Friday, February 23, 2007

PROUDHON E O PENSAMENTO COMO ACÇÃO


A vida inteira, e por conseguinte toda a obra de Pierre Joseph Proudhon, nasceram de uma revolta e de um projecto que não cessou de assombrá-lo. A revolta elaborou-a, por instinto e reflexão, contra a injustiça do mundo que tem sob os olhos: "Disse um dia para comigo:" Porquê, na sociedade, tanto dor e miséria? O homem deve ser eternamente infeliz?"" {Primeiro Memória, p. 134). O projecto correspondente é lutar sem repouso para fazer avançar a revolução que, sozinha, alterará este estado de coisas: "É necessário que mate, num duelo em excesso, a desigualdade e a propriedade" (A Ackermann, do 12 de Fevereiro de 1840, Cor.,1-185). Fora desta motivação e os objectivos que determina, pode dizer-se que nada - pelo menos na esfera pública - parece-lhe ter alguma importância.
Mas como lá chegar? Outro aspecto essencial do pensamento proudhoniano está, a partir da sua formação, rejeitar a simples tomada do poder político à qual limitam-se a maior parte dos sobressaltos que se proclamam revoluções. De acordo com Proudhon, esta valsa dos governos não altera nada na sociedade e não faz por conseguinte que agravar os males de que ela padece, porque exacerba os relatórios de dominação em vez de os suprimir. Sem uma análise que engloba factos sociais, condição de uma radical conversão das mentalidades e os comportamentos, pode-se conduzir apenas a malogros cujo efeito será desconsiderar os revolucionários e desesperar os oprimidos.
É por isso que quando quebra amarras e lança, como uma garrafa ao mar o
seu escaldante Que é a Propriedade?' (1840) - que propõe-se ser não a partida da Revolução mas o seu sinal precursor - Proudhon limita-se a este grito concentrado, sem estar a preocupar-se no imediato em procurar apoios ou contar os seus partidários.
Como de resto o poderia fazer? Obscuro trabalhador tipógrafo, mal conhecido na sua própria cidade, está sem meios e sem relações, e tem à sua disposição unicamente a sua pluma e a força da ideia. Não é chefe de escola, nem mesmo condutor de um grupo que entre na vida pública mas numa orgulhosa solidão e, cedo, a abominação não somente dos seus adversários naturais mas a maior parte dos que deveriam estar ao seu lado.
Mesmo após o barulho que provocou este golpe de ensaio fracassado, o seu autor – que ninguém pode mais ignorar doravante nem à direita, nem à esquerda – continua a estar no entanto isolado entre os seus pares, e tem as aparências de puro teórico, pouco preocupado em resultados imediatos.
Mal tentou algumas controvérsias com os outros representantes do socialismo nascente, que o autor da frase demasiado famosa que não cessará de marcá-lo – "a Propriedade é o roubo" – publica um enorme empedrado {da Criação da Ordem na Humanidade, 1843) que não somente não trata de nenhuma pergunta prática mas tem o ar fazê-lo todo para desencorajar a leitura. Após os vários anos suplementares de maturação, e enquanto que se anunciam em França mudanças iminentes, os dois volumes das Contradições económicas (1846), embora girem desta vez para o concreto, apresentam-se como meramente científicos. Defrontam-se de resto com uma incompreensão que não chega a quebrar a resposta, ainda mais confidencial, de um desconhecido do nome de Karl Marx. Ao ponto que Proudhon, desencorajado, pensa seriamente cessar escrever para empreender uma carreira na indústria ou no comércio.
Aquele que se propunha deitar por terra a sociedade para a substituir por um edifício ainda mais radicalmente novo que este, construída pelos gigantes de 89-93 e deixada incompleta, não lhe parece decididamente ter a dimensão daqueles que pretende suceder. Estaria apenas pelo seu pouco dom para a arte oratória (" a natureza recusou-me o dom de bem dizer", Confissões, p.200) ao qual os grandes antepassados tivessem tido o essencial dos seus sucessos. De modo que seja privado de porta-voz dos "clubes", há pouco privilegiado, e de resto em confusão o vazio sonoro. Mesmo o seu estilo, que tivesse feito a sua fama, perdeu uma parte da sua violência destrutiva. Renunciando a seduzir, parece esforçar-se a desconcertar tanto os manipuladores da opinião que as audiências populares.
Isso não é nada junto dos silêncios que, mesmo em relação aos melhores colocados, cercam a sua concepção dos meios que desencadearão a revolta libertadora. Que recuse os equívocos da tomada do poder é uma coisa. Mas pode-se admitir que seja a ponto de opor similar desdém ao povo revoltado aquando das exaltantes jornadas de Fevereiro de 48, rosnando que uma revolução também vazia de ideias não pode acabar bem? Para fazer uma boa ideia, este desconcertante revolucionário recusa tão energicamente a via do falanstério então em voga, que se propõe gerir a sociedade futura a partir de algumas células perfeitas. No entanto denuncia tão firmemente a impotência do reformismo parlamentar. À pergunta "Que fazer?" poucos homens parecem ter respondido de maneira tão pouco explícita.
Após uma entrada em cena memorável, simpatizantes e naturalmente adversários suspeitam que Proudhon não seja diferente destes batedores de estrada que denuncia, anfitriões cujas gesticulações divertem por momentos o público mas terminam por o cansar porque parecem ir a nenhuma parte. Quem o conhece ligeiramente sabe que não é nada, mas não se pode evitar colocar a questão: este diabo de homem veio apenas para aquecer os espíritos ou será capaz de realizar um dia o que preconiza?
Indubitavelmente desdenhosos do que tem para vã agitação, e pouco dotado para as soluções fáceis, este guia desconcertante não tem menos da acção que uma ideia muito elevada e profundamente apoiada. No prolongamento da sua afirmação, repetidamente expressa, segundo a qual a inteligência criadora é o prolongamento do trabalho das mãos, recusa-se a dissociar o pensamento da acção, porque é para ele apenas as duas faces inseparáveis de uma mesma realidade humana. As suas declarações a este respeito nunca têm variado, limitar-nos-emos a este texto que o exprime em toda a clareza:
"... passar da especulação à acção, não é mudar de papel:" agir é
sempre pensar; dizer, é fazer, dictum factum. Não há diferença aos meus
olhos entre o autor que medita, o legislador que propõe, o jornalista que escreve, e
o homem de Estado que executa".(Confessions, p.193).

Assim Proudhon põe com mais força ainda que um Marx, porque coloca-se no plano ético, não tanto a primazia da praxis que o carácter activo de qualquer pensamento digno desse nome. Quando fala e sobretudo quando escreve, é para transformar o mundo, não para se entregar a uma vã parada de homem de letras. Situado neste nível, o discurso pode ter efeitos bem superiores aos de um efémero movimento de rua ou um gesto político, um como o outro sem amanhã.
O que conta, porque o único capaz de comprometer o futuro, é trabalhar incessantemente e de indicar tão largamente quanto possível resultados sujeitos a revisão confrontando-o com a experiência."Ideo-realismo" que volta as costas às ideologias para tentar abraçar o real.
Seguidamente virá a lenta tomada de consciência pelo povo, que continua sem o saber o inspirador, dos meios da sua libertação. O que serviria lançá-lo prematuramente na arena, se não provocasse o seu esmagamento? Porque a democracia, para não ser um engano, só se realizará através da educação progressiva das massas que, abandonadas a elas mesmas, são apenas esta vil multitude da qual falam os reaccionários que não se deve sobretudo imitar. O neto do jacobin Tournési não parou de afirmar que para ele "Democracia significa Demopedia, educação do povo" ( à Madier -Montjau, do 23 de Fevereiro de 1852, Cor. IV-217). E, ao dizer isto, tudo disse.
Ansioso "por acção, mas convicto que ela nunca não será suficientemente preparada, Proudhon quer agir primeiro pelo pensamento e pela escrita, desde que sejam o fruto de honesta e paciente investigação contrariamente às vãs palavras dos políticos." A partir dos anos 50, fá-lo com ainda mais ardor pois renunciou à qualquer outra actividade. Livros, brochuras e panfletos, ataques e defesas, sucedem-se a um ritmo desenfreado.
Nem uma entre estes milhares de páginas que não seja uma máquina de guerra dirigida contra a desordem estabelecida.
A esta artilharia acrescentar-se-á, após a revolução falhada de 48, a cavalaria ligeira do jornal. Proudhon, a quem no entanto convinha um meio de expressão assim adaptado ao combate aproximado, não se lançou sem hesitação porque temia os equívocos. Ainda mais expostas que os livros às preocupações do Poder, as suas sucessivas experiências jornalísticas foram curtas. Os que proibiram tais experiências sabiam perfeitamente onde estava o seu adversário.
Os jornais de Proudhon, sobretudo os dois primeiros, permanecem entre os raros que, na época desprezaram as futilidades ou as diversões para fazer uma autêntica obra educativa. Quando retorna do exílio, o seu animador, esquecendo as suas reservas contra a imprensa, lamentará amargamente não dispor mais deste meio para se fazer entender. Guardará bem melhor lembrança que da sua experiência parlamentar, mais curta ainda, onde no meio de vários dissabores o único dos seus projectos que chegou a ser discutido, recolheu apenas uma única voz para além da sua: a do corajoso trabalhador Greppo que confessou de resto nada ter compreendido! De que serve confirmar amplamente um cepticismo já bem ancorado em comparação à pseudo -"acção" que se leva na tribuna?
Arrancado quase contra a sua vontade à sua solidão pelos acontecimentos que a partir deste período da sua vida mais não cessaram de persegui-lo, Proudhon será condenado seguidamente ao exílio e consequentemente (mas esta vez contra a sua vontade) de novo de volta à solidão. Sabe-se qual a enorme empresa de revisão e de aprofundamento daí resultará. Contudo, mesmo afastado da vida pública como estará após o seu regresso a França, tornar-se-á nos últimos anos da sua vida mais atento às lutas da praça pública e às possibilidades de desempenhar um papel, pelo menos por discípulos interpostos. É então que encontramos, nos seus escritos publicados ou na sua correspondência, indicações mais precisas sobre a forma como encarava a realização prática das suas ideias.
Também sempre oposto às revoltas violentas e vãs como aos simulacros eleitorais, presta doravante cada vez mais atenção ao que designa como "a formidável alavanca da associação" (Manual do Especulador na Bolsa, 3ª ed. p. 173). Na passagem de uma das suas mais famosas fórmulas "o atelier fará desaparecer o governo" (Carta a Pierre Leroux, Cor. XIV-290) este meio de transformação da sociedade, porque coloca em jogo a tomada de responsabilidade dos próprios trabalhadores e a autonomia das suas decisões, parece-lhe mais capaz de agir sobre os fundamentos da economia para os fazer evoluir do interior. Em verdade a questão não fica totalmente resolvida, porque se ele vê o poder da relação associativa, as suas perversões possíveis também não lhe escapam.
É no entanto nesta via de uma participação efectiva e imediata dos interessados nos seus próprios negócios que o pensamento proudhoniano concebe a acção revolucionária. Esta distinguir-se-á cada vez menos para ele por um reformismo consequente, permanente, e generalizado. Pouco antes da sua morte Proudhon mostrar-se-á atento às chamadas da fracção mais consciente da classe operária, acompanhando assim os primeiros passos o que vai cedo tornar-se a Associação internacional dos Trabalhadores. Destes contactos sairá a sua última obra, Da Capacidade Política das Classes Operárias (1865) que, pela primeira vez, esboça sob a sua pluma um verdadeiro programa de acção. Esse estudo excede o quadro deste artigo. Contentemo-nos ao dizer que em matéria política Proudhon renuncia a preconizar a abstenção dos trabalhadores às eleições enganadoras e organizadas pelo Império decadente e – como indica-o o título do livro – declara-se favorável a candidaturas operárias distintas das da burguesia republicana. O objectivo social, o único decisivo aos seus olhos, é constituir uma rede de associações de produtores que, agarrando por etapas da realidade do poder, terminará por estabelecer um sistema geral de mutualidade federalista (ver nomeadamente Capacidade, pp.188-189 e 214).
No entanto, mesmo quando se preocupa em influenciar directamente o curso da história, Proudhon propõe-se continuar a ser fiel ao anti dogmatismo que sempre foi a sua regra. Em especial é contrário a algo que poderia assemelhar-se a um "partido proudhoniano" porque tal formação, hierarquizada e catequizada, seria para um anarquista uma contradição nos termos. Diversas respostas feitas aos que o interrogavam a este respeito, retém-se esta que as resume a toda:
"Que se agora era necessário concluir (...) pela existência de um partido" proudhoniano, dado que você emprega o epíteto, creio que seria expor-se a uma grande decepção. O povo pode ser de um partido Blanqui, Mazzini ou Garibaldi, ou seja de um partido onde se crê, onde se conspira, onde se bate; nunca de um partido onde se raciocina e onde se pensa "(a Alfred Darimon, 14"10-60, Cor. X-177).
O "partido da revolução" que é o seu desde sempre e do qual chama a sua constituição no subtítulo do Princípio Federativo - o outro livro programa da última época não terá nada de comum com as formações que preconizam " fórmulas imutáveis" e não são que seitas (A Paul Robert, do 15-4-50) Cor, III-206). Bem pelo contrário este partido deve ser o da adesão livre, da livre investigação e da livre discussão. Mas também das realizações concretas, tão modestas que possam ser.
Os que aspiram à honra de orientar tal movimento recusarão sempre manterem-se os condutores do povo e não são mais que os seus servidores.
Pelo seu lado o povo, a não ser negar-se, não saberia reconhecer-se mestre e conectar-se por delegações permanentes. Regras que Proudhon rigorosamente impôs no que lhe dizia respeito e coloca na base de toda e qualquer acção cívica. Para ele são as obras que importam, não os manifestos eleitorais, as acções dignas deste nome e não gritos ridículos e trocistas. E é nunca tido como adquirido que a sua inspiração permanece viva.
Se Proudhon se tivesse mostrado tomando de assalto a fortaleza estatal para vir ocupar esse mesmo lugar, se tivesse subjugado algum tempo uma assembleia desde há muito desaparecida, interessar-nos-íamos por ele tanto como por outros personagens históricos. Quanto mais é estimulante confrontar-se com um pensamento sempre em movimento, não para o aplicar mecanicamente a um contexto profundamente diferente mas para conservar a inspiração autêntica que, tida conta dos indispensáveis ajustamentos, continua a ser válida para o nosso tempo. É assim apenas que ser-lhe -emos fiéis.