EDITORIAL 4
A sociedade capitalista possui uma lógica dinâmica, podemos mesmo chamá-la de dialéctica, não no sentido da aplicação artificial duma grelha interpretativa a uma dada realidade mas porque é a própria realidade social que é dialéctica. Isto não significa que a sociedade capitalista está predisposta a todas as mudanças sem qualquer tipo de resistências. A história mostra exactamente o contrário e os próprios anarquistas têm imensas Histórias que podem comprová-lo. No entanto, no espaço interior desta dialéctica há uma imensa extensão de resistências, de rupturas com a mudança, de constantes tentativas para manter uma certa inalterabilidade.
Hoje em dia a prática social sofreu alterações, o seu principal fundamento reside na justificação. O protagonista principal desta atitude é o Estado. É desta maneira que ele pretende justificar as suas acções e deste modo justificar-se a si próprio. É desta maneira que ele pretende convencer a opinião pública e os diversos grupos sociais. A verdade é que ele tem-se saído bem.
Um dos braços principais do Estado são as diversas forças policiais. Nos últimos meses têm saído notícias que não nos podem deixar indiferentes. Vejamos alguns exemplos: Em primeiro lugar e cada vez com um maior grau de insistência, o facto do governo já considerar a possibilidade de sindicatos na polícia. Em segundo lugar a comunicação oficial onde se afirma que a PSP vai deixar de ser uma organização para-militar. Finalmente a notícia amplamente difundida pelos meios de comunicação social de que uma esquadra da grande Lisboa inaugurou nas suas instalações um painel realizado por quatro artistas com o propósito de uma maior humanização do espaço.
Com tantas e tão boas notícias sobre a polícia que até é comandada por um governo “socialista com preocupações sociais”, como se compreende que o nome de Portugal apareça mais uma vez no relatório anual da Amnistia Internacional com vários exemplos de atropelo aos direitos mais essenciais? Não tenhamos dúvidas, podem ser feitas algumas pequenas alterações no relacionamento quotidiano entre polícia e cidadãos mas o aspecto essencial de opressão e de imposição da autoridade mantêm-se inalterável.
Mesmo todas estas “novidades” que se mencionaram podem não se concretizar pelo menos a curto prazo porque se é verdade que o regime defendido pelos dois últimos governos é o mesmo, há uma diferença a considerar entre os dois primeiros-ministros. O anterior nunca se enganava, enquanto que este já afirmou que se engana muito. Entre um, ( foi o que se viu) e outro, ( é o que se vê) venha o diabo e escolha.
O facto mais significativo dos últimos tempos do ponto de vista ideológico, apesar de muitos falarem do fim das ideologias, o que contestamos integralmente, embora este tema só por si merecesse um estudo à parte, foi a deslocação do primeiro-ministro “socialista” ao hospital visitar o supra sumo dos comunistas portugueses a recuperar dum problema fisiológico. Facto que consideramos da maior importância política e que por ironia até passou despercebido pela comunicação social. Entendamos-nos: não foi a estadia hospitalar que passou despercebida, foi a ida ao hospital do “socialista” primeiro-ministro que não foi noticiada com a mesma enfâse com que foi noticiado o internamento hospitalar.
Historicamente falando foi a visita reverente do discípulo ao mestre. 1846, é o ano da ruptura entre dois homens, cada um representando uma concepção do socialismo. No mês de Maio desse ano, Karl Marx, inspirador e líder do socialismo alemão, envia uma carta a Pierre-Joseph Proudhon, inspirador do socialismo francês. Proudhon responder-lhe-à e será o fim da unidade do socialismo, que bem vistas as coisas nunca existiu. Duas correntes vão desenhar-se, uma na sequência de Marx, dirigindo-se na direcção do totalitarismo, o estatismo e a perda des liberdades, a outra, ao lado de Proudhon, tentando realizar a associação dos homens livres e dos povos independentes. Duas correntes que, não pararão de degladiar-se, e que ainda hoje, dividem maneiras de pensar e de sentir. Ser socialista só pode ser entendido em rigor e com objectividade histórica, por uma das duas vias que foram estabelecidas a partir da I Internacional dos trabalhadores em 1864: a via autoritária e a via anti-autoritária, ou seja, o socialismo marxista e o socialismo proudhoniano.Todos os outros “socialismos”, desde Eduard Bernstein até hoje, situam-se na órbita do chamado revisionismo, uma derivação do marxismo, considerada nefasta por este último. Trata-se fundamentalmente da integração do movimento social contestatário na lógica de uma economia de mercado capitalista apoiada por uma forte burocracia estatal segundo moldes variados, desde o “socialismo real” até ao socialismo lusitano que prega, na teoria, preocupações de ordem social.
Apesar das diferenças que podem naturalmente ser apontadas entre o comunista e o “socialista”, têm uma proximidade ideológica e podemos mesmo dizer afectiva, muito maior que a ideologia dominante pretende mostrar. Por isso mesmo a comunicação social, mesmo aquela que se apelida de independente, não deu relevância ao acontecimento.
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