frequentemente estadas em Paris. Em 1843 faz aparecer La création de l`ordre dans l`humanité ou Principes d`organisation politique. Aparece finalmente em Outubro a sua última obra antes de 1848: Le système des contradictions économiques ou philosophie de la misère. Entretanto, seguiu provavelmente os cursos de Arhens, um emigrado alemão que ensinava no Colégio de França a História da Filosofia Alemã. Encontrou Karl Marx, o jornalista alemão Karl Grün e mais tarde Herzen e Bakunine. Em 1847, Proudhon instala-se definitivamente em Paris e lança no mesmo ano, com Charles Fauvety e Jules Viard, um jornal: Le Représentant du Peuple.O “primeiro Proudhon”, o Proudhon anterior a 1848, é sobretudo crítico e moralista. O seu método é abstracto e dedutivo. Trata-se, por exemplo, de denunciar a propriedade? Ele não quer fazer a história da propriedade, mostrar como se sucederam as diferentes formas da sociedade. “A história da propriedade nas nações antigas”, escreve ele, “já não é para nós um assunto de erudição e de curiosidade.” Não trata também a questão como um economista perguntando-se se a apropriação privada serve ou não os interesses da produção. Com uma potência de raciocínio certa ( mas que só resulta da lógica abstracta), com uma enorme riqueza de estilo, com uma eloquência indignada ( que nos faz pensar em Jean-Jacques Rousseau, que no entanto ele detesta), demonstra que a propriedade é injusta porque não podemos justificá-la. “Só pela força da lógica, ele pretende trazer atrás de si os seus adversários, de mãos dadas pelos seus próprios princípios.” (C. Bouglé) Nenhum argumento é válido a favor da propriedade. Queremos torná-la legítima pela ocupação? Neste caso, cada indivíduo tem direito a ocupar uma certa quantidade de terras. Ora a terra representa extensão fixa, enquanto que os seus habitantes vão aumentando. Logo, “não podendo nunca a posse de direito manter-se fixa, é impossível, de facto, que ela se torne propriedade”. O ocupante não é o proprietário. É um usufrutuário que não pode “usar” a sua posse precária a não ser “sob a vigilância da sociedade”. Logo, a propriedade “é impossível”. Continua a sê-lo por uma segunda razão. A propriedade, com efeito, não pode ser baseada no trabalho. O trabalho pode legitimar a propriedade do produto do trabalho, mas na condição de não intervir no trabalho de outrem, no trabalho do assalariado. Porque entre quem dá o trabalho e quem o recebe há necessariamente “um erro de contas”. “O capitalista, diz-se, pagou as jornas dos operários; para sermos exactos, temos que dizer que o capitalista pagou tantas vezes uma jorna quantas vezes ele empregou os operários, o que não é de modo nenhum o mesmo. Porque esta força imensa que resulta da união e da harmonia dos trabalhadores, da convergência e da simultaneidade dos seus esforços, essa não a pagou. Duzentos homenzarrões deitaram abaixo o obelisco de Luksor; podemos pensar que um único homem em duzentos dias teria conseguido o mesmo? Contudo, à conta do capitalismo, a soma dos salários teria sido a mesma.” É a noção da conta colectiva que não pode ser confundida com a soma dos trabalhos individuais e que é para Proudhon a origem do lucro capitalista. Portanto, nada pode autorizar a propriedade. “Cumpri”, conclui Proudhon, “a obra a que me tinha proposto: a propriedade está vencida; não mais ela se recomporá. Por todo o deposto um germe de morte para a propriedade.”A bem dizer, a propriedade não está completamente condenada. Como a língua de esopo, ela pode ser a melhor e a pior das coisas. Alcançamos aqui um segundo aspecto da crítica de Proudhon, ou, mais exactamente, da dialéctica de Proudhon. Proudhon foi seduzido pela dialéctica hegeliana que Marx e Grün lhe revelaram. Mas aquilo a que Proudhon chama dialéctica é na realidade a tomada de consideração do bom e do mau lado das coisas. A máquina, por exemplo, por um lado, reduz a pena dos homens e contribui para a multiplicação das riquezas. Mas, por outro lado, precipitando a concentração das empresas, proletariza uma parte da população e reduz ao desemprego muitos trabalhadores. Acontece o mesmo com a concorrência. Ela testemunha “a liberdade inteligente do homem”. Mas ao mesmo tempo, eliminando os mais fracos, ela conduz ao seu contrário: uma situação de monopólio. O monopólio também representa “o preço da luta, a glorificação do génio”. Ele é o triunfo desta liberdade de que a concorrência é a expressão. Mas ocasiona misérias e desordens, porque o “monopolista” não procura “senão a rendibilidade”. O monopólio, finalmente, está na origem dos lucros levantados antecipadamente ao trabalhador, aos direitos de sucessão dos estrangeiros em favor do Estado? Este direito recebe “diferentes nomes segundo aquilo que o produz: renda para as terras; aluguer para as casas e os móveis; renda para os fundos vitalícios; juro para o dinheiro; lucro, ganho e rendimento para os câmbios”.É a parte crítica da sua obra que vale a Proudhon uma certa audiência anterior a 1848, tanto mais que a sua evocação constante da justiça e da moral encontra eco no pequeno povo de artífices persuadidos da injustiça e da imoralidade do maquinismo e da concentração. O seu talento de “demolidor” reforça o seu prestígio. Ele é o “grande iconoclasta” de que Herzen falará.Proudhon é hostil a todas as escolas socialistas. Quando em 1846 Marx lhe pediu para fazer parte do departamento de correspondência comunista que organiza em Bruxelas com Engels, ele respondeu-lhe que não se deve “pôr a acção revolucionária como um meio de reforma social” e que prefere “fazer ferver a pequena propriedade em lume brando a dar-lhe uma nova força fazendo uma Saint-Barthélemy dos proprietários. Na sua obra Philosophie de la misère, à qual Marx riposta com a Misère de la philosophie, Proudhon pronuncia-se nitidamente contra as coligações.Até Fevereiro de 1848 Proudhon nada avançou de soluções positivas. É precisamente porque dispõe duma influência crescente que ele deverá desde o princípio da Revolução responder ao que esperam dele. Deve-se evitar reconstruir, fora de tempo, um sistema proudhoniano. É na sua evolução com o choque dos acontecimentos que é preciso alcançar este pensamento, um pensamento aliás difícil de avaliar. Ele é de várias facetas. É cheio de contradições e muitas vezes uma fase explosiva dissimula as proposições muito moderadas. Em todo o caso, para Proudhon, assim como para todos os outros socialistas, 1848 constitui uma data charneira.Se o “primeiro” Proudhon tinha sido antes de tudo o Proudhon crítico, o “segundo” Proudhon, aquele que apareceu depois de 1848, acha que trouxe soluções. Nem sempre se sente à vontade para as desembaraçar claramente. Aumentam as contradições que não permitem que se defina com certeza “o socialismo” de Proudhon. Querendo sistematizá-lo de mais, corre-se o risco de o maltratar. Tanto ele apresenta o socialismo como “sendo a reconciliação de todos os antagonismos” como afirma que os interesses das classes são incompatíveis.Dando mais atenção a um projecto de transformação da sociedade do que às instituições políticas, Proudhon, declarando-se republicano, afirmava ainda a 25 de Fevereiro de 1848 que “este progresso da França podia ter sido cumprido da mesma forma com o governo decaído”, e “custar menos caro”. Quanto ao 24 de Fevereiro, “foi feito sem uma ideia; trata-se de dar ao movimento uma direcção, e já a vejo perder-se na vaga dos discursos”.São contudo os acontecimentos que vão obrigar Proudhon a passar da fase crítica à fase construtiva. Não conta ele mesmo que “quatro cidadãos armados com os seus fuzis vieram perguntar-lhe quando é que apareceria o volume que ele tinha anunciado havia um ano”? Em duas brochuras, Organisation du crédit et de la circulation e Solution du problème social, sans impôt, sans emprunt, desenvolve o seu plano de organização do crédito baseado no Banco de Câmbios, cujos estatutos publica a 15 de Maio de 1848. O seu projecto de financiamento da Banca foi, como vimos, recusado pela Constituinte. Este fracasso não o desencorajou. Em Janeiro de 1849 põe num notário os estatutos constitutivos do Banco do povo, graças ao qual será possível libertar-se a gente do capital e organizar uma troca directa entre produtores e consumidores. Depois de um início prometedor, vem de novo o insucesso.Estas iniciativas explicam, em grande medida, a atitude política de Proudhon neste período da sua vida. Totalmente diferente da dos socialistas, não deixa de surpreender pelos seus equívocos e pelas suas incertezas. Encontramos nele um tipo de acção próxima da dos socialistas utopistas à procura do homem que desbloqueasse o sistema. Embora ele considere que a Revolução de 1848 foi um fracasso, junta-se ainda à agitação política, mas denuncia os democratas-socialistas. Tornado, apesar disso, um dos símbolos do socialismo num período de reacção, é perseguido várias vezes e está na prisão aquando do golpe de Estado. Tendo tido um dia de liberdade, recusa participar numa resistência na qual não crê, e repõe Sainte-Pélagie. Exprime a sua decepção nas suas Confessions d`un révolutionnaire pour servir à l`histoire de la Révolution de février. Por que é que Proudhon já não encontrava junto do príncipe presidente aquela compreensão que tinha encontrado antes das eleições presidenciais, desde 26 de Setembro de 1848? Na prisão ele escreveu L`idée générale de la Révolution au dix-neuvième siècle e La révolution sociale démontrée par le coup d`Êtat du 2 décembre. Para Proudhon, e é este um dos temas do segundo livro, “Louis-Napoléon é, tal como o seu tio, um ditador revolucionário, mas com uma diferença: é que o Primeiro-Cônsul vinha encerrar a peimeira fase da Revolução, enquanto que o presidente abria a segunda”. Proudhon visita o duque de Morny com esperanças de que Louis-Napoléon o tome para conselheiro ou, pelo menos, o tome para comanditar o Banco do Povo. Mas o “orleanismo” e o “jesuitismo” vão dissuadir Louis-Napoléon da revolução social. Todavia, Proudhon conta ainda durante um certo tempo com o príncipe Jérôme, que faz todos os esforços para manter o contacto com os operários.Em 1857, em colaboração com Georges Duchêne, Proudhon publica um Manuel du spéculateur à la Bourse, obra de carácter técnico, mas onde a “democracia industrial” à “feudalidade industrial”. As grandes obras desta época são: em 1858, De la justice dans la Révolution et dans l`Église; em 1861, a Théorie de l`impôt, La guerre et la paix, recherches sur le principe et la constitution du droit, e em 1863, Du principe fédératif et de la nécessité de reconstituer le parti de la Révolution.Depois da publicação de La Justice, Proudhon teve de se exilar na Bélgica, donde só volta para França em 1863.Ao contrário de Saint-Simon e de Fourier, Proudhon está mais preocupado com os problemas do câmbio do que com os da produção. Com o Banco do Povo, o crédito mútuo está organizado, o que vem por fim ao “direito de sucessão dos estrangeiros a favor do soberano”, quer dizer, ao juro pago pelos capitais. Emitir-se-ão títulos convertíveis não em numerário, mas em mercadorias. Assim será garantida e assegurada a reciprocidade. Quanto à propriedade, ela já não será mais do que a posse, o que levará, indirectamente, a uma certa reabilitação da própria propriedade. A organização do trabalho não será confiada a associações do tipo das que Louis Blanc (“a sombra enfezada de Robespierre”) tinha previsto, porque elas pareciam-lhe uma “inspiração do regime governamental”. Proudhon preconiza a criação de “companhias operárias”, associações de produtores livres e independentes, que poderiam, por exemplo, gerir as minas ou caminhos de ferro. São sempre soluções que correspondem às aspirações dos artífices preocupados com não serem proletarizados ou pelo menos com evitar certas consequências da concentração industrial.O desenvolvimento das “companhias operárias” levará ao desaparecimento do Estado. “A oficina substituirá o Estado”. É esta a razão por que Proudhon é considerado como um dos pais da anarquia. “Há um progresso incessante nas sociedades humanas da hierarquia para a anarquia.” Porque “a hierarquia é a condição das sociedades primitivas” e “a anarquia é a condição de existência das sociedades adultas”. “Nós, produtores associados, não temos necessidade do Estado... A exploração pelo Estado é sempre a monarquia, sempre salariato...Não queremos mais governos do homem pelo homem do que exploração do homem pelo homem... O socialismo é o contrário do governamentalismo...Queremos que as minas, os canais, os caminhos de ferro, sejam remetidos para associações operárias, trabalhando (...) sob a sua própria responsabilidade. Queremos que estas associações sejam (...) esta vasta federação de companhias reunidas no lugar-comum da República democrática e social”.Proudhon estabeleceu um estreito laço entre o seu mutualismo e o seu federalismo. Com efeito, hostil a todo o género de concentrações encara, no entanto, uma federação de comunas autónomas constituídas por associações de pequenos produtores, senhores dos seus campos, dos seus instrumentos de trabalho e das suas famílias. Esta organização garantiria o indivíduo, porque, “num país de propriedade dividida e de pequena indústria, os direitos e as pretensões de cada um fazendo de contrapeso, a potência de usurpação fica destruída”.A concepção proudhoniana da família, muito hostil à igualação política e jurídica da mulher ao homem, evoca os tempos em que a família era uma unidade económica, como ainda é, em certa medida, no quadro da pequena produção artesanal e agrícola.A organização social, tal como Proudhon a preconiza, garantirá a liberdade e será satisfeita a justiça. A justiça é para Proudhon “o verdadeiro princípio da filosofia”. É um princípio “que toca igualmente aos matemáticos, à mecânica, à lógica, à estética”. Ele exprime-se em termos diferentes, mas sinónimos: “igualdade, equação, equilíbrio, harmonia”. Justiça, liberdade, independência, são as aspirações que uma vez mais definem bem a mentalidade artesanal. Contudo, ao mesmo tempo, Proudhon, Proudhon contribui, pela sua exaltação do trabalho, para desenvolver, com um sentimento de orgulho, a consciência da classe na elite operária. “Recordo ainda com prazer”, escreveu ele, “esse grande dia em que o meu componedor se tornou para mim o símbolo e o instrumento da minha liberdade.” Ele nunca percebeu mais do que as consequências nefastas da máquina para os operários. Contudo, considerando que tudo depende da educação, propôs “uma enciclopédia ou politecnia da aprendizagem”, a fim de aliviar as consequências de uma prática parcelar do trabalho. O aprendiz seria iniciado “em todas as operações que compõem a especialidade do estabelecimento” onde está empregado. Poderia assim, uma vez operário, trocar de profissão e “circular no sistema da produção colectiva como uma moeda circula no mercado”.A 17 de Fevereiro de 1864, operários parisienses com quem Proudhon mantém relações publicam um Manifesto chamado des Soixante, que preconiza candidaturas operárias às eleições complementares de 1864.“Repetiu-se muitíssimo que já não há classes: desde 1789 que todos os franceses são iguais perante a lei. Mas nós, que não temos outra propriedade que não sejam os nossos braços, nós, que todos os dias sofremos as condições legítimas ou arbitrárias do capital, nós, que vivemos sob leis excepcionais, (...) custa-nos muito a acreditar nesta afirmação.”Proudhon inspirou tanto menos este Manifeste quanto ele é abstencionista em matéria eleitoral. Mas o texto provocou nele uma meditação mais profunda sobre o lugar e o papel das classes sociais. Anteriormente e durante muito tempo tinha acentuado a coexistência de três classes: uma classe superior, uma classe inferior e uma classe média. Era para esta última (cujas fronteiras definia muito mal) que iam as suas preferências, e ficou desiludido com o seu comportamento. Proudhon escreveu então De la capacité politique des classes ouvrières, obra que apareceu pouco tempo depois da sua morte (Gustave Chaudey escreveu a conclusão). Proudhon proclama aí que a democracia operária “fez a sua entrada na vida política”. Daí em diante, “entre a burguesia - capitalista, proprietário, empresário e governo - e a democracia operária os papeis, sob todos os pontos de vista, estão invertidos: já não é a esta que se chama a massa, a multidão, a vil multidão, mas sim àquela”. Não se vê porém muito bem, lendo Proudhon, por que caminhos a democracia operária atingirá os seus objectivos a não ser fazendo passar para os factos a ideia da mutualidade. Mas como? Está na mão das classes operárias aceitarem a sua inferioridade, em vez de darem, como fizeram em 1863 e em 1864, “a massa dos seus sufrágios aos burgueses”. Quanto à coligação, já não há direito de coligação, “porque não há um direito de chantagem, de vigarice e de furto, assim como não há um direito de incesto ou de adultério.”De Proudhon, cuja personalidade é simultaneamente apaixonante e irritante, só retivemos aquilo que poderia interessar para a história do socialismo. O “socialismo de Proudhon” é finalmente difícil de limitar. Temos que aceitá-lo tal como podemos tentar reconstruí-lo e evitar apreciá-lo em relação ao marxismo. O pensamento de Proudhon saciou-se em diversas fontes. Sofreu influências impossíveis de conciliar. Numa altura em que começa a desenvolver-se a grande indústria, Proudhon, que disso por vezes tem nítida consciência, procura soluções que correspondem aos desejos, assim como às queixas, dos pequenos produtores. Se a sua empresa se manteve enquanto se degradava esta pequena produção, foi porque a mentalidade artesanal sobreviveu muito tempo, embora as condições que favoreceram a sua formação estivessem em vias de desaparecimento.