Friday, February 23, 2007

AINDA A QUESTÃO DO SER E DO PENSAR

Impõe-se neste momento o levantamento dum conjunto de problemas que me parecem fundamentais sobre a questão do Ser e do Pensar. O real pensa-se dentro de uma situação concreta. Pensar é pensar o real. O texto aparece por vezes, como o substituto do real. O texto aparece-nos por vezes como um pretexto, pois na realidade, nunca pensamos a sós. Mesmo quando pensamos na solidão, nunca é solitariamente que pensamos o real. Há sempre quem esteja a pensar como nós e em algo em que sempre pensamos.
A dimensão interrogativa do pensar é fundamental, mas não é conveniente transformar a filosofia numa constante interrogação. O caminho que nos leva às respostas é importante para a crítica das próprias respostas, pois essas críticas têm que ser fundamentadas.
Emitir juízos não significa só ter em conta as coisas, mas as relações entre as coisas. O real não é uma colecção de factos ou coisas, mas um sistema de relações e isto é importante ter em conta quer do ponto de vista gnosiológico como ontológico.
Para emitir juízos é preciso conhecer. Embora aos juízos possam ser atribuídos fundamentos (como por exemplo o sentimento, a vontade, a liberdade) o juízo tem que ter uma certa preocupação com o real; com a objectividade. Conhecer é o conteúdo determinado dum objecto mas não é só isso, pois é preciso constituir conexão com os outros objectos. Na própria unidade das coisas existe o múltiplo. É o eterno problema da identidade e da diferença que nos vem desde Parménides. Este conhecer é um processo que não se esgota na intuição - na contemplação de algo - imediata da consciência. Este conhecer não se pode reduzir à intuição. O real inclui o existente, mas é capaz de não ser só o existente. Hegel, por exemplo, diz-nos que conhecer não é limitarmo-nos à representação imediata, às intuições, mas às múltiplas relações de que se constituem e à dinamicidade dentro do próprio mundo dos objectos - que é aquilo que Hegel chama de dialéctica.
Não conhecemos as coisas só pela visão, mas pelo facto de que as manipulamos no nosso dia-a-dia. Para conhecer precisamos de manipular as coisas. A prática é fundamental no processo do conhecimento.
O ponto de vista imediato é insuficiente para dar conta do real e daquilo que é a sua riqueza. A imediatez, como já o afirmei no texto anterior, pode tornar-se na mistificação do próprio real.
Nos últimos dois textos, abordamos a questão do Ser e do Pensar em Kant e em Berkeley.
Neste texto queremos mostrar as múltiplas questões no âmbito gnosiológico e ontológico que a questão do Ser e do Pensar levanta, pois remete-nos para uma concepção, para uma tese. Ser e Pensar não constituem um mero enunciar de entidades várias. Como dizia Aristóteles, "Uma tese é um problema". Não basta a colecção das teses e das respostas, mas também ter presente os problemas. Toda a tese é um problema mas nem todos os problemas são teses. Perguntemos: Qual o problema levantado por detrás da tese Ser e Pensar? Esta tese implica várias questões, porque manifesta não um nexo, uma ligação simples, mas complexa.
Estão presentes vários problemas, pois os sistemas de relações são complexos - Ser é complexo - Pensar é complexo -a ligação entre estas duas entidades é igualmente complexa.
Vejamos então algumas questões subjacentes a esta tese: A problemática do Ser.
Quando falamos em Ser estamos a falar de indivíduos? Ser será coisas, ou um conjunto de coisas? Ser será falar de coisas para além dos indivíduos e da colecção de coisas? Quando falamos do ser, será que falamos do ente que é capaz de pensar os outros seres? E esse ente é um homem individual ou o conjunto da humanidade? Será o ser um pensar? Será o ser não do domínio da consciência, mas um próprio acto? Esse acto é a actualidade das coisas ou é o acto que faz as coisas? Esse acto que apresenta as coisas será uma razão, um espírito, um logos? O ser é um acto, mas será imanente ou transcendente às coisas? O ser é material, ou essencialmente espiritual? O ser define-se pela idealidade?
A Problemática do Pensar
O que é verdadeiramente pensar? Será a sensação? Pensar é sentir? Ou, pelo contrário, o pensar não existe a nível da sensação, mas a nível do entendimento? Ou o pensar desenvolve-se a nível da razão? Ou o pensar envolve um conjunto dessas faculdades? Essas faculdades constituiriam o pensar segundo graus? Será o pensar uma função representativa objectivamente? Ou será a negação deste aspecto e o apelo a outras instâncias humanas (sentimentais, emocionais)? Quais as relações entre o "eu", a consciência e o Pensar?
A problemática Ser e Pensar - suas relações.
Subsiste uma cisão entre o pensar e o Ser. Em que moldes? O que determina essa cisão? O Pensar? O Ser? Ou nenhum deles? Como é que o Pensar determina o Ser? Ou como é que o ser determina o Pensar? E determina-se totalmente?
A questão radical - Será que há o Ser e o Pensar?
Façamos uma crítica geral à problemática do Ser. O Ser não é o ente. O grande problema da metafísica ocidental foi de ter reduzido o ser ao ente, incluindo o divino. Neste sentido estou de acordo com s crítica de Heidegger à metafísica tradicional, que vem apodada com uma menção negativa, precisamente por se ter esquecido do ser.
O filósofo pensa que fala no ser, mas na realidade está sempre a falar do ente, de modos diferentes, como, por exemplo, a res, a geits, a substância, etc.
Compreende-se agora o contexto da pergunta fundamental de Heidegger feita no princípio da obra "Introdução à Metafísica" -Porque é que existem os entes, e não o nada? Pergunta que remete para o horizonte existencial do homem.
A diferença ontológica fundamental é precisamente um ser que não se quer apresentar como ente - o Ionismo apresentou-se como uma tentativa. O "Denken", o pensar, não deve ser entendido como o racional mas também como uma experiência. Com Kant a intuição intelectual ficou vedada pois a razão é finita. Uma outra dimensão se abre - a experiencial.
A questão do Ser é capaz de não ser a questão ontológica fundamental. A questão do Ser é capaz de ser uma questão menor. Talvez que a grande questão seja a questão da consciência - a experiência vivencial. A questão não é a do ser mas é a - de se ser - consciência disso.
A questão da consciência faz apelo à dimensão dos níveis de consciência, com êxito no campo da fenomenologia e da psicanálise. A questão não está no ser mas na experiência do ser - no ser-se.
Dois tipos de pensar que temos que ter em conta: O pensar entendido como razão, representação, e o pensar entendido como Nous, contemplação.
Estamos agora cientes da falta que constitui a partir de Kant, a negação da intuição intelectual. Os níveis de consciência fazem apelo a uma experiência contemplativa, pensante, realizante. A tese que está suposta por detrás disto tudo e que nos interessa ter sempre presente é que antes duma hermenêutica, duma interpretação, está o observar.